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INOCÊNCIA

por Visconde de Taunay


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SOBRE O
AUTOR
UM DOS FUNDADORES DA
ACADEMIA BRASILEIRA DE
LETRAS, OCUPANDO A
CADEIRA N.° 13.

Nome: Alfredo d'Escragnolle Taunay


Nascimento: 22 de fevereiro de 1843
Morte: 25 de janeiro de 1899 (55 anos), vítima de diabetes
Ocupação: Escritor, militar e político brasileiro
Formou-se em Ciências Sociais e Matemáticas na Escola Militar.
Participando da Guerra do Paraguai, onde presenciou vários
episódios importantes que foram relatados no livro A Retirada de
Laguna (1871), além de ter tido contato com algumas regiões do
interior do Brasil, principalmente o Mato Grosso, o que lhe serviu
de experiência e inspiração para desenvolver seu mais conhecido
romance: Inocência (1872), que obteve enorme sucesso popular.
Além da carreira militar e literária, destacou-se também na política:
foi senador e deputado pelo partido conservador em Santa Catarina.
Com o advento da República, acabou se afastando do meio político.
SOBRE O AUTOR

Com um estilo simples e agradável, e com características que às vezes fogem do estilo
romântico, Visconde de Taunay se impõe sempre como um observador ao descrever as
paisagens e personagens e ao desenvolver seus enredos. Inocência, por exemplo, é
considerado a maior obra regionalista brasileira. Nele, Taunay consegue aliar a inocência,
a pureza e a beleza da mulher romântica, encarnada na personagem "Inocência", a uma
descrição minuciosa da realidade, da vida cotidiana do sertanejo, muitas vezes mostrado
como rude e ignorante. Embora seja um escritor do Romantismo, sua preocupação com a
descrição detalhada do cenário e das personagens já se mostra muito próxima aos ideias
do Realismo, o que caracteriza a obra do romancista carioca como uma fase de transição
dentro de nossa literatura. Porém, mais do que contar as desventuras amorosas da
heroína, o objetivo do livro é mostrar o confronto de dois mundos diferentes: o mundo
dos costumes, tradições, crenças e preconceitos do homem do sertão contra o mundo
liberal e mais intelectualizado do homem da cidade. Como no romance realista, algumas
das personagens criadas por Taunay são consideradas protótipos de grupos sociais,
sempre agindo e, ao mesmo tempo, sendo corrompidos pelo meio em que vivem.

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ENREDO DO LIVRO
O jovem farmacêutico Cirino, em viagem de trabalho pelo sertão, hospeda-se na casa de um homem que conhecera no
caminho, o Sr. Pereira. Ali, conhece Inocência, filha do dono da casa, e apaixona-se por ela, mas tem que lidar com
alguns obstáculos. A moça estava prometida em casamento a Manecão e Pereira se mostra bastante zeloso da palavra
empenhada, exercendo forte vigilância sobre o farmacêutico. Chega ao lugar o cientista alemão Meyer, estudioso de
borboletas, trazendo boas indicações do irmão do Pereira. A admiração do estrangeiro pela beleza de Inocência
transforma a receptividade inicial do dono da casa em antipatia mal disfarçada. Em respeito ao irmão, Pereira trata o
estrangeiro com educação. Cirino, de sua parte, nutre certo ciúme, desconfiado das intenções do cientista. Meyer nada
percebe, mantendo-se concentrado em suas pesquisas e parte assim que termina o trabalho. Cirino e Inocência
declaram-se um ao outro.

Prevendo a resistência do pai, a moça sugere que o amado visite seu padrinho, Antônio Cesário, que mora em uma
cidade próxima. A jovem acredita que o padrinho pode ajudar a convencer o pai a romper o compromisso com
Manecão. Cirino parte, alegando que a viagem é para comprar medicamentos. O moço conquista a simpatia de
Cesário, que se compromete a ajudar o casal de apaixonados. Na ausência de Cirino, Manecão aparece e reafirma os
propósitos de matrimônio. Inocência recusa-se a cumprir o compromisso assumido pelo pai e provoca a fúria deste e
do noivo. Pereira desconfia de imediato de alguma influência de Meyer na decisão da moça, mas Tico denuncia os
amores de Inocência e Cirino. Cego de ódio, Manecão parte em busca do farmacêutico. Encontra-o no meio do
caminho e, depois de rápido e ríspido diálogo, mata-o. Antônio Cesário chega ao local do crime ainda a tempo de
encontrar Cirino com vida, ouvindo de seus lábios a última palavra: Inocência. A menina morre e, dois anos depois,
Meyer celebra, na Europa, o sucesso de sua descoberta: uma nova espécie de borboleta que ele batiza com o nome da
moça.
PERSONAGENS
PRINCIPAIS

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Inocência – tem cabelos longos e pretos, nariz fino, olhos matadores, beleza deslumbrante e incomparável, faces
mimosas, cílios sedosos, boca pequena e queixo admiravelmente torneado. De beleza rara, Inocência é simples,
bonita, arisca, humilde, meiga, carinhosa, indefesa e eternamente apaixonada.

FERNANDA TORRES NO FILME


"INOCÊNCIA" (1983)
Cirino – autointitulado médico, mas é prático em farmácia. Possuía um famoso Meyer – alto, rosto redondo, juvenil, olhos claros, nariz pequeno e arrebitado, barbas
Dicionário de Medicina Popular para orientá-lo no tratamento das doenças populares do compridas, escorrido bigode e cabelos muito louros. Pessoa de boa índole, esperto em
sertão. Apesar de sua instrução, que o liga ao mundo urbano, suas origens e sua sua função e simples ao pronunciar as suas palavras. Admirador da natureza e da
profissão mantêm-no ao mundo rural. Ele conhece e respeita os valores desse universo, beleza de Inocência.
embora discorde da postura de Pereira com relação à mulher. “Era homem que trajava
ainda à moda antiga, usando de sapatos de fivela, calções de braguilha, e cabeleira Manecão – noivo de Inocência. Homem rude, mas decente, trabalhador, sério e
empoada com o competente rabicho. A sua reputação de pessoa abastada era, em toda acumulou fortuna, era dotado também de certa macheza. Alto, forte, pançudo e usava
a cidade de Ouro Preto, tão bem firmada quanto a de refinado sovina, chegando a voz bigode. Enfim, vaqueiro bruto do sertão. Pessoa fria que matava, se fosse preciso, em
público a afirmar que o seu dinheiro, e não pouco, estava todo enterrado em numerosos defesa de sua honra.
buracos no chão da alcova de dormir.” (página 18) “Tinha quando muito vinte e cinco
anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados Maria Conga – escrava de Pereira que cuidava dos afazeres domésticos
quase à escovinha e ar tão inteligente quanto decidido.” (página 9)
Antônio Cesário – padrinho de Inocência. Homem respeitado, de palavra, honesto e
justo. Fazendeiro do sertão.
Pereira – pai de Inocência. Homem rude, com visão machista e patriarcal, de mais ou Tico – o anão guardião de Inocência. Mudo, raquítico, esperto e fez por um momento, o
menos 45 anos, gordo, bem disposto, cabelos brancos, rosto expressivo e franco. O papel de fofoqueiro.
narrador chama-lhe “legítimo sertanejo, explorador dos desertos”. Pessoa honesta,
hospitaleiro, severo e não trocava a sua palavra nem pela vida, zeloso do compromisso José Pinho (Juque) – ajudante de Meyer. Era muito intrometido em conversas alheias.
de honra assumido com Manecão, a quem prometera entregar a filha em casamento. Pessoa boa e de confiança de seu patrão.

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ANÁLISE DA VISÃO DE BRASIL
Inocência é uma história de amor impossível, Nos romances sertanejos, há o destaque da oposição entre campo e cidade,
envolvendo Cirino, prático de Farmácia que se natureza e cultura, o que também se verifica em Inocência. Nesta obra, o
campo representa um lugar intocável, mantêm-se inalterados os costumes,
autopromoveu médico, e Inocência, uma jovem
o patriarcalismo, a palavra jurada, a honra familiar, a submissão da filha ao
do Sertão de Mato Grosso, filha de Pereira, pai. A cidade, que podemos representá-la pela presença de Cirino e Meyer,
pequeno proprietário típico da mentalidade forasteiros que trazem a civilização e também a modernidade a lugares
vigente entre os habitantes daquela região. quase ermos, cria conflitos na medida em que há alteração na casa de
Pereira quanto aos seus preceitos, que, inicialmente, encontravam-se
A realização amorosa entre os jovens é inabaláveis.
improvável porque Inocência fora prometida em
Todavia, quando interferem, opinando sobre a posição da mulher naquele
casamento pelo pai a Manecão, um rústico
mundo arcaico, algo deve ser feito para que não se modifiquem os padrões
vaqueiro da região; e também porque Pereira já instituídos, tentando-se reparar aquilo que pode ser mudado. Cirino, ao
exerce vigilância sobre a filha, pois, de acordo penetrar no quarto de Inocência sem a presença do pai, invade um lugar
com seus valores, ele tem de garantir a sagrado e intransponível para estranhos; os elogios incessantes de Meyer à
integridade de Inocência até o dia do casamento. moça marcam diretamente o posicionamento de ambos e convergem para o
confronto da mentalidade do campo e da cidade.
Ao lado dos acontecimentos, que constituem a
trama amorosa, há também o choque de valores
entre Pereira e Meyer, um naturalista alemão que
se hospedara na casa de Pereira à procura de
borboletas, evidenciando as contradições entre o
meio rural brasileiro e o meio urbano europeu.
Pereira retrata os pais tradicionais
encarregados de manter em rédea curta as Conforme a concepção do pai, a filha
mulheres, especialmente as filhas. Elas significava um estorvo pelos cuidados que
eram consideradas perigosas, podiam necessitava, e o casamento traria alívio para
arruinar uma família, por isso deveriam ele, transferindo a responsabilidade da moça
ficar atentos a elas. Assim, as mulheres para o futuro marido, além disso, traria um
eram uma ameaça constante para o amparo, pois não sabia o paradeiro do seu
equilíbrio familiar e, devido a esse irmão e não tinha mãe para dela cuidar.
motivo, ficava mais fácil casá-las para
transferir a responsabilidade para o
esposo.
A composição e o relacionamento entre
os membros familiares estimulavam a
afirmação e dependência da autoridade
paterna e a solidariedade entre os
parentes. Nos primeiros séculos de
colonização, a família localizada no
ambiente rural condicionou seus
membros a estabelecerem relações
aparentemente estáveis, permanentes e
tradicionais. O chefe da família cuidava
dos negócios e tinha por princípio
preservar a linhagem e a honra familiar,
exercendo sua autoridade sobre a mulher,
os filhos e os demais dependentes sob sua
influência, que ocorria sempre em família
numerosa.
Manecão aparece para realizar um desfecho trágico que
cabia a ele. Para o sertanejo, estava dentro dos padrões
usar a violência em nome da honra, pela convivência e o
apoio para tal atitude, diferenciando-se do homem
civilizado nesse ato, ainda tradicional, de resolver
assuntos passionais e honrar a família com o sangue de
outro. Para Manecão e Pereira, a punição significa justiça,
uma manifestação da postura de ambos diante da
sociedade, além de evidenciar a sua dignidade e boa
índole.
O duelo e a batalha são componentes imprescindíveis
para se adquirir mais honra ou recuperá-la sem ser pela
desonra alheia. A derrota não desmerece o homem, o
combate com inimigo mais forte já sabendo de sua
derrota é das ações mais nobres que existem. Derramar o
sangue redime e reconcilia. O sangue tem suas virtudes,
revigora a honra e fortalece a nobreza. Vigiar a mulher
significa proteger sua castidade, nada mais habitual em
privá-la da vida social e as influências que poderiam
desvirtuá-la.
Um atributo inerente ao machismo é a honra. O homem
tem a obrigação de defendê-la, pois é necessário manter a
reputação de macho. Quando desafiado, ele deverá
reparar a ofensa seguindo seus códigos de valores e, para
reafirmar-se como homem, é obrigado a cobrá-la.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A borboleta é capturada e morta, para ser exibida na


Europa: sai do seu meio ambiente através da morte.
Inocência, prisioneira e vítima de seu meio, transcende-o
e se liberta apenas pela morte. Ambas representam a
ideia de beleza e de fragilidade. Enquanto a borboleta se
eterniza e perpetua o nome de Inocência, espetada pelo
Inocência é, muitas vezes, comparado à
tragédia de William Shakespeare,
cientista num estojo de colecionador, a personagem do
Romeu e Julieta por tratar de um amor romance é eternizada pelo romancista.”
impossível. Alguns o chamam de
Romeu e Julieta sertanejo.

A obra Inocência foi impressa por meio de folhetins, publicados em 1872 por Visconde de Taunay, de acordo com a
pesquisa realizada, esse tipo de leitura era dedicado principalmente às mulheres da classe média alta da sociedade
daquela época. A partir da leitura do romance, podemos destacar que, um dos pontos enfatizados pelo autor, é o
fracasso de uma sociedade altamente conservadora, com a idealização de uma mulher limitada, entregue aos caprichos
do pai e posteriormente de seu marido. Inocência nos mostra uma figura frágil da mulher do século XIX, com um
desfecho trágico e imerecido. Podemos salientar que essa visão, abordada pelo autor, despertaria a sociedade daquela
época para o comportamento abusivo adotado pela família sertaneja, semelhante aos costumes da antiguidade.

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