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O Inimigo de meu inimigo – J.B.

Alves 1

O INIMIGO DE MEU INIMIGO...

Holo36 dançava alegremente pelas ruas de Tarr usando a imagem de uma atriz
morta a mais de 200 anos que ele havia encontrado no antigo banco de dados da cidade.
O soldado humano ao seu lado, normalmente silencioso e focado também estava um
pouco distraído, tanto por causa do final das chuvas e início de um dos melhores períodos
climáticos do planeta quanto pela diminuição dos ataques contra sua cidade. Holo36 era
um holograma, construído com o que existia de mais avançado em inteligência artificial e
holografia baseada na união da tecnologia humana e alienígena, uma inteligência artificial
experimental que seria usado para proteger os interesses e costumes dos seres
humanos.
E, neste momento, muitos humanos precisavam de proteção. Mesmo com a
destruição da liderança central dos invasores ainda aconteciam muitas escaramuças por
todo aquele setor do espaço. As tropas inimigas ainda eram abundantes, e sem um
controle central para controlá-los eles vagavam por todos os lugares e até pior, o tumulto
emocional dentro da cidade entre toda a sociedade humana juntamente com as
discussões entre os militares, incluindo os antigos membros dos colonizadores terráqueos
que trocaram de lado, ameaçava destruir tudo aquilo que os refugiados tinham construído,
tudo aquilo que os humanos haviam eregido em Tarr, a maior e pelo que sabiam a última
cidade remanescente do planeta.
Todos esses problemas, entretanto, não eram para aquele dia, não no sol da
manhã, com aquela leve e agradável brisa vinda do norte. Até mesmo o soldado humano
que havia sido designado a testar Holo36 estava de bom humor naquele dia. O nome do
soldado era Jwolf e tinha prometido ao holograma que se tudo continuasse calmo ele até
se arriscaria a ir ao comando central para ver se algumas das disputas poderiam ser
resolvidas.
Holo36 orou, ou fez o equivalente cibernético disso, pedindo que os humanos
voltassem ao normal, porque ele, talvez mais do que todos os outros na cidade, tinha
mais a perder. Ele era um instrumento de guerra, e juntamente com o soldado eles
formavam a epítome do que significava ser um Guerreiro Estelar, a junção perfeita entre
homem e cibertecnologia, o que nesta época curiosa, não pareciam definições tão claras.
Esta era uma época em que a carne e o silício, a energia e o fluxo de sangue andavam
juntos e se confundiam.
Esta era a época em que os humanos, tal como muitos dos progenitores à muito
tempo antes, se aventuravam pelos caminhos sinuosos da ciência e descobriram como
criar exoesqueletos de guerra na forma de armaduras de combate ou treinar soldados
psiônicos capazes de ficar invisíveis apenas com um piscar de olhos.
Além disso, por todas as últimas décadas, foram estas tecnologias que permitiram
os humanos a se expandir, viajando pelo espaço profundo, criando novas colônias e
novas cidades. Foi isso que permitiu aos humanos, tidos como teimosos e
desorganizados, a vencer muitas batalhas contra os Progenitores que se definiam como
seres mais evoluídos, porém extremamente rígidos ou contra a praga dos Invasores,
considerados por muitos como invencíveis, porém extremamente caóticos.
Mas agora, por causa de tudo que havia acontecido na Terra, havia muita disputa e
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desconfiança sobre o que realmente significava ser humano, e mais importante, que
relações os habitantes de Tarr deveriam promover com os outros planetas humanos.
"Bom dia Soldado Jwolf, Lindo dia não?”, veio o cumprimento de um outro soldado,
na realidade uma unidade de infiltração e sabotagem na forma de uma bela e jovem
dama, sobrinha do próprio general, líder do conselho da cidade.
Ela estava sentada em uma sacada, limpando seu rifle sniper, olhando para o
jardim elevado cujos brotos estavam desabrochando na alameda superior.
Jwolf parou a meio passo, retesando seus músculos e enviando ordens silenciosas
para seu exoesqueleto, saltou alto no ar e pousou pesadamente ao seu lado. Holo36, que
só podia ficar afastado no máximo a três metros da armadura de Jwolf surgiu a seu lado e
fez uma reverência, usando a forma de um monge chinês de um antigo holofilme que
gostava.
O capacete do soldado seu abriu, revelando um cabelo negro e longo juntamente
com olhos negros, que provavelmente flamejavam quando ele disparava suas armas. "O
dia realmente ficou mais lindo agora, minha cara Artemize”. O soldado respondeu.
"Espero que eu consiga manter em minha memória esse dia para que no momento da
guerra, minha mira seja mais certeira e mortal!”.
"Memórias não são tão importantes quando sua mira certeira, soldado”, respondeu
Artemize provocando, "especialmente quando bons tiros o trazem de volta para mim, e
para esta parte do planeta, na cidade de Tarr".
O soldado, mesmo acostumado com a guerra, sentiu o sangue quente correr por
sua face. Ele tinha suspeitado que alguém o espionava em seu treino de tiro e agora ele
teve sua confirmação.
"Talvez você pudesse se unir a mim ao amanhecer, amanhã cedo", ele respondeu
com um sorriso maroto buscando recuperar sua dignidade, "para que eu a possa
recompensar corretamente este elogio mostrando como minha mira é certeira".
A jovem olhou para ele profundamente, sorriu e voltou para dentro da casa levando
a arma sobre o ombro. Jwolf, apenas chacoalhou a cabeça e continuou seu caminho. Ele
se divertiu pensando como poderia recompensar corretamente a travessa guerreira,
entretanto temeu que, devido ao parentesco de Artemize, quaisquer tentativas poderiam
conduzir a uma situação em que ele não podia resolver. Corte Marcial.
O soldado afastou tais pensamentos, era um dia muito bom para qualquer reflexão
negra e outros pensamentos sobre a bela Artemize o distrairiam muito para a reunião que
se aproximava longe do comando central.
Jwolf continuou até o final da rua onde estava sua moto de combate. Quando se
aproximou a imagem de Holo36 já havia ligado todos os sistemas e o esperava ao lado da
porta na forma de um antigo mordomo Terrestre.
O motor do pesado veículo rugiu quando ele saiu pelo portão sul de Tarr, os
soldados postados ao lado de cada torre de proteção ofereceram apenas um aceno
respeitoso enquanto ele passava em alta velocidade.
Jwolf amava verdadeiramente esta cidade, mas ele amava as terras vazias ainda
mais. Aqui fora ele sentia que estava verdadeiramente livre de todas as preocupações e
de todas as lutas insignificantes da política, além disso, era aqui fora que sempre havia
aquele sentido de perigo pois um invasor desgarrado poderia estar observando-o até
mesmo agora. Será que suas armas estariam prontas para abatê-lo? Essa sensação
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mantinha o formidável soldado na sua mais alta guarda.


Além de tudo, aqui fora, também, estava seu amigo, um antigo mercenário
progenitor que atuava como cientista chamado Markees Tull, o qual Jwolf tinha conhecido
nos melhores e piores momentos da guerra durante estes dez últimos anos.
Markees não se arriscava a ficar em Tarr, mesmo depois da proclamação do
comando central em abrir os portões para todos os progenitores. Ele vivia longe das
estradas comuns geralmente usados pelos humanos em uma antiga, porém excelente
construção, guardada por todo o tipo de proteção mortal de sua própria fabricação.
Até mesmo as escarpadas rochas ao redor de seu lar estavam cheia de proteções,
sensores e campos de energia que poderiam exterminar qualquer criatura menor que um
gigante rochoso.
Tão secreta era a fortaleza do cientista progenitor que poucos humanos perto de
Tarr ao menos conheciam. E menos ainda já a tinham visto por dentro. Desses, nenhum
exceto Jwolf poderia encontrar seu caminho de volta sem a ajuda do alienígena.
E Jwolf não mantinha nenhuma ilusão sobre isto, se o progenitor quisesse
esconder os caminhos da fortaleza até mesmo dele, o velho e cauteloso cientista teria
pouca dificuldade em fazê-lo.
Porém, neste dia maravilhoso, parecia a Jwolf que os caminhos sinuosos para a
fortaleza do cientista estavam mais fáceis de seguir do que o habitual e quando ele
chegou próximo da estrutura, ele escutou Holo36 conversando com os sistemas de
segurança que desligaram os campos de força e destrancaram a entrada que
estranhamente lembrava um antigo bunker humano.
"Markees", ele chamou no rádio, enquanto entrava em um corredor escurecido
além da entrada, o cheiro de óleo de seu veículo ficava pra trás enquanto se misturava
com o cheiro do corredor que sempre lembrava para ele uma dúzia de velas ou
pergaminhos antigos. "Seu Alien velho e tolo, você está aqui?".
Um rosnado baixo pôs o soldado em prontidão; suas armas engatilhadas já
estavam em suas mãos com um movimento tão rápido que um observador destreinado
não conseguiria seguir.
"Markees?", ele chamou novamente no rádio, mas de forma silenciosa mandou
Holo36 investigar as câmeras e sensores da base, enquanto fazia seu caminho ao longo
do corredor, seus pés se moviam em equilíbrio perfeito, e mesmo suas botas pesadas
tocavam suavemente a pedra, silencioso como um infiltrador.
O rugido veio novamente e foi exatamente quando Jwolf soube contra o que ele
estava lidando: um invasor. Um bem grande, o soldado reconheceu, pelo profundo chiado
que subia pelo corredor.
Ele passou por várias portas escutando cada uma com muito cuidado, logo após a
terceira porta ele reconheceu que o som vinha bem no fundo do corredor. Tal fato trouxe
ao soldado um pouco de esperança de que a situação talvez estivesse sob controle, pois
aquela porta em particular conduzia ao laboratório de Markees, um dos lugares mais bem
guardados de toda a fortaleza do velho cientista.
Mesmo assim, Jwolf se amaldiçoou por não estar mais bem preparado. Ele tinha
trazido apenas metade de sua munição e nenhum explosivo pesado. Naquele dia, ele
pensou que isso seria o suficiente e não queria desperdiçar nem um só momento daquele
belo dia.
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Se Holo36 conseguisse ao menos estabelecer contato com as câmeras da


fortaleza ele poderia sondar o que estava acontecendo atrás daquela porta e quem sabe
diminuir as incertezas e melhorar suas chances.
Ele tinha, pelo menos, suas armas e, com elas, Jwolf Starr estava longe de ser
impotente. Ele se pôs de costas contra a parede perto da porta e segurou o fôlego
firmemente. Então, sem atraso o soldado girou e ele invadiu a sala.
Ele sentia os arcos de energia circulando por cima dele enquanto cruzava as portas
automáticas e, então, ele foi atingido por uma onda de energia, arremessado pelo ar, indo
pousar do outro lado da sala contra uma parede de metal.
Markees Tull estava em pé calmamente ao lado de uma mesa de cirurgia,
trabalhando com algo em cima dela, nem se incomodando em olhar para baixo, onde
estava o atordoado soldado.
"Você poderia ter batido antes de entrar", o velho cientista disse secamente, e
mesmo sem ter uma boca como os humanos, sua voz era audível e eloqüente como
sempre. Tudo isso por causa de incrível capacidade de seu povo em manipular e por
vezes se tornar pura energia.
Jwolf, levantando-se do chão, postou-se de pé informalmente. Seus músculos ainda
não estavam trabalhando corretamente. Convencido de que não havia nenhum perigo
próximo, Jwolf deixou seu olhar se demorar no alienígena, como fazia freqüentemente.
Mesmo acostumado com o seu velho amigo o soldado não tinha visto muitos progenitores
na sua vida. Outros como ele não podiam ser encontrados em grande número naquela
região do espaço.
De qualquer forma, para ele, aquele era o mais curioso progenitor de todos, com
sua face acinzentada e aparência pálida. Um dos olhos de Markees tinha sido arruinado
em uma batalha e parecia bem morto agora, com uma cicatriz escura sobre a sua pele
lustrosa. Sim, Jwolf poderia encarar o velho Markees por horas a fio, vendo os combates
de toda uma vida em suas cicatrizes, arranhões e rugas.
A maioria dos humanos, incluindo os próprios companheiros de guerra de Jwolf,
teriam achado o velho Alien uma coisa feia, não natural, pois os humanos não tinham
aquela aparência estranha que sempre parecia se transformar em energia.
Jwolf, no entanto, não pensava em Markees como uma visão feia. Até mesmo as
cicatrizes que podiam ser vistas por todo o corpo da criatura falavam muito sobre que tipo
de material ela era formada, era como observar um monumento esculpido por anos
debaixo de um sol alienígena e estranho, encarando tempestades de energia e lutando
por estações contra os mais estranhos tipos de mutações invasoras que existiam.
Parecia verdadeiramente ridículo a Jwolf que o alien tivesse centenas de anos de
idade. Por vezes ele apenas desejava ter a sorte de colecionar uma fração de suas
cicatrizes como testamento de suas experiências.
"Você deveria saber que eu estaria protegido", Markees riu mentalmente. "Claro
que você sabia! Há! Há! Você estava apenas fazendo um espetáculo, então. Dando a este
velho progenitor o motivo para uma boa risada antes dele morrer?!".
"Receio que você viverá mais que eu, meu velho", disse o soldado.
"De fato, existe essa distinta possibilidade se você continuar atravessando minhas
portas sem se anunciar".
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"Eu temi por você", Jwolf explicou, dando uma olhada no enorme laboratório que
parecia maior que a estrutura externa da fortaleza. Às vezes o soldado suspeitava que
existisse uma grande parte da fortaleza escondida no subsolo, mas ele nunca saberia,
pois o frustrante Markees certamente não o deixaria explorar a toa.
O que o laboratório tinha de grande, ele também tinha de desorganizado, com altas
pilhas de caixas de metal, mesas, peças, computadores e gabinetes cheios de cubos de
energia em uma confusão sem fim. Quase uma mensagem de revolta contra uma raça tão
evoluída.
"Eu ouvi um rosnado", o humano continuou. "Um invasor". Sem olhar para os
equipamentos que estava manejando, Markees acenou sua longa cabeça na direção de
uma grande cela fechada por um campo de energia.
"Veja se você não chega muito perto", o velho cientista disse com um tom maldoso.
"Este velho mutante irá agarrá-lo pelo braço e o arrastará para dentro, não tenha dúvida!".
"E então você precisará mais do que suas pequenas armas".
Jwolf nem mesmo estava escutando, pois se aproximava lentamente da cela,
movendo-se em silêncio para não perturbar a criatura. Ele agarrou o controle da mesa
que controlava o sistema e, movendo diminui o fluxo de energia a um ponto que era
possível ver através dele. Então o soldado realmente ficou de boca aberta.
Era realmente um invasor, como suspeitava. Mas ele tinha três, não, quatro vezes o
tamanho do maior invasor que Jwolf já tivesse visto em seus anos de combate. E a
criatura parecia diferente de tudo o que ele já havia visto antes, pois as criaturas que tinha
combatido daquele tipo eram normalmente os menores e mais fracos de sua raça.
O monstro se aproximava do campo de energia lentamente, observando
metodicamente seus detalhes como se procurasse por alguma fraqueza, alguma
escapatória da mesma. Seus músculos ondulantes o guiavam com uma graça e um perigo
incomparável.
"Onde você encontrou esse monstro?", o soldado perguntou. A voz dele
aparentemente alarmou o invasor, fazendo-o parar com o que estava fazendo. Ele
encarou Jwolf com uma intensidade que roubou quaisquer palavras da boca do soldado.
"Oh, eu tenho meus meios, guerreiro", o velho Progenitor disse. "Eu tenho
procurado pela arma certa certo durante muito, muito tempo. Procurando por todos os
mundos desconhecidos e locais do espaço ainda não explorados por meu povo".
"Mas por que?" Jwolf perguntou, sua voz não mais do que um sussurro. Sua
pergunta foi direcionada tanto para o magnífico monstro, como para o velho cientista e,
verdadeiramente, o soldado não poderia pensar em nenhuma razão para justificar a
presença de tal criatura senão como alvo ou carcaça morta a ser exibida.
"Você se lembra de meu conto sobre o líder dos invasores?", Markees replicou, "De
como eu e meus guerreiros conseguimos sobreviver para fora das garras de milhares de
invasores que lutavam entre si justamente quando ele foi derrotado?".
Jwolf acenou com a cabeça, lembrando bem daquela história. Um momento depois,
entretanto, quando as implicações das palavras de Markees o acertaram, o soldado virou
em direção ao cientista com uma carranca de desconfiança e sussurrou "invasores contra
invasores", Jwolf murmurou. Nessa batalha, o líder dos invasores fora derrotado pelos
Progenitores e nesse momento todos os Invasores enlouqueceram, permitindo que fosse
possível derrotá-los em todos os campos de batalha.
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Ele olhou mais uma vez para o grande invasor, e então se voltou para Markees.
"Esse monstro deve ser morto. Não acredito que pode pensar em usá-lo como arma
contra outros Invasores”, o soldado protestou. "Os riscos envolvidos são muito grandes,
não podemos confiar nessas criaturas! Desde que seu líder morreu todos
enlouqueceram".
"Eu já estou trabalhando nisso", Markees disse ligeiramente. "Eu já extirpei de seu
corpo qualquer órgão que pudesse ligar sua mente a de outros invasor impedindo-o de se
comunicar e enlouquecer. Além disso, eu instalei nele uma série de melhoramentos
genéticos. Não tema, esse monstro é a arma perfeita que usaremos contra nossos
odiados inimigos".
"Arma?", o soldado ecoou ceticamente, olhando mais uma vez nos intensos,
inteligentes e assustadores olhos fendidos da enorme criatura. "Você então não matará
esse monstro?".
"Eu estou oferecendo a ele, a capacidade de retribuir por tudo o que sua raça nos
fez", Markees disse indignado. "Você arrisca tudo o que construímos aqui, apenas por
uma chance remota de atingir nossos inimigos", Jwolf rebateu. Mais nervoso e
desconfiado do que jamais esteve com o velho Markees. “Você sabe que os invasores
vencem pelo grande número e pela sua incrível capacidade de adaptação. Ele é apenas
um monstro, e por mais formidável que pareça ser, nada mudará isso!”.
O soldado tinha visto cidades caírem perante a força numérica dos invasores. Por
mais equipados que fossem os soldados humanos ou quão formidáveis no combate
individual fossem os guerreiros Progenitores. A tática dos invasores era a mesma de
alguns insetos, a de soterrar seus inimigos sob milhares de soldados que não tinham
nenhuma preocupação com o número de mortes que já haviam sofrido. Essa forma de
atacar havia sortido efeitos devastadores em centenas de mundos.
Jwolf já havia enfrentado por diversas vezes os invasores, vendo muitos de seus
companheiros caírem por causa de sua fúria. Por isso era tão difícil ver o cientista
tentando criar algo útil a partir deles.
Mas, bem no fundo Jwolf sentia que a situação podia ser diferente. Que talvez este
monstro, este grandioso invasor que aparentava uma força e uma inteligência que ele
nunca tinha visto antes, talvez pudesse trazer algo de bom.
"Você fará esse monstro…" Jwolf começou.
"Eu o chamo de Cérbero", Markees explicou.
"Esse invasor…" o soldado reiterou vigorosamente, incapaz de discutir o admirável
nome dado a este animal. "Você fará dele uma arma que funcionará conforme sua
vontade, não a loucura coletiva dos outros"?
"O que mais alguém como eu poderia fazer?", o velho cientista perguntou. "Ele é
um formidável guerreiro, capaz de infiltrar, destruir e inclusive converter outros invasores
para lutarem ao lado de nossos exércitos. O que mais você pode querer?".
Jwolf encolheu os ombros e suspirou indefeso. "Os riscos disso não darem certo
ainda são muitos", ele murmurou.
"Isso é porque você não acompanhou todos os testes que fiz. Nem todas as
missões que eu o mandei realizar. Se você soubesse, os riscos não seriam parte de suas
preocupações". Retrucou o cientista enquanto ligava a tela principal de seu computador.
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Imagens gravadas de diversas batalhas eram mostradas simultaneamente. Parecia


que uma câmera presa a Cérbero ou em algum ponto distante havia gravado diversas de
suas "missões". Essas cenas mostravam lutas contra outros invasores. E depois que ele
os mordia, cada um era controlado de alguma forma por Cérbero e juntos eles atacavam e
destruíam regiões infectadas inteiras antes de serem destruídos finalmente por ele.
A expressão de Jwolf claramente demonstrou seu pensamento. Um invasor,
convertido daquela maneira, capaz de converter e depois exterminar outros invasores
poderiam fazer o trabalho de todo um esquadrão de soldados com um risco muito menor.
Mas seria realmente seguro confiar naquele monstro?
"Você se preocupa por causa das razões erradas, soldado", Markees replicou.
"Você deveria ter treinado para ser um espião, um infiltrador. Seguramente sua
preocupação segue nesta direção!".
"Um espião", o soldado perguntou, “Como você já foi certa vez?". O velho cientista
deu um longo suspiro.
Jwolf encolheu os ombros. "Eu não escolhi ser um soldado. Foram as
circunstâncias que me levaram através de todas essas batalhas. E hoje não conheço
outra vida e não acredito que poderia ter escolhido um caminho diferente", ele
argumentou.
Markees concordou silenciosamente. Realmente, o velho progenitor via muito dele
naquele jovem e idealista soldado humano. E isso era muito curioso, ele devia estar mais
velho e cansado do que pensava.
"Quando você irá terminar os testes?", Jwolf perguntou. "Terminar?", perguntou
Markees. "Eu estive trabalhando em cima desse projeto durante quase três décadas e
gastei o último ano preparando essa fera para finalmente soltá-la”.
Jwolf achou que depois disso a discussão estava terminada. Ele não queria saber
mais sobre experiências. Principalmente com invasores.
"Hoje o dia está particularmente bonito lá fora. Quem sabe você não pudesse
aproveitar um pouco", o soldado murmurou. O progenitor bufou. "Então ele estará mais
bonito quando eu destruir todos os invasores!".
Isso pegou Jwolf de surpresa. Realmente Markees era um alien teimoso e se Jwolf
continuasse comentando sobre ele sair do laboratório era possível que ele ficasse ainda
mais irritado.
"Minha decisão de criar essa arma não foi uma decisão de momento", Markees
disse de repente, de modo sério. "Eu tive muito tempo para refletir sobre meus atos. Sobre
as repercussões que isso traria para as outras raças. E agora a grande roda do destino
não pode mais ser parada".
"Para bem ou para o mau?".
"Isso só um vidente do meu povo teria condições de saber", Markees respondeu
encolhendo os ombros. "Mas a minha escolha foi a correta, eu estou seguro disso. Apesar
de saber que tudo tem os seus riscos".
Quanto tempo passará até que saibamos disso? Pensou Jwolf. Infelizmente a
certeza nunca é duradoura.
Markees falou sobre alguns dos riscos e certamente citou que havia muitos outros
principalmente porque vários testes falharam e se voltaram contra ele. Os outros
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simplesmente se enfureciam a tal ponto que atacavam tudo e todos até a morte. Mas
após diversos testes, mudanças de DNA, ele acreditava que a natureza de colméia estava
seguramente banida e ele lutaria por eles.
“Eu rezo para que você tenha razão", disse Jwolf, "pois seguramente Tarr
enfrentará maiores perigos do que um ataque de invasores desordenados se isso
escapar. No entanto". Jwolf olhou para a criatura curiosamente dessa vez, "um cientista
progenitor, um soldado Humano, um holograma inteligente e um invasor modificado se
tornam um grupo muito poderoso. Realmente formamos um time interessante”.
“Um time totalmente mortal", Markees murmurou. "Por que, eu penso que os
invasores que estão se reorganizando não esperam esse tipo de união e nem fazem idéia
das capacidades que podemos somar. E é isso que realmente espero. Que todos os
nossos odiados inimigos sejam destruídos juntos"!
"Realmente juntos nós somos muito mais fortes", o soldado concordou. "Os
cientistas progenitor excedem em muitas vezes a tecnologia de meu povo. Mas os
humanos têm a capacidade de improvisação e a teimosia para criar estratégias
inesperadas e, sim, até mesmo os invasores, se puderem ser controlados, podem passar
de adversários perigosos para aliados inesperados".
"Eu não discordo de você", Markees disse, acenando sua mão direita de três dedos
no ar. "Como eu disse, eu escolhi corretamente. Mas ore para que os militares da cidade
resolvam suas disputas internas, ou as dificuldades de Tarr serão dez vezes piores".
Jwolf acalmou-se e acenou com a cabeça; ele realmente não podia discordar com
o último argumento do velho Markees e, na realidade, ele estava carregando esse mesmo
medo a muitos dias. Talvez a união entre progenitores e humanos fizesse a diferença.
Talvez ganhando força na diversidade, eles teriam condições de vencer o restante dos
invasores antes que se reorganizassem. Mas se o povo de Tarr não pudesse enxergar um
caminho para essa unidade…
Jwolf deixou esse pensamento vagar por sua consciência, e por fim, deixou de
lado. Deixou para um outro dia, um dia de chuva e névoa, talvez para um dia de guerra e
sangue.
Ele olhou para a criatura presa e suspirou até mais esperançoso. "Trate bem do
Cérbero, Markees Tull. Quero um dia vê-lo em combate pessoalmente". Jwolf então partiu,
fazendo seu caminho mais lentamente enquanto retornava à última cidade humana do
planeta.
Na rua, ele viu Artemize novamente na sacada, só que desta vez ela usava uma
leve roupa de seda e ostentava um sorriso travesso e convidativo. No entanto, ele passou
por ela rapidamente. O soldado, o Mariner não se sentia disposto para jogos naquele
momento.
Muitas vezes nas próximas semanas Jwolf voltou à fortaleza de Markees e sentou-
se quietamente em frente à jaula, comungando silenciosamente com o formidável monstro
enquanto o cientista fazia seu trabalho.
"Logo teremos missões para vocês. Assim que eu terminar de negociar com o
conselho de guerra o uso de meu monstro, poderemos sair em missão", Markees
anunciou inesperadamente.
Jwolf encarou inexpressivamente o velho cientista e retrucou. "O uso de Cérbero,
você quer dizer", disse. "E espero que ele esteja tão ansioso quanto eu para realizar seu
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trabalho".
Os olhos da criatura o fitavam intensamente, e Jwolf interpretava aquele olhar
como uma prova dessa ansiedade. "O inimigo de meu inimigo", sussurrou o soldado.
"É meu amigo", finalizou o velho progenitor, virando-se para fitar profundamente os
olhos de ambos os guerreiros. Então se calou, deixando o humano e o invasor sozinhos,
compartilhando silenciosamente seus pensamentos sobre as próximas batalhas que
viriam.

FIM...

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