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O TEMPO EM BOM CRIOULO

Adolfo Caminha
Contexto histórico ( de escrita)
“O tema da Abolição e, em segundo tempo, o da República
serão o fulcro das opções ideológicas do homem culto
brasileiro a partir de 1870. Raras vezes essas lutas
estiveram dissociadas” (BOSI, 2013, p. 174).

“O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no


conto, sempre que fizer personagens e enredos
submeterem-se ao destino cego das "leis naturais" que a
ciência da época julgava ter codificado” (op. cit., p. 178).
Tempo histórico (no romance)
“Inda estava longe, bem longe a vitória do abolicionismo, quando Bom-Crioulo, então
simplesmente Amaro (...)” (CAMINHA, pg. 08)

“Rio de Janeiro tão falado, onde havia uma grande montanha chamada Pão d’Açúcar e
onde o imperador tinha o seu palácio, um casarão bonito com paredes de ouro...”
(CAMINHA, pg. 16)

“O retrato do imperador sorria-lhe meigo, com a sua barba de patriarca indulgente. Era o
seu homem. Diziam mal dele, os tais “republicanos”, porque o velho tinha sentimento e
gostava do povo...” (CAMINHA, pg. 39)

“Outras bocas foram transmitindo a ordem té que surgiu, correndo, a figura exótica de
um marinheiro negro, d’olhos muito brancos, lábios enormemente grossos, abrindo-se
num vago sorriso idiota (...)” (CAMINHA, pg. 02)
O governo promulga leis contra a
escravatura, levando, finalmente, à
abolição em 1888.

O Segundo Reinado corresponde ao
período de 23 de julho de 1840 a 15
de novembro de 1889, em que o
Brasil esteve sob reinado de D.
Pedro II (1825-1891).

“Em razão da necessidade imperativa de um maior contingente de militares para


finalizar a guerra do Paraguai [1864-1870], o Imperador Pedro II decidiu ser mais
assertivo quanto à libertação dos escravos para que pudessem ingressar nas fileiras e,
adiante, integrar o Exército e a Marinha.” (HALPERN, p.170)

Possível período em que se passa o romance: 1870-1891.


Tempo verbal
“A velha e gloriosa corveta — que pena! — já nem sequer lembrava o mesmo
navio d’outrora (...)” (CAMINHA, pg. 01)

“Estava outra, muito outra com o seu casco negro, com as suas velas
encardidas de mofo (...) (CAMINHA, pg. 01)

Pretérito imperfeito do indicativo


Tempo cronológico (macro)
          18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Amaro

                                  15 16 Aleixo

20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 Carolina

17 16 15 14 13 12 11 10 09 08 07 06 05 04 03 02 01 00 01 T. Cronológico

Amaro, aka Bom-Crioulo


18: História de Amaro que fugiu da fazenda:
“Menor (teria dezoito anos), ignorando as dificuldades por que passa todo homem
de cor em um meio escravocrata (...)” (CAMINHA, pg. 08)
30: início da história narrada, ele tem 30 anos:
“Contava então cerca de trinta anos e trazia gola de marinheiro de segunda-
classe.” (CAMINHA, pg. 11)
Tempo cronológico (macro)
          18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Amaro

                                  15 16 Aleixo

20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 Carolina

17 16 15 14 13 12 11 10 09 08 07 06 05 04 03 02 01 00 01 T. Cronológico

Dona Carolina
20: O relato mais antigo em relação ao tempo cronológico, ela com 20 anos:
“Quando moça, tinha seus vinte anos, abrira casa na rua da Lampadosa.” (CAMINHA, pg.
26)
38: Mostra ela mais madura com 38 anos, já no ano 01 depois do início da narração:
“Outras mais velhas gabavam-se, por que é que ela, com os seus trinta e oito anos, não
tinha o direito de gozar? Histórias! mulher sempre é mulher e homem sempre é homem.”
(CAMINHA, pg. 34)
Tempo cronológico (micro)
Ano 00

verão outono inverno primavera  

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

            Item 03 01 e 02

Ano 01 depois do início

verão outono inverno primavera  

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

Item 04 05 06, 07 e0 8

01. O trecho indica que a Corveta chegou no verão:


“Em torno da corveta agitava-se uma multidão de escaleres e lanchas conduzindo oficiais de
marinha e senhoras, que acenavam para bordo (...) aquelas em toilettes de verão, muito
rubras do sol.” (CAMINHA, pg. 27)
02. Depois há uma analepse que diz que a Corveta chegou em dezembro, ou seja,
início do verão:
Era justamente em dezembro, mês de epidemias e de insuportável calor. (CAMINHA, pg. 30)
tempo

Ordem Duração

Anacronias Anisocronias

Tempo Analepse Pausa

Prolepse Elipse

Sumário

Digressão
Analepse
“Quando moça, tinha seus vinte anos, abrira casa na rua da Lampadosa. Bom
tempo! O dinheiro entrava-lhe pela porta em jorros como a luz do dia, sem ela
se incomodar. Uma fortuna de jóias, de ouro e brilhante! Já era gorducha,
então: chamavam-na Carola Bunda, um apelido de mau gosto, invenção da
rua...” (CAMINHA, pg. 26)

“Uma coisa desgostava o grumete: os caprichos libertinos do outro. Porque


Bom-Crioulo não se contentava em possuí-lo a qualquer hora do dia ou da
noite, queria muito mais, obrigava-o a excessos, fazia dele um escravo, uma
“mulher à-toa” propondo quanta extravagância lhe vinha à imaginação. Logo
na primeira noite exigiu que ele ficasse nu, mas nuzinho em pêlo: queria ver o
corpo....” (CAMINHA, pg. 28)
Prolepse
“Inda estava longe, bem longe a vitória do abolicionismo, quando Bom-Crioulo,
então simplesmente Amaro, veio, ninguém sabe donde, metido em roupas
d’algodãozinho, trouxa ao ombro, grande chapéu de palha na cabeça e
alpercatas de couro cru.” (CAMINHA, pg. 08)
Pausa
“E tu, como vais, meu crioulo? Dize, conta... Ora, se eu soubesse que eras tu...
Dá cá outro abraço, anda!
Abraçaram-se de novo, com grande alvoroço, rindo, gargalhando, ela de
avental, muito rechonchuda, o cabelo em duas tranças, partido ao meio, Bom-
Crioulo fazendo-se amável, cobrindo-a de exclamações, achando-a mais gorda,
mais bonita, mais moça...
D. Carolina era uma portuguesa que alugava quartos na rua da Misericórdia
somente a pessoas de “certa ordem”, gente que não se fizesse de muito
honrada e de muito boa, isso mesmo rapazes de confiança, bons inquilinos,
patrícios, amigos velhos... (CAMINHA, pg. 25)
(...)
— Vamos, conta-m’lá essa viagem!” (CAMINHA, pg. 27)
Elipse
“Uma!... e sucessivamente: duas!...três ..... vinte e cinco! (CAMINHA, pg. 04)”
“E desfiou a história do grumete. (CAMINHA, pg. 27)”
“O que eles fizeram, antes e depois do banho, ninguém saberá nunca. Os
muros do quintal abafaram toda essa misteriosa cena de erotismo consumada
ali por trás da rua da Misericórdia num belíssimo dia de novembro. (CAMINHA,
pg. 48)”
Sumário
“Bom-Crioulo resumiu em poucas palavras a viagem da corveta: —Seis meses
de estupidez! O Aleixo é que trouxera um pouquinho de alegria, na volta...”
(CAMINHA, pg. 27)
“Durante meses viveu ele uma vida calma, escrupulosamente pautada,
rigorosamente metódica, cumprindo seus deveres a bordo, vindo a terra duas
vezes por semana em companhia de Aleixo, sem dar motivo a castigos ou
recriminações.” (CAMINHA, pg. 28)
Digressão
“Um martelar contínuo reboava ciclopicamente no interior daquela sepultura
de pedra, como numa forja subterrânea; operários em mangas de camisa
recomeçavam todos os dias a mesma faina brutal de calafetar o bojo da velha
“barcaça”, enquanto os marinheiros iam, por outro lado, raspando o mexilhão
que o calor apodrecia no fundo seco do dique. Sufocava, lá baixo, o cheiro
forte dos mariscos em decomposição subindo como bafos de monturo,
resistindo à potassa e ao ácido fênico.” (CAMINHA, pg. 30)
Tempo psicológico
“— Ora, deixa-te de luxo, menino, vamos: tira a roupa.....
Havia luz no quarto, uma luz mortiça, no topo de uma vela de sebo.
— Nem se vê nada..., fez Aleixo choramingando, sem lágrimas.
— Sempre há de se ver alguma coisa...
E o pequeno, submisso e covarde, foi desabotoando a camisa de flanela, depois as calças, em
pé, colocando a roupa sobre a cama, peça por peça. Estava satisfeita a vontade de Bom-
Crioulo. Aleixo surgia-lhe agora em plena e exuberante nudez, muito alvo, as formas roliças
de calipígio ressaltando na meia sombra voluptuosa do aposento, na penumbra acariciadora
daquele ignorado e impudico santuário de paixões inconfessáveis... Belo modelo de efebo
que a Grécia de Vênus talvez imortalizasse em estrofes de ouro límpido e estátuas duma
escultura sensual e pujante. Sodoma ressurgia agora numa triste e desolada baiúca da rua da
Misericórdia, onde àquela hora tudo permanecia numa doce quietação de ermo longínquo.
— Veja logo...., murmurou o pequeno, firmando-se nos pés.” (CAMINHA, pg. 29)
Referências
CAMINHA, Adolfo. Bom-crioulo. Armazém da Cultura, 2017.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo:


Cultrix, 2013. 49 ed.

HALPERN, Elizabeth Espindola e LEITE, Ligia Costa. "Marinha do Brasil:


UMA TRAJETÓRIA DO ENFARDAMENTO". Antíteses, vol. 7, no. 13,
2014, pp. 158-183. Editorial Universidade Estadual de Londrina.  

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