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na Bruma
Um conto de
Simone de Fátima Gonçalves
Um conto de
isbn 978-989-8211-04-0
Depósito Legal 301897/09
Edição
Garça Editores, Lda
Av. da Galiza – Edifico Miradouro
Centro Comercial – Loja 22
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telf.: 254 321 020
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À minha filha Maiara,
um raio de sol que ilumina os meus dias
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Aquela era uma vila típica dos anos sessenta, que
se movia numa lentidão harmoniosa, de gente rica e
gente pobre, cada qual com as suas rotinas. Rotinas de
desafogo para uns. Rotinas de trabalho penoso para
outros. Assim era com os Albuquerques, família
brasonada, de boas rendas e mordomias, e assim era
com os Moreiras, família humilde, de pobre e árida
lavoura.
Embora com pouco ou nada em comum, por
jornadearem em universos distintos, o certo é que os
destinos destas famílias iriam cruzar-se no mesmo
enredo, na mesma fatalidade.
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– Já falta pouco, menino, e então poderá dormir
e brincar, fazer tudo o que mais deseja – consolava-o
ela.
O menino, que começara muito cedo os seus
estudos, não entendia por que tinha de deixar de lado a
diversão para se embrenhar numa rotina tão intensa,
que incluía as aulas da escola, mas também aulas de
língua estrangeira, piano, e tantas outras formações que
não lhe pareciam nada úteis. O que ele mais queria era
brincar. E quando reclamava, seu pai logo lhe dizia:
– Terás muito tempo para brincar, meu filho,
agora é hora de te preparares para o futuro. Bem sabes
que és o meu único herdeiro!
Diante de tão forte argumento, o menino já não
reclamava mais. Mesmo que o desencanto às vezes
doesse. E como doía, quando avistava pela janela as
crianças que brincavam pelas ruas e estas sempre lhe
sorriam e correspondiam aos seus acenos…!
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Não muito longe dali, Luis, que tinha a mesma
idade de Pedro, levantava-se ao ritmo do sol, mas não
para ir à escola. A escola era sempre para mais tarde.
Àquela hora, com a luz do dia a lançar os primeiros
fogachos pelas frinchas da porta, também ele se movia
vagaroso, mostrando bem o desconforto da chamada:
– Anda, meu filho, são horas de ordenhar as
vacas!
A rotina era sempre a mesma. O menino tinha de
ajudar na lida. E depois tinha ainda muito para
caminhar até chegar à escola. Por fim, ao entardecer,
quando o cansaço já era muito, as outras crianças
ainda o desafiavam:
– Então, Luis, tu não brincas nunca?
E ele:
– Hoje estou cansado demais, tenho de ir para
casa.
Quando chegava a casa, o que mais lhe apetecia
era sentar-se a escutar as histórias contadas por sua
mãe, enquanto afagava o estômago com uma sopa
bem recheada de legumes. E era seu pai, quem depois
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o carregava, adormecido, para a cama que ficava no
mesmo quarto do casal.
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O tempo foi passando e as tão esperadas férias de
1962 já se aproximavam, quando Albuquerque
chegou a casa trazendo novidades. Diz para a esposa:
– Fala-se por toda a parte de uma doença que está
atingindo as crianças. Chama-se Poliomielite. É uma
doença já muito antiga, mas que agora está a espalhar-
-se como um rastilho de pólvora.
– Espalha-se por onde tem de espalhar – reage a
esposa. – Com o nosso menino, estou em crer que não
há preocupações.
– Não há porque, felizmente, também existe já
uma vacina para combatê-la, a Sabin. E a prevenção é
a única arma que existe, uma vez que a doença é
irreversível.
– Do que falas, marido? Vacinar o meu Pedro?
Isso nunca! A minha mãe nunca quis nada com
vacinas, e ela bem sabia porquê. Por isso nunca nos
vacinou e olha se algum mal nos aconteceu!
O Albuquerque ouvia a esposa e percebia como
as suas palavras arrastavam ainda os temores de sua
mãe. Ela, que por ouvir dizer que as vacinas são
produzidas a partir do vírus da doença, nunca
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permitiu que seus filhos fossem vacinados. Achava
que, dessa forma, estaria injectando doenças no corpo
das crianças. Assim como ela, muitas pessoas mal
informadas, compartilhavam este mito.
– Ah, mulher teimosa, Deus queira que não te
venhas a arrepender! – lamentou-se o marido, já
cansado da conversa.
O tempo continuou, as discussões também… mas
a esposa acabou vencendo: o menino não foi
vacinado.
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que para a semana que vem eu consiga um tempinho
para levá-lo.
– Então não te descuides! Dizem que esta doença
é tão perigosa, que deixa as crianças paralíticas!
– Credo, mulher! Nem me venhas falar em
doenças dessas! Sabes bem que o meu Luis tem a
protecção de seu Anjo de Guarda!
– Protecção do Anjo da Guarda também os meus
a têm! Mas ainda assim, já os levei a vacinar e sei que
por toda a vizinhança estão fazendo a mesma coisa!
Entretanto os dias foram passando, e… vou hoje,
vou amanhã, vou depois, o certo é que o menino
acabou por não ser vacinado.
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– Não quero, Dolores – respondeu o menino, –
sinto a minha cabeça rodando e muitos tremores de
frio.
– Santo Deus, o menino está a arder em febre! –
exclamou ela.
E logo gritou para a patroa:
– Acuda, minha senhora, que o menino não está
bem!
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– Então rapaz, olha que o sol já se cansou de
esperar por ti e já vai alto!
O menino tentou mover a cabecita para lhe
responder, mas a dor era tanta e tantas náuseas ele
sentia que mal podia balbuciar uma palavra.
Estranhando a falta de reacção do pequeno, o pai
chamou a mãe ao quarto.
– Não sei o que se passa com ele! Será que
comeu alguma fruta verde? Não me parece nada bem!
Mal a mãe tocou no pequeno, logo desata a
gritar:
– Santo Deus, homem, o nosso menino está a
morrer! Temos de o levar já para a cidade!
Assim fizeram. E no meio da angústia em que se
encontravam no hospital, enquanto aguardavam pelo
resultado dos exames, puderam perceber, que, ali ao
pé, estava também uma família, de aparência distinta, a
passar por desespero igual.
Eram os Albuquerques.
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O que ali se escutava eram lamentos de uma
mulher que dizia:
– Não pode ser! Como pode esta doença maldita
chegar até ao meu Pedro! Nunca me perdoarei por não
o ter vacinado!
Ao escutar estes lamentos, a mãe de Luis
aproximou-se para saber o que se passava também com
aquele menino. Não conversaram por muito tempo,
mas foi o suficiente para perceberem que seus filhos
sofriam do mesmo mal e que as duas, embora por
razões bem diferentes, haviam cometido o mesmo erro.
O resultado dos exames veio confirmar que as
crianças estavam mesmo com Poliomielite. Correr nas
ruas e nos campos, subir às árvores, espreitar os
ninhos, jogar ao eixo e à bola… iria ser, desde agora,
uma miragem para eles. Claro que os outros meninos
os rodeavam de todos os agrados, incitando-os à
alegria, e sempre as casas de ambos se enchiam com o
som das suas risadas. Ou não sentisse toda a
comunidade, por eles, um misto de solidariedade e
gratidão. Afinal, eram um símbolo vivo da luta travada
contra a Poliomielite.
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Em momentos assim, os dois pequenos lá
conseguiam esquecer as sequelas deixadas pela doença.
Já as mães, essas, nunca esqueceram, nem tão pouco se
perdoaram. Em seus olhos, podia ver-se estampado o
apelo para que mais nenhuma criança deixasse de ser
vacinada contra esta doença que ceifa de forma
impiedosa os sonhos de tantos meninos e meninas,
independendo de raça ou condição social. Este apelo
foi prontamente aceite por todas as famílias das
redondezas que, com muita responsabilidade, jamais
deixaram de vacinar os seus filhos. E assim essa
doença, tão cruel, não vitimou mais ninguém por
aquelas bandas.
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fundar. Sabem bem que esta doença traiçoeira está
sempre à espreita, pronta a atacar. Por isso, no posto de
saúde local, a vacina nunca falta.
E não se cansam de avisar que são sempre
necessários muitos anos para a Poliomielite ser
erradicada de um país, e que, enquanto ela existir em
algum lugar do planeta, qualquer um, estando
desprevenido, pode ser sua próxima vítima.
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O Rotary e o porquê
de não desarmar nesta luta…
A Pólio é uma doença altamente contagiosa que ainda mata
crianças, em geral menores de cinco anos, em certos países da Ásia,
África e Oriente Médio. Pode causar paralisia, sendo fatal em alguns
casos. A melhor protecção contra a doença é a prevenção, pois, uma
vez contraída, não tem cura. É historicamente a doença que mais
deficiências físicas causou nos seres humanos.
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Peço aos pais e avós que leiam esta história a seus filhos ou
netos e assim vivam um momento de prazer, e que lhes transmitam o
quanto importante é a vacinação contra a Pólio ou outras doenças.
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C
aminhadas na Bruma é a narração de
duas histórias de vida que se cruzam
no mesmo drama: a Poliomielite.
Um drama que só a ternura, a coragem e a
inteligência podem atenuar.