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O enredo na narrativa

In: A natureza da
narrativa. Robert Scholes
e Robert Kellogg.1977.
Considerações iniciais

• O que discute?
Discute o enredo na narrativa da literatura
ocidental  Enredo = Elemento dinâmico,
sequencial da literatura narrativa.

• Como discute?
Através de uma trajetória história, fazendo
um levantamento das várias formas
narrativas, remontando às suas origens,
partindo do pressuposto de que elas
derivam da épica tradicional que, em si, já
é um amálgama de narrativas tradicionais
como o mito sacro, lenda e conto popular
Observações:

• 1) Mito = Narrativa tradicional;

• 2) “Romance” # Romance;

• 3) Em alguns estudos há a diferença entre


“enredo”, “estória” e “ação”, mas no
presente estudo se fará apenas uma
distinção entre “estória” como termo
genérico para a personagem e ação na
forma narrativa e “enredo” como termo
mais específico somente à ação;
Mito

• Mythos  Narrativa tradicional

1) Conto popular imaginativo:


Destinado a divertir a população;
2) Lenda: Conto quase histórico de
acontecimento comuns ou fantásticos,
considerados verdadeiros pela platéia;
3) Mito sacro: Expressão justificativa
para a teologia, maneiras e modalidades.
Mito sacro:
-Forma Lendas e fábulas: Conto
simbólico -Indica efeito de popular
religiosa verdade imaginativo:
-Destinado a
divertir a platéia
Mito sacro:

• Forma mais antiga de narrativa;

• Celebração ritual dos vitais interesses da


raça humana;

• Corporeificação da verdade religiosa, elo


entre mágica e religião;

• Evolui da adoração de fenômenos naturais;

• O mais importante é aquele que está


relacionado aos rituais que comemoram o
ciclo anual da vida vegetativa;
Mito sacro:

• Sociedade primitiva  Tempo como uma


maneira de dividir o ano individual;

• Rituais  Combate anual entre as forças


da fertilidade e da esterilidade, da vida e da
morte, do bem e do mal;
- Expressam um ou mais dos quatro
principais elementos do padrão sazonal, a
saber “mortificação, purificação,
avigoramento e júbilo” (terminologias de
Theodor. H. Gaster)  Ritual da
fertilidade;
Mito sacro:

• Tanto o mito na forma narrativa quanto o


drama mítico surgem de rituais como
esses;
• Mas devido às inerentes diferenças entre
narrativa e drama os materiais sacros
chegam a ser tratados diferentemente nas
duas formas. Ambas estão sujeitas à
“contaminação”;
• Narrativa (mais próxima do conto popular
e da lenda) é mais propensa à contaminatio
que o drama (mais próximo do ritual).;
Mito sacro:
• Drama trágico x cômico  Diferença
começa com uma atitude para com os
materiais sacros, associada a uma
diferença e ênfase;

• Conforme se vão afastando do ritual e


voltando para o terreno estético, a tragédia
tende a especializar-se em mortificação e
purificação, enquanto a comédia tende a
especializar-se em avigoramento e júbilo;

Ex:
Mito sacro:

• Vale ressaltar, portanto, que a separação de


enredos trágicos e cômicos, e a mudança
no conceito humano de tempo, são as
mudanças mais importantes para a
literatura narrativa;

• Tragédia (mythos) associa-se mais aos


materiais passados  Influencia a épica
• Comédia (logos) associa-se aos materiais
contemporâneos  Influencia o romance
antigo;
Mito sacro:
-Forma Conto
Lendas e fábulas: popular
simbólico -Indica efeito de
religiosa imaginativo:
-verdade -Destinado a
-divertir a platéia

Drama:
1. Execução e
morte; Épica narrativa:
2. Batalha verão -Amálgama

nce
e inverno; de mito,

a
3. Rei jovem e velho; lenda e conto popular

Rom
4. Morte x
ressurreição,

Comédia: Tragédia:
(logos) (mythos)

Ro
m
an
ce
Épica narrativa:

• Estágio intermediário entre o ritual e o


histórico;

• Enredo intermediário entre o inartístico e


empírico;

• Seus enredos são episódicos e apresentam


feitos de um herói numa certa sequência
cronológica, começando muitas vezes com
o nascimento e terminando com a morte
deste herói;
Épica narrativa:
• Exemplos:
1) Epopéia de Gilgamesh
Épica narrativa:

• 2) Beowulf
Épica narrativa
• 3) A Ilíada
Elementos empíricos e
ficcionais

• Épica tradicional se subdivide em


elementos empíricos e ficcionais;

• Narrativa heróica primitiva  Narrativas


históricas: crônicas a anais (Idade Media);

• Narrativa empírica  Concentra-se na


personagem (os fatos de relevância para
construção do enredo são aqueles que
melhor revelam o sujeito);

• Narrativa ficcional  Concentram-se nas


aventuras (concentram-se em um episódio
da vida do herói ou em vários episódios
que dependem de tensão e resolução).
Narrativa ficcional:
Romance antigo

• Com seu desejo de agradar a um público,


assume o padrão alegre do drama cômico,
amplia-o;

• Romance heróico  Apresenta como


enredos típicos a jornada para uma meta
distante (Eneida), e a volta aos lar
(Odisséia) e a busca, que envolve viagem,
realização e regresso (está situado entre a
épica narrativa e o romance erótico);
Narrativa ficcional:
Romance erótico
Exemplos (“romance” grego)

1) Quérreas e Calírroe – Caritón


Narrativa ficcional:
Romance heróico
2) Sir Gawain and the Green Knight
Narrativa ficcional:
Ficção didática

• A narrativa didática tem maior


desenvolvimento no fim da Idade Média e
início da Renascença;

• Busca dos materiais do mito sacro do


passado;

• Padrão bíblico de ascensão e queda,


expulsão do Éden e ascensão à Nova
Jerusalém, morte e ressurreição 
projeção do velho ciclo sazonal para um
esquema de tempo progressivo;
Narrativa ficcional:
Ficção didática
• Influencia a literatura ocidental no
concernente às narrativas utópicas
(possibilidade de se chegar à Cidade de
Deus);

• Conceber a Cidade de Deus na Terra é


fundamental para o pensamento liberal e
progressista;

• Ficção didática  Ficção utópica.

• A jornada no espaço remonta a Luciano,


mas o desenvolvimento da projeção da
idéia para o futuro é ousada e pertence ao
séc XIX;
Narrativa ficcional:
Ficção didática
• Ex: Uma sociedade do futuro (B.F
Skinner)
Narrativa ficcional:
Ficção didática
• Ex: 1984 (George Orwell)
Co
nt
o im Co
Épica narrativa: ag m
in éd
ati ia
vo

Empíricos : Ficcionais:
- Concentram-se Concentram-se nas
na caracterização aventuras.

Romance
Romance heróico
Ficção didática
picaresco

Romance
erótico

Romance Romance anti-


utópico utópico

Ficção
científica
Biografia x
Autobiografia:
• As principais formas de narrativas
empíricas discutida no capítulo 6 são as
narrativas históricas e as biografias;

• Autobiografia  Superficialmente
falando é o mesmo que a biografia, mas
com diferente ponto de vista;

• Todavia, a mudança de ponto de vista está


inegavelmente ligada a uma mudança de
enredo;

• Ordem de resolução – Ponto de conclusão


passa a ser o ponto em que o autor chega a
um acordo consigo mesmo;
Biografia x
Autobiografia:

• Exemplo:
Confissões, de Sto Agostinho
Biografia x
Autobiografia:
• Se uma autobiografia continua além do
momento em que o autor relata sua
vocação, seu interesse volta-se pra fora e a
obra passa a ter final aberto;

Exemplo:
Um retrato de um artista quando jovem
(James Joyce)
Biografia x
Autobiografia:
• Retrato:

- Apresentada de forma ficcional (narrada


em terceira pessoa);

- Personagem central: Dédalus;

- Termina não com a aceitação da vocação


mas, além, depois que Stephen Dédalus
aceitou sua vocação e parte para Paris.
Com
Épica narrativa:

é
dia
Conto imagina
Empíricos : Ficcionais:
- Concentram-se Concentram-se nas
na caracterização aventuras.

vo ti
Romance
Narrativa Ficção
Biografia: heróico
Histórica: didática
Nascimento
Acontecimentos
vida e morte
do passado com
do sujeito
Suas causas e
consequências Romance
erótico

Autobiografia Romance
utópico Romance anti-
utópico

Ficção
científica
Narrativa histórica

• Séc XVII e XIX com o avanço da


historiografia, uma nova fragmentação se
faz notar;

• A narrativa histórica se subdivide em


“narrativa histórica artística” e “narrativa
histórica científica”;

• A narrativa histórica artística - tende a


conservar enredo e personagem;

• Narrativa histórica científica – tende a


subordinar as qualidades narrativas à
consideração impessoal de forças sociais e
econômicas;
Narrativa histórica:
• Exemplo:
1) Narrativa histórica artística

2) Narrativa histórica científica


Épica narrativa:

Ficcionais:
Concentram-se nas
Empíricos : aventuras.
- Concentram-se
na caracterização

Romance Ficção
heróico didática
Narrativa
Biografia: Histórica:
Nascimento Acontecimentos Romance
vida e morte do passado com erótico
do sujeito Suas causas e
consequências Romance
Romance utópico
anti-
utópico
Auto-
biografia Forma histórica
artística

Ficção
Forma histórica científica
científica
Narrativa mimética
• Mimético # mítico;

• Drama antigo  mimo:


• Destituído de ação;
• Interesse centralizado no estudo da
personagem;
• Qualquer preocupação com assuntos
de maior importância não impedem o
extremo realismo;

• Mimese (Auerbach): As grandes narrativas


realistas combinaram o interesse trágico pelo
indivíduo com o interesse cômico pela
sociedade que é um reflexo justo das
condições reais e ao mesmo tempo demonstra
um interesse trágico e problemático pelo
individuo, independente de seu lugar na
hierarquia social;
Narrativa mimética
• A qualidade problemática  Inserir
personagens sérios em situações cômicas;

• Se nota antes no drama que no romance:

• Exemplo: Mercador de Veneza


(Shakespeare)
Narrativa mimética
• Exemplo:

Madame Bovary (Flaubert):

 Exagero da figura trágica possível somente


devido à qualidade problemática derivada
da presença de “sapo” individuais
problemáticos em “jardins” sociais
cômicos;
Narrativa mimética
• A forma definitiva de enredo mimético é a
“fatia de vida”, virtualmente um “não
enredo”;

• As novas ciências da psicologia e da


sociologia tiveram um efeito inevitável
sobre a representação artística do
indivíduo;

• Purgada de “impurezas” as formas


narrativas desaparecem nas orlas externas
do mundo:
• Narrativa mimética  Relatório
médico
• Narrativa histórica  Científica
• Narrativa didática  Exortativa
Mito sacro:
-Forma
simbólico
religiosa

Drama:
1. Execução e
morte;
2. Batalha verão
e inverno;
3. Rei jovem e velho;
4. Morte x
ressurreição,

Comédia: Tragédia:
(logos) Mimo
(mythos)

Narrativa
mimética
Romance moderno:
• Scholes e Kellogg consideram o romance
um “parente mais jovem” da narrativa
histórica, mas também afirmam que ele
nasce pelo impulso da narrativa mimética;

• Classifica-o como um composto instável;

• Para sua construção sempre tomou os


materiais emprestados de seus enredos de
outras formas;
Romance moderno:
• Dom Quixote (progenitor da forma) 
Ajuste entre padrão romântico da busca +
padrão vida-à-morte da biografia;

• Lazarillo de Tormes  Elementos da


narrativa de viagem + padrão cronológico
da autobiografia;

• Mas, de um modo geral, os romances do


séc. XVIII se atêm às formulações de
enredo histórico-biográfico e erótico;

• Autores do séc. XIX incluem a fórmula do


enredo trágico conduzindo à morte
violenta ou expulsão da sociedade;
Romance moderno:

• Romance moderno  Narrativa mimética


 Tragédia de intensidade (personagem
mais trágico é aquele que possui os
sentimentos mais intensos);

• O despertar da psicologia moderna (fim


séc. XIX): Padrões novos para a
autobiografia;

• Séc. XX : desconstrução do tempo;

• Os enredos tendem a finais abertos.


Conclusão:
• De um modo geral, de todos os aspectos da
narrativa, o enredo parece ser o menos
variável no que diz respeito a esboços
gerais;

• Aquilo a que reagimos nas maiores


narrativas é a qualidade da mente que nos é
transmitida pela linguagem da
caracterização, motivação, descrição e
comentário;

• Mito, mimese, história, romance e fábula,


todos funcionam de maneira a se
enaltecerem mutuamente;

“Enredo é apenas o esqueleto indispensável


que recoberto pelas carnes de personagem
e incidente, é que proporciona o barro
necessário que pode receber o sopro de
vida.” (PAG.167)

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