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De acordo com a teoria da relatividade, o tempo assume significados diferentes

em sistemas diferentes e varia de um plano de referência para outro.

Todo bom romance tem os seus próprios padrões e valores temporais e adquire
sua originalidade. Estes valores são de importância artística variada que
condicionam toda a concepção desta arte.

O romance é um complexo
de valores temporais.
A maioria dos autores que tiveram importantes papéis na cavalgada da ficção mostraram-se
tão preocupados com o Tempo.
Os diferentes valores temporais do leitor, do autor e do herói produz uma estrutura muito
embaraçada e delicadamente equilibrada.

A troca imaginativa do leitor, de seu próprio


presente cronológico para o passado ficcional
em que os romances são escritos, dependem do
modo com que esses valores são manipulados
pelo romancista e da sua habilidade em manter
um equilíbrio apropriado entre todos.
Tempo pelo relógio
ou tempo conceitual
Esta é a relação temporal entre objetos e
não é afetada pela percepção humana. Nas
palavras de Newton:

O tempo absoluto, verdadeiro e


matemático, de si próprio e a partir de sua
própria natureza, corre uniformemente
sem relação com qualquer coisa externa.
O ano era de 1840. Naquele dia-uma
segunda-feira do mês de maio- deixei-me
estar alguns instantes na Rua da Princesa.
(Machado de Assis)
É comumente contrastando ao tempo psicológico
ou de percepção- a relação temporal entre objeto e
sujeito.

O tempo do relógio não tem significado algum


para a imaginação, sendo uma convenção
altamente artificial e arbitrária desenvolvida com
fins de utilidade social para regular e coordenar
ações que envolvam mais de uma pessoa.

Nossas experiências, pensamentos e emoções


procedem numa ordem diferente e pessoal.
Para a ficção, deve-se distinguir entre a duração cronológica da leitura, a duração
cronológica do escrever, e a duração cronológica do tema do romance. (“Tempo
ficcional”)

O tempo que se leva para ler um romance está ligado com sua extensão, embora outros
fatores também estejam envolvidos; leitores variam consideravelmente quanto à sua
velocidade de leitura, e romances diferentes prestam-se para serem lidos em
velocidades diferentes.

Um romance para ser bem sucedido comercialmente, deve chamar a atenção de um


grande público e ser vendido em grande número.
O romance trabalha com assuntos e não com puras relações.
Esses assuntos não são abstratos, mas sim relacionados de perto com a vida e os
problemas do viver.

O andamento da vida moderna, a extensão


do hábito de leitura para classes da sociedade
cujo tempo de lazer é mais restrito
ou cuja educação não as tenha treinado
para concentrar-se em leituras de
um tipo imaginativo em quantidades
grandes demais são alguns dos
intangíveis no complexo de
influências literárias.
Parece que se desenvolveu em um crescente
número de leitores uma maior necessidade ou
desejo de escapar da realidade e extensas
fantasias diurnas.

Tais fatores como o aumento do lazer- ajudado por lares e


famílias menores, por exemplo, ou modas como a predileção
pelos romances de saga, condicionando a extensão do romance considerada desejável
por grande parte do público, e, portanto,
pela maioria dos editores e romancistas.
Romances diferentes atraem secções ou classes diferentes de leitores com gostos e
exigências diferentes.

Nos fins do século XVIII e começo do XIX, apenas leitores das classes abastadas
compravam livros.

Com a introdução da educação universal no fim do século XIX significou, com o


passar do tempo, que mais livros eram comprados e por círculos mais amplos de
leitores.
Moralistas, reformistas, clubes e associações de
trabalhadores tomaram interesse em promover a
leitura, e os romances tenderam a tornar-se mais
curtos.

O tamanho do romance envolve muitas


considerações puramente artísticas como a
densidade do contexto.

A duração cronológica da leitura como fator


determinante na forma e natureza da ficção
oferece muitos pontos de comparação e contraste
com o equivalente dramático do movimento no
palco de duas ou três horas.
A Duração Cronológica
Do Escrever
É o tempo, pelo relógio, que o escritor leva para escrever o
seu romance.

O peso crescente dado à atenção popular tende a


dominar a política de venda dos editores e assim a
afetar contratos e datas de publicação.

A maioria dos romancistas profissionais vivem do que


ganham, portanto não podem ignorar suas obrigações
editoriais.
Isso torna difícil para eles devotar tanto tempo quanto deveriam ou desejariam à
qualidade e ao alcance do seu trabalho.

A duração cronológica do escrever pode ter um papel no próprio tratamento e assunto


do romance em si.
A Duração
Pseudocronológica
do Tema do Romance
- O Tempo Ficcional
O tempo ficcional implica a duração, uma passagem de tempo durante a qual as coisas
permanecem ou eventos acontecem.

Durante uma poucas horas da leitura, vive-se em imaginação um período de tempo que
pode ser qualquer um, desde séculos até minutos.

Enquanto exige-se maior destreza imaginativa no drama, o romance tem a obrigação


adicional de produzir um sentimento de continuidade entre as cenas dramáticas.
O tempo ficcional é um elemento inelutável no romance.

A diferença entre o tempo pelo relógio do leitor e o tempo ficcional do conteúdo do


romance traz o escritor de encontro a problemas técnicos tão centrais como os de
mudança de andamento, contexto, continuidade e seleção.
Contexto e Seleção
CAPÍTULO VIII
A POSIÇÃO DO PRESENTE NA FICÇÃO
O LOCUS DE TEMPO DO LEITOR

• O leitor de um romance ocupa uma posição externa no


tempo, e dentro desta coloca-se a data da sua leitura do
romance.

• No século XX, o leitor de um romance histórico tem


certas dificuldades iniciais a superar: a mudança de
perspectiva e a estranheza da atmosfera.
O LOCUS DE TEMPO DO ESCRITOR

• O romance histórico, embora trata dos nomes e


dos fatos de um período já passado, descreve
apenas as virtudes e vícios do presente.

• A obra de todo o romancista, que trate da


situação contemporânea ou conduz à fuga de tal
situação para uma torre de marfim, é explícita
ou implicitamente um comentário social a
respeito do tempo no qual é escrita.

• O romancista tende a se adaptar à sua época; e é


quase forçado a ser efêmero.
O LOCUS DE TEMPO DO PSEUDO-AUTOR

• Esse aspecto do tempo é peculiar a romances escritos


na primeira pessoa, seja na forma de cartas, diários,
memórias ou autobiografias
O LOCUS DE TEMPO DO
TEMA DO ROMANCE

• O tema do romance tem a sua própria data e


colocação temporal. O assunto pode ser
contemporâneo ao autor como Tom Jones ou
Clarissa, ou pode ser histórico, antecedendo
autor e leitor como em Quentin Durward e
Henry Esmond; ou pode tratar do futuro como
nos romances utópicos do tipo de Brave New
World e News from Nowhere; pode também
tornar-se histórico apenas no decorrer do
tempo, embora escrito pelo autor como se fosse
sobre eventos contemporâneos, conforme recue
mais e mais dentro do passado.
O LOCUS DE TEMPO
DO TEMA DO ROMANCE

• O romance histórico direto: tem as suas próprias


variedades temporais; pode ser escrito ou por um
pseudo contemporâneo, um presumido escritor de
memórias ou de um diário; ou de um modo
onisciente, ou seja, não através da visão limitada de
um contemporâneo, mas sim visualizada com o senso
histórico mais amplo de uma época.

• O loci de tempo do leitor, do escritor e do tema têm


importância enquanto indicam ou afetam aspectos
mutantes de cultura, gosto, educação e sociedade.
IDENTIFICAÇÃO E
TRANSFERÊNCIA TEMPORAL

• Em contraste com a peça atuada, o romance


pode, na melhor das hipóteses, criar apenas
a ilusão de ser imediato e direto na mente
do leitor.

• A atitude do espectador no teatro é a de um


observador de uma ação que acontece ante
seus olhos na vida real.
IDENTIFICAÇÃO E
TRANSFERÊNCIA TEMPORAL

• O leitor que se absorve em uma obra de ficção é um


participante naquilo que está acontecendo, e sente não
meramente simpatia pelo herói, como na peça, mas
pode identificar-se com o herói, ser o herói em
imaginação.

• O leitor, se absorvido na sua leitura, traduz tudo que


acontece deste momento de tempo em diante para um
presente imaginário próprio, e consente na ilusão de
que está, ele mesmo, participando na ação ou
situação.
O AUTOR INTRUSO

EXPOSIÇÃO PRELIMINAR E DISTRIBUÍDA

A TRANSFERÊNCIA TEMPORAL NO
ROMANCE AUTOBIOGRÁFICO

O MÉTODO DRAMÁTICO

O USO DO DIÁLOGO
Textos:
MENDILOW, A. A. Os valores temporais da ficção, In:
MENDILOW, A. A. O tempo e o romance.
Tradução de Flávio Wolf. Porto alegre: Globo, 1972. p. 69-95

MENDILOW, A. A. A posição do presente na ficção, In:


MENDILOW, A. A. O tempo e o romance.
Tradução de Flávio Wolf. Porto alegre: Globo, 1972. p. 96-130

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