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Marcelino Peixoto
Uma questão: Onde o inventor procura, onde encontra a matéria para suas
invenções?
No ato de inventariar, o inventor seleciona, cataloga – desde o seu mundo -
significações estabelecida.
tão distintas quanto Arthur Bispo do Rosário e Tony Cragg? Não se sabe de
arte nos anos 60 (momento em que a arte conceitual, minimal e a arte povera se
mundo desordenado.
passagem pelo mundo traçou uma diagonal no tabuleiro das questões comuns
nos finais dos anos setenta teve sua tônica numa espécie de bricolagem mental.
quase sempre bem rentes ao chão, como animais rastejantes ou que se grudam à
latas, embalagens, papelão, pano, madeira, linhas, botões enfim, o que foi
marcado pela ausência de linearidade. O que une essa variada gama de objetos é
século XX criticou tal gosto, atacando com suas ações, a própria noção de obra de
arte. Retirando objetos das funções para as quais foram produzidos, Duchamp os
dá o nome de ready made, objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo
único fato de escolhê-los, converte em obra de arte. Ao mesmo tempo esse gesto
criadora.
Como ocorre com qualquer objeto colecionado, o objeto ready made ao ser
como afirma Otávio Paz, “se o objeto é anônimo, não o é aquele que o escolhe”,
que o retira de seu lugar de origem. Também Jean Baudrillard, em ensaio sobre o
ato de colecionar afirma que “todo objeto ao ser colecionado deixa de ser definido
obra de ambos, sintomas de realidades vividas pôr dois homens do século XX.
no caso dos ready made, o ato de escolher guarda certa semelhança com um
encontro: dia e hora precisa, um instante exato. Recolher, pôr sua vez, é um
de objetos.
obra de Bispo. Na limitação de seus domínios territoriais ele recolhe materiais que
indiciam além de seu próprio tempo, sua vida marcada pela pobreza, pela loucura
e pela exclusão. Tais objetos recolhidos são, nos dizeres do próprio Bispo, “tudo
No final dos anos 70, Tony Cragg tornou-se aclamado para suas esculturas
materiais distintos, recolhidos pelo próprio artista e reordenados pôr suas formas e
contra quaisquer correntes estéticas, visto que seu isolamento o impedira de ter
mundo para Deus na hora do juízo final. Acreditando ter sido o escolhido de Deus
mundo (...) vou me apresentar”. Como aponta Maria Esther Maciel “para Bispo, o
acompanham (...) para depois, ordenar tudo, fazer tudo coexistir em um todo finito,
lucidez e o delírio”. Assim, Arthur Bispo do Rosário, engolido pelo seu próprio
processo vai construindo uma textura instauradora de sentidos outros que não os
já instituídos e aceitos.
Como vimos, as semelhanças entre a obra de Bispo e de Cragg estão
ambos. Ao contrário do cariz místico da obra de Bispo, marcada pôr seu intento de
das artes. Seu interesse mais marcante passa pôr uma redefinição da escultura,
restantes que estão no mundo, e não na base de um grupo particular dos objetos
suas esculturas, como ele mesmo aponta, "funcionam como metáforas de célula,
aponta que seu ofício escultórico: "é uma tentativa de fazer com que material
pensar". Cragg define sua sistemática de trabalho como uma mistura de método e
loucura. "Na maior parte das vezes, não sei quem está no comando, se a
detritos da civilização industrial, acabam pôr recobrir seus trabalhos com uma
dimensão crítica em relação à produção seriada e à própria sociedade. A
morrem. São fabricados, gastam-se, tornam-se inúteis e tem como fim o lixo. E
dos primórdios da arte, apontam para a questão ainda atual da perda da aura nos
objetos produzidos em série. A dimensão religiosa das artes deu aos objetos
artísticos uma qualidade que foi estudada pelo filósofo alemão Walter Benjamim: a
aura, essa absoluta singularidade do ser (irrepetível). A obra de arte aurática seria
aquela que torna distante o que está perto, porque transfigura a realidade, dando-
procedimentos, sua fala, seu texto bordado – desfiado para construir outra trama –
no corpo da obra ecoa, ressoa de alguma maneira tal questão. A quem quisesse
adentrar nos seus aposentos e experienciar o contato com seu território, uma
mesmos objetos recolhidos, uma vez que em uma nova ordenação os objetos
trazem consigo resíduos de sua origem e inauguram uma outra realidade, que
CRAGG, Tony. Tony Cragg: sculpture 1975-1990. Califórnia: Newport Harbor Art
Museum, 1990.
MACIEL, Maria Esther. A memória das coisas: Bispo do Rosário, Borges e Peter
Greenaway. A memória das coisas: ensaios de literatura, cinema e artes Pláticas.
Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.
1997.