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fMllf DURI<HflM 2

Tania Quintaneiro

Asdificuldades
prólicassópodemler definiliva'
menteresolvidasatravésdapróticae da
experiénciacotidianas.
Nãoseróumcanlelhade
socióloga,
masasprópriasICciedades que
encanlrarãa
a salu(ãa.
Émil, DUlkh,im

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~o" INTRODU C A O

Émile Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a


consolidação da Sociologia como ciência empírica e para sua instauraçJ.o
no meio acadêmico, tornando-se o primeiro professor universitário dessa
disciplina. Pesquisador metódico e criativo, deixou um considerável número
de herdeiros intelectuais. O sociólogo francês viveu numa Europa contur-
bada por guerras e em vias de modernização, e sua produção reflete a
tensão entre valores e instituições que estavam sendo corroídos e formas
emergentes cujo perfil ainda não se encontrava totalmente configurado.
As referências necessárias para situar seu pensamento são, por um
lado, a Revolução Fmncesa e a Revolução Industrial e, por outro, o ma-
nancial de idéias que, sobre esses mesmos acontecimentos, vinha sendo
formado por autores como Saint-Simon e Cornte. Entre os pressupostos
constitutivos da atmosfem intelectual da qual se,inwregnaria a teoria socio-
lógica durkheimiana, cabe salientar a crença de que a humanidade avança
no sentido de seu gr.ldual aperfeiçoamento, governada por uma força
\+

inexorável: a lei do progresso, Esse princípio, herdado d:1 nJosol"i:! ilumi- dada, apresenl:lIldo uma exist0ncia própria, independente das m:lIlik-s,
nista, foi compartilhado ror praticllnente todos os :Iutores do s0culo I'), t:I\'()es indi,'iduais que possa ter",' :lS "maneiras áe agir, de pensar e de
en1bora assumisse c0'10taçÔes pttrticulares na ohr:1 de c:lda um ddes, senlir exteriorl's ao indivíduo, dotadas de um poder de coel\'ão em virtude do
Aguç;n'a-se, ent:l'o, a consci0ncia dl: que o repertÓrio de id('ias e ,':dores ,i:! qu:" se lhe impÔem",' ou ainda "maneiras de f:lZer ou de pensar, reconhe-
velha ordem socÍ;il, do qu:" ainda sobreviviam alguns elementos, fora des- cíveis pela IXlrticularidade de serem suscetíveis de exercer influ0ncia coerci-
truído pelo vellli:!val revolucion:írio de 171'19e que er:l, port:lnlo, necess:Írio tiva sohre as consci0ncias particulares":1 Assim, pois, o fato social é algo
criar um nm'o sistema científico e moral que se harmonizasse com a ordem dotado de vida pr()pria, externo aos membros da sociedade e que exerce
industrial emergente, O industrialismo, com sua incontida força de transfor- sobre seus cora\'<>es e mentes uma autoridade que os leva a agir, a pensar e
mação, impunh:l-se a lodos como a marcI decisi,'a da socini:!de modnn:1. a sentir de detenninadas maneiras, É por isto que o "reino social" está
Por ()lllro i:!do, difundÍ;i-se a concep\'ão de que a ,'ida cokti,'a n:IO er:1 sujeilo a kis específicas e necessita de um método prÓprio para ser conhe-
~ apenas un1:1 im:lgem :lInpliada da indi,'idual, m:ls um ser dislinto, mais cido, diferl'ntemente do que acontece no "reino psicol()gico" que pode ser
compkxo, c irredutível :IS partes que o forman1. Esse seria, precisamenle, o el1tendido atr:n'Ó da introspel\'ão, Da perspectiva do aUlor, :1 sociedade
ohjelo pn')prio das ciC'ncias soci:1Ís, e seu estudo demand:,,'a a uliliza,':lo do n;lo é o resultado de um somatÓrio dos indivíduos vivos que a comp(!l'm ou
m0todo positivo, apoiado na ohsnva\':'lo, induç'lo e eXlxTiml'nt:l\':'lo, lal de uma nK'ra justaposiçlo de suas consci0ncias, A\'Ôes e sentimentos
como ,'inham Elzendo os cienlistas naturais, Desse modo, as ciC'ncÍ;is d:l partindares, :10 serem associados, comhinados e fundidos, fazem nascer
s, .ciedade deveriam aspirar :1 f,>rmul:I\':'IOde prop' Isi':(!l's nom, )I<\~icls. iSlc' algo novo l' exterior :Iquelas consci0ncias e :IS suas manifesta\'()es, E ainda
0, de Ids que estahelecessem rei:!\'(ll'S (,(>I1SI:tnlesentre k-n<>ml'110S, que o todo se> se forme pelo agrupamento das partes, a associaç:lo "d;Í
Durkheim rl:celw t:llnb0m a influl-ncia d:l nJosol'i:i r:lcion:ilist:l de origem ao nascimenlo de fent)menos que não provl-m diret;lmente d:l
K:lnt, do dar",inismo, do org:tnicismo :ilem:lo e do soci:dislll0 de cítnlr:1. naturez:1 dos ekmentos associados",' A sociedade, ent:lo, mais do que
rifas seu IX'l1s:lmento n:'IO:lpen:ls Elz eco :IS idl-ias rl'l'l'hid:ls. sen:'lo 'IUl' ;IS uma soma, (, uma síl1tese c, por isso, n:lo se encontr:l em c"i:! um desses
reful1de l1um nm'o sistema, cheg:lndo com freqíi0ncia a contl'star ll'ndC'l1ci:l.s elementos, assim como os diferentes aspectos da vida não se acham
intelectuais domin:lIlIl'S de SeUIl'mpo, 11m dos a"'os d:l críticl durkheimi:lIla, decompostos nos :Ítomos contidos na célula: a vida est:Í no todo e n;'lo
l'mt:d sel1lido, Ii,i ao que Ch:ln1<HIde il1dh'idu:dismo utilitaris(;1 represl'ntado nas partes, As :lImas individuais agregadas geram um fent)meno SI/i
por I krlwrt Spencer, par:l qUl'm a coopnaç:'lo (, o resultad, I espc 'l1t:il1l'cI ,QC'I/C'ris,uma "vida psíquica de um novo g0nero", Os sentimentos que
das :I,:,'les que os indh'íduos ex,'nlt:llll vis:lIldo :lIel1der :I seus illllTl'SSl'S caracteriz:lIll este ser tC'm uma for,:a e uma peculiarid:lde que aqueles
p:l riicu i:!res, Durkheim ,'i:1 na ciC'l1cia social uma express:'lo ,i:! consciC'llcÍ;i puram('nl,' individuais n:lo possuem, Ele é a sociedade,
racion:d das sociedades 111<ldern:ls, m:ls n:IO excluí:l o di:ílogo Col11 :I () lJ1ais poderoso feiXt' de for(as físicas l' morais cujo resultado :I 1l:lIlIrl'I'.:1
Ilist()ria, :I Econ'>1llia l' a PsicologÍ;i, emhora :lpont:lSSl' os limitl's ele (';I(i:!
nos Ofl'fl't"l'. Em nenhuma p:lrlL' t'IH.'OIUra-Sl' 1:11 riqul'Z;J de m:IIl'I'i:lis
um:1 ,kssas disciplinas na expliclL::'IO dos f:ltos sociais,
din'rsos le\'ado a lal grau de conCt'nlra(;~lo. Ntlo t' sllrpl'eendenh:, pois.
qut' UI11:1vida l11ais all:1 se dt'sprcnda deI:! e qut', reagindo ~()hrl' os t'lt'-
I11l'nlo:"ido:"iquai:-o I'e:"illlra.deve-os a lIm:! forma superior de exist('nei:. l'
(IS Iral,sf"(u'n,e.h

~ fSPfClfICID~Df DOOBJfTOSOCIOlÓGICO O grupo possui, portanto, uma mentalidade que não é id0ntica :1dos
indivíduos, e os estados de consci0ncia coletiva são distinlos dos estados
de conscil'ncia individual. Assim, "um pensamento encontrado em todas as
A Sociologia pode S('l' definida, segundo f)urkheim, como a ciC'J1cia consci0ncias p:lrticulan:s ou um movimento que todos repetem não s:1o por
"das institui()l's, da SU:l g0nese e do seu funcionamento", ou seja, de "toda isso fatos sociais" mas suas encarnações individuais, Os fen6menos que
crenp, todo comport:lIl1ento instituído pela coletividade",' Na Else positi- constiluem a sociedade t0m sua origem na coletividade e não em cada um
vista que marca o início de sua produ\'ão, considera que, para tornar-se uma dos seus participantes, É nela que se deve buscar as explicaçc')es para os
ciência autÔnoma, ess:l esfera do conhecimento precisava delimitar seu fatos sociais e não nas unidades que a compõem, porque
objeto prÓprio: os falos sociais, Tais fen6menos compreendem "toda ma-
neira de agir fixa ou não, sllscetível de exercer sobre o indivíduo uma as consciências particulares, unindo-se, agindo c reagindo lIInas sobre as
COl'I\';IOexterior; ou entào aind:l, que é ger;1I na extensão de uma sociedade oUlras, fundindo,se, dào origem a uma realidade nova que é a consciência
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da sociedade. (...) Uma coletividade tem as suas formas específicas de pensar
nas minhas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão ete.
e de sentir, às quais os seus membros se sujeitam, mas que diferem daquelas
funcionam independentemente do uso que delas faço.'.
que eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o indi-
víduo, por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se As representações coletivas são uma das expressões do fato social.
assemelhasse à idéia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à Elas compreendem os modos "como a sociedade vê a si mesma e ao
idéia do dever e da disciplina moral etc.'
mundo que a rodeia" como, por exemplo, a massa de indivíduos que a
compõem, as coisas de que se utilizam e o solo que ocupam, represen-
Os fatos sociais podem ser menos consolidados, mais tluidos, são as
tando-os através de suas lendas, mitos, concepções religiosas, ideais de
maneiras de agir. É o caso das correntes sociais, dos movimentos coletivos,
bondade ou de beleza, crenças morais etc. Como se produzem as repre-
das correr1teS'de opinião "que nos impelem com intensidade desigual, sentações coletivas? Através de
segundo as épocas e os países, ao casamento, por exemplo, ao suicídio, a
uma natalidade mais ou menos forte etc.". Outros fatos têm uma forma já uma imensa l'oopera<J:àoque se estende nãu apenas no cspa~'o mas no
cristalizada na sociedade, constituem suas maneiras de sen as regras tempo também; para constituí-Ias, espíritos diversos associaram-sc, mistu.
jurídicas, morais, dogmas religiosos e sistemas financeir~entido das
raram c combinaram suas idéias c sentimentos; longas séries de gera~'Ües
vias de comunicação, a maneira como se constroem as casas, as vestimentas anllllular;om nelas sua experiência e sabedoria. Uma intelectualidade muito
de um povo e suas inúmeras formas de expressão. Eles são, por exemplo, particular, infinitamente mais rica e mais complexa do quc a do individuo
os modos de circulação de pessoas e dI: mercadorias, de comunicar-se, cs(~í aí c()l1cc'1Imda."
vestir-se, dançar, negociar, rir, cantar, convl:rsar ete. que vão sl:ndo estabe-
lecidos pelas sucessivas gerações. Apesar de seu caráter ser mais ou menos Por serem mais estáveis do qUI: as representações individuais, são a
cristalizado, tanto as maneiras de ser quanto de agir são igualmente impera- base em que se originam os conceitus, traduzidos I1<ISpalavras do voca-
tivas, coagem os membros das sociedades a adotar determinadas condutas bulário de uma comunidade, de um grupo ou de uma nação.
e formas de sentir. Por enCOntrar-se fora dos indivíduos e possuir ascl:n- Outro componente fundamental do conjunto dos fatos sociais são os
dência sobre eles, consistem em uma realidade objetiva, são fatos sociais. valores de uma sociedade. Eles também possuem uma realidadl: objetiva,
Para tentar comprovar o $!ráter externo desses modos de agir, dI: independl:nte do sentimento ou da importância qUI: alguém individual-
pensar ou de sentir, Durkheim argumenta que eles têm que sl:r intefllali- mente Ihes d:"i; não necessitam expr<:ssar-se por meio dI: uma pessoa em
zados por meio de um processo educativo. Desde muito pequenas, lembra, particular ou que esta esteja de acordo com eles. Como demonstraçào dI:
as crianças são constl~lngidas (ou I:ducadas) a seguir horários, a dl:senvolver que os fatos sociais são coercitivos e externos aos indivíduos, e de que
certos comportamentos e maneiras de ser 1:, mais tarde, a trabalhar. Elas exercem sobre todos uma autoridade específica, Durkheim refl:re-sl: aos
passam por uma socia/izaçâo metódica e "é uma ilusão pl:nsar qUI: I:du- obstáculos que deverá enfrentar quem se aventura a não at<:nder a uma
camos nossos filhos como queremos. Somos forçados a seguir regl~ts I:sta- conven\'ão mundana, a resistir a uma lei, a violar uma regra moral, :1 não
belecidas no meio social em que vivemos."9 Com o tempo, as crian~'as v;lo usar o idioma ou a moeda nacional. Ele tropeçarÚ com os demais membros
adquirindo os hábitos que Ihes são ensinados e deixando de sentir-Ihes a da sociedade que tentarão impedi-Io, convencê-lo ou restringir sua ação,
coação, aprendem comportamentos e modos de sentir dos membros dos usarão de punições, d:1 censura, do riso, do opróbrio e de outras sanções,
grupos dos quais participam. Por isso a educação "cria no homem um ser incluindo a violência, adverlindo-o de que estÚ diante de algo que não
novo", insere-o em uma sociedade, leva-o a compartilhar com outros de depende dde. Quando optamos pda não-submissão, "as forç:ls morais
uma certa escala de valores, sentimentos, comportamentos. Mais do que contra as quais nos insurgimos re;lgl:m contra nÓs e é difícil, I:m virtude de
isso, nasce daí um ser superior ãquele puramente natural. E se as maneiras sua supl:rioridade, que não sejamos vencidos. e..) Estamos mergulhados
de agir e sentir próprias de uma sociedade precisam ser transmitidas por numa atmosfera de idéias e sentimentos coletivos que não podemos modi-
meio da aprendizagem é porque são externas ao indivíduo. ficar à vontade.")! Mas isso não significa que a única alternativa para o
indivíduo seja prostrar-se impotente diante das regras sociais ou viver
o devoto, ao nascer. encontra prontas as crenças e as pr~í[kas da vilhl permanentemente consciente da pressão dos fatos sociais. Apesar da exis-
rcligiosa; existindo' antes delc, é porque existem fora delc. O SiSlcma de tência de dificuldades impostas por um poder contrário de origem social,
sinais de que 'Ue sirvo para exprimir pcnsanlentos, () sistcma de I1IO,,-,(l:Is apresentam-se compott:unentos inovadores, e as instituições são passíveis de
7O quc emprego para pagar as dívidas, os instrumentos dc crédito 'Iuc utilizo mudança desde que "vários indivíduos tenham, pelo menos, combinado a
sua ação e que desta combinação se tenha desprendido um produto novo"
I I
que vem a constituirum fato social.'.1 Assim, por exemplo, uma proposta deveria ser estritamente sociológico. Com base Qelc, os cientistas sociais
pe.Clagógicaque esteja cm conflitÇ1com a conccpção de educação de seu investigariam possíveis rclaçÔes de causa e efeito é regularidades C0111
vistas
tempo por conter "tendências dó futuro, aspiraçÔes de um novo ideal", :1descoberta de leis e mesmo de "regras de ação para o futuro", observando
pode vencer os obstáculos e impor-se, tomando o lugar das idéias aceitas. fenÔmenos rigorosamente definidos.
A ação transformadora é tanto mais difícil quanto maior o peso ou a centra-
lidade que a regra, a crença ou a prática social que se quer modificar Primciro, h:í quc cSludar a sociedadc no seu aspccto exterior. Considerada

possuam para a coesão social. Enquanto nas sociedades modernas, até soh esta perspectiva, ela surge como que constituída por uma massa de
mesmo os valores relativos à vida - o aborto, a clonagem humana, a pena p0j1ula(:10. dc uma certa densidade, disposta de dctcrminada mancira num

de morte ou a cutanásia - podem ser postos em questão, em sociedades Icrrit'->rio, dispersa nos campos Oll conccnlrada nas cidadc.< cle: ocupa um

tl~ldicionais,os inovadores enfrentam maiores e :ISvezes insuperáveis resis- tt'rrit6rio mais Otl menos extenso, situado de determinada maneira em rela~;flo

tências. Por isso é que até mesmo "os atos qualificados de crimes não são aos mares e aos territÓrios dos povos vizinhos, mais ou menos atravessado

os mesmos em toda parte", como se pode ver no exemplo a seguir: por cursos de :ígua e por diferl'nlcs vias de comunica~'fI() que estahclecem
conlato, mais Otl menos íntimo, cOlre os hahilantes. Este tcrrilÔrio. as suas
Segundo () direílo ;ltl'nicnsc, S()cratcs em criminoso c sua condcna<.;ào não dimens()cs, a sua confjgura~;flo c a c()mposi~'à() da p()pula~'fi() que se movi-
deixou de ser justa. Todavia :->ClI
crimc, isto é, a indcJ1cndl'nda de St'U menta na sua superHcie sào naluralmcnle fatores importantes na vida sodal;
pensamcnto, não foi lItil apenas ;1 hUlllanidadl' como também :1 sua p:ítria. é o seu suhstrato e, assim como no indivíduo a vida psíquka varia consoante
pois servia para preparar lima moral c uma fé novas de que os arcnicnsl's a composi(,'tlo anatÔmica do cérehro que lhe cst:í na hase, assim os fent)-
tinham necessidade então, porquc as tradi\'{)cs nas quais tinham vivido :1Ic: menos coletivos variam segundo a constituição do suhstrato sociaLI"
aquela época 0;10 e:.aavam mais em harmonia com suas condil;.'Ôcsde cxis~
lênda. Ora, () ct.<.;o de S()cralCs n:io é isolado; rcpr()duz-..~c periodicamente
Ourkheim estabelece rcgras que os sociólogos dcvcm seguir na
na histc\ria. A lihcrdadc dc pcnsamcnto dc quc gozamos atualmcnlc jamais
observa~'ão dos fatos sociais. 11,A primcira delas c a mais fundamental é
tcria podido scr proclamada sc as rcgras quc a proihiam n~o tivcsscm sido
consider;I-los como coisas. Daí seguem-sc alguns corolários: afastar siste-
violadas antes de serem solenemente repudiadas. Naqudc momento, porém,
maticamente as preno~"()cs;dcfinir previamcnte os fenÔmenos tratados a
a viola~'fio constituía crime, pois Iratava.se de ofensa contra st'nlimentos
partir dos caracteres exteriores quc Ihes são comuns; e considerá-Ios,
ainda muito vivos na gcncralkl:ldc das consciências. L.) A lihcrdade filos(\-
indepcndentemente de suas manifestaçÔcs individuais, da mancira mais
fica leve por prt'cursort's toda espécie de heréricos que o hra<.,"o
secular
objetiva possível. Ele coloca em qucstão a conduta do investigador quc,
mcsmo cncontrando-se diante de uma realidade externa desconhecida,
justamente castigou durante todo o curso da Idade Média, :lIé a v('spera dos
tempos contt'mporf'aneos.11
parece mover-se como se estivessc "entre coisas imediatamente transpa-
rentes ao cspírito, tão grande é a facilidade com que o vemos resolver
questÔes obscuras" Y Com isso, o estudioso não faz mais do quc cxpressar
suas prenoçÔes, as quais acabam tornando-se como um véu interposto
entre as coisas e elc próprio. As proposições do autor, cxpostas cm scu
o MÉTODO DE ESTUDODA livro As regras do II/étodo sociológico acarretaram acaloradas discussões na
época, obrigando-o a escrcvcr um longo prefácio à segunda cdição tendo
SOCIOLOGIASEGUNDODURI(HEIM em vista esclarccer sua posição inicial e em quc reafirma:

A coisa se op'-'e " idéia. L..) É coisa todo ohielo do conhecimcnto que a
inleligência n~o penetra de maneira natural L..) tudo o quc o espírito n~o
No cstudo da vida social, uma das preocupações de Ourkheim cra pode chegar a compreender sen~o sob a condiç~o de .<air de si mesmo,
avaliar qual método permitiria fazê-Io de maneira científica, superando por mcio da observaç~o e da experimenraç~o, passando progres.<ivamente
as deficiências do senso comum. Conclui que ele deveria assemclhar-se dos ('araclcres mais exteriores e mais imedimamenlc ace.<.<íveis para os
ao adotado pelas ciências naturais, mas nem por isso ser o seu decalque, mcnos visívcis c profundos.'.
porque os fatos que a Sociologia examina pertencem ao reino social e têm
peculiaridades que os distinguem dos fenômenos da natureza. Tal método
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(I

A coisa pode ser reconhecida colocar-se "num estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos e
fisiologistas quando se aventuram numa região ainda inexplorada de seu
pelo sintoma de nào poder ser modificada por intermédio de um simples domínio científico" assumindo, desse modo, sua ignorância, livrando-se
decreto da vontade. Nào que seja refratária a qualquer modificação. Mas de suas prenoçôes ou noções vulgares (já combatidas por Bacon) e adotando,
não é suficiente exercer a vontade para produzir uma mudança, é preciso enfim, a prática cartesiana da dúvida metódica. Essa atitude leva apenas à
além disso um esforço mais ou menos laborioso, devido à resistência que convicção de que
nos opõe e que, outrossim, nem sempre pode ser vencida."
no estado atual dos nossos conhecimentos, não SabCJlI0S<..'0111
certeza o
o sociólogo deve, portanto, ter a atitude mental e comportar-se diante que são Estado, soberania, liberdade política, democracia, socialismo,
dos fatos da mesma maneira que o faria qualquer cientista: considerar que comunismo ele. c o Inc:touo cstatuiria a imcnJi\.'ào do uso destes conceitos
se acha diante de objetos ignorados porque "as representações que podem enquanto nãu cstivcssl"1ll cientificamente constituídos. E todavia os lermos
ser formuladas no decorrer da vida, tendo sido efetuadas sem método nem quc os exprimem figuranl sem cessar nas discussões dos sociólogos. São
crítica, estão destituídas de valor científico e devem ser afastadas"..!!' Ele empregados l"(>rrcIUcmcnlc e com scguran~'a, (,.'omo se cOfrcspondcsscln a
deve assumir que desconhece completamente o que são os fatos sociais, já coisas hem conhecidas c definidas, quando nào despertam em nÔs St'n;to
que
111isturas indistimas de impr~ssõcs vagas, d~ pr~conceitos e de paixÜcsol.\

os homens não esperaram o advento da ciência sodal para formular idéias


sobre o direiro, a moral, a família, o Estado e a pf()pria sodedadej pois não
podi'"H passar sem elas em suaexistência.Ora, é sobretudo na Sociologia
que as prenoções, para retomar a express,;o de Uacon, est,;o em eSlado A DUAlIDADf DOS fATOS MORAIS
de dominar os espíritos e de se substituir ,'S coisas. Com efeito, as coisas
sociais só se realizam através dos homens; são um produto d" atividade
humana. Não parecem, pois, constituir outra coisa senão a realiza\'ão de
As regras morais são fatos sociais e apresentam, conseqÜentemente, as
idéhls, in;ltas ou não, que trazemos cm nõsj não passam da aplic.:;u.;ào
características já mencionadas. Inegavelmente coativas, elas, no entanto,
dessas idéias às diversas circunstâncias que acompanham as relaçÔl's
mostram uma outra face, ao se apresentaremcomo "coisasagradáveisde
dos homens entre si. A organização da família, do contrato, da repressão,
que gostamos e que desejamos espontaneamente". Estamos ligados a elas
do Estado, da sociedade aparecem assim como um simples desenvolvi~
mento das idéias que formulamos a respeito da sociedade, do Estado, da
"com todas as fÓrças de nossa alma". A sociedade é nossa protetora e
justic;aete Por tOlmseguime,tais fatos c outros análogos pareceu1n:~loter
"tudo o que aumenta sua vitalidade eleva a nossa", por isso apreciamos
tudo o que ela preza. A coação deixa, então, de ser sentida graças ao
realidade senão nas idéias e pelas id.:ias; e como estas parecem o germl'
respeito que os membros de uma sociedade experimentam pelos ideais
dos fatos, ehls é que Se tornam, entào, a matéria peculiar :1Sociologia..!'
coletivos. O prestígio de que estão investidas certas representaçÔes deve-se
A dificuldade que o sociólogo enfrenta para libertar-se das falsas a que
evidências, fonnad:ls fora do campo d:t ciência, deve-se a que influi sobre
ele seu sentimento, sua paixão pelos objetos morais que examina. Mas, somente uma sociedade constituída goza da supremacia 1110ral e In;Hcrhd
mesmo que tenha preferências, quando investiga, o sábio indispensável para fazer a lei para os indivíduos; pois só a personalidade;,
moral que esteja acima das personalidades particulares é que forma a
se desinteressa pdas conseqÜências práticas. Ele diz o que L';verifica tOoletividade. Somente assiln ela tem a continuidade e Inesmo a pereni-
o que são as coisas e fica nessa verificação. Não se pre;,ocupaem saber dade nel'essárias para manter a regra acima das relações efêmeras que a
se as verdades que descubra são agradáveis ou desconcertantes, se um- encarnam diariamente..!"
vém ,'S rela\'ões que estabeleça fiquem como foram descobertas, ou se
valeria a pena que fossem outras. Seu papel é o de exprimir a realidade, Em suma, as regras morais possuem uma autoridade que implica a
não o de julgá-Ia." noção de dever e, em segundo lugar, aparecem-nos como desejáveis,
embora seu cumprimento se dê com um esforço que nos arrasta para fora
Por isso é que uma das bases da objetividade de uma ciência da de nós mesmos, e que por isso mesmo eleva-nos acima de nossa própria
74 sociedade teria que ser, necessariamente, a disposição do cientista social a natureza, mesmo sob constrangimcnto. As "crenças e práticas sociais agem
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sohre nÓs a partir do exterior", por isso, sua ascendência I:unhém é distinta
fiéis, antes dispersos e isolados, para fazer re.nascer e alentar neles as
daquela de que desfrutam nossos hábitos, os quais se encontram dentro de
crenças comuns. A sociedade refaz-se morah'Ílente, reafirma os senti-
'ilÓs. O fato moral apresenta, p0is, a mesma dualidade do sagrado que é,
. num sentido, ')0 ser proibido, que .não se alisa violar; mas é tamhém o ser mentos e idéias que constituem sua unidade e personalidade. Isso garante
hom, amado, procurado". Por isso, a coesão, vitalidade e continuidade do grupo, e assegura energia a seus
memhros. A França instituiu "todo um ciclo de festas para manter em
ao nH:Sl11o(cmpo que as inslituiçôcs se impÔen1 a n<')s,adc..'rimos :t elas: estado de juventude perpétua" os princípios nos quais se inspirara a
ebs comandam c n()s as qucremos; elas nos ('oJ1..ar:lI1gel11, c IHJSCIlt.:OIl-
HevoluS;ão.!" Mas o que faz com que os homens mantenham-se em
tramos vantagem em scu funcionamento e no pr6prio c0l1str;mgirnl'1110.
sociedade, ou seja, por que os agrupamentos humanos não costumam
(...) T;lIvc7. nfio t'xistam pr:íficas ('ok'(Í\'as que deixem de..' exercer sohre dest;lzer-se facilmente e, ao contdrio, desenvolvem meclI1ismos para
nÓs eSTa a<.;;io dupla, :1 qual. além do mais, n:io (. cOI1'radilc'H"jascn:io l1a lutar contr:1 ame:lç:ts de desintegra~':lo?
aparl'ncia..!~

Embora a coação seja necessária para que o ser humano acrescente


à sua natureza física, ultrapassando-a, uma outra e superior natureza
é, a soei:tI - ele tem tamhém o prazer de partilhar interesses com outros
isto _ COESÃO, SOLlD~RIED~DE E
memhros da sociedade, de levar com eles uma mesma vida moral. Nessas
passagens, Durkheim faz lembrar as consideraçÔes feitas por Rousseau no OS DOIS TIPOS DE CONSCIÊNCI~
COll/mlo .meial sohre as vantagens que o ser humano obtém ao sair do
estado de natureza. Vemos que, ao explicitar sua concepç:10 de sociedade,
o socicílogo francês mostra-nos uma realidade que tem vida prcípria, (, Conquanto não tenha sido o primeiro a apresentar explica~'ão para
como um ente superior, mais perfeito e que, afinal, antecede e sucede os o prohlL'm:l, Durkhl'Ím elahorou o conceito de solidariedade social, pro-
indivíduos; independe deles e possui sobre eles uma autoridade que, curou mostrar como se constitui e se torna respons:ível pela coesão entre
embora constrangendo-os, eles amam. Enfim, é ela que Ihes concede os mL'mhros dos grupos, e de que maneira varia segundo o modelo de
humanidade e "não poderíamos pretender sair da sociedade sem querermos organiz:t~':-Io social. Para tanlo, levou em conta a existência de maior ou
deixar de ser homens".!"
mL'nor divisÜo do trabalho. Segundo o autor, possuímos duas consciências:
Contudo, os ideais que congregam os membros dos grupos sociais "Um:1 to comum com todo o nosso grupo e, por conseguinte, não repre-
devem ser periodicamente revi ficados a fim de que não se dehilitem. senta a ncís mesmos, mas a sociedade agindo e vivendo em ncís. A outra, ao
Isso acontece nas ocasiÔes que aproximam as pessoas, tornando mais contr:írio, s(> nos represL'nta no que temos de pessoal e distinto, nisso é que
freqÜentes e intensas as relaçÔcs entre elas, como ocorre durante movi- faz de ncís um indivíduo."2') Em outras p:rlavras, existem em ncís dois seres:
mentos coletivos, por meio do reforço exu bera nte da vida socia I, e ta I um, individual, "constituído de todos os estados mentais que não se rela-
cionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida
J"l'l'Ol1stiIUi\';io
moral 11;10pode ser ohtida sel1~lo por meio de rcuniÚes, de pessoal", e outro que revela em nós a mais alta realidade, "um sistema de
:Issl'mhléias, de cOl1grcgaf.r'Ôcs
ondc os indivíduos, estreir:lI)ll't1ICpr<'Jximo...; idéias, sentimenlos e de hábitos que exprimem em ncís (..J o grupo ou os
uns dos outros, reafirmam cm comum seus sentimentos comuns, daí as grupos diferentes de que fazemos parte; tais são as crenças religiosas, as
CI:rimÚnh,s que, por seu ohjeto, pelos resultados qu", produzem, pelos cren~:as L' as pr:íticas morais, as tradiçÔes nacionais ou profissionais, as
proccdimcnlos que empregam, n;i() diferem em naIUrC7.:1 das ccrimt>nias opiniC>es colet ivas de toda espécie. Seu conjunto forma o SL'r social. ".) E,
propriam",ntc rdigiosas. Qual é a dif",rença ",ssencia' entre uma assem- na medida em que o indivíduo participa ela vida social, supera-se a si
hléia de cristãos celdmll1do as datas principais da vida de Cristo, ou de mesmo, O ohjetivo da instrução pública, por exemplo, é constituir a
judeus celehrando a saída do Egito ou a promulgação do dedlogo, e uma consciência comum, formar cidadãos para a sociedade e não operários
reunião de cidadãos comemomndo a instituição de uma nova conSlituicão para as fábricas ou contabilistas para o comércio, "o ensino deve portanto
moral ou algum grand", acontecim",nto da vida nacional?" ser essencialmente moralizador; libertar os espíritos das visÔes egoístas e
dos interesses materiais; substituir a piedade religiosa por uma espécie de
Ourkheim refere-se a essa necessidade de revigorar os ideais cole- piedade social".'"
76 tivos como a razão de muitos dos ritos religiosos que voltam a reunir os
7I
(I

A coisa pode ser reconhecida colocar-se "num estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos e
fisiologistas quando se aventuram numa região ainda inexplorada de seu
pelo sintoma de não poder ser modificada por intermédio de um simples domínio científico" assumindo, desse modo, sua ignorância, livrando-se
decreto da vontade. Não que seja refratária a qualquer modificação. Mas de suas prenoçàes ou noções vulgares (já combatidas por Bacon) e adotando,
não é suficiente exercer a vontade par.! produzir uma mudança, é preciso enfim, a prática cartesiana da dúvida metódica. Essa atitude leva apenas à
além disso um esforço mais ou menos laborioso, devido " resistência que convicção de que
nos opõe e que, outrossim, nem sempre pode ser vencida."
no e~tado atual dos nossos conhecimentos, não saben10s com certeza o
o sociólogo deve, portanto, ter a atitude mental e compol1ar-se diante que são Estado, soberania, liberdade política, democracia, socialismo,
dos fatos da mesma maneira que o faria qualquer cientista: considerar que comunismo etc. c () método estatuiria a interdi~'ão do uso destes conl'citos
se acha diante de objetos ignorados porque "as representações que podem enquanto não estivessl'm dcntificllucnte constituídos. E todavia os termos
ser formuladas no decorrer da vida, tendo sido efetua das sem método nem que os exprimem figllmm sem cessar nas discussões dos sociólogos. São
crítica, estão destituídas de valor científico e devem ser afastadas"..!!' Ele empregadoscorrentementee com scguran\'a,como se correspondesscma
deve assumir que desconhece completamente o que são os fatos sociais, já coisas hem conhecidas c definidas, quando nflo despertam em nÚs senão
que misturas indistintas de impressões vagas, de prcl'onceitos e de paixÜcs.1.\

os homens n~io csperaranl () atlvelUo da ciência social para formular idéias


sobre o direito, a moral, a família, o Estado c a própria so\:iedadc; pois n:h,
podi:1I1I passar sem elas em sua existência. Ora, é sohretudo na Sociologia
que as prenoções, para retomar a expressão de (jacon, estão em eSlado A DUALlDADf DOS fATOS MORAIS
de dominar os espíritos e de se substitu ir ~IScoisas. Com efeito, as coisas
soci:lis só se realizam através dos homens; são um produto da atividade
humana. Não parecem, pois, constituir outra coisa senão a realiza~'ão de
As regt~ts morais são fatos sociais e apresentam, conseqÜentemente, as
idéias, inatas uu não, que trazemos em nós; não passanl da aplic.:;u.;fto
características já mencionadas. Inegavelmente coativas, elas, no ent;mto,
dessas idéias às diversas dr{"ul1stâncias que ;lcomp;lnham as rcla\"Üt'S
mostram uma outra face, ao se apresentarem como "coisas agradáveis de
dos homens entre si. A organização da família, do contraio, da rep",:ss;I(.,
que gostamos e que desejamos espontaneamente". Estamos ligados a elas
do Estado, da sociedade aparccem assim contu um simples desenvolvi-
"com todas as forças de nossa alma". A sociedade é nossa protetora e
mento das idéias que formulamos a respeitu da sociedade, do Estado, da
"tudo o que aumenta sua vitalidade eleva a nossa", por isso apreciamos
justi~'a ctl'. Por (."onseguintc, tais fatos c outros an~logos parcct:m não ter
tudo o que ela preza. A coação deixa, então, de ser sentida graças ao
rcalidade senão nas idéias e pehls idéias; c l'onl0 l'stas parecem o gt:nne
respeito que os membros de uma sociedade experimentam pelos ideais
dos fatos, elas é que se tornam, então, a matéria peculiar :1 Sodologia.11
coletivos. O prestígio de que estão investidas certas representaçÔes deve-se
A dificuldade que o sociólogo enfrenta para libertar-se das falsas a que
evidências, formadas fora do campo da ciência, deve-se a que influi sobre
ele seu sentimento, sua paixão pelos objetos morais que examina. Mas, sOluente um~1socied~lde constituída goza da ~upreluada 1110ral c material
mesmo que tenha preferências, quando investiga, o sábio inuispensável para fazer a lei para os indivíduos; pois só a personalidade
moral que esteja acima das person:llidades particulares é que forma a
se desinteressa pelas cunseqÜências práticas. Ele diz o que é; \"l:rilka l'oletividade. Somente assim ela tem a continuidade e mesmu a pereni-
O que são as coisas e fica nessa verifica~'ão. Não se preocupa em saher dade nel'ess"rias para manter a regra acima das relações cfêmeras que a
se as verdades que uescubra são agradáveis uu desconcertantes, se con- encarnam diariamcntc"H
vém :" rehl~'ões que eSlahele\'a fiquem como foram descohertas, ou se
valeria a pena que fossem outras. Seu papel é o de exprimir a realidade,
Em suma, as regras momis possuem uma autoridade que implica a
não o de julgá-Ia." noção de dever e, em segundo lugar, apareceni-nos como desejáveis,
embora seu cumprimento se dê com um esforço que nos arrasta para fora
Por isso é que uma das bases da objetividade de uma ciência da de nós mesmos, e que por isso mesmo eleva-nos acima de nossa própria
74 sociedade teria que ser, necessariamente, a disposição do cientista social ;1 naturcza, mesmo sob constrangimento. As "crenças e práticas sociais agcm
/ ~
:c

Essa consciência comum ou coletiva corresponde ao "conjunto das aproxima homem e mulher que, por serem dessemelhantes, completam-se
crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma e f9rmam um todo através de sua união.35 Enquanto os "sentimentos de
sociedade [que] forma um sistema deterri1inado que tem vida própria".32 simpatia cuja fonte é a semelhança" levam a uma aglutinação dos membros,
Ela produz "um mundo de sentimentos, de idéias, de imagens" e independe nas sociedades com acentuada divisão do trabalho, o relacionamento
das maneiras pelas quais cada um dos membros dessa sociedade venha a social supõe uma interdependência baseada na especialização de tarefas.
manifestá-Ia porque tem uma realidade própria e de outra natureza. A
Nesse caso, o equilíbrio e a solidariedade originam-se na própria dife-
consciência comum recobre "áreas" de distintas dimensões na consciência
renciação, constituindo fortes laços que unem às sociedades orgânicas
total das pessoas, o que depende de que seja ou segmentar ou organizado os seus membros.
o tipo de sociedade na qual aquelas se inserem. Quanto mais extensa é a
A divisão do trabalho não é específica do mundo econômico: ela se
consciência coletiva, mais a coesão entre os participantes da sociedade
encontra, em outras áreas da sociedade, como nas funções políticas, admi-
examinada refere-se a uma "conformidade de todas as consciências parti-
nistrativas, judiciárias, artísticas, científicas etc. Embora a educação exprima
culares a um tipo comum", o que faz com que todas se assemelhem e, por
isso, os membros do grupo sintam-se atraídos pelas similitudes uns com os os elementos comuns que toda sociedade necessariamente possui - como
as idéias a respeito da natureza humana, do dever e do progresso que
outros, ao mesmo tempo que a sua individualidade é menor. Ainda assim, formam a base do espírito nacional - ela também colabora nessa dife-
a consciência moral da sociedade não é encont da por inteiro em todos os renciação, já que cada profissão "reclama aptidões particulares e conheci-
mentos especiais". Onde existe uma divisão do trabalho desenvolvida, a I
indivíduos e com suficiente vitalidade para impedir qualquer ato que a ~I
ofendesse, fosse este uma falta puramente mo 1 ou propriamente um crime. sociedade não tem como regulamentar todas as funções que engendra e, '.
portanto, deixa descoberta uma parcela da consciência individual: a esfera PI
(00.)Uma uniformidade tão universal e tão absoluta é diC'.dmente impossível
(00.)mesmo entre os povos inferiores, em que a originalidade individual está de ação própria de cada um dos membros. À medida que a comunidade
muito pouco desenvolvida, esta não é todavia nula. Assim então, uma vez
ocupa um lugar menor, abre-se espaço para o desenvolvimento das desse-
que não pode existir sociedade em que os indivíduos não divirjam mais ou
melhanças, da individualidade, da personalidade autônoma.
menos do tipo coletivo, é inevitável também que, entre estas divergências,
existam algumas que apresentem C'dráter criminoso.J3 ~
I
'F
Nas sociedades onde se desenvolve uma divisão do trabalho, a cons-
ciência comum passa a ocupar uma reduzida parcela da consciência total,
permitindo o desenvolvimento da personalidade.
,i
f OS DOIS TIPOSDf SOLIDARlfDADf ~
t~
Quanto mais o meio social se amplia, menos o desenvolvimento das diver- i Os laços que unem os membrps entre si e ao próprio grupo consti-
gências privadas é contido. Mas, entre as divergências, existem aquelas que tuem a solidariedade, a qual pode ser orgânica ou mecânica, de acordo
são específicas de cada indivíduo, de cada membro da família, elas mes- 1t:"
com o tipo de sociedade cuja coesão procuram garantir. Quando tais
mas tornam-se sempre mais numerosas e mais importantes à medida que vínculos assemelham-se aos que ligam um déspota aos seus súditos, a II
o campo das relações sociais se torna mais vasto'. Ali, então, onde elas natureza destes é análoga à dos laços que unem um proprietário a seus I
encontram uma resistência débil, é inevitável que elas se provenham de bens: não são recíprocos mas, sim, "mecânicos". O indivíduo não se I
fora, se acentuem, se consolidem, e como elas são o âmago da persona- pertence, é "literalmente uma coisa de que a sociedade dispõe";36 A soli- I
lidade individual, esta vai necessariamente se desenvolver. Cada qual, com " dariedade é chamada mecânica quando "liga diretamente o indivíduo à ,,
o passar do tempo, assume mais sua fisionomia própria, sua maneira " sociedade, sem nenhum intermediário", constituindo-se de "um conjunto .
pessoal de sentir e pensar. J< mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os ,I
membros do grupo: é o chamado tipo coletivo". Is~o significa que não
Mas a diferenciação social não diminui a coesão... Ao contrário, faz encontramos ali aquelas características que diferenciam tão nitidamente
com que "a unidade do organismo seja tanto maior quan,to mais marcada a uns dos outros os membros de uma sociedade, a ponto de podermos cha-
individualidade das partes". Uma solidariedade ainda mais forte funda-se má-Ios de indivíduos. Suas consciências se assemelham, eles são pouco ou
agora na interdependência e na individuação dos membros que compõem quase nada desiguais entre si e por isso a solidariedade entre eles deve-se às
7B essas sociedades! Durkheim estabelece aí uma analogia com a atração que similitudes que compartilham. Até mesmo a propriedade de bens não pode
79
-. .....
ser individual, o que só vem a acontecer quando o indivíduo desliga-se e
distingue-se da massa. Nas sociedades onde essas ligaç()es predominam, processo de individualizaç;10 dos membros dessa sociedade que passam a ser
~ própria educação é difusa, não há mestres, e "as idéias e as tendências solid;írios por terem uma esfera própria de ação.' Com isso ocorre uma
. comuns a todos os illembros da .sociedade ultrap;lssam em número e interdependência entre todos e cada um dos demais membros que compõem
intensidade aquelas que pertencem a cada um deles pessoalmente".." tal sociedade. A função da divisão do trabalho é, enfim, a de integl~lI' o corpo
A p;lrcela de responsabilidade que a solidariedade mednica tem n;1 social, assegumr-Ihe a unidade. É, portanto, uma' condição de existência da
integração social depende da extensão da vida social que ela abrange e que sociedade organiz;leb, uma necessidade. Sendo esta sociedade "um sistema
é regulamentada pela consciência comum. O estabelecimento de um poder de funçÔes diferentes e especiais", onde cada órgão tem um papel dife-
absoluto - ou seja, a existência de um chefe situ;ldo "muito acima do renciado, ;\ ,funç;lo ue o indivíduo desem enha é o ue marca seu Ig;JJ"
resto dos homens", que ent'arna a extraordinária autoridade emanada tb na sociedade, e os grupos formados por pessoas unidas por afinidades
consciência comum -embora j;í seja uma primeira divisão do tralxllho especiais tornam-se órgãos, e "chegar:í o dia em aue toda or,ganização
no seio das sociedades primitivas n;lo muda ainda a natureza de sua SÚCiaI e pollllca terá uma base f'''rlHsiv;IIlli:ntC--DlLqua.sc...cxclw;iv-;;me~te
solidariedade, porque o chefe não faz mais do que unir os membros ;1 pi:õflsslonal~'.'" Daí deriva a idéia de que a individuação é um processo
imagem do grupo que ele próprio representa. Esse tipo de sociedade, n;1 intimamente ligado ;10 desenvolvimento da divisão do trabalho social e a
qual a coesão resulta "exclusivamente das semelhanç;ls compiJe-se de uma classe de consciência que gradativamente ocupa o lugar da consciência
comum e que scí OCOITequando os membros d:ls sociedades se diferenciam.
uma massa absolutamente homogênea, CUj;ISpartes n;10 se distinguiriam
um;ls das outras", é um agregado informe; a 1w:IJE., um tipo de socied;lde E é esse me.~mo processo que os torna interdependentes. Segundo
simples ou IlÚo-01;Liallizada. Durkheim, somente existem i1/dioídllos no sentido moderno da expressão
quando se vive numa sociedae e a ta mente e I erenclae; , ou seja, onde a
Quando ;1socied;lde p;lssa a ser formada por um conjunto de horclas,
e Ivisão do trabalho está presente, e na 'lua a C01/sciê!.!!JfL.cnJeLilJaocupa
que s;lo seus segmentos, é sinal que se tornou mais complexa e pass;1 a
clwmar-se clti. Esse t' um tipo de sociedade jJo/is.\'(:LiIl/("ltar simples
agregado homogêneo, de natureza 1;lIlliliar e política, fundado numa forte
_ um espaço j;í muito reduzido em lace ela C01/SCleIIC/{/i1/dioidllal.
Essas duas formas de solidariedade evoluem em raz;lo inversa;
-
solidariedade meclnica. A dissolução das sociedades segmentares é conco- enquanto uma progride, a outra se retrai, mas cada uma delas, ;1seu modo,
mitante ;1 forma\;ão de sociedades jJarciais no seio da sociedade glob;II. cumpre a função de assegurar a coesão social nas sociedades simples ou
("(HllpIt'X;IS.Onde a soJicbrieebde social
Nesse processo, d;í-se uma aproxima~';10 entre os membros que a formam,
"a vida social generaliza-se em lugar de concentrar-se numa quantidade de
to forre, inclina fOrft'll1t'l1tt. os homens entre si, coloca-os em frcqíknrc nm-
pequenos lares distintos e semelhantes", reduzem-se os "v;kuos mor;lis"
lalo, ll1ulriplica a ocasit)l's que lêll1 de St' rc!:lc:ionarcrn. C..) Quanlo mais
que separavam as pessoas e, com isso, as rda~'()es sociais tornam-se mais
solid:irios s;'j() os I11t'mbros de lima sociedade, mais rclart)L divt'rsas sus-
numerosa.~ e se estendem. Esse é o resultado de um aumento da dellsidade
tentam, seja enfre si, seja com () grupo fom:ldo colt>fivamt'nlt', porqUt' se os
II/oral e dillfÍmica. Com a intensificação das relaçÔes sociais, os p;lrtici-
seus cnCOnlros fossem raros eles n:io dependeriam uns dos OlJlros scn:lo
pantes dessas sociedades passam a estar em contato suficiente entre si, e de maneira fr:ígile il1ft'nnircnrc.-1I
desse modo reagem aos demais desde o ponto de vista II/oral, e "n;lo
apenas trocam serviços ou ';Izem concorrência uns aos outros, mas vivem
uma vida comum '"
Concomitantemente, desenvolve-se uma dellsidade II/aterial- con-
Cl'ntr;l-se a popubção, formam-se cidades, aumenta a natalidade e também OS INDICADORESDOS TIPOSDE SOLIDARIEDADE
as "vias de comunicação e transmissão rápidas e em quantidade que,
suprimindo ou diminuindo os vazios que separam os segmentos socÍ;lis,
aumentam a densidade da sociedade ") A condensação da sociedade, ao Durkhcim utiliza-se da predominância de certas normas do Direito
multiplicar as relaçÔes intersociais, leva ao progresso da divisão do tmbalho.
como indicador da presença de um ou do outro tipo de solidariedade, já
À medida que se acentua a divisão do trabalho social, a solidariedade
que esta, por ser um fenômeno moral, não pode ser diretamente observada.
mecânica se reduz e é gradualmente substituída por uma nova; a solidarie- Não obstante se sustente nos Costumes difusos, o Direito é uma forma
dade orgânica ou derivada da divisão do trabalbo. Institui-se ent;10 um
8O estável e precisa, e serve, portanto, de fator externo e objetivo que simbo-
liza os elementos mais essenciais da solidariedade social. Por outro lado, as
BI
'I
.

sanções que são aplicadas aos preceitos do Direito mudam de acurdo com
a gravidade destes, sendo assim possível estudar suas variações. O papel
do Direito seria, nas sociedades complexas, análogo ao do sistema nervoso:
regular as funções do corpo. Por isso expressa também o gmu de Concen-
tração da sociedade devido à divisão do trabalho social, tanto quanto o
sistema nervoso exprime o estado de concentração do organismo gerado
pela divisão do trabalho fisiológico, isto é, sua complexidade e dl:sl:nvolvi-
mento. Enquanto as sançÔes impostas pelo costume são difusas, as qUl: Sl:
impÔem através do Direito são organizadas. Elas constituem duas dassl:S:
as n1J/"I!ssiuas- que intligem ao culpado uma dor, uma diminui~';lu, uma
privaçi'to; l: as /"I!slilllliuas - que fazem com qUl: as cuisas l: rdaçÔl:S
perturbadas sejam restabelecidas à sua situa~'ão anterior, levando o culpado
a reparar o dano causado. A maior ou menor presença de regras rl:pres-
sivas podl: Sl:r atl:stada através da fra~'i'to ocupada pdo Direito l'l:nal ou
Repressivo no sistema jurídico da sociedade.
Naqudas sociedades onde as similitudes emre seus ~'l)(lIpOnl:l1ll:s S;'IO
o principal tra~'o, um componamento desviante é punido por lIIL'Ío d~'
a~'ões que têm profundas raízes nos costumes. Os nh.:mbros dessas coll:livi-
dades panicipam conjuntamente de uma espécie de vingan~'a contra aquell:s
que violaram algum fone sentimento companilhado que tenha para a socil:-
dade a função central de assegurar sua unidade. Sendo a consciência cok-
tiva tão significativa e dissemin:lda, feri-Ia é uma violência qUl: alingl: a
todos aqueles que se sentem parte dessa totalidadl:. O criml: provoca UIII;I
ruptura dos elos dl: solidariedade, l: sua incontestávd reprov:lção serVl:, do
ponto de vista da sociedade em questão, para confirmar e vivificar valorl:s
e sentimentos comuns e, desde uma perspectiva sociológica, pl:rmitl:
demonstrar que alguns valores possuem a fun~'i'lo de assegurar a existência
da própria associação. A vingança é exercida contra o agressor na ml:sma
intensidade com que a violação por ele pl:rpl:lrada atingiu uma lTl:nça,
uma lradi~'ào, uma prática coletiva, um mito ou qualqul:r Oll!ro componl:n(~'
mais ou menos l:ssenciallxlra a garantia da continuidadl: daquela socil:dadl:.
Nas socil:dades primitivas é a assembléia do povo qUl: t:tz justi~'a Sl:m
intenlll:diários. OS,sentimentos coletivos estão profundamente gr:lvados ~'m
todas as consciências, são enérgicos e incontestes, e assim também sua
puni~':10. Os crimes são, portanto, atos que ou

II)anif~st~un uir~(~ul1C'JUC lima dessc.:mc.:lllaIWOIdl.:'lllasiaJ\, vjo!...'llIa ,..:lllfl: (J


agclue que o executou e () tipo soc.:iat Oll ent~io ofendem u t"Jrg;ioda c..:ons-
dênda l'Onlum. Tantu num (,,';lSU(,,'01110no outro, a fur~';1 atingida pdo
crime e a que () repele é a mesma; d;1 é um pruduto U;ISsimililude.'i sociais
mais essenciais e tC111por efdro manh:r a t:u~sào sudal qu~ rcsuha t.1c.ssas
sinli1itu<..l~s.l~

8 2
.
1

MAX W~B~R 3

MariaLigia de OliveiraBarbosa
TaniaQuintaneiro

Alorelo do prolelSoré lervir 001olunolcomo


leu conhecimenlo e experiéncio e nõoimpor-Ihel
IUOIopiniõelpalílicOlpelSooil.
,fIQX'IItbtt

~B~
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INTRODU c A O

À época dI.: Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate


entre a correnle até emão dominanle no pensamento social e filosÓfico, o
posilivismo, e SI.:UScríticos. O objcto da polêmica cram as I.:spl.:cilkidadcs
das ciências da naturcza I.: das ciências do I.:spírito 1.:,no inll.:rior dl.:stas, o
papd dos valorl.:s I.:a possibilidade d;1 formulação de leis. Wilhclm Dilthcy
0833-1911), um dos mais impoltantcs rcpresentantes da al;1 antipositivista,
contrapÔs ;1razão científica dos positivistas a ra7o:"ohistÓrica, isto é, a idéia
de quI.: a Comlxl.:ensi"lo do fl.:nÔmeno social pressupõl.: a recuperação do
selllido, semlxl.: arraigado lCmporalmcntc e adscrito a uma wel/al/scha/l/ll/g'
(rdativismo) c a um ponto dI.: vista (pcrspl.:ctivismo). Obra humana, a expe-
riência histÓrica é também uma rcalidadl.: mÚltipla c incsgotávcl.
Mas foram Marx I.: Nil.:tzsdw, reconhl.:cidos pelo próprio Weber
como os pcnsadoJ"l.:sdl.:cisivos de sculCmpo, aqudes que, segundo alguns
biógrafos, livl.:ram maior impacto sobrl.: a obra do sociólogo alemão. A
inl1uência dI.: Marx I.:videncia-sc no t:lto de ambos lCrcm comp;utilhado o
grandl.: tema - o capitalismo ocidcntal - e dedicado a elc boa parte dl.
suas en<.:rgias intelectuais, estudando-o da p<.:rspectiva histÚricl, econtJl11ica, sugerir a ado~'~ío de medidas que tenham a finalidade de solucioná-Io.~. .I~í
ideolÓgica e sociolÔgicl. \'í!dJ<.:r proptJs-se a v<.:rilkar a capacicl:lde que os julg;lmenlos de v;t!or dizem respcito :1 dL'finiç;10 do significado que se
tei'ia o materialismo hist(Jrico d<.:'encontrar explicl~'(Jes adequadas :1 his-
dá aos ohjclos ou ;IOS prohlcl11;IS. O sahcr cmpírico tem como objetivo
tória social, <.:sl)ecialment<.: sohre ~is relaç(Jes <.:ntre a <.:strulllra e a supe-
procurar r<,:sposlas através do uso dos instrumentos mais adequados (os
restrutura. EI11suma, procurou compreender como as id~ias, tanto quanto meios, os m~todos). Mas o cientista nunca d<.:ve propor-se a estabelecer
os fator<.:s de ordem material, cohr;lvam forp n;I explicI~';-1O sociol(Jgicl,
normas, idcais e reccitas p;Ira a /w(/.\'is, nem dizer o que dcvc, mas o que
sem deixa r d<.:crit ica r o mon ismo CIUS;t! 'I ue ca racteri Z;I o m;1teria lismo podc scr feito. A ciêncb é, portanto, um proccdimento ;t!t;IIl1L'ntL'racional
ma rx ist;1 nas suas formas vulga res.
quc procur;1 explicar as conseqÜências de determinados atos, enquanto a
\'í!eher tamh~m é herdeiro (1:1percepçlo de T'riedrich Ni<.:tzsche (IRi,í- posiç:lo política pdtica vincul:l-se a com'iL\,c'es e deveres, A rel:l(:;lo entre
1<)00) segundo a qual a vont;Ide de poder, expressa na lUla entre v~Ilores ciênci;1 e \';t!ores é, ;Iinda assim, m;lis complexa do quc possa p~lrecer.
antagÚnicos, é que torna a realidade social, po!ílicl e L'contJmica compreen- Scgu nd( J \'í!ebcr:
sível. Isso rdktia preocupa~.tJ<':s corr<.:nt<.:sde historiadores, soci()logos L'
pSicc'Jlogos alellÜes, inler<,:ss;ldos pelo clr;íter cOIlf1ituoso implícito no Iloje falamos h:lhilu:llrnl'ntt' ti:! d['ncia como h)i\'I"l'de..'lodas as prc."ÕslIpo-
plu ra Iismo d<':l11ocr;ítico. Si(Úl'S". 11:I\'er;Í lal COiS:I? Depende do que enlendemos por isso. Todo
Enfil11, clhe lemhrar a origin;t!idade de \'í!elX'r no refinamento dess~ls Irah:dhCl científico pn.'sslIpÚe qUl' as n.'gra:-; da h"'~icl do mC:'lodo S;'IO\':íli-
e de outr;ls idéias que estav;lm pres<.:nt<.:snos dehates (1:1época. Os conceitos da:-;: S:'IO:IS hases gerais dl' no:-;:-;aorienf:l~':10 no mundo: e.', pelo menos P:1I":I
COI11os quais interpretou ;1 complexa lut;1 que tem lug~lI' L'm todas ;IS no:-;s:I que."a:'lo e:-;ped:II, e:-;:-;:IS
prl'sslIpOsiI,.'(K'S s:10 o :Ispecto menos prohll'-
;Iren~IS (1:1\'i(1:I colcth';1 e o desL'm'olvimenlo histc'Jrico do Ocidente C0l110a llI:ílico da dt'nd:1. " d0nd:1 PI"l's:-;uptJe,ainda, qUl' o produto do Irah:tlho
marcha da r;lcionaliel:lde represent~lIl1 um a\';ln(o em termos de precis;'lo de.'llIífico (> imporl:lIlfl' no :-;enlido de que ""ale :1 pena conhect--Io". Nislo
111e I,)(1, JIÚgica, l'SI:'11Il'nn'ITados lodos os nossos problemas, cvidcnll'ml'nll.', pois esla prl's-
sllposil,':'IO 11:'10pode ser pro\'ada por nll'io denríficos - s() pode ser inll'r~
prc.'I:ld:1com referl"nci:1 :10 seu significado tíhimo, qlle.' d(.'\.eI11O'...rejeilar ou
:lcl'ilar, segllndo :I nos a posi(:io lihima l'm rcl:l(:io :'1"ida. (...) A "prl' sllpo-

~ OBJETIVIO~OE
00 CONHECIMENTO Sil.':'lo"geral da f\ll'didna {, :lprc.'senfad:1 Irivialmenle l1a :lfirm:u,,-:io de qlle.' :1
Ci0nci:1 f\1c.~dica tem :I larefa de m:lI1ll'r a vida como lal e dimin1lir o sofri-

111e.'nlon:1 uwdid:1 m:ixima de.' suas possibilidades. Se.':1 vida vale :1 pena ser
\'i\'ida l' qllando - esta qtll'Sftlo n:io (' indag:lda pela f\kdicin;l..t
N;I im'L'stigaç;'lo de UI11fL'l11a,um cicntist~I é inspir;ldo por scus pn'Jpri-
os \';t!ores e idcais, qu<.:têl11 UI11cldlcr s;lgr;Ido par;1 ele, nos qu;lis deposit;1 M:ls como L' possível, apesar da existência desses valores, alcm~';lr a
sua fé c pelos quais está disp().~to a lutar. Por isso, de\'L' estar cap;lcit;ldo ;1 ohjetividade nas t'Íc:nt'Ías sot'Íais? A resposta de \'í!eber é qlle os \'alores
esuhl'lcccr uma "distin~';-Io entre rcconhecer e julgar, e a cumprir tanto o de\'L'm ser incorporados conscienlcmente :1 pesquisa e controlados atrav~s
dC\'l'r t'Ít'ntífko de \'t'r;I \'t'rdad(' d().~ f;\tos, COI11O o dL,\'t'r pr;Ítit'o de ddender" de procedimcntos rigorosos de ;málise, caractnizados como "csqllemas de
os pr(Jprios v;t!ores, quc devem ser ohrigatoriamente cxpostos e jal11ais explicl(,';'lo condicional". A aç;lo do cientista é seletiva. Os valores S;IO um
dist:II\';ldos de uciênci;1 social" ou (1:1"ordem racional dos falos". I::csscllCi;t! gui:1 par;1 a cscolha de 11m cerlo ohjeto pelo cicnlisla. A partir daí, ele
distinguir a política e a cil'ncia t' considerar quc esta t;lIl1POUCOest;í iSCllt:1 defini r;í uma certa dirc~';lo para a sua exrlicl~';lo e os limites da cadcia
dc valores. Enquanto a ciência é um produto da rdkx;lo do cientist;I, a clusal qlle ela é capaz de estahelecer, amhos orientados por valores. As
políticl o L' do homem de \'onlade e de a~';lo, ou do mCl11hro dc uma classc rcla~'()cs de clus;t!iebde, por de constrllídas na forma de bijJ(j/eses, consli-
que compartilha com outras ideologias e interesses. Segundo \'í!eher, Ua
tuir;lo um esquema I{Jgico-explicativo clI;a ohjetivid:lde ~ garantida pdo
ciência é hoje uma VOCI~';lOorganizada em disciplinas especiais ;1 serviço
do auto-esclarecimento e conhecimento d<.: fatos inter-rdacionados".! Ela rigor e obediência aos ciinones do p<.:nsamenlo científico. O ponto ess<.:ncial
a ser salielllado é que o pr<Íprio cientista é quem atrihui aos aspectos do
n:lo dá resposta :1 pergunta: a qual dos deuses devemos servir? Essa ~ uma
real e da hist<Íria que examina uma ordem através da qual procura estabe-
questào que tem a ver com a ética. Em outras palavras, é prcciso distinguir
entre os jll/g(/II/ell/os de /'(//01' e o sa{ier ell//iírico, Este n;Isc<.:d<.:ncccssi- lecer uma relaç;)o callsal entre certos fenÔmenos. Assim produz o que se
chama tipo ideal.
dades e consideraç(Jes pr;íticas historicamente colocadas, na forma de
108 prohlemas, ao cientista cujo propÓsito de\'<.: ser o de procurar selccion;lr e
I n 'I

~
"'T

r Weber rejeita a possibilidade de uma ciência social que reduza a realidade


,
Conclui-se que a atividade científica é, simultaneamente, racional com
relação às suas finalidades - a verdade científica - e racional com relação empírica a leis. Para explicar um acontecimento concreto, o cientista agrupa
I uma certa constelaçÜo de fatores que lhe permitam dar sentido a esta reali-
a valores - a busca da verdade. A obrigação de dizer a verdade é, enfim,
dade particular."
parte de uma ética absoluta que se impõe, sem qualquer condição, aos
cientistas. Weber prO\:ura demonstrar que conceitos muito genéricos, extensos,
abrangentes ou abstratos, sào menos proveitosos para o cientista social por
Dada a sua complexidade, a discussão realizada por Weber sobre
a objetividade das ciências sociais merece uma considera~'ão cuidadosa. serem pohres em contelldo, logo, afastados da riqueza da realidade histó-
rica. Portanto, a tentativa de explicar tais fenÚmenos por meio de "leis" que
Segundo o autor, para chegar ao conhecimento que pretende, o cientista
expressem regularidades quantifidveis que se repetem não passa de um
social efetua quatro opera~'ÜL's: 1) estabelece leis e fatores hipotéticos que
trabalho preliminar, possivelmente lttil. Os ti:nÚmenos individuais são um
servirão como meios para seu estudo; 2) analisa e expÜe ordenadamente
conjulllo infinito e caC>tico de elementos cuja ordena~'ão é realizada a partir
"o agrupamento individual desses fatores historicamente dados e sua combi-
da signific;I~'ão que representam e por meio da imputa\'ão causal que lhe é
naç:lo concreta e significativa", procurando tornar inteligível a causa e
feita. Logo,
natureza dessa significação; 3) remonta ao passado para observar como SL'
desenvolveram as diferentes características individuais daqueles agrupa- a) o l.'lmhL'c.:iIllCIUOde lei="sodais n~io (. um <.:onlu:L'ill1cI1l0 do sot.:iahllL'llh:
mentos que possuem import:lIlcia para o presente e procura fornecer uma rcal. mas uniclmente um dos diversos meios auxiliares quc o nosso pL'nsa-
explica~':lo histcJrica a partir de tais constelações individuais anteriores, e Illento uliliza para esse efeito c, h) (JOl"<.llIC
nenhum conhCl'imcnto dos al'o)1-
.-j) avalia as constelaçÜes possíveis no futuro:' IccilHL'nlos (,'ulturais podL'r;, st..'rconcd)ido senfto com hase na significa"::lo
WeI H:r endossa o ponto de vista segundo o qual as ciênci:ls sociais qUl' :I rt..'alidadl' da vida, s mpn.: configurada dl' modo individual, possui
visam a compreensão de eventos culturais enquanto silll-ill/arid(/{/es' O para nÚs l'm dl'lerminadas rdacJ>t..'s singulares.;
alvo é, portanto, captar a especificidade dos fenÔmenos estud:ldos e seus
o princípio de selc~'ão dos fenÔmenos culturais infinitamente di-
significados. Mas sendo a realidade cultural infinita, uma investig:lçih> exaus-
tiv:l, que considerasse todas as circunstÜncias ou variáveis envolvidas num versos é suhjetivo, já que apenas o ponto de vista humano é capaz de
conferir-Ihes sentido, assim como de proceder ;1 imputação de causas
determinado acontecimento, torna-se uma pretensão inatingível. Por isso, o
concretas e :Idequadas ou ohjetivamente possíveis, destacando algumas
cientista precisa isolar, da "imensidade absoluta, um fragmento ínfimo" que
conexÔes, construindo relaçÔes, e elaborando ou fazendo uso de conceitos
considera relevante. O critério de seleçih> operante nesse processo l'st:í
que pretL'lKlem ser ICcundos para a investigação empírica, emhor:1 inicial-
dado pelo significado que certos fenÚmenos possuem, tanto para ele como
mente imprecisos e intuídos. Isto vai permitir "tomar consciência n:lo do
para a cultura e a época em que se inserem. É a partir da l'onsidera~':'lo de
que é genérico mas, muito pelo contrário, do que é específico a Il.'nÔmenos
ambos os registros que será possível o ideal de ohjetividade e inteligibili-
culturais"." A resposta para o problema da relação entre a ohjetividade
dade nas ciências sociais. Pode-se dizer, então, que o particular ou especí-
do conceito puro e a compreens;lo histÓrica encontra-se na elahora~';lo
fico n;lo é aquilo que vem dado pela experiência, nem muito nK'nos o
dos tipos ideais, através dos quais busca-se tornar compreensível :1 n:l!u-
ponto de partida do conhecimento, mas o resultado de um esl(>I,\'o cognitivo
reza particular das conexÔes que se estabelecem empiriC:l111ente.
que discrimina, organiza e, enfim, abstrai certos aspectos da realidade na
tentativa de explicar as causas associadas ;1 produ~';lo de determinados
lenÔmenos. Mas o método de estudo de que se utiliza baseia-se no estado
de desenvolvimento dos conhecimentos, nas estrutur:ls conceituais de que
dispÜe e nas normas de pensamento vigentes, o que lhe permite obter OS TIPOS IDEAIS
resultados válidos não apenas para si prcJprio.
Existe uma grande diferença entre conferir significado ;1 realidade
histÓrica por meio de idéias de valor e conhecer suas leis e ordená-Ia de Por meio das ciências sociais "queremos compreender a peculiarida-
acordo com conceitos gerais e princípios lÓgicos, genéricos. Mas a explica- de d:1 vida qUL>nos rodeia" composta de uma diversidade quase infinita de
~':h>do falo s(~//ijlc{/lil'u elll s//(/ eSjJec{/tcidade nunca estará livre de pressu- elementos. Ao tomar um objeto, apenas um fragmento finito dessa realidade,
postos porque ele próprio foi escolhido em fun~'ão de valores. Com isso, o cientista social empreende uma tarel:1 muito distinta daquela que se propõe
110 III
tra~'os e deixa de bdo outros, o que confere unilateralidade ao modelo
o cientista da natureza. O que procura é compreender unl;l illdil'idllalid{/(Ic puro. Os elementos causais siio relacionados pelo cientista de modo
sociocllltllral formada de componentes historicamente agrupados, nem racional, embora niio haja dÚvida sobre a intluênci~, de fato, de incontáveis
sempre quantifieáveis,\a cujo pas!;ado se remonta para expliclr o presente. fatores irracionais no desenvolvimento do fentJ'meno real. No relativo ;\
partindo entiio 'deste para avaliar ;IS perspectivas futuras, ênfase n;\ raciona lida de, o tipo ideal sÓ existe como utopia e niio é, nem
Sendo uma ciência generalizadora, a Sociologia constrÓi conceitos- pretende ser, um retlexo da realidade complex'a, muito menos um modelo
tipo, "vazios frente :1 realidade concreta do hist{,rico" e distanciados desta. do que ela deveria ser. Um conceito típico-ideal é um modelo simplificado
mas unívocos porque pretendem ser fÓrmulas interprl'lativas atra\'(~s das do real, elaborado com base em tra~'os considerados essenciais para a
quais se apresenta uma explicaçiio racional para a realidade empírica que determina\'iio da causalidade, segundo os critérios de quem pretende
organiza. Esta adequa\,iio entre o conceito e a realkbde é tanto mais com- explicar um fenc,meno.
pleta quanto maior :1racionalidade da conduta a ser inH:rpretada, o que n:'\o I~ possível, por exemplo, construir tipos ideais da economia urbana
impede a Sociologia de procurar explicar fenÔmenos irracionais (místicos, da Idade Média, do Estado, de uma seita religiosa, de interesses de classe e
proféticos, espirituais, afetivos). O que d;í valor ;\ uma constnl~';io te{,rica é de outros fenÔmenos sociais de maior ou menor amplitude e complexidade,
a concord:lncia entre a :\dequa()o de sentido que prop()e e a prm'a dos e também organizar qualquer dessas realidades a paltir de um ou de diversos
fatos, caso contrário, ela se torna inÚtil, seja do ponto de vista explicativo de seus elementos. Na medida em que o cientista procede a uma seleç;io, esta
ou do conhecimento da a~'iio real. Quando t' impossível realiz:lr a prova vem a corresponder ;\S suas pn"prias concepçÔes do que é essencial no
empíric\, a evidência racional serve apenas como uma hip{,tese dotada de objeto examin:ldo, e sua constnl\'iio típico-ideal niio corresponde necessa-
plausibilidade. Uma constnl~'iio teÓrica que pretende ser um;\ e.\I,licaçÚo riamellle ;\S de outros cielllistas. Ele procederá, a partir daí, a uma compa-
callsal baseia-se em probabilidades de que um certo processo "A" siga-se. ra~'iio entre o seu modelo e a dinâmica da realidade empírica que examin:1.
na form:1 espera(b, a um outro determinado processo "1\".
As constnr~'Úes elaboradas por Marx sobre o desenvolvimento do
Somente as a~'('es compn,'CnsÍ\'eis s:'i<, objeto da Sociologb. E p;lr:1 clpitalismo tt'm, para Weber, o caráter de tipos ideais e, embor;\ teoricl-
que regubridades da vida social poss:\m ser chamadas de leis socioh\~iClIS t' mente corretas, rÜo se Ihes deve atribuir validez empírica ou imaginar qll\'
necl'ss:írio que se comprove a probabilidade estatística de que ocorram n:1 s;io "lendC'ncias" ou "for\'as ativ;\s" re;lis.
forma que foi definida como adeqllada si.~ll(/lcatil'(I/lIellte,
N:I medida em que niio é possível a explica~'iio de uma realidade T:tis conSlnl\'Úl's c..> permitem-nos \'l'f se. l'1ll Ira(osp:lrlinll:lrt's
ou l'm seu

social p:lrticular, Única e infinita, por meio de uma an:ílise exaustiva das car:íh:r 101:11,os fentHUt'l)OS St' aproximam de lIlll:! d<..'Ilossas ('"OIlSlfll(Úl'S,

rela(;<',es clus:\is que ;1 constituem, escolhem-se algumas destas por meio (b dl'It'I"IHinar o grau de apl"oxima(tlo do fetlÚmeno hi!'il{}rico e o lipo COtl!'i-

:\V;tliaS:;iodas intluências ou efeitos que delas se pode esperar, O cientista Iruído tl'orkamenll'. Soh l'S!'il' aSpl'l'lo, ;1 constrll~':i() (> simpk:mll'ntl' um
atribui :1 esses fragmentos selecionados da realidade um sentido, dest;lcl I"l'(:urso tl'cnko que fal'Ílila uma disposi(flo l' Il'rminologia mais I'H:idas:'

certos aspectos cujo exame lhe parece importante - segundo seu princípio
Um exemplo da aplicaçiio do tipo ideal encontra-se na obra li ('tica
de sele~';lo _ baseando-se, portanto, em seus pn"prios I'alores. M:IS,
protes/m/te e o eSfiírito do c{f/li/alisll1o. Weber parte de uma descri<)o provi-
enqu;lI1to "o objeto de estudo e a profundid;\de do estudo na infinidade
das conexÔes causais S;IOdeterminados somente pelas idéias de valor que s<Íria que lhe serve como guia para a investigaçiio empírica, "indispensável
;1clara compreensiio do objeto de investigaçiio", do que entende inicialmente
dominam o im'estigador e sua época", o método e os conceitos de que ele
por "espírito do capitalismo", e vai construindo gradualmente esse cOIKeito
1:1I1~'amiio ligam-se :IS norm:\s de validez científica referidos a uma teoria,
ao longo de sua pesquisa, para chegar ;\ sua forma definitiva apenas no
A elabora~'iio de um instrumento que oriente o cientista social em sua husca
fin;" do trabalho. O tipo ideal é utilizado como instrumento para conduzir o
de COlle,\'(!es callsais é muito \,:tlios:\ do ponto de vista heurístico. Esse
autor numa realidade complexa. O autor reconhece que seu ponto dl' vista
modelo de interpretas:iio-investigaçiio é o tipn ideal, e é dele que se vale o
é um entre outros. Cabe :\ Sociologia e à História, como parte das ciências
cientista para guiar-se na infinitude do real.
da cultura,11I reconstruir os atos humanos, compreender o significado que
Suas possibilidades e limites devem-se: 1) ;\ 1I1/ilatemlidade, 2) ;\ estes tiveram pam os agentes, e o universo de valores adotado por um
racionalidade e 3) ao cm'r1fer IItópico. Ao elaborar o tipo ideal, parte-se da grupo social ou por um indivíduo enquanto membro de uma determinada
escolha, numa realidade infinita, de alguns elementos do objeto a ser inter- sociedade e, por fim, construir conceitos-tipo e encontrar "as regras gerais
pretado que são considerados pelo investigador os mais relevantes para a do acontecer",
explicação. Esse processo de sele~'ão acentua - necessariamente - certos 1I 1
112
.

Para compreender uma ação através do método científico, o sociólogo


OS CONCEITOSfUNDAMENTAIS trabalha então com uma elaboração limite, essencial para o estudo socioló-
gico, que chama de tipos puros ou ideais, vazios de realidade concreta ou
DA SOCIOLOGIAWEBERIANA estranhos ao mundo, ou seja: abstratos, conceituais. O Avarento, perso-
nagem dramático de Moliêre, pode ser visto como um tipo ideal ou puro.
Sua principal característica pessoal é a avareza, e todas as suas ações estão
orientadas para a possibilidade de guardar cada vez mais dinheiro. É evi-
dente que mesmo os avarentos mais empedernidos não constroem todos os
ACÃOt ACÃOSOCIAL momentos da sua vida em torno apenas da atividade de entesouramento!
Apenas figuras imaginadas seriam capazes, por exemplo, de contar os
A açÔo é definida por Weber como toda conduta humana (alo, grãos de arroz que cada um de seus filhos estaria autorizado a comer nas
omissi"lo, permissão) dotada de um significado subjetivo dado por quem refei<;ões... Ainda assim, o personagem proporciona, enquanto tipo ideal,
a executa e que orienta essa ação. Quando tal orientação tem em vista a um conjunto articulado de princípios racionais para a explicação das perso-
açi"lo- passada, presente ou futura - de outlV ou de oullVS agenLes 'lU(: nalidades e açÜes dos avarentos. E é este o sentido do uso de tipos ideais.
podem ser "individualizados e conhecidos ou uma pluralidade de indivíduos Logo, com base no reconhecimento de que, durante o desenvolvimen-
indetenninados e completamente desconhecidos" - o público, a audiência to da açi"lo,podem ocorrer condicionamentos irracionais, obstáculos, emo-
de um programa, a família do agente etc. - a ação passa a ser definida \'Ües, equívocos, incoerências etc., Weber constrói quatro tipos puros, ou
como social. 11 A Sociologia é, para Weber, a ciência "que pretende entender, ideais, de açi"lo:a açào racional com relaçào a fil/S, a açÔo racial/ai com
interpretando-a, a açi"losocial para, dessa maneira, explicá-Ia causalmente re!açÔo a valores, a açlio tradiciOlwl e a açlio a/etiva. Sem dúvida, si"lo
em seu desenvolvimento e efeitos", observando suas regularidades as quais muitas as combinações entre a maior ou a menor nitidez com que o agente
se expressam na forma de usos, costumes ou si/uações de il1leresse," e percebe suas próprias finalidades, os meios de que deverá servir-se para
embora a Sociologia ni"lo tenha a ver somente com a ação social, sem alcalwá-las, as condições colocadas pelo ambiente em que se dá sua ação,
embargo, para o tipo de Sociologia que o autor propõe, ela é o dado assim como as conseqÜências advindas de sua conduta.
central, constitutivo.1.\ Entretanto, algumas ações ni"lointeressam ;1 Socio- A escala dassificatória abrange desde a racionalidade mais pura
logia por serem reativas, sem um sentido pensado, como a de retirar a até a irracionalidade. O sociólogo capta intelectualmente as cOl/e.n)es de
mi"loao se levar um choque. seI/tido raciol/ais, as que alcançam o grau miiximo de evidência. Isso
A explicaçi"losociológica busca comjJreender e inle/prela r o senLido, não ocorre com a mesma facilidade quando valores e afetos interferem
o desenvolvimento e os efeitos da conduta de um ou mais indivíduos nas açÜes examinadas. A partir de um modelo de desenvolvimento da
n:ferida a outro ou outros - ou seja, da a<;:lo social, n:lo se propondo :1 conduta racional, o sociólogo interpreta outras conexões de sentido menos
julgar a validez de tais atos nem a compreender o agente enquanto pessoa. evidentes - sejam aquelas afetivamente condicionadas ou que tenham
Compreender uma açi"loé captar e interpretar sua conexÚo de senlido, que sorrido inl1uências irracionais de toda espécie - tomando-ascomo desvios
serii mais ou menos evidente para o sociólogo. Em suma: ação compreen- do modelo constituído.
sível é a\'i"locom sentido, Em síntese: somente a açi"locom sentido pode ser compreendida pela
As condutas humanas são tanto mais racionalizadas quanto menor ror Sociologia, a qual constrói tipos ou modelos explicativos abstratos para cuja
a submissi"lo do agente aos costumes e afetos e quanto mais de se oriente construçi"lo levam-se em conta tanto as conexões de sentido racionais, cuja
por um planejamento adequado ;1situaçi"lo,Pode-se dizer, portanto, que as interpretaçi"lo se dá com maior evidência, quanto as não-racionais, sobre as
ações serão tanto mais intelectualmente compreensíveis (ou sociologica- quais a interpretaçi"lo alcança menor clareza.
mente explicáveis) quanto mais racionais, mas é possívd a interpreta,;i"lo
endopática e o cálculo exclusivamente intdectual dos meios, direção e
efeitos da ação ainda quando existe uma grande distância entre os valores
do agente e os do sociólogo, Interpretar uma ação devid:1a valores religiosos,
a virtudes, ao fanatismo ou a afetos extremos que podem não fazer parte
da experiência do sociólogo ou aos quais ele seja pouco suscetívd pode,
portanto, dar-se com um grau menor de evidência, 11)
114

~
A conduta pode também não ter qualquer motivação racional, como {,
o caso daqudas de tipo afetivo e de tipo tradicio!lal. Diz-se que o sujeito
os TIPnSPUROS
Df àCÃOf Df àCÃOSOClàl age de modo afdivo quando sua ação é inspirada en'í suas emoç()es imediatas
- vi ng:II1\.'a , desespero, admiração, orgulho, medo, inveja, entusiasmo,
desejo, compaixão, gosto estético ou alimentar etc. - sem consideração de
meios ou de fins a atingir. Uma açÚn {!(elil!a é aquela orientada pelo ciÜme,
A a~'~ode um indivíduo ser;l classificada como mcinl/{/I CO/11r{'/{/çÚo pela raiva ou por diversas
outras paixiJes. Ações desse tipo podem ter
aJll/s se, para atingir um objetivo previamente definido, <.:IehuWa m~o dos resultados desastrosos ou magníficos como, por exemplo,
não pretendidos,
meios necessários ou adequados, ambos avaliados e combinados t~o clara- magoar a quem se ama, destruir algo precioso ou produzir uma obr:1 de
menH: quanto possív<.:l de seu prÓprio ponto de vista. Um procedinK'nto arte, já que o agente não se importa com os resultados ou conseqiiências de
científico ou uma a~'~o econ(Jll1icl, por exemplo, expressam essa tendência sua conduta. A a~'ão afetiva distingue-se da racional orientada por valores
e permitem um:' interpretaç~o racional. O procedimento econ(Jll1ico p<.:lo fato que, nesta, o sujeito "<.:Iabora conscientemente os pontos de
_ todo aquele que leva em conta um conjunto de necessidades a dire~'ão Ültimos e se orienta segundo estes de maneira conse-
da atividade
atender, quaisquer que sejam, e uma quantidade escassa de meios- qÜente", portanto age racionalmente. Podem constituir aç<'>es :lfetivas:
corresponde ao modelo típico de aç~o racional. A quest~o para o agente eSClT\'er poem:ls erÓticos ou amorosos, torcer por um time de futebol,
que visa chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios disponín'is {, levar os filhos a sho\Vs de cantores adolescentes, desde que t'las se ori<:ntem
selecionar entre estes os mais adequ:ldos. A conex~o entre fins e meios {, pt'los sentimentos das pessoas que as realizam.
tanto mais racional quanto mais a conduta se dê rigorosamente e sem a
e costumes arraigados levam a que se aja em funç:\o
QU:lI1do h:íbitos
interferência perturbadora de tradi~'iJes e afetos que desviam seu curso.
deles, ou como sempre se rez, em reaç:\o a estímulos habituais, l'St:lIl1OS
Assim, provav<.:lment<: é mais racional aplicar em a~'<)esda bolsa de valores diante da a~';h) tradicional. Tal é o caso do batismo dos filhos realizado por
:1 p:lrtir da :l\'alia~'~o de um especialista no assunto do que ceder a um
pais pouco comprometidos com a r<.:ligião,o beijo na mão durante o pedido
impulso, decidir com base num jogo de dados ou aceitar o const'lho lil'
de bl'n~':\o, o cumprimento semi-autom:ítico entre pesso:ls que se LTUZ:lIl1
um sacerdote.
no ambiente de trabalho ou o acender um cigarro apÓs um caf{'. \X'eber
A conduta será raciol/ale/11 r{'/açÚo o I'alo/l's quando o agente oril'n- comp:lra os estímulos que lev:lIl1 :1 :I~'ão tradicional aos que produzem :1
ta r-se por fins Ültimos, por princípios, agindo de acordo com ou :1 sel'\'k:o imitaç:'1O reativ:l, i:í que é difícil conhecer até que ponto o agente tem
de suas pn'>prias conviq'iJes e levando em conta somente sua fidelidade :1 (:lis consciL'nci:l de seu sentido. Assim como a ação estritamente aretiva, a estri-
valores, estes, sim, inspiradores de sua conduta, ou na medida em que nL'
t:lnll'nte tradicional situa-se no limite ou além do que \X'eber considera :lt::\O
na legitimidade intrínseca de um comport:ul1ento, dlido por si nK'smo - orit'nlad:1 de maneira significativamente consciente.
como, por exemplo, ser honesto, ser casto, n~o se :dimentar de carne...
Podemos utilizar essas quatro categorias para analisar o sentido de
Está, port:lI1to, cumprindo um dever, um imper;ttivo OU exigência dit:ldos
um Sl'm-I1l'lIl1ero de condutas, tanto daquelas praticadas, como das que o
por seu senso de dignidade, suas cren~'as religiosas, polítieas, mor:lis OU
agente se recusa a executar ou deixa de pr:lticar: estull:tr, dar esmol:ls,
estéticas, por valores que preza tais como :1justiçl, a honr:l, a honestidade,
compr:lr, Clsar, participar de uma associa~':\o, fumar, presentear, socorrer,
a fid<.:lidade,a beleza... Por conseguinte, n~o é gui:ldo pt'l:1 consider:ll::'IO
clstigar, comer certos alimentos, assistir :1 televisão, ir :1 miss:l, :1 gULTra ete.
dos deitos que poder:\o advir de SU:l conduta" Daí que :IS vezes exista
O sociÓlogo procura compreender o sentido que um sujeito atribui :1 sua
nesse tipo de procedimento uma certa irracionalidade no que diz respeito il
:1\::'10e seu significado. [lá que se ter daro, porém, o alerta de \X'eber de que
rehl~':IOenlre meios e fins, já que o agente ni'to se intereSS:l pelo :lspecto da
racionalid:lde com a mesma paixi'to com que exige o respeito aos seus "muito rar:ls vezes a a~'~o, especialmente a sOQi:lI, está C'.vell/sil'{I/I/C'I/(('

valores. Tal irracionalidade será tanlo maior quanto mais absolulO for, para orientada por um ou outro destes tipos" que não passam de modelos
conceituais puros, o que quer dizer que em geral as aç<!l's sofrcm mais dc
o sujeito, o valor que inspira sua aç~o. O significado da aç~o n~o se
um desses condicionamentos, cmhora possam ser classificadas com h:lse
encontra, portanto, em seu resultado ou em suas conseqÜências, mas no
desenrolar da prÓpria conduta, como, por exemplo, a daqueles que lutam naquele quc, no caso, é o predominante.

em prol dos valores que consideram indiscutíveis ou acima de quaisquer É necessário distinguir uma ação propriamente social de dois modos
outros, como a paz, o exercício da liberdade (política, religiosa, sexual, de de conduta simplesmente reativos, sem car;íter social e cujo sentido não se
uso de drogas etc.), em benefício de uma causa como a nacional ou pda conecta significativ:lmente ãs ações do outro, a saher: a) a a~'ão homogênea
preservação dos animais, O que dá sentido :1 a~'~o é sua fidelidade aos 117
valores que a guiaram.
116

.......-
,.

- aquela executada por muitas pessoas simultaneamente, como proteger-se já conta tanto com a possibilidade de ser auxiliado pelo empacotado r,
contra uma calamidade natural, ou aquelas reações uniformes de massa assim como tem conhecimento de que, se necessário, poderá recorrer ao
criadas pela situação de classe quando, por exemplo, todos os empresários gerente para que este faça com que o funcionário trabalhe adequadamente.
de um setor aumentam automaticamente seus preços a partir do anúncio Substituindo-os por um cidadão, um assaltante e um policial, ou por um
pelo governo de que será criado um imposto específico; b) a ação prove- casal, ou por pais e filhos, temos outros tipos de relação social que se
niente de uma imitação ou praticada sob a influência da ou condicionada fundam em probabilidades e expectativas do comportamento de cada
pela conduta de outros ou por uma massa (uma multidão, a imprensa e a um dos participantes. O conteúdo dessas relações é diverso: prestação
opinião pública seriam massas dispersas). Na medida em que o sujeito de serviços, conflito, poder, amor, respeito etc, e existe ndas um caráter
não orientou causalmente sua conduta pelo comportamento de outros recíproco, embora essa reciprocidade não se encontre necessariamente no
j:i que ele apenas imita, não se estabelece uma relação de sentido, o conteúdo de sentido que cada agente lhe atribui mas na capacidade de cada
que coloca esse tipo de ação fora do campo de interesse da Sociologia um compn::ender o sentido da ação dos outros. Um cidadão pode temer o
compreensiva.
assaltante que, embora reconhe<s'aos soti-iInentos de sua vítima, é indiferente
a des. O empacotador pode ser solidário com o cliente e este tratá-Io
friamente, um parceiro pode sentir paixão pelo outro que abusa da genero-
sidade advinda de tal sentimento. O caráter recíproco da relaçãu social não
RELACÃOSOCIAL significa uma atua<s'ãodo mesmo tipo por parte de cada um dos agentes
envolvidos. Apenas quer dizer que uns e outros partilham a compreens;lu
do sentido das ações, todos sabem do que se trata, mesmo que não haja
Uma conduta plural (de vários), reciprocamente orientada, dotada de correspondC:ncia. Sinais de amor podem ser compreendidos, notados, sem
que este amor seja correspondido. O que caracteriza a relação social é que
conteúdos significativos que descansam na probabilidade de que se agirá
o sentido das açÔes sociais a ela associadas pode ser (mais ou menos
socialmente de um certo modo, constitui o que Weber denomina re/açâo
claramente) compreendido pdos diversos agentes de uma sociedade. Além
social. Podemos dizer que relação social é a probabilidade de que uma
forma determinada de conduta social tenha, em algummomel1lo, seu sentido disso, os conteúdos atribuídos ;ISrela<s'õestampouco são penn;lIlentes, seja
totalmente ou em parte, assim como as próprias relações entre agentes, as
p;l1tilhado pelos diversos agentes numa sociedade qualquer. Como exemplos
quais podem ser transitórias, duradouras, casuais, repetir-se ele.
de rela~:Ôessociais temos as de hostilidade, de amizade, as trocas comerciais,
a concorrC:ncia econômica, as rdações eróticas e políticas. Em cada uma Cada indivíduu, ao envulver-se nessas ou em quaisquer rehl<s-úes sociais,
delas, as pessoas envolvidas percebem o significado, partilham o sentido toma por rcferC:ncia certas expectativas que possui da ação do outro (ou
das ações dado pelas demais pessoas. Como membros da sociedade outros) aos quais sua conduta se refere. O vendedor que aceita um cheque
moderna, todos nós somos capazes de entender o gesto de uma pessoa que do comprador, o desportista que atua com lealdade com o advers;',rio e o
pega o seu cartão de crédito para pagar uma cunta. O mesmu não aconte- político que propc>ea seus futuros eleitores a execu<s'ãode certos atos estão
ceria, por exemplo, com um índio ainda distante do contato com a nossa se baseandu em probabilidades esperadas da conduta daqueles que são o
sociedade, pois ele seria incapaz de partilhar, numa primeira aproximação, alvo de sua a<s'ão_Em suma: as relações sociais são os conteúdos signifi-
o sentido de vários dos nossos atos. cativos atribuídos por aqueles que agem tomando outro ou outros como
Quando, ao agir, cada um de dois ou mais indivíduos orienta sua rdi.:rC:ncia- contlito, piedade, concorrência, fidelidade, desejo sexual ete. _
conduta levando em conta a probabilidade de que o outro ou os outros e as condutas de uns e de outros orientam-se por esse sentido embora não
agirãu socialmente de um modo que cOlTesponde às expectativas do tenham que ter reciprocidade no que diz respeito ao conteúdo.
primeiro agente, estamos diante de uma relação social. O gerente do super- Tomemos uma ilustração_ Ana notou que Beto tem interesse nela:
mercado solicita a um empacotador que atenda um cliente. Temos aqui três vários de seus atos assim o indicam. Ele a convida para sair, concede-lhe
agentes cujas ações orientam-se por referências recíprocas, cada um dos muita atenção. Mas Ana não tem intenção de namora.: Beto e procura fazê-lo
quais contando com a probabilidade de que o outro terá uma conduta entender isso através de recusas polidas. Conquanto ambos guiem suas
dotada de sentido e sobre a qual existem socialmente expectativas ;Ições por expectativas da ação do outro, nesse caso o conteúdo de ;l1nbas
correntes. Tomemos o exemplo desde o ponto de vista da conduta e não é recíproco, apesar de tutalmente compreensível para cada uma das
118 expectativas de um desses agentes. O cliente, ao fazer suas compras, partes. Da mesma forma, somos capazes de entender o sentido de um gesto
violento numa agressãu, e é isto o que nus leva a reagir de acordo com de,
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r

mesmo que nào haja reciprocidade de nossa parte. O que importa para
Weber refere-se também ao conteúdo comunit:írio de uma rela~':'I()
i~lentificar relaçÔes sociais como tais é que estejam inseri das em e regulad:ls social, fundado num sentimento subjetivo (afcti\'o ou tradicional) de
.por expectativas recíf?l"ocas quanto ao seu significado. Os agentes podem
pertença m(lIua, que se dá entre as partes envolyidas e com base no qua! a
conduzir-se c(>mo colegas, inimigos, parentes, comprador e vendedor,
a\;'ão est:í reciprocamente referida, de modo semelhante ao que costuma
criminoso e vítima, admirador e astro, indiferente e apaixonado, patrão e
ocorrer entre os membros de uma família,estamento, grupo religioso,
empregado, ou dentro de uma infinidade de possibilidades, desde que todas escola, torcedores de um time ou entre amantes. Já a rei a\;.:\o :Issociativa
elas incluam uma referência comum ao sentido partilhado. lima relação apc>ia-se num acordo de interesses motivado racionalmente (sej:1 com base
social pode ser também efêmel~1 ou durável, isto é, pode ser interrompida, em fins ou valores), como o que se dá entre os participantes de um contrato
ser ou n:\o persistente e mesmo mudar radicalmente de sl'ntido durante o
matrimoni:iI, de um sindicato, do mercado livre e de associa\;'Ôes religiosas
seu curso, passando, por exemplo, de amistosa a hostil, de desinteress:ld:1 a
ou como :IS Organizaç(ks N:\o-Governamentais. Podemos identifk:lr, na
solidária ete. Weber chama o Estado, a Igreja ou o casamento de pretensas maioria das rela\;'c)es sociais, elementos comunit:írios e societ:írios, :Issim
estruturas sociais que seJ existem de fato enquanto houver a probabilidade como h:í motivos afetivos, tradicionais, religiosos e racionais mesclados
de que se dêem as rela\;'(les sociais dotadas de contelíclos significativos que em quase todas as a\;'Úes. Numa igreja ou associa\;'ão religiosa podemos
as constituem. Ou seja, de que pessoas nessa sociedade achem que devam
se casar, pagar impostos e votar ou assistir ;IS n:rimtmias religiosas. Assim,
do ponto de vista sociol()gico, um matrimtmio, uma corpor:I\;'ão ou mesmo
encontrar claramente tanto o conteúdo comunit:írio quanto o acordo de
inleresses r:lcion:lis. SI.' o sentimento de pertença a uma comuni(bde a _
comunhão - é a base da vida religiosa para o praticante leigo, o trabalho
um Estado deixam de existir "desde que desapare\;'a a fJml}(fhi/id(/de de que profissional dos sacerdotes ap(íia-se em uma organizaç\o racional.
aí se desenvolvam determinadas espécies de ativklades sociais orientad:ls
significativamente"'." \'(Ieber apresenta uma interpreta\;':\o inovadora a Condutas podem ser regulares, seja porque as mesmas pessoas as repe-
tem ou porque muitos o fazem dando a elas o mesmo sentido, e isto inleres-
respeito do que é chamado de institui~:;lo, ou do que chama de "perso-
sa ;1Socio!ogi:1. Se tal regularidade acontece devido ao mero h:íbito, trat:l-se
n:llidades coletivas". Segundo ele, form:ll:cles soci:lis como o Est:ldo, coope-
r:ltiv:ls, sociedades antmimas ele., de um liSO;quando duradoura, torna-se um Cosl/lII/e; e é dele/"llli//{/dr/j}()r
/111/(/silll(/çrlo de illleresses quando se reitera unicamente em funl::'lo da
n;'({)s:io outra coisa qUt: dt'St'Il\'ol\'illll'ntos t' t..'IUI'l'I:I(:llnl'nloS de ac.:{H.'s orienta~.":lo raciona! da a\;'ão. A moda é um uso que se contrap(le, gr:lças
t'spl'dfjc;I:-ide pessoas individuais, j:í qUl' apenas das podl'm M'f sujeitos ao seu car:íler de novidade, ao costume, mas também pode resultar de
de uma açio orientada pelo sell sentido. Apesar disto, :1 S()l'iolo~i:l n:'lo COJl\Tnl."CK'S impost:ls por um estamento em busca de garantir seu prestígio,
pOlk ignorar, mesmo para sells prÜprios fins, aqllL'l:Isl'struturas soda is dl' como a distins:ão que Sl' expressa no consumo da alta costur:1. O processo
natureza coll'lh':! que s:io inslrutlWnloS dl' oUI,,;IS m:lIll'ir:ls de colocaf-sl' de r:lcionalizaç:lo d:1 condUta pode exigir que o agente tome consciC'ncia e
dianle da realidade. L..) Para a Sociologia. a realicl:lde Estado n:,o se com. rejl'ile SU:I pr{)pria submissão ;1 regularidade imposta pelo costume. Os
pÚe nl'cl'ssarial1lt'nlt.' de Sl'lIS elementos jurídicos. ou mais prccisamcnte. agentes podem orient:lr-se pelas suas crenças na /Ja/idezde uma ordel/l que
n:io deriva <lelt's,Em todo caso n:io t.'xistf..' para ela uma pcrsnnalid:ldl' Ihes apresenta obrigaçe)es ou modelos de conduta (como é o caso dos que
colelh'a cm a\':-Io,QU;lIulo fala do Estado, da l1a(:',o, da sodt.'dadt., anÚ- V:lO;1escola, ao lemplo ou ao trabalho). Ao adquirir o prestígio da Ic:<:ilil/li-
nima, da I'amíli:" de uma corpnra<.::10militar ou dc qualqucr outra fOnn;I(:-IO dade, ou seja, quando a ordem se torna Nó/ida para um ou mais agentes,
scmelhante. rcft.'re-sl'unicamenll' a() descnv()lvimenl(), I1tlm:tf{)rma (lell'r- "aumenta :1 probabilidade de que a a\;':1o se oriente por ela em um grau
minada, da a <.::1
o sodal dl' uns talHos indivíduos",'1t consider:ível", tamo mais quanto mais ampla for a "sua validez.'7 A garantia
da v:llidade de uma ordem pode se dar com base na "probabilidade de que,
Tanto mais I<Icionais sejam as relações sociais, mais facilmellle poder:\o dentro de um determinado círculo de homens, uma conduta discordante
ser expressas sob a forma de /wrl/1US,seja por meio de um colllrato ou de um tropeçará com uma relativa reprovação geral e sensível na pnítica" ou "na
acordo, como no caso de relaçÜes de conteúdo econt>mico ou jurídico, da probabilidade de coação física ou psíquica exercida por um quadro de
regulamenta\;':\o das açÔes de governos, de sócios ete. Pode-se deduzir que indivíduos instituídos com a missão de obrigar ;1 observ:lncia dessa ordem
isso se torna mais difícil quando se trata de uma relaç:lo cujo principal funda- ou de castigar sua transgressão". No primeiro caso, a ordem chama-se
mento seja erc>tico ou valor:ltivo. Na realidade, as rclaçÔes podem ter ambos cO/lllel1çiin e, no segundo, direiln. 'M
conteúdos, enquanto definiçÔes ou conceitos são tipos ideais.

120
121
..
as normas do Direito, eles estarão orientando sua conduta de acordo
DIVISÃO DO PODERNA COMUNIDADE: com a ordem jurídica. Quando, por exemplo, o sentido de uma relação
social é dado pela ordem econômica, isto é, pela distribuição de serviços c
CLASSES,ESTAMENTOS
E PARTIDOS de propriedades, sua referência fundamental é o mercado.20 Cada pessoa
pode participar, ao mesmo tempo, de diferentes esferas, como: ser membro
de um partido, desfrutar de um certo grau de prestígio, ter uma proprie-
Um dos problemas que se coloca, por excelência, à Sociologia: é o dade, praticar uma religião... e da infinidade real das ações individuais é
das diferenças sociais. Na concepção weberiana, elas podem ter vários que devem extrair-se as regularidades do comportamento humano.ll
princípios explicativos. O critério de classifica~'ão mais relevante é dado Partindo, portanto, do princípio geral de que só as consciências
pela dominfmcia, em dada unidade histórica, de uma forma de organização, individuais são capazes de dar sentido à ação social e que tal sentido
ou pelo peso particular que cada uma das diversas esferas da vida coletiva pode ser partilhado por uma multiplicidade de indivíduos, Weber esta-
possa ter. Se, numa sociedade como a chinesa tradicional, a posição social é beleccu conceitos referentes ao plano coletivo - a) classes, b) estamentos
fixada pelas qualificações para a ocupação de cargos mais do que pela Oll grupos de status e c) partidos - que nos permitem entender os
riqueza, nas sociedades capitalistas modernas a propriedade de <.:ertosbens mecanismos diferenciados de distribui~'ão de poder, o qual pode assumir
e as possibilidades de usá-Ios no mercado estão entre os detenninantes a forma de riqueza, de distinção ou do próprio poder político, num scntido
essenciais da posi~'ão de seus membros. Assim, o predomínio da esfera estrito.
econÔmica nas sociedades capitalistas tornou a riqueza e as propriedades Pessoas que têm a mesma posição no que se refere à propriedade de
os principais fundamentos da posição social, enquanto nas sociedades bens ou de habilitações encontram-se numa determinada situação de classe.
feudais européias valorizava-se a origem, ou linhagem - fatores que são Nesse contexto, as ações sociais vão ter a SU:lracionalidade e o scu signifi-
relevantes quando a esfera predominante é a social - como prindpal cado definidos pelo mcrcado no qual os indivíduos lutam para adquirir
elemento de classificação. poder econÔmico. É nessa esfera que Weber identifica os elementos para
A concepção de sociedade construída por Weber implica numa sepa- elaborar seu conceito de classes. Diz ele:
ração de esferas - como a econômica, a religiosa, a política, a jurídica, a
social, a cultural - cada uma delas com lógicas particulares de funciona- FalalllOSde lIHlaclasse quando: 1) é comum a um ccrto nlllllcro dI.:pCS:-ioas
mento. O agente individual é a unidade da anMise sociológica, a Única um componente.: causal e.:spe.:dlko de.:suas probabilidade.:s de.:e.:xis[ência na
entidade <.:apazde conferir significado i:tssuas ações. Ao agir sociahm:nte me.:dida e.:mque.: 2) [a' cumpone.:nle.: e.:sle.:jare.:pre.:se.:nladoe.:xdusivame.:nle.:por
tendo em vista a validez de uma determinada ordem cujo sentido é comparti- inte.:re.:sse.:s
lucra[ivos e.:de.:posse.: de.:he.:ns3) e.:m('{J/ldiçÜe.:sde.:le.:nninadas pdo
me.:rcado (de.: he.:ns ou de.: trabalho)."
lhado por aqueles que dela participam, ele o faz de acordo com os padrÜes
que são específicos de tal ordem e, assim, articula em sua ação sentidos
referenciados a esferas distintas. Isto é evidenciado nos achados de Weber Como exemplos de classes, cita os propriet: ios de terras ou de
cscravos, os industriais, os trabalhadores qualificados e os profissionais
sobre a conduta do protestante, mais especificamente o calvinista, cuja a~'ão
liberais - todos os quais <.:onstituiriamgrupos positivamcnte privilegiados
resulta de uma combinação, com pesos diferenciados, de um sentido pUI~I-
devido ;1sua situa~'ão no mercado, isto é, a de possuidores de algum tipo
mente econÔmico, voltado para o mercado, e outro de caráter religioso, orien-
de propriedade que tem valor (moeda, terra, máquinas, conhecimentos).
tado para procedimentos destinados ~Isalva~'ão de sua alma. Temos aqui, Os trabalhadores não-qualificados, ao contrário, formariam uma classc
p0l1anto, um conjunto de condutas ascéticas referidas a ordens que costumam
ncgativamente privilegiada, mas é entre elcs que sc verificam com mais
ser contlitivas do ponto de vista ético - a econômica e a religiosa - mas
freqÜência ações comunitárias, que envolvem o sentimento d<: pertença
que tiveram, entre seus resultados, a poupança e a acumulação.
mÚtua. Em cada caso, o conjunto específico de agentes orienta sua ação
É nas ações e no sentido que o agente lhes confere que se atualiza a num sentido que é definido pela sua posição/situação no men:ado.lJ É o
lÓgica de <.:adauma das esferas da vida em sociedade, e é a partir do sentido comum (e fundado em determinadas probabilidades) dessas ações
contexto significante da ordem na qual uma ação individual está inserida orientadas para o mercado (de trabalho, de produtos, de empreendimentos)
que poderemos compreender sociologicamente seu significado. Assim, que faz de cada conjunto de agentes uma classe.l4
"a forma pela qual a honra social é distribuída dentro de uma comunidade,
entre grupos típicos pertcncentes a ela pode ser chamada de ordem Mas o significado das ações também pode ser definido segundo
social".19 Se existe a probabilidade de alguns homens considerarem válidas critérios vigentes na ordem social - que é onde se opera a luta por honra e
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de um eSlilo de vida espedfico. A honra social pode resultar diretamenle ,i<-


fundonamento, à configuração específica de interesses que nele se desenha uma silua~'ão de classe sendo, na m:lioria das vezes, determinada pela m.;dia
e ~tmaneira como os diversos agentes nele se posidonam. da situ:lt'ão de classe dos membros do est:llnento. Isso, por.;m, não ocorre
Uma das distinçÔes entre estamentos e classes refere-se, portanto, :1 A sitlla\'~i() estallu:nlal, por sua vcz, inllui na situa\':1ode
I1L'(,:l'ssariamcntt=.
necessária existência, nos primeiros, de um sentimento de perten,'a, j;Í que classL', pelo f:lto de que o estilo de vida exigido pelos estamenlOS leva.os a
as classes são apenas "bases possíveis (e freqÜentes) de uma a,'ão comu- preftorir lipos especiais de proprÔl'dade ou empresas lucrativas e rejeitar
nitária ~) Os memhros de grupos de status estão de acordo com a manu- oll(ras.'~!
tenção desse cadter de fechamento aos demais (os não-memhros), isto é, de
garantia de exclusividade, de privilégios ou monopólios, sempre haseados Embora reconheça na ddiniç;lo seguil1le uma simplifiGI,':lo excessi-
em algum nilério socialmente legítimo de exclus:lo. Participar tIL' um esta- va, \\Ieher diz: "As classes se organiz:lm segundo:ls rela,'Ües de produ,';lo L'
mento quer dizer, ent:lo, viver de acordo com determinadas regr:ls qUl' aquisi,':lo de hL'ns, os estamel1!oS, segundo princípios de seu consumo de
dikTt'l1t'i:lIl1 os componentes deste grupo dos de outros. I~esse sentido de bens nas di,'ersas formas específicas de SU:l maneira de viver."..,1
distint::!o - ligado ~I ohten,':lo e/ou adot::"lo de estilos dL' vid:l, maneiras, As cast:ls seriam, por fim, aqueles grupos de status fech:ldos cujos
tradip')es, modas, diplomas, etiqueta, lugar de residl:ncia ou :1 estigm:lti- privilC'gios t' dist in()t's estão desigualmente garantidos por meio dL' IL'is,
Z:lt::'IOde certos modos de aquisit::'lo ou de estahelecimento de parcerias conven,'Úes e ritu:lis. Isso se d:"igeralmente quando h[1 diferen,'as étnicas,
m:llrimoni:tis ete. - que orienta a conduta dos :Igentes que o constituem. como no GISOdos pO\'lJS p;Írias, podendo ocorrer repuls:l e desprezo mllluos,
Entre as a,'Üt's comunais mais freqÜentes nesse caso devem desl:lcar-se as segreg:lt:ÜL'S rígitbs em termos ocupacion:lis e ~ISvezes até de qualquer tipo
pr:íticas dL' L'xclusão e afasl:lIl1ento dos n:'lo-meIllhros, as quais rL'l'ort::lIl1 de relacionanlL'nto soci:tI como comlxlrtilhar rell.'i,'()L'S e freqÜL'lltar certos
os sentimentos de pertent:a e de distin,'ão. Ao contr:írio, locais.." Costum:l haver regras de endog:lJnia, de comens:tlid:ldt' L' tIL' dit,t:1.
Os collt:lloS físicos com memhros de castas inferiores podem L'lH11:lJnin:lr
o IIh.:n.:ado L' oS prol'C...'SSOS l'contJluit'os n;'lo t'OUIH.:(,.'\.'1It Iwnlllllll:l :ln.'p ;.U)
aqueles das castas superiores e ~ISvezes tal impureza deve ser expiada
de pl'SSO;IS. ()s intL'rl'SSl'S mah..'riais dOl11in:lIll l'nl:'H) sohre :I pCSStI:!. Nada
por meio de um ato rt'ligioso. Por sua estrutur:l, :lS sociedades de CISI:IS
sa!>l' dl' honra. Ao nmldrio lk'k\ :I ordctn l'slal11l'1l1:1I significa jUSI:UHl'llIl' I)
impliGlIl1 num tipo de suhordinat,'ào entre grupos com m:liores OU menores
in\'l'rso: um:! organiz;u,::'u,so(:ial dl' :u,:ordo l'< IIU :t honra e UIII modo dl'
pri,'il0gios, I'vl:ts \\Ieher aponl:i para :1 existl:ncia, nesses grupos étnicos
\'in:r segundo ;IS normas l'SI:IlIlc..'ntlis, T:II ordl'm l pois, :lIIh..':I~::II,b l'llI sua
oprimidos, de ,'igorosos sentimentos de um:1 honr:l e dignitbde plÚpri:1
prÚpria r:liz quando :t mera aquish..':lo l'contHllicl l' o poder pllr:IIHl'IHl'
superiores, apesar de t' l:tlvez por eles SL' el1t'onlrarem em uma situ:I,':'lo
l'l'tJl1tullinl, (IUl' revelalll daralll(.'IHl.' sua origl'l1I l'Xll'rll:t, Ptllh,.'1II tIUlt)rg:lr inferior, ou mL'smo de sert'm alvo de desprezo e rejei,':lo por P:lrtt' dos
:I lHeSII):I !lonr:1 :1 quelH os Il'nha ('onsl'guido, oU podelH indushT (,..) demais grupos sociais. Muitas ,'ezes as GISt:lS ,'incubm-se a determin:ldos
oUlorg:II'~lIll'S UI1I:1 houra superior L'IU \'irludc do ~'Xilo, que os mL'lIlhrtls ofícios e sustentam uma étic:l profissional tradicional de c:lr:írer religioso,
de um L'sl:tIJlL'nlo prl'IL'ndl'lH dL',~rnllar L'II) drludl.' dL' Seu modo dl' \"id:1. vocacion:tI, funtl:td:l n:1 perfei,';lo do produto, portallto dist:lntL' "de toda
Por isso oS Il1l'mhros dl' toda ()rg:lniz:H,::~IO l'st:llHl'l1lal n.':lgl'1I1 com rigor idC'i:1de r:lcion:tlizat::'lo dl> modo de produ,':'lo que se el1t'ontra n:1 bast' de
l'<H1tra :IS prl'll'uSÚl'S do I1ll'ro 11Il"I"O l'l"ol1tm,il't1 L' qU:lSl' Sl'l1Iprl' l'tllll 1:ll1h) totl:! técnica racional modern:l - sistematizaç;lo da explor:lç'lo para cOI1\'er-
lIIaior :tspl'rl'z:l qU:11110 111:lis :11I1L'a~::tdos Sl' SCI1ll'III..H ll:-I:! em uma L'conomi:1 lucrativa racional- de todo capitalismo nH)derno "
I\ksmo que, tendenci:tlmente, est:llnelltos positi,'aJllL'ntL' privikgi:ldos Enfim, as dill.'rt'n,'as que correspondem, no interior da ordL'm eL'onÔ-
supt'rponh:IJ11-se a classes taml>ém privilegiadas, isto não ocorrt' sempre. micl, :IS classL's e, no da ordem soci:ll ou da distribui,':lo da honra, aos
11m L'xL'mplo cl;Íssico é o da aristocracia feudal L'uropéi:1 que, embor:1 est:lmentos, ger:lm na L'sfer:1do pmk:r social os partidos, cuj:1 :lt::'IOC'lipica-
ecoJlomicamente decadente, continuava a ser soci:tlmL'llte ,'alori".:ld:1 L'm mellte racional: huscar inlluir sobre :1 dire,'ão que tom:l um:t :lssociaç'lo ou
oposi,':lo aos ricos, mas nem sempre rdinados, membros da hurguesia uma comunid:ldt" O partido "é uma organiz:I,'ão que luta especilk:lI11ente
enriquecid:l. Uma ilustra,'ão contemporftnea desse tipo de comport:lmenlo pelo domínil>" embl>r:l s() adquira car[lter político se puder bnçlr m:1o da
distintivo é aquele adot:ldo pelos freqÜentadores da ch:lmada alta socied:ldL' coa,':'lo física ou de sua :lIneaça,
em rel:l,'ão aos pejorativamente chamados novos ricos ou emergentes, os
1':111
oposk:'lo ~I :lr~IO (.'oll1unil;hb l'.'ü,'rdd:1 pdas dassl.'s l' pelos l.'S(:lInenlOS
que n:'lo tiveram berço e, em certos casos, os pleheus. Enfim,
(..,) a :I(:~I() l'<HHlIl1il:hb dos partidos (.'olllt"1l1 sL'mprc..'lima socializ:l\:;to, pois

() l'SI:IIHl'l1h) L' lima qualil"il':t<.,':locm fUI1\,:-ltl de hOllr:ls stlci:lis oU d~1 1':111:1 .'\l'I1II1I\:
Se.."
dirig(.' :1um fim II1l'l(ldil':Ul1l'nll'l':,aabe..'lL'cido,
tanto Sl' se traI:1 dl'
I)
th,.'st:ls, sl'ndo cOl1didon:ldo prindp:d1l1l'l1Il', bl'm l"tHnu l'Xprl'SS(), :lIr:l\.t.....
126
ohediência hahitual, por exemplo por parte das massas ou da família, "sem
un) fim ()hil'tin,~ _ ;1rcaliza<'.';lo
de um progr:ll1lacom propÚsi10S ide:lis ou rl'sist0nda nem crítica", a (/ol1lillaçrio é
_
m:Hcriais como de uma finalidade pessoal - prehend:ls, poder L.. colHO
Cot~Sc.:qÜl'n<1ia disso, honr;~;-\ para St'US c.:lwfcs l' sequazes oU amhos de lima um l'st:ldo de coisas pelo qual uma vonladl\
manifcsta (mandato) do domi-
S{') vez. L..) Por isso. sÚ potlem existir partidos dentro de comunilbdl's de nador ou dos dominadores innui sohre os ;HOSde outros (do domin;ldo ou
algum modo socializadas, isto é, de comunidades que (êm uma ordem dos dominados), de tal modo quc, cm um grau socialmente rek.\':tntc, estes
ra<.'ionall' um ap:lrato pesso;,1 dispostos :1 assegur:í-b, pois a finalid:lde dos atos têm lugar como se os dominados tivessem adotado por si mesmos l'
pari idos consis(c prl'cisamenll' cm inlluir sobrc lal apar:lto l'. onde Sei:1 como m:íxim:l de sua ;I<.;;~IO
o conll'tído do mandato (obediênci:I>..N
possÍ\'l'I, ocup;í-Io com seus seguidores. \o.

A domina(:;lo !l:gítima pode justificar-se por três motivos de suhmiss:io


ou princípios de ;\uloridade - radonais, tradicionais ou afetivos,

Pode depender direl:lIl1l'nte dl' lima conste1:u,;:io de interesses, ou seja. de

A DOMINACAO cOl1sidl'ra(Úcs ulilil:írias de vantagens l' incon"enientes por parte lbqut'k


que ohedece, Pode lamh.:m depender de mero costume, do h,d)ilo cq.(o de
um nnnport:lI1wnlo in\'l'lcrado, ou pode fundar-se, fin:dmenh.', no puro
:If(,'to, na mera indin:H.::io pessoal do s(u.lito, N:io ohSt:UlIl" :I domin:u.::'lo
! Im:\ das questt>es colocadas ;\ Sociologia é a que se refere ;\ persis-
que apenas nesses fund:lIl1cnlos seria rl'!;ui\'amt'nIL'
rl'pOllS:1SSl' insl;Í\'cl.
tência das rehl<,'Úes sociais, O que pode !l:"ar a que o contelldo dessas
Nas rL'la<.:Úl's
l'nlre dominantes l' dominados, por oulro lado, :I domina(;'lo
rela(:t)es ou elas prÔpri:\s se mantenham? Dito de outro modo, o que 1":\/,
costuma :lp{)i:lr~sl' internamente (.'1)) h;,sl's jurídicls, nas quais se funda :I
com que os indivíduos dêem ;\S suas a~.tK's um sentido determinado que
sua legitimidade, (.' () :Ihalo dess:1 CfCn(a l1a k'gilimidadc.: costuma :1(':l1"1"('tar
perdure com regularidade no tempo e no espa~'o? QU:tll' a hase da regula-
consl'qí"l['nci:ls de.: gr:lI1dt. alcance, Em forma totaln1l'ntl' pur:l. as bases dl'
ridade n:\s :I(:t>es das pesso:\s se o que Ihes dá sentido n:io é uma instituk,.:to
ahstral:e ! Im:\ vez que Weher entende que o social constrÚi-se a partir das Iq,titimid:ldeda d()min;l(:~I{)stlO scuHenle IfL'S,cada lIm:! das quais Sl' :Ich:l
cntrelac.::IC.la- no tipo puro - com uma cSlrulura sociolc')gk:1 fund:l1Hc.'nl:d.
:H,,'Úesindividuais, cria-se um problema teÚrico: como é possível ;\ conti-
menle.' divefS:1 do quadro (.' dos meios administrativos.
nuidade da vida soda I? A resposta para tais quest()l's encontra-se no funda- 111

mento d:\ organizaç:io social, chave do verdadeiro problema sociolÚgico: a S;\O, portanto, três os tipos de domina~':io legítima: a legal, a tradi-
domina(:;Ü> ou a produ~':io da legitimidade, da submiss;\o de um grupo a l'ion:tI e a carismátic:l. As formas básicas de legitima~':io justilk:un-se COtll
um maml:\to, I~ fundamental ent:io distinguir os cOIKl'itos de poder l' base l'tll distintas fontes de autoridade,
domina()< ).
O conceito de poder é, do ponto de vista sociol(>gico, amorfo já que a do "ontem eterno", isto t., dos mores santificados pL'ln 1'l'l'Onhl'cinu.:nto
"signilk:\ a prohahilidade de impor a prÔpria vontade dentro de uma inirnagina\'dmcnlcanligo c da oricntaf,,':io
habitual para {} conrormismo, I:: o
rela()o social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que sej:\ o domínio tradicional <.'xercido pelo patri:lrca l' pelo príncipe p:ltrimnni:tI d('

fundamento dessa probabilidade " Portanto, n;\() se limit:\ a nl'nhum:\ outrora, L,,) A do dom da gra(a karisma) extraordin:írio e pessoal, a dedi-
circunst;\I1ci:\ soci:" específica, dado que a imposiçlo d:\ ,'ont:lde de CI(:io absolutamente pt'ssoal l' a confian(:t pessoal na rl'\'da~':'I(), heroismo
:tlgul'm pode ocorrer em inÚmeras situa~;()es, ou (miras qualidades da lideran(:t individlJal. I~ () domínio carism;ílko t'xt'r-

ddo pdo profeta ou - no campo da política - pdo senhor dc gucrra


()s ml'ios utilizados para :1I<::ln(:lr() podl'r podl'm ser muito diversos, lksdt'
eleito, pelo govcfnantc plehisdtirio, () grande demagogo ou o líder do
o emprcgo da simplesviolênda até a propagandae () surr:ígiopor prot"l'di-
pari ido político, Finalmcnte, h:í o domínio da legalidade, em virlude da fé
menlos rudes nu delicados: dinheiro, influência social, podl'r da P;\I:1\'I":I.
na validade do estatuto legal e da compelência fundonal, haseada em
slIgl'Slfto e engano grossl'iro, t:íticl mais ou menos h:íhil de ohstruc::',o
dentro das assemhléias parl:\mentares.,\M regras racionalmente criadas, Nesse caso, espera-se o cumprimento das
ohriga~'()es estatu\:írias, É o domínio exercido pdo moderno servidor do
A probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo a um Estado e por lodos os portadores do poder que, soh este aspt'Clo, a de se
certo mandato torna os conceitos de dominaç:io e de autoridade de interesse assemelham.'11
para a Sociologia já que possibilitatll a explicação da regularidade do 12 9
contelido de ações e das relações sociais, Enquanto a disciplil/o deve-se;\
12 B
, .
A essência da política, dos mecanismos do mercado e da vida social a dominação o que mantém a coesão social, garante a permanência das
é a luta; seja ela "o duelo entre cavaleiros regulado convencionalmente, a relações sociais e a existência da própria sociedade. Ela se manifesta sob
concorrência sem limites, a disputa erótica sem regulações ou a competição diversas formas: a interpretação da história de acordo com a visão do grupo
espoltiva estritamente regulada". O conteúdo desse tipo de relac,:ãosocial dominante numa certa época, a imposição de normas de etiqueta e de
"orienta-se pelo propósito de impor a própria vontade contra a resistência convivência social consideradas adequadas, e a organização de regras pam
da outra ou das outras partes".12 Os homens lutam por seus interesses a vida política. É impOltante ressaltar que a dominação não é um fenômeno
no mercado assim como, para participar no poder ou intluir na sua exclusivo da esfera política, mas um elemento essencial que percorre todas
distribui~'ão, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado, as instflOcias da vida coletiva.
"ou mesmo com a finalidade de desfrutar a sensa~'ão do prestígio produ- Weber interessou-se pelas estruturas de dominação especialmente sob
zida pelo poder"."\ O homem não ambiciona o poder apenas para enri- duas formas: a burocdtica e a carism;Ítica. A primeira corresponde ao tipo
queCl.'r economicamente. Muito freqÜentemente, aspiram-se ;IShOI1l~ISsociais especificamente moderno de administra~'ão, racionalmente organizado, ao
que ele produz.H Em suma, classes, estamentos e paltidos são fenÔmenos tIL- qual tendem as sociedades ocidentais e que pode aplicar-se tanto a empreen-
distribuição de poder dentro da comunidade e manifestações organizadas da dimentos econômicos e políticos quanto àqueles de natureza religiosa,
lUlacotidiana que caracteriza a existência humana. profissional ete. Nela a legitimidade se estabelece através da nenra n:1
11;Íque se atentar para o fato de que as categorias de luu e Selq':IO, legalidade das normas estatuídas e dos direitos de mando dos que exercem
que poderiam dar margem a uma interpreta~'ão darwinista da Sociologia a autoridade. Em oposição a ela, as duas outras formas (tradicional e
weberiana, não se referem ;\ luta dos indivíduos por suas probabilidades carism;Ítica) fundamentam-se em condutas cujos sentidos não são racionais.
de vida, mas pela seleção das rela~'ões sociais, por impedi-Ias, estorv;Í-las, Em comparação com a carisnÜtica, a tradicional é mais est;Ível. Mas,
1~lvorecê-lasou organiá-las num certo padrão que convém ou atende aos em certas circunstfmcias, cada uma dessas formas de dominação pode
valores ou interesses e cren~'as daqueles que tratam de impÔ-los. converter-se na outra ou destruí-Ia. As formas de dominação tradicionais
A vitória daqueles possuidores de qualidades - não impor!:1 se ou racionais podem ser rompidas pelo surgimento do carisll/a que institui
um tipo de domin:l<,';lo que se baseia na "entrega exu~l-cotidiana ;1 santidade,
baseadas na força, na devoção, na originalidade, na técnica demagógica, na
dissimulação ete. - as quais aumentam suas probabilidades de entrar numa heroísmo ou exemplaridade de uma pessoa e ;IS regras por ela niadas ou
reveladas",'''' Ela representa a possibilidade, no sistema teórico weberiano,
relação social (seja na posição de funcion;Írio, mestre de obras, diretor-
de rompimento d"etivo, apesar de tempor;Írio, das outras formas de domi-
geral, empres;Írio, profeta, cônjuge ou deputado) é chamada de seleçÚo
narão. Em algum momento de seu exercício e mesmo para manter-se, :1
social. Nesse quadro, a realidade social aparece como um cOlI/ple.\'ode
es/ru/lIras de dOlllillaçÚo. A possibilidade de dominar é a de dar aos domin:I~';IC) carisnÜtica tende a tornar-se tradicional ou racional-legal, o
que é chamado de rotiniza~'ão ou cotidianização do carisma.
valores, ao conteúdo das relações sociais, o sentido que interessa ao agente
ou agentes em luta. O espírito do capitalismo, por exemplo, "teve que
lutar por sua supremacia contra todo um mundo de for~'as hostis". Mas

para que UIII lIIodo de vida 1'"0 belll adaplado


lismo pudesse ter sido seledonado,
:IS penoliaridades
isto é, pudesse
do ,",opila-
vir a dominar sohrl'
CARISMAE DESENCANTAMENTODO MUNDO
os OUlfOS, ele leve de se originar \.'m alguma pane, c ntlo apafl'Cl.'U l'm
indivíduos isolados, mas como Ull1 modo de vida comum a grupos iutl"iros
de homcns.'." A dl.'speito da dimens;lo iluminista do seu pl.'nsaml.'nto, na qual a
histÚria revela-se como um progresso, existe um Weber pessimista que
A luta pelo estabelecimento de uma forma de dUII/Í/llIçÚoleMí/iJl/(/- aponta para as conseqÜências negativas, mas inevitÚveis, do processo de
isto é, de definições de conteúdos considerados v;Ílidos pelos panicipantl.'s racionaliza~'Üo, o que d;Í Ü sua obra, certamente crítica, um tom de resig-
das relaçõt.:s sociais - marca a evolução de cada uma das esferas da vida nação:'7 Como participante ativo da produção cultural de sua época, Weber
coletiva em particular e define o conteúdo das relações sociais no seu partilhava a visão de que o avanço da racionalidade tinha também como
interior. As atitudes subjetivas de cada indivíduo que é parte dessa ordem resultado uma decadência geral da cultura cIÚssica, em especial da alemã.
passam a orientar-se pela crença numa ordem legítima, a qual acaba por O sentido em que o processo de evolução vem ocorrendo é tal que "limita
cada vez mais o alcance das escolhas d"etivas abertas aos homens". Estes não
corresponder ao interesse e vontade do dominante. Desse ponto de vista, 0
13 O só têm poucas alternativas como vão se tornando cada vez mais medíoCl'l.'s.
I j I
.,
.,

Com a ('nElsc quc d:í ao indivíduo cxtraordinário, que transcende o,,


Tudo isso é conseqÜência do que se chama de desellcall/{//llell/o do
limites da rotina cotidiana, \'(fcher :Ihre cspaço r,:lra um tipo de Iideran~.:1
ll~ul/(lo. A humanidade p:lrtiu de um universo hahitado pelo sagrado, Clp:IZ dc produzir mudanps significativas cm rela~'Ôes sociais marcadas
pelo mágico, excepciqnal e chegou a um mundo racionalizado, matcrial, pela r:lcionalidade - seja na csfcra políticl Oli na religiosa, num tipo de
manipulado peia técnica e pela ci~ncia. O mundo de deuses e mitos foi
domina~.iio tr:ldicional ou hurocr:íticl. Ao situar-se em oposi~.:-Io aos poderes
despovoado, sua magia substituída pelo conhecimento científico e pelo hicrocr:íticos tradicionais dos m:ígicos ou sacerdotcs, o profeta ou salvador
desenvolvimento de formas de organi7.açiio racionais e hurocratizadas, e
"os valores (i!timos e mais suhlimes retiraram-se da vida pÚhlica, seja para ..colocou seu clrisma pcssoal contr:1 a dignidadc delcs, consagrada pela
tr:ldk::l0, a fim de romper scu podcr ou coloc:í-Ios a scu serviço...'!
o reino transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das rela~.Ôes
hum:lI1as diretas e pessoais'..'" Quais as conseqÜências dessa racionaliza~.:10 \'\'ehcr considcrav:1 que, no mais das vezcs, :IS hurocr:lci:ls dominantes,
operada por meio da ciência e da técnica? Acaso ela garantiria quc os como a confuci:II1:I, clracterizav:lm-se pelo desprezo a tod:1 religiosidade
homens encontraram o caminho para o verdadeiro deus ou para a felici- irracional, rcspeit:lI1do-:1 apenas no intcresse da domestica~:iio das massas.
d:lde? Para o autor, isso niio passa de ilusiio ou de otimismo ingênuo. M:IS As classes e eSI:lIl1entos (os clmponeses, os artes:los, os comcrciantes, os
ao menos teríamos hoje um conhecimcnto mais claro das nossas prÚprias industriais etc.) rel:lcion:lIl1-sc de distintas formas com a religiosid:lde. ()
condi~.Ôcs de vida do que tinham os primitivos? (: o prÚprio \'(fehcr quc prolet:lri:ldo moderno c as amplas camadas da hurgucsia modcrna, se é quc
responde a essas indaga~.c')es: tom:lIl1 uma :uitude religiosa unilincar, costumam sentir indili..rença ou
:I\Trs:'lo pelo religioso. A consciênci:1 de dcpcnder do prÚprio rendimcnto,
" I1ll'l)OS que seja um físico, qUl'1l1:Inda num honde n;'lo It'm idC:'i:1dl' diz elc, é enl()c:lll:! ou completada pela da dependênci:1 a respeito das
('OlHO () carro se 1l1oviment:t. E n:"topredsa saber. Basla-Ihl' poder contar
pur:ls constelaçc'K's SOci:lis, conjulllur:ls ccon6micls l' rela~'c')l'S de poder
com () (.'Olllpon:lIllcnto do honde t' orientar slIa conduta dl' :u:ort!o (.'0111 sancionad:ls pela lei. 1\1:ls
l'SS;1 t'xpcct:lli\':I; mas nada sahe sobre () que t' nl'cl's~dri() par:1produzir o
bonde ou mo\'il1lcnt:í-lo, O st.'h'agell1 It'm um ('ol1lu.:c:in1l'nto incomp:lr:I\'el-
:'s C:III1:Il!;lS lI1ais haixas do prolelariado - as mai inst;Í\'l'is do ponlo d('
mcnte mai<H' s{)hre suas ferramentas. (0.0) A cn..'st't'nll' in1t'Il'ctI1:lIiza~::'IC) t' \.i la lTollt)lIlico, de lIluito difíeil :ICl'SSO:IS cOnCl'p(Úe:-õ r:leioll:lis _ (' :1."
radonaliz;1f.;':IO ,uio indicam, portanto, um ('onhc..'l'il1ll'nlo maior t' ~('ral d:ls cllU:ul:ls da pequena hurgue ia - elU (kcadi:'nda proll'l:íri:1 ou l'm <."ons-
c()ndi~.t)cs soh as quais ViVl'1110S.Signific:1 ll1ai:-:alguma coisa, Oll seja () 1:1I1Il' indigt'nda e :lme:I(:ld:l." d(' prolerariza(:io - :-Õ:'IOpH'sa f:idl d('
('onhe..'dlllcnlo ou c:n:n(:1 em que, se qUiSL'SSl'l11os. /JOder;t/lll(ls ter {'SSt' llIissÚl' n:ligios:ls, sohr<.'tudo as qUl' adquirl'm forma l1l:ígka ou l1l:ígico-
('onhe..'dmeI110a qualqucr 1l10n1l'f1(O.Significa principalnH..'nlc,po..I:1I110. orgi:blic1. (...) Sem dt'J\'id:l é mais f:ídl qUl' prospl'r<"1l1 ,,,ohre <.'sse solo
qu<.' n;lo h;i fon:as misteriosas incakul:'lveis, mas quc podemos, el11 prin- os l'Il'lIll'l1IOSl'll1olh'os do que 0." racionais de uma l'licl n.'ligios:I."'~
cípio, dorninar todas as l'oisa:-õ pelo cíkulo. Isto significa que o mundo
foi des<.'nc1nlado.. .I:í n:lo preds:l111o:-õ recolTcr aos meios m;"lgil"os para I~essl' um /IICIISperfeito p:lra o surgimento de lider:II1~:as carisl1l:ílicls
dominar oU implorar aos espíritos. L..) Os meios Il"cnicos e os cikulos de cunho religioso ou político, de s;i!vadores. Mas :Ipesar de c lalvcz gra~:as
re:tliz:lIll o servi(o. Isto. acima dl' ludo, t' o que significa a imelectu:lIiz:u,::",o.I" ao seu car:ítl'r renovador c irracional, o carisl1la é engolido pl'b IÚgicl li:rrc;1
d:ls instituk:c')cs e obrigatorial1lcnte é m/illizado ou ada/I/rldo rI() colidim/(),
No cntanto, a histÚria niio é apenas progrcsso linear em direl::u) :IOS sendo rClol1l:ldo o clIl1il1ho da institucionali7.a(,'iio Iradicion:tI ou racional.
mundos burocráticos: há dcscontinuidades e estados de crise, quando as
"estruturas institucionais consolidadas podem desintegrar-se, e as formas () I'l'\'oludonislIlo emodonal é seguido pela rolina tradiciol1:lIist:t d:1 vid:1
rotinciras de vida mostrar-se insuficientes para dominar um estado dc cres- colidi:IJl:I; () lidl'r cruzado fé dl'~:Iparcccm ou, o que é aind:1
<.' :I prÜpria
centes tcnsiies, pressão ou sofrimento".'" O agente da ruptura é o líder, mais \'('rdadl'iro, :t fé lorna-se parle da fr:l:-õeologi:1
COIl\'('IKion:II,Lu) Ess:1
herÚi ou profeta portador do caris/1/a. Esta é silua~.'I() (, espedalml'llIe nípida nas lutas de 1,\ porque elas são hahitual-
k'\':ld:1."
n1<.'I1I(' ou il1spir:ld:l:-Õ
por Iídl'fl'S:lUll'nticos, iSlo é, prolê..'lasda 1'<"\'0-
a qualidade, que passa por extraordinária«"uiaorigem l" condkion:lda l"ç'l(). Nesse caso, lal como ocorrl' com a m;íquin:l dl' todo lidt'r. uma d:IS
magicamcnte,qut'r ~e tratede profetas,feitkeiro~,:irhitros,chefes de c:If,:adas c(}ndi~:()cs par:1 o ('xilo é :1 despcrson:lJizaç:io c rotiniza~':"lo, em SUl11a, a
ou comandantes militares), de uma personalidade, graças " qual esta é
prol<:lariza~.:.u) psíquica, no inleresse da disdplina. Depois de ascenderem
considerada possuidor.1 de for~.as sobrenaturais, sobre-humanas - ou pelo
:to podcr, os '''l'guidor<.'s dc UI11 cruzado hahilu:tll11Cntl' dl'gcnl'ram muito
menos especificamente extra-cotidianas, nào.~H:essíveis a qualqucr pessoa - fat'ilmel1le nu 111:1camada cOl11um de saqlll'adorl's.'"
ou, entào, tida como enviada de Deus, ou ainda como exempl:lr e, em
conseqÜência, como chefe, caudilho, guia ou líder." 131
13 2

-.
..
A SOCIOLOGIADA RELIGIÃO A diferença histórica decisiva entre as religiosidades de salvação predo-
i minantes no mundo oriental e no ocidental consiste em que a primeira
!, desemboca essencialmente na contemplação, e a última, no ascetismo.
Enquanto os ascetas procuravam participar nos processos do mundo, os
místicos dispunham-se à possessão contemplativa do sagrado, estado "no
Como nas demais, também na ordem religiosa existe luta entre agentes qual o indivíduo não é um instrumento, mas um recipiente do divino" e
pela imposição do seu domínio, podendo ser operadas mudanças decisivas pottanto foge do mundo pam unir-se aos deuses. A atitude religiosa ascética
tanto no ;ul1bito da religião como em outras áreas da vida coletiva. Assim conduz o vittuoso a submeter seus impulsos naturais ao modo sistematizado
como na economia e na política, também tem-se assistido na vida religiosa, de levar a vida, o que pode provocar uma reorientação da vida social da
especialmente em algumas seitas ocidentais, ao estabelecimento de um comunidade num sentido ético religioso, um domínio racional do universo.
conjunto de valores conducentes ~Iracionalização das condutas dos fiéis. P<lraconcentrar-se nas obras de salvação pode ser necessária uma separação
Weber considerou este um fenômeno fundamental pam a transformação das do mundo - incluindo-se aí as relações familiares, os interesses econômicos,
práticas econômicas e para a constituição da estrutura das sociedades eróticos ete. (ascetismo llegador do mundo) - ou a atividade dentro e
modernas. Pottanto, o estudo da religiosidade é essencial para a compreensão frente ã ordem do mundo (ascetismo orientado para o mundo, secular ou
das distintas formas de vida soci<ll,<lssimcomo de SU<levolução, sendo <I intramundano). No primeiro caso, o crente defende-se contra as distrações
racion<lliz<lçãodas relações sociais a m<lisd<lra tendência presente n<lssocie- que a vida terrena oferece, no segundo, o mundo torna-se uma obrig<lção, e
dades ocidentais - questão de grande centmlidade no conflito sociopolítico a missão do crente, que se torna um reformador ou revolucionário racional,
intern<lcionalcontemporâneo. consiste em transformá-Io segundo os ideais ascéticos.56 Entregar-se aos
N<Imedid<lem que cada religião constitui uma individu<llid<ldehistórica bens mundanos põe em perigo a concentmção sobre os bens de salvação: é
preciso, então, negá-Ios. Atuar sobre as esferas seculares e submeter seus
extremamente ric<le complexa, uma profecia religiosa pode ter diversos
I
conteúdos. De <lcordo com o interesse intelectu<llque o move, Weber enb- próprios impulsos naturais convertem-se, para o asceta, numa vocação que
tiz<lalguns de seus <lspectos, orientando-se pelas conseqüênci<ls pr[tticas da ele tem que cumprir racionalmente. Para compreender em linhas gemis a
religiosidade em termos das suas possibilid<ldes de racionalizas,:ão d<l evolução e direções que tomam as doutrinas ascéticas, é necessário que se
i
analise a natureza da organização das comunidades religiosas ã luz dos
I condut<l social. Uma das fontes desse racionalismo rigorosamente realisl<l,
orientado prática e politicamente, foi a nobrez<l funcionária militar de Homa, processos de racionalização, especialmente <lquelesque se dão após a reno-
que rejeitav<lcomo indecorosos o êxtase na form<lorgiástic<lou de eufÓria, vação da ordem tradicional provoca da pelo aparecimento de lideranças
1,,/
carismáticas.
ri assim como a dança, a músic<le as lut<lspar<ltrein<lmento nos ginásios, tão
apreci<ldos pelos gregos. As congregações cristãs que sofreram intluência Igreja é definida por Weber como uma associação de dominação que
I
romana não incorporar<lm ã religiosidade ou :1 cultura qualquer elemento se utiliza de bens de salv<lção por meio da coação hierocrática exercida
irr<lcional,e o desenvolvimento d<lstécnicas de salvação no Ocidente seguiu através de um quadro administr..ltivoque pret~nde ter o monopólio legítimo
esse caminho. ss dessa coação. Portanto, ela submete seus membros de modo mcional e
Em toda religião que descans<l numa técnica de s<llvação (como o contínuo. Diferentemente de uma congregação - que se compõe de um
conjunto de auxiliares permanentes, unidos pessoalmente a um profeta
êxtase, a embri<lguez, a possessão etc.) o renascimento sob o ponto de
portador de carisma -, os sacerdotes são aqueles indivíduos socializados
vista religioso só p<lrece acessível ã aristocracia dos religiosamente qualifi-
por meio da hierarquia administrativa, portanto constituem uma burocracia.
cados por meio de uma luta pessoal contra os apetites ou afetos da rude
A evolução e a organização da Igreja e da "religiosidade congregacional
natureza humana, apoiada em uma ética de virlltosos. Mas a religião pode
também fomentar o racionalismo prático. Em outras palavras, estimular uma como uma estrutura corporativa a serviço de fins objetivos" supõem um
intensificação da racionalidade metódica, sistemática, do modo de levar a processo de rotinização do carism<ldo profeta ou salvador.57 Isto porque os
vida, e uma objetivação e socialização racional dos ordenamentos terrenos. mandamentos do salvador ou sua profecia pretendem lev<lra que os crentes
modifiquem seu modo de vida a fim de alcançar UÍl1ideal sagrado e nisso
Isto foi o que ocorreu COIÜos mosteiros católicos cujas práticas cotidianas
são guiados pela classe sacerdotal, que vai sistematizar e tornar inteligível
somadas ã frugalidade dos internos tiveram como conseqüência inesper<lda
um acumulo considerável de riqueza. para os laicos o conteúdo da profecia ou tradição sagradas. Assim,
134
In

l
t1

~c uma cOlllunid:H.lc n.:ligio!";1 surge na ond:1 de lIm:! profecia ou da pl"O- n:lo ;IS prÔprias ohras, mas aos atos de um herÔi em estado de graça ou
p:t~;l1ld:l de UIll sah'ador. () controle da condul:1 regular clhc. primeiro, de um deus enc;lrnado. O pecador que ohtén~ a absolvição mediante
aos sllcc ssorc..:s qU:llificadds ,carismalicall1entL', :tos alunos. dbcípulos dos atos religiosos pode passar sem uma metÓdica vida ético-pessoal já que,
profetas Oll do sah'ador. l\1:lis tarde. soh ccrr:ls condic.:<">esque se repelcm nessas religi()es :lIltigas, não é valorizado o babillls total da personalidade,
n:gulanncntc (...) t'SS;! (arefa caher:'1 a lima hicn>el'ad:l s:u.'enl()lal. IH.'n.'lli- conquistado graças a uma vida ascética ou contemplativa, ou à vigilftncia
t:íri:1 ou ()fjd:I1.~s perpétua. A salva~'ão pela fé tampouco exige um domínio racional do
mundo e sua mudança. Por fim, os indivíduos podem ser predestinados à
O processo de racionalização que ocorre na organiza~'ão da comuni- salva~':lo e, de acordo com o caráter da profecia na qual se origina tal
dade religios:1 reOete-se em suas concep<;Ôes de mundo e nas raz()es que interpret:\~':10, o crente tem ou não indícios sohre seu destino, o que pode
são apresentadas para explicar aos fiéis por que alguns são mais afortu- ocasionar ou não uma ação transformadora no mundo.
nados do que outros - ou seja, o sofrimento individual visto como imerecido
_ e por que nem sempre são os homens hons, mas OS maus, os que
vencem...") De modo geral, as n:ligi(>es mais antigas proporcionavam a
Emhor:\ os virtuosos tenham procurado ser exemplares na sua pr:ítica
religios:l, as exigências da vida cotidiana e de incorpora~'ão da massa dos
n:lo-virluosos, os n:lo-qualificados religiosamente, reclamam cerlos ajustes.
I<!()dic<'i(/
dos mais hem aquinhoados -
os "homens dominantes, os proprie-
As cOIKeSS()es que d:lí se originaram tiveram grande significado para a vida
tários, os vitoriosos e OS sadios", OS dotados de "honras, poder, posses e cotidi:IIl:I, especi:dmente do ponto de vista do estahelecimento de uma ética
prazer" _ que viam, assim, legitimada a sua hoa sorte, Mas é necess:írio dar racional ,'oltada par:1 o trahalho e para a pr:ítica econiJmica, tradicionais
respostas aos mais carentes, os oprimidos, que precis:lm de conforto e de fontes de atrito com a moralidade religiosa. "Em quase todas as religi(Jes
esperanp na redenção, fornecendo-Ihes uma teodicéia do seu sofrimento, orientais, os religiosos permitiram que as massas permanecessem mergu-
uma interpreta~'ão ética sohre "a incongruência entre o destino e o mérito". lhadas n:1 tradi~'ão", mas d:í-se uma grande diferença quando os virtuosos
A leodicéia tinha que (\:ir respostas tamhém ;\ injustiç\ e :1 imperfei~'ão da organizam-se numa seita ascética "lutando para modelar a vida nesse mundo
<)I'dem s<)l'i:II.
segundo a vont:lde de um deus".'" Com isso, propunham-se regras de
conduta para os crentes, e sua prÔpria \'ida individual passava a ser orien-
() \'C..'lho prohlem:1 da Il'odkl"i:1 consiste na qU4..'St:~I() I11l'SI11:1 dl' ('olHO UIH
tada por princípios racionalizadores. Para escapar;1 relaç10 tensa que sempre
poder. cOllsidl'r:H.lo <:CU110 onipo(t'nlc l' hOlll, criou um Inundo irracioll:lI.
existira entre o mundo econêJmico e uma ética de fraternidade, colocam-se
de sofrimcnto imerecido, de injllsli(:ls impunes. de..' l,:..aupidci'. sem l'spe-
duas alternativas: a ética puritana da VOC;I~';IOou o misticismo. Se este liltimo
r:ln~':1. Ou esse podcr .Üo l' onipOlt'nle, nem hOl11, ou, l'nt:io princípios de
é lima fuga do mundano por meio "de uma dedica~';1O sem objeto a todos",
cc)llllll'ns:I(;'uJ l' n.'C(mlp<.'nsa «)Ialm<.'ntt' dh'l'rS()S gcl\'l'rna1l1 f'U}SS;1 \"ida. (...)
uniClJl1entL' pela devo~':lo, o puritano "renunciou ao universalismo do amor
EssL'prohlema _ :1l'xpl'ric.':'nda
da irracion:tlid:ldl' no Inundo - tl'm sido ;1
e rotinizou racionalmente todo o trabalho neste mundo, como sendo um
r(H'~':1 prc )pu1sc )1':1 dl' te)<1:1 l'\'( )Iuc..'tu) rdigiosa.I~'
servi~'o ;\ vontade de Deus L' uma comprovação de seu estado de graç:I".h!
Para atender :\S necessidades dos menos afortunados, m:ígicos e sacer- De acordo com suas características, cada ética religiosa penetra dile-
dotes passam a exercer funt:Ües mais mundanas de aconselh:lIl1ento sohre :1 rentementL' n:1 ordem social (por exemplo, nas relaç()es famili:\res, com o
vida, rdol\'adas com a cria~'ão de uma religiosidade em torno de um salvador vizinho, os pohres e os mais débeis), na punição do infrator, na ordem
daqudes expostos :\ priva~'ão, produzindo uma vis;IO do mundo na qual o jurídica e na econê>l11ic\ (como no caso da usura), no mundo da ação
inforlllllio individual possui valor positivo. No caso do cristianismo, cons- política, na esfera sexual (inclusive a atitude a respeito da mulher) e na da
truiu-se sobre a figura de um redentor uma explica~'ão racional para a arte. Ao produzirem um desencantamento do mun~lo e bloquearem a possi-
histÚria d:I humanidade, sendo a mortifica~';Io e :1 ahstinência volunt:íria hili(bde de s:Ih':IÇ:IOpor meio (b fuga contemplati'va, as seitas protestantes
justific;ívcis pelo seu papel na salvação. Toda necessidade de salva~'ão é, ocidentais - que trilharam a via do ascetismo secular e romperam a dupla
para Weher, expressão dL' uma indigência e, por isso, a opressão econêJ- ética que distinguia monges e laicos - fomentaram uma racionalização
mica ou social é uma fonte eficiente, ainda que não exclusiva, de seu met(>dica da conduta... que teve intensos reOexos na esfera econê>mica!
renascimento. Para deixar de ser acessível apenas aos vÍltuosos, a salvaç;lo Na tentativa de combater as interpretaçÔes economicistas ou psicolo-
e os meios para que os indigentes a alcancem assumirão distintas formas de gizantes das religiÜes e de sua evoluçl0, Weber ahordou "os motivos que
acordo com o conteúdo da religião, sejam eles: a redenção e ahsolvi~'ão, determinaram as dit'erentes formas de racionalizaç:10 ética da conduta da
a salvação pela fé e a predestinação. A salvação poderá ser atrihuída vida j>C'J'
SC'''e procurou explica~'Ües internas ;1 prÔpria esfera religiosa.
136 lU
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Nossa tese não é de que a natureza específica da religião constitui uma Tais fatos são vistos como racionalizações progressivas. Os sistemas
simples função da camada que surge como sua adepta camcterística, ou musicais da Ásia, as tribos indígenas pré-Ietradas da Antigüidade e do
I que ela represente a ideologia de tal camada, ou que seja um reflexo da Oriente Médio, são comparáveis no que se relaciona com o seu âmbito
situação de interesse material ou ideal."' e grau de racionalizaçâo."'

o que Weber faz aqui é uma referência à necessidade de se questio- o próprio estudo que elabora sobre a Sociologia da religião visa a
nar a unilateralidade da tese materialista, complementando-a com outras "contribuir para a tipologia e Sociologia do rJcionalismo", e por isso "parte
vias de interpretação, nesse caso, a relação entre uma ética religiosa e os das formas mais racionais que a realidade pode assumir", ou seja, as típico-
fenômenos econômicos e sociais, ou melhor, os tipos de conduta ou de ideais. Procura, .tssim, "descobrir até que ponto certas conclusões racionais,
modos de agir que possam ser mais favoráveis a certas fonnas de organização que podem ser estabelecidas teoricamente, foram realmente formuladas. E
da esfera econômica e a uma ética econômica. E conclui: "Sempre que a talvez descubramos por que não".66 Isto não significa que outras formas de
direção da totalidade do modo de vida foi racionalizada metodicamente, ela atividade, que se tornaram altamente racionalizadas, sempre tivessem tido
foi profundamente determinada por valores últimos" religiosamente condi- tal orientação, mesmo no caso da ação econômica que hoje se utiliza
cionados.6-i Através da análise de uma das direções em que evolui a esfera amplamente do c;ilculo como técnica racional. Em sua forma primitiva,
religiosa no sentido de uma racionalização crescente, Weber encontrará a todo afanar-se dos homens por sua alimentação é muito semelhante àquilo
base para explicar o predomínio de concepções e práticas econômicas que nos animais tem lugar sob o império dos instintos. Do mesmo modo,
racionalizadas nas sociedades ocidentais. A autonomia da instância religiosa encontra-se pouco desenvolvido o grau de calculabilidade da ação econômica
é o pressuposto para que se considere o desenvolvimento das doutrinas e conscientemente orientada pela devoção religiosa, pela emoção guerreira,
dos sistemas de explicação religiosos a partir da lógica de funcionamento pelos impulsos dI: piedade ou por outros afetos scmelhantes.67
do seu próprio campo. Não há elementos materiais ou psicológicos qUI: Um dos meios através do qual essa tendência à racionalização se
sejam determinantes desse processo: as relações entre os diversos agentes atualiza nas sociedades ocidentais é a organização burocrática. Da adminis-
r religiosos são o fundamento principal de toda causalidade nessa área. No tração pública à gestão dos negócios privados, da máfia ~t polícia, dos
caso de algumas seitas protestantes, as tensões entre os campos econômico cuidados com a saúde ~ISpráticas de lazer, escolas, clubes, partidos políti-
e religioso são superadas, e podemos dizer que a afinidade eletiva entre os cos, igrejas, todas as instituições, tenham elas fins ideais ou materiais, estru-
elementos dominantes em cada um deles reforça o desenvolvimento da ética turam-se e atuam através do instrumento cada vez mais universal e eficaz de
ascética e do capitalismo enquanto uma forma de orientar a ação econômica, se exercer a dominação que é a burocracia.
Entre os três tipos puros de dominação legítima, a racional ou legal
é a forma de organização na qual mais se reduz a importância de outras
int1uências como a riqueza, os costumes, a parentela e os amigos, substi-
TENDÊNCIA
À RACIONALlZACÃO
E BUROCRACIA tuindo-as por leis ou regulamentações administrativas. As ordens passam a
ser dadas de maneira previsível e estável; cuida-se da execução dos deveres e
,I dos direitos dos que se submetem a ela; a especialização necessária para o
I exercício de cargos ou funções é claramente determinada; apelam-se para
Se quiséssemos caracterizar, em uma só idéia, a marca distintiva que as normas e os registros escritos, os arquivos, "o sistema de leis, aplicadas
Weber identifica nas sociedades ocidentais contemporâneas, esta seria de judicial ou administrativamente de acordo com determinados princípios,
que o mundo tende inexoravelmente à racionalização em todas as esferas da vale para todos os membros do grupo social". A burocracia enquanto tipo
vida social. Dizem seus biógrafos: ideal pode organizar a dominação racional-legal por meio de uma incom-
parável superioridade técnica que garanta precisão, velocidade, clareza,
Até mesmo uma área de experiência tão interiorizada e aparentemente
unidade, especialização de funções, redução do atrito, dos custos de material
subjetiva como :, da música se presta ;, um trabalho sociológico sobre o
e pessoal etc. Ela deve também eliminar dos ne~ócios "o amor, o ódio e
conceito de racionalização de Weber. A fixação de padrões de acordes todos os elementos sensíveis puramente pessoais, todos os elementos irra-
através de uma anot:'ção mais concisa e o estabelecimento da escala bem
cionais que fogem ao cá1culo".6HA organização burocrática é hierárquica,
temperada; a música tonal harmoniosa e a padronização do quarteto de e o recrutamento para seus quadros dá-se através de concursos ou de
sopro e dos instrumentos de corda como o núcleo da orquestra sinfõnica. outros critérios objetivos. Funcionários que pudessem ser eleitos pelos
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Lembra-te de que tempo é dinheiro. Aquele que puJe ganhar Jez xelins
, E, por outro lado, empresários que se sentiam abençoados ao estar
por dia por seu trabalho e vai passear ou fica vaJianJo mewde do dia,
inteiramente dedicados à produção de riqueza. Weber identificou a
embora não dispenda mais do que seis penees durante seu divertimento ou presença desse conjunto de valores nos Estados Unidos, na Holanda e na
vadiaçào, nÜo deve CUluputar apenas CSS;I despesa; gastou, na rC~llidadc, Alemanha e notou que seu desenvolvimento favorecera "uma vida eco-
ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais. Lembra-te deste refrão: o bom nômica racional e burguesa". A essa dedicação verdadeiramente religiosa
pagador é o dono da bolsa alheia. Aquele que é l'<>nhecido por pagar
ao u~,balhoele chamou vocação,fruto de um ascelislllo 11Il/I Ida 11o, oposto
pontual e exatamente na data prometida, pode, em qualquer momento, ao ascetismo católico em dois pontos fundamentais: primeiro, no seu
levantar tanto dinheiro quanto seus an1igos possan1 dispor. Isso é, riS vezes, car,'iter de ação metódica no mundo e, segundo, na valorização do sucesso
de grande utilidade. Depois da industriosidade e da frugalidade, nada econômico.
contribui Inais para um jOYt:lu subir na vida do que a pontualidade e :I
... o Irahalho é n:lho c experimentado instrumento ascélico, aprl'dado mais
justif.:a em lodos os seus negÔcios; portanto, nunca (."ol1scrvcs dinheiro
do que qualquc..'r olHfO na Igreja do Oddcntc, em acentuada contradi~:fto
emprestado uma hora além do (CnlpO proluctido, senão 1IIHdcsap0nl:.tmcnto
nfto s() com o Oriente, mas também com quase todas as ordens monClsticlS
fechará a bolsa de tcu amigo para sempre. O som de tClI manelo Üs cinco
do mund().~h
da manhã Oll :IS oito da noite, ouvido por um credor, o far:í conn.'dcr-tl.'
seis meses a mais de crédito; ele procurarj, porém, por SClIdinheiro no dia ü trabalho vOl'adoH:11 (" colHO dever de amor ao pn:)ximo. uma dí\"ida de
scguimc se te vir CIU UlU:.tmesa de bilhar ou escutar tua voz numa laverna gratid"o " gra\,a de Deus(".) não sendo do agrado de Deus que' de seja
quando deverias estar no trabalhu." rc..:alizad() l'tUll rdulftnc.:ia, O crislfto deve assim Illostrar-se induSlri()so l'H)
SC..'U11'ahalho sl'cular.77
o trabalho torna-se portanto um valor em si mesmo, e o operário ou
o capitalista puritanos passam a viver em função de sua atividade ou Deve-se lembrar que a doutrina catÚlica, dominante naquela época,
negócio e sÔ assim têm a sensar,:ão da tarda cumprida. O puritanismo condenava a ambi~'Üo do lucro e a usum. Para os calvinistas, no entanto,
condenava o Ôcio, o luxo, a perda de tempo, a preguiça. desejar ser pobre era algo que soava tão absurdo como desejar ser doente;
"a prosperidade era o prêmio de uma vida santa". O mal não se encontrava
Assim,a peculiaridadedessafilosofiada avareza parecc ser o if.k'alde UIIl na posse da riqueza, mas no seu uso para o prazer, o luxo, o gozo
homem honesto, de crédito reconhecido c, :I<,:imade tudo, a idéia do dever
espontfmeo e a pregui~'a. Essa moralidade levou a que alguns milionários
de um indivíduo com rela~"I() ao aumento de seu "apital, que é (omado norte-americanos preferissem não legar sua fortuna aos prÚprios filhos como
como um fim em si mesmo. Na verdade, () que (. aqui pregado n:loé lIIH:! meio de temped-Ios no esforço produtivo. "Para os calvinistas, o deus
simples técnka de vida, mas sim uma c.tica peculiar, cuja infração n:io c' inescrutáveltem seus bons motivos pam repartir desigualmente os bens de
tral:lda como uma tolicc, lHas como um csquecimenlo do dever. c..) N:h) é fortuna, e o homem se prova exclusivamente no trabalho profissional."7x
meru bOln senso comerc..'ial C..) mas, sim, um e/bv ".7.\
Segundo Weber, a 'Ido~'i'tc) dessa nova perspectiva trazida pelo protestan-
Para estarem seguros quanto à sua salvação, ricos e pobres deveriam tismo permite aos primeiros empresários reverter sua condiç;to de baixo
trabalhar sem descanso, "o dia todo em favor do que Ihes foi destinado" prestígio social e se transfÓrmarem nos herÚis da nova sociedade que se
instalava. Essa ética teve conseqÜências marcantes sobre a vida econÔmica
pela vontade de Deus, e glorit1cá-lo por meio de suas atividades produtivas.
Estas tinham se tornado um dever a ser metodicamente executado, possuindo e, ao combinar a "restri~'ão do consumo com essa liberaçÜo ela procum da
um fim em si mesmas. Assim, os puritanos prescrevem: "Contra as dÚvidas riqueza, é Óbvio o resultado que daí decorre: a acumulaç;to capitalista atmvés
religiosas e a inescrupulosa tortura moral, e contra todas as tentações da da compulsão :Iscética da poupan~'a".79 Mas este foi apenas um impulso
carne, ao lado de uma dieta vegetariana e banhos frios, trabalha energi- inicial. /\ partir dele, o capitalismo libertou-se do abrigo de um espírito
camente em tua Vocação. "7', Essa ética tinha como resultado operários religioso e a busca de riquezas passou a associar-se a paixões puramente
disciplinados mundanas. O capitalismo moderno j~1 nÜo necessita mais do suporte de
qualquer for~'a religiosa e sente que a int1uência da religião sobre a vida
que se aferravam ao trabalho eOlllo a uma finalidade de vida desejada por econômica é t;to prejudicial quanto a regulamentação pelo Estado.
Deus. Dava-Ihes, além disso, a tranqliilizadora gamntia de que a desigual Weber advet1e ter analisado apenas uma das possíveis relações entre
distribui\'ão da riqueza deste mundo em obr:. esped," da Divina l'rovid~nd" o protestantismo ascético e a cultura contemporânea e que não pretendeu
quc, com cssas difcrcn~'as e l"Om a gr:u,.-a particular, perseguia seus fins contmpor sua :IIÜlise ao materialismo de Marx, mas evidenciar as outras
secretos, desconhecidos do homem.7'i I 'I!
14 2
(I

conexões causais possíveis que contribuem para a realizaç~10 de uma WEI3ER, Max. A política como vocaçiio. In: GERTH, Hans; MILLS, Wright.
individualidade histórica concreta: o capitalismo ocidental. Para iniciar o Max \\í'eber. Ensaios de Sociologia. Traduçiio de ~Waltcnsir Dutra. Rio de
e.xame dessas rclaçÜe\, elaborou'um modelo abstrato, um tipo ideal, do Janeiro: Zahar, 1979.
que chamou dé I!spíri/o do capi/à/islllo, composto dos elementos que WEI3ER, Max. A é/ica proles/ame e o espírilo do capila/islllo. Traduçiio de
considerou serem seus aspectos definitórios.
Irene Szmerecsányi e Tamás Szmerecsányi. Siio Paulo: Pioneira/Unl3, 1981.
WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais. In:
COIIN, Gabriel (Org,). Max \\í'eber: Sociologia. Traduçiio de Amélia Cohn e
Gabriel Cohn. 2. ed. Siio Paulo: Ática, 1982. p. 79-127.
( O N ( L U S Õ t S
WEBER, Max. A psicologia social das religiÔes mundiais. In: GERTI-!, lIans;
MILLS, Wright. Max \\í'eher. Ensaios de Sociologia. Tradução de Waltensir
Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
A possibilidade de entender a estrutura social como um conjunto de
mliltiplas I()gicas oferece ricas perspectivas de análise para sociedades cada WEBER, Max. /:'c<J//olllíay sociedad. México: rondo de Cultura, I9!H.
vez m~lis complexas. As diferenças sociais, os princípios diversific;,dos quc WEBER, Max. índi:l: o briimane e as castas. In: GERTII, Ilans; MILLS,
as produzcm e a irredutibilidade dos fenÚmenos sociais de esferas especí- Wright. Max \\í'eher. Ensaios de Sociologia. Traduçiio dc Waltensir Outra.
ficas S;IObalizas fundamentais para se pensar as sociedades do século 20. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
A ênfase no conceito de domina~'iio como parte integrante das rela~'('>es
sociais em qualquer esfera é outro instrumento precioso p:tra se entender WEBER, Max. Origem do capitalismo moderno. ln: TRAGTEMBERG,
a natureza dessas relaçÔes. As tendências ;1 inform~tlizaçl0 no comércio, Maurício. 7"ex/os se/eciollar!os - Max Weber. Traduçiio de Maurício
na indústria, no Estado, nos sistemas financeiros ett'., podem também ser T'~lgtemberg ct aI. Siio Paulo: Abril Cuilural, 1980. (Colq'iio Os Pensadorcs)
analisadas adequadamente com os conccitos de buroLTatiza~'iio e racionali- WEBER, Max. RejeiçÜes religiosas do mundo e suas direções. In: GERTI-I,
zaçiio. A gama de temas e de possibilidades que siio abertos por \"V'ebcr siio lIans; MILLS, Wright. Max \\í'eher. Ensaios de Sociologia. Traduç:l0 de
a demonstra~'iio de que se trata de um clássico no sentido mais vigoroso Waltensir Outra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
da expressiio. A complexidade c a abrangência de sua Sociologi:l. por-
tanto, tornam difícil a tarda de sintetizar toda a riqueza te<Írica ncla
contid:1. Procur~'r :1 unidade de sua obra é como montar um qUl'br~l-
cabe~':1- :tlracntc e instigante - quc permitc múiliplas combina~'()cs.
NOTAS

BIBLIOGRAfiA I Visiio de mundo.

! WEBER.A ciência como vocaçiio, p. 180.


.\ WEBER.A ciência como vocaçiio, p. ]70-]71.
COIIN, Gabriel. Crí/ica e resi.~I/((çâ() - fundamentos da Sociologia de Max
Weber. S:'IOPaulo: 1'. A. Queiroz. 1979. .j WEBER.A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais, p. 91.
GERTII, 1-l:Ins; MILLS, Wright. OrientaçÔes intelectuais. In: _' Ma.\' , A ciência social é incluída por Weber na categoria das ciências da cultura
\lí'e/Jer. Ensaios de Sociologia. Tradu~'iio de Waltensir Outra. Rio de .Janeiro: desde que estude "os acontecimentos da vida humana a partir de sua signi-
Zahar, 1979. ficaçiio cultural".

WEBER, Max. A ciência como vocaçiio. In: GERTH, Hans; MILU;, Wright. (,Weber questiona a unilateralidade da interpretaçiio materialista da histó-
Ma.\' I!,'eher. Ensaios de Sociologia. Traduçiio de \Valtensir Outra. Rio de ria a qual, ao explicar a causalidade dos fenômenos culturais, rebaixa a
Janeiro: Zahar, 1979. causas acidentais e cientificamente insignificantes todos os fatores que
niio se refiram aos interesses materiais.
144 10

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7WEBER. A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais, p. 96. sensível a eles e quer conseguir revivê-Ios. Cabe também à Sociologia o
Weber discute a influência que representou, para as ciências históricas e estudo das regularidades, os modos típicos de desenvolvimento da ação,
cultumis, o sucesso da biologia moderna e de seu princípio de ordenamento enquanto a História estuda as conexões singulares.
da realidade em um esquema de leis gerais. A impossibilidade do uso desse 21 WEBER. Ecollomía y sociedad, p. 683.
esquema estava em que o método dedutivo exigia um conhecimento da
totalid;lde da realidade histórica como ponto de partida indispensável para 2.1Os escravos, no entanto, mesmo sendo trabalhadores, e até mesmo qualifi-
o que parecia ser válido e científico. cados, constituem um grupo de status ou estamento, não uma classe,
porque o seu destino não está determinado por qualquer oportunidade de
M WEBER.A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais, p. 116, valorizar sua situação no mercado econômico por meio de seu trahalho
') WEBER. RejeiçÔes religiosas do mundo e suas direçÜes, p. 372. ou de seus hens.

As ciC:nciasda cultura procuram explicar as obras humanas, o que os


11I 1.Comunidade é uma n:lação social na qual a atitudl.:na ação social "inspira-se
homens criaram: suas leis, instituiçÜes jurídicas, políticas, sua organiza~';10 no sentimento suhjetivo dos participantes de constituir um todo" e socie-
familiar, al1e, suas crenças religiosas, valores morais, atividades econômicas, dade "inspira-se em uma compensação de interesses por motivos racionais
seus sistemas de conhecimento. de fins ou de valores ou também em uma união dI.: inten:sses". WEBElt
Ecullomía y sociedad, p. 33.
" WEBER. t'cullumía y suciedad, p. 18-
1>WEBER. h'cullumía y socíedtld, p. 687-688.
" WEBER. Hcollomía y sociedad, p. 5.
lh Estes seriam os personagens que se converteram em mitos fundadores da
1.\WEBER. l:'cullo/llía y sociedad, p. 20.
na~'ão norte-americana: uma princesa nativa, os primeiros puritanos ingleses
li Tanto a\.'Ôessustentadas numa ética dos fins Últimos (a que faz do v;dor e os holandeses que migraram e se estabeleceram na região.
um fim em si mesmo) quanto aquelas que, pautadas apenas por um cálculo
17 y suciedad, p. 688.
WEBElt l:'ccJ//omía
racional, visam atingir determinados fins utilizando quaisquer meios desá-
guam em paradoxos, porquanto ;lInbas passam por alto as conseqÜC:ncias 1M WEBER. Índia: o brâmane e as castas, p. 460.
que podem recair sobre os outros. Quem é capaz de modificar sua conduta y socíedtld, p. 693.
1.')WEBEH. l:'cOI/O/llí(/
devido a essa consciC:ncia orienta-se segundo uma ética de n:sponsahili-
dade, a qual suplementa a ética da conviq'ão ou das certezas absolutas, ," WEBER. l:i.:ol/omíay sociedad, p. 683.
Essa decisão não exclui o comprometimento e a paixão por uma causa, ,\I WEBER. HcollO/IIítly sociedad, p. 691-692.
tampouco aceita que os fins justifiquem o uso de quaisquer meios.
,\1 WEBEH. Índia: o hr;lInane e as castas, p. 459,
" WEBER. Hcu/lumía y sociedad, p. 22.
.1,\WEBER. l:'COI/OI/IÍlI
Y socíedad, p. 692.
li. WEBER. Hco/lumí(/ y socied(/d, p. 12.
,\' Uma fortl.: discrimina\.'ão referente aos descendentes daquell.:s trabalha-
17 WEBER. Hcc)//()mía y suciedad, p. 25. dores que SI.: dedicavam a lidar com a carne e o couro ainda pode ser
1M WEBER. t'collo/llía y sociedad, p. 27. verifica da atualml.:ntl.: na sociedade japonesa.

I~ WEBER. Ecollomía y sociedad, p. 683. .1>WEBER. Hcul/omía y sociedad, p. 353.


Weher enumera, entre outras, a propriedade de edifícios, terras culti-
1<1 ,\hWEBER. HcollOlllíay sociedad, p. 693. Prebendas são pagamentos vita-
váveis, estabelecimentos, armazéns, minas, gado, escravos, cuntrole do lícios ou se dl.:vem ao usufruto de rendas auferidas graças ao desl.:mpenho
próprio trabalho e do trabalho de outros. de deveres num cargo.
11 Para Weber, a Sociologia e a História, ciências empíricas da a~':'lo, ,\7 WEBER. l~'cOllOl/lí(/ y suciedad, p. 43, Como diria Rousseau, em Do
compreendem a ação ao interpretarem o seu sentido. O sociólogo com- colllrafo social: "Ceder à força constitui ato de necessidade, não de vontade;
preende com grau máximo de evidência as conexões de sentido racionais quando muito, ato de prudência. Em que sentido poderá representar um
e, com crescente dificuldade, as ações que sofrem a inl1uência de irraciona- dever?"
lidades ou as que são orientadas por valores, principalmente se não for .IM WEBElt t'CUIIOIlIÍ(/Y socied(/d, p. 693.
146 1.1/
\

It

r,- WEBER. IÚJ/lomía y sociedad, p. 82.


-'" WEBER. Ecollomía.1' sociedad, p. 699.
'''' WEBER. h'c()//omía y sociedad, p. 732.
'''. \XfEBER. Eco/lOmía.l' I sociedad, .,p. 706-707. '" WEBER. h'cOllOmía y sociedad, p. 7]9.
" WEBER. A po\'ítica como vocaçã(~,. p. 99. 70 WEBER. Origem do capitalismo moderno, p. 169.
'11WEBER. h"co/1omía y sociedad, p. 31. "' WEBER. A élica proleslanle e o espírilo do capitalismo, p. 112.
'.' \Xfeher esclarece que, embora desde sua perspectiva a Sociologia n;'lo
7! WEBER.A élicaproleslal/lee o espíritodo capitalismo,p. 29-30.
reconhe\'a uma personalidade coletiva em ação, o conceito de Estado é um
conceito co!ctivo significativo para os indivíduos 'Iue por ele orient:lm SU:I 7.' WEBER. A élica proleslal/le e o espírito do capilalisl//o, p. 31.
conduta. -.1WEBER. A ética proleslal/le e o e.\pírito do capilalismo, p: 113.
" WEBER. h"co/1omía y sociedad, p. 683. 7< WEBER. A élica proleslal/le e o espírito do capilalismo, p. 127.
" WEBER. A (;Iica proleslal/le e o ('spírilo do capilalismo, p. 3'1. 7r,WEBER. A (;Iica prolesla/1le e o espírito do capilalismo, p. 112-113.
.Ir,WEBER. !:co//omía y soci('dad, p. 172. 77 WEBER. A ética proleslm/le e o e.\pírito do capilalisll/o, p. 20C).
17Ver C.OIlN. r::rílica (' resigl/(/çtio - fundamentos da Sociologia de M:I:\ 7N WEBER. h"co 1/011/ía y sociedad, p. 461.
Weher.
7')WEBER. A ('Iica proleslm/le e o e,\pírilO do capilalismo, p. 121\.
,x WEBER. /\ ciência como vocl\'ão, p. IH2.
,') WEBEH. A ciência como vocl\'ão, p. 16'i.
'li GEHTII; MILLS. Orienta~:Úes intdectuais, p. 69-70.
" WEBER. J:'col/omíay sociedad, p. 193.
'1 WEBER. Rejei\'Ôes religiosas do mundo e suas dire\'()es, p. 376.
'-' WEBER. /:'col/omía Y sociedad, p. 3H9.
" WEBEI(. A política como \'oca~:ão, p. 11\9.
" WEBEH. I:'col/omíaY sociedad, p. 1\37.
'0(,WEBER. h"cOllOII/ía Y sociedad, p. 1\29.
'07WEBER. licol/omía Y soch?dad, p. 379.
'" WEBER. Rejei\'Úes religiosas do mundo e suas direçÚes, p. 376.
"~I WEBER. /\ psicologia social das rdigiiies mundiais, p. 31H.
,,, WEBER. A política como vocação, p. 11\6.
r,. WEBER. /\ política como vocação, p. 331\.
hl WEBER. Rejeições rdigiosas do mundo e suas direções, p. 3HI.
('.' WEBER. /\ psicologia social das religiões mundiais, p. 312.
(,1WEBER. A psicologia social das religiões mundiais, p. 330.
(" GERTH; MILLS. Orientações intelectuais, p. 69.
(,(,WEBER. Rejeições religiosas do mundo e suas direções, p. 372. I ~ 'I
148

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"

3 "---

o Positivismo Sociológico

3.1 A SOCIOLOGIA POSITIVISTA

o positivismo adotou parâmetros teóricos que pressupunham que os códigos re-


guladores dos âmbitos físico e social diferiam quanto a seu caráter: os primeiros seriam
relativos a acontecimentos do mundo dos fenômenos exteriores aos homens; os se-
gundos, aos fatos pertinentes à problemática das questões humanas ligadas à intera-
ção e à convivência social. A profissão de fé de que esses âmbitos possuíam uma ori-
gem comum, ou seja, natural, levou os pensadores positivistas a aproximá-Ios, apesar
do reconhecimento de suas diferenças características. A evolução acelerada dos méto-
dos de pesquisa das ciências naturais - Física, Química e Biologia -, que ocorria no sé-
culo XIX,atraiu os cientistas sociais positivistas para a lógica dos procedimentos de in-
vestigação dessas ciências. Desse modo, a sociedade veio a ser concebida por eles
como um organismo combinado de partes integradas e coesas que funcionavam harmo-
niosamente, conforme um modeloftSico ou mecânico de organização. Devido à adoção
desse paradigma, o positivismo foi denominado ainda de organicismo.
Ele é também definido até os dias de hoje, principalmente pelos críticos de suas
concepções teóricas, como darwinismo social (Costa, 1987:44-45). Essa qualificação é
decorrente da influência importante que as pesquisas de Charles Darwin exerceram
sobre sua forma de ver a sociedade.Avisãodarwinistasobrea evoluçãodas espécieses-
tabelece, em linhas gerais, o seguinte: todos os seres vivos se transformam ininterrup-
tamente, tendo por desígnio seu aprimoramento e o cumprimento da necessidade de
garantia da sobrevivência. Decorrente desse processo, os organismos tenderiam a
46 SOCIOLOGIACLÁSSICA
O POSITMSMO SOCIOLÓGICO 47

adaptar-se em níveiscada vez melhores ao meio ambiente, criando formas mais com-
3.2 ÉMILE DURKHEIM E OS FATOS SOCIAIS
plexas e avançadas de vida, que possibilitariam, por meio da ocorrência de uma com-
petição natural, a sobrevivênciaapenas dos seres mais aptos e evoluídos.
Essesparâmetros, adaptados para as análises das relaçõesentre os indivíduose a Esse intelectual viveu entre 1858 e 1917, período que compreendeu o ápice e
sociedade, ensejaram o darwinismosocial,ou seja, a crença científicade que as socie- a primeira grande crise interna do capitalismo monopolista europeu. De seus 59
dades mudariam e evoluiriam segundo padrões históricospermanentes. Essas trans- anos vividos, em mais da metade presenciou a opulência burguesa francesa, en-
formações representariam sempre a passagem de um estado inferior para outro su- quanto a fase final assistiu à tensão pela disputa de mercados entre as potências
periorde civilização,no qual o organismosocialse mostraria maisevoluído,mais adap- européias ser levada às últimas conseqüências. Em seu país, a França, preocu-
tadoe mais complexo.Comoconseqüência, essas mudanças garantiriam a sobrevivên- pou-se com o que ele chamou de "vazio moral da ma República", com os conflitos
cia apenas dos organismos- sociedadese indivíduos - maisfortes e mais evoluídos. entre o capital e o trabalho decorrentes da Segunda Revolução Industrial, com o
impulso do ideário socialista e com os rumos ali tomados pelo capitalismo. No pla-
Aqui está o fundamento teórico que justificou amplamente, a partir da segun- no internacional, sua vida abrangeu do desenvolvimento do neocolonialismo à
da metade do século XIXe nas primeiras décadas do século XX,o argumento da eclosão da Primeira Guerra Mundial, com seu término e o início da primeira gran-
chamada superioridade cultural européia sobre os outros povos e culturas. Essa de revolução socialista, a Revolução Russa de 1917.
tese, largamente difundida pelos meios de divulgação cultural em todo o mundo
letrado, serviu como justificativa ideológica aos propósitos políticos e econômicos Durkheim compreendia o quadro perturbador colocado pela emergência da
das potências européias em sua fase de expansão neocolonialista sobre os conti- questãosocial, mas discordava essencialmente do conteúdo de soluções que come-
nentes africano e asiático. O imperialismo europeu encontrou na visãopositivista o çava a ser proposto pelo pensamento socialista. Suas convicções defendiam que os
abono científico para a continuidade de sua ação de extração das riquezas perten- problemas sociais vividos pela sociedade européia eram de natureza moral e não
centes a outras regiões do planeta. de fundo econômico, e que estes sobrevinham devido àfragilidade decorrente de
uma longa época de transição. A dialética da chamada BelleÉpoquel é instigante:
Parcela importante dos cientistas sociais europeus, antropólogos, sociólogos este é visto pela historiografia como o momento do apogeu do capitalismo imperia-
e juristas aceitava com tranqüilidade, e não podia ser diferente a partir da postura lista europeu. Entretanto, no interior da sociedade européia - no âmbito das rela-
teórica que adotavam, a idéia de que as sociedades de culturas tradicionais da Áfri- ções entre a burguesia e a classe trabalhadora -, o desenrolar do processo socialle-
ca, da Ásia, da América e da Oceania eram apenas exemplares de estágios anterio- vava à radicalização dos conflitos que redundariam na saída socialista russa e no
res, primitivos ou teológicos, do passado da humanidade. Essas sociedades mais advento posterior do WelfareState.
simples e de tecnologia menos avançada deveriam dirigir-se naturalmente a níveis
No tocante ao problema da relação indivíduo-sociedade, Durkheim tomou
de maior complexidade e progresso na escala da evoluçãosocial, até atingir o topo
posição a favor desta. Ele entendia que a sociedade predominaria sobre o indiví-
positivo, em que se encontrava àquela hora a sociedade industrial capitalista euro-
duo, uma vez que ela é que imporia a ele o conjunto das normas de conduta social.
péia. As sociedades que não pudessem ou quisessem atingir esses patamares de ci-
vilização estariam fadadas ao fim, por inaptidão ao avanço histórico. Seu esforço foi voltado para a emancipação da sociologia em relação às filosofias
sociais, tentando constituí-Ia como disciplina científica rigorosa, dotada de método
De um ponto de vista teórico, a sociologia positivista foi configurada pela ten- investigativo sistematizado, preocupando-se em definir com clareza o objeto e as
tativa de seus formuladores em constituir seu objetode pesquisa, pautar seus méto- aplicaçõesdessa nova ciência, partindo dos paradigmas e modelos teóricos das
dos e elaborar seus conceitosà luz das ciências naturais, procurando chegar à mes- ciências naturais.
ma objetividade e ao mesmo êxito, nas formas de controle sobre os fenômenos so-
Ao desenvolver a sistematização de seu pensamento sociológico, Durkheim
ciais estudados, que aquelas estavam obtendo.
diferenciou-se de Saint-Simon e Comte, uma vez que seu aparato conceitual foi
Caracterizando-se pela valoração dada aos fatos e a suas relações, tal como além da reflexão filosófica, constituindo um corpo elaborado e metódico de pres-
dados pela experiência objetiva, e pelo corte reducionista da filosofia aos resulta- supostos teóricos sobre a problemática das relações sociais. Em função desses as-
dos obtidos pela ciência, o positivismo foi o pensamento social que aclamou o mo- -
dus vivendi do apogeu da sociedade européia do século XIX,em franca expansão 1 Segundo Azevedo (1997:56), essa é uma "expressão francesa empregada para caracterizar
econômica. Vem daí sua tentativa persistente na busca da resolução dos conflitos 11mperíodo de tranqüilidade social e de supremacia burguesa nas grandes cidades européias, durante os
sociais por meio da exaltação à coesão,à harmonia natural entre os indivíduos e ao primeiros anos do século XX. A Belle Époque assinala também uma fase de expansão internacional do ca-
bem-estar do todo social (Costa, 1987:46). pitalismo. (...) Na realidade, sob a opulência e a riqueza, o descontentamento social não era pequeno,
como pareciam demonstrar as freqüentes greves ocorridas."
48 SOCIOLOGIACLÁSSICA O POSITMSMO SOCIOLÓGICO 49

pectos teóricos originais, os estudos de Durkheim ganharam relevância para a'. . despeito de seus anseios e opções pessoais. A subordinação de todos aos estatu-
ciências da sociedade, tornando-se parâmetros para vários ramos de pesquisa ~(' toscJasleis é o melhor exemplo dessa situação. Aqui, a medida da coerção seria es-
ciológica até nossos dias. tabclecida pelas sanções a que os indivíduos estariam sujeitos a partir do momento
Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumento científico da busca de solu . em que não se conformassem com as regras sociais. A exterioridade se definiria em
ções para os desviosda vida social, tendo, portanto, uma finalidade dupla: além dI' .~ função de os fatos existirem antes efora das pessoas, atuando de modo autônomo
explicar os códigos defuncionamento da sociedade, teria como missão intervir ne~ W em relação a seus desejos ou apoio consciente. Durkheim elucida essa característi-
sefuncionamento por meio da aplicação de antídotos que pudessem mitigar os m(/ , l'lIcitando os sistemas de moedas, os instrumentos de crédito, as práticas profissio-
lesda vida social. Emsua compreensão, a sociedade, como qualquer outro organis nais, que funcionariam independentemente do uso que delas os indivíduos fizes-
mo vivo, passaria por ciclos vitais com manifestação de estadosnormais e patológi Sl'm. Por fim, a generalidade existiria devido ao fato repetir-se, pela imposição, na
cos,ou seja, saudáveise mórbidos. O estadosaudável seria o de convivência harmô' maioria ou em todos os membros da sociedade. As formas comuns de habitação, de
nica da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, harmonia essa a ser l'Omunicação, ou o que esse autor denominou de "vida mais ou menos cristalizada"
obtida pelo exercício imperativo do consensosocial. O estado mórbido, doentio, se- constituiriam os exemplos dessa derradeira característica dos fatos sociais.
ria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos dto Durkheim defendeu uma postura de absoluto rigor e não-envolvimento fren-
convivência, o consensoe, portanto, a adaptação e a evoluçãohistórica natural da te ao objeto de estudo da Sociologia. Para ele, o comportamento do cientista social
sociedade. deveria ser de distanciamento e sua posição, de neutralidade frente aos fatos so-
Ora, se a Sociologia devia, nessa concepção, ser uma espécie de medicinaso- ciais. Apenas essa atitude é que garantiria a objetividade de sua análise e, portanto,
cial, ela carecia de ocupar-se de um objetoque lhe permitisse fornecer a chave ex- suas bases científicas. Esses fatos deveriam ser encarados como coisas, objetos
plicativa dos códigos de funcionamento da sociedade: osfatos sociais. Essesfatos exteriores ao pesquisador. Cabia-lhe apenas a observação, a medição e a compara-
foram elevados por Durkheim à categoria de objetode estudo, e sua busca de com- çeiodos fenômenos sociais, não importando o que o próprio pesquisador ou os indi-
preensão deles direcionada para o favorecimento da normalidade do curso da vida víduos cogitassem ou afirmassem sobre sua natureza. Isso significa que tais fenô-
social, transformando-se, dessa maneira, em um tipo de técnicade controlesocial llIenos necessitavam ser levados em conta no tocante a suas manifestações co/eti-
voltada para a manutenção da ordem estabelecida pelo sistema social vigente. \'as, distinguindo-se dos eventos individuais ou acidentais. O interesse científico
clurkheimiano era inteiramente voltado para a compreensão do funcionamento das
Emsua definição defatosocial, Durkheim exprime-se da seguinte forma: é chamadas formas padronizadas de conduta e pensamento, definidas por ele como
_~\"
consciência coletiva, que configurariam a moral adotada pela sociedade. Nesse sen-
"toda a maneira de agirfixa ou não, suscetívelde exercersobre o indivíduo
tido, ele pode ser visto como o primeiro dos sociólogosfunciona/istas.
uma coerçãoexterior, que é geral na extensão de uma sociedadedada, apre-
j)rf I
"",aadouma"""'ada propda,'ad'pea<ka"
dosmaaif,,'açÕtS
'adiv'-
'ft duais que possa ter" (1972:11).
3.3 DURKHEIM E "AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO"
t:I. Segundo Rodrigues (1995:52),

"este parentesco estreito entre a vida e a estrutura, entre o órgão e a função, Aobra de Durkheim publicada em livros corresponde a quatro trabalhos, que
pode ser facilmente estabelecido em Sociologia porque, entre os dois termos ex- se tornaram marcos metodológicos para a história das ciências sociais. São eles: de
tremos, existe toda uma série de intermediários imediatamente observáveis". 1893, Da divisãodo trabalho social,originária de sua tese de doutorado; de 1895,
As rewas do método sociológlc.o;de 1897, O suicídio; e, de 1912, Asformas elemen-
Deve-se entender que, na sociologia durkheimiana, a perspectiva é holística, tares da vida religlOsa--.Em paralelo a seu trabalho como professor universltarlõ,
ou seja, o todo (sociedade), apesar de ser composto por suas inúmeras partes (indi- fundou a revista L'Année Sociologique, à qual se dedicou de forma. notável, tendo
víduos), prevalece sobre elas. Desse modo, ofato social teria a faculdade de cons- ali publicado uma série numerosa de artigos e resenhas voltados para a reflexão
tranger, de vir de fora e de ter validade para todos os membros da sociedade. sociológica.
Delimitando e dando especificidade ao conceito, os fatos sociais possuiriam As regrasdo métodosociológico foi a primeira obra voltada para a discussão e
três características fundamentais: a coerção social seria o influxo exercido pelosfa- definição de um método depesquisasociológica produzida por um pensador social.
tos sobre os indivíduos, induzindo-os à aceitação das regras vigentes na sociedade,
., Esse livro, que causou impacto importante nos meios intelectuais franceses quan-
'~':
~,

o POSITMSMO SOCIOLÓGICO 51
50 SOCIOLOGIACLÁSSICA

do de sua publicação, consiste em uma demarcação teórica do conceito defato Iriale do capitalismo. Nelas, os códigos de identificação social dos indivíduos eram
social, que, ao mesmo tempo, delimita a especificidade do campo de estudo da diretos e se davam por meio dos laços familiares, religiosos, de tradição e costu-
Sociologia, distinguindo-a das preocupações da Psicologia. Segundo Durkheim, mcs, sendo completamente autônomos em relação ao problema da divisão social
esse método (Rodrigues, 1995:27) define-se a partir de três fundamentos princi- do trabalho, que não interferiria nos mecanismos de constituição da solidariedade.
pais: a independência em relação a qualquer filosofia, a objetividade e a determina- Ncssecaso, a consciênciacoletivaexerceria todo o seu poder de coerçãosobre os in-
ção exclusivamente sociológica, todos a apontar que os fatos sociais são, antes de divíduos, uma vez que aqueles laços os envolviam em uma teia de relações próxi-
qualquer consideração analítica, coisas sociais. Suas palavras, ao final dessa obra, mas que acentuavam o controle social direto por parte da comunidade.
demarcam com exatidão aquele que seria, a seu ver, o campo da Sociologia: Asolidariedade orgânica se manifestaria, por sua vez, nas palavras de Dur-
kheim, de modo inteiramente diferenteda mecânica.Peculiar da sociedade capita-
"Fizemos ver que umfato social não pode ser explicado senão por um ou- listamoderna, em função direta da divisão acelerada do trabalho, que nessa socie-
tro fato social e, ao mesmo tempo, mostramos como esse tipo de explicação é dade exerceria influência decisiva em todos os setores da organização social, leva-
possível ao assinalar no meio social interno o motor principal da evolução co- riaos indivíduos a se tornarem interdependentesentre si, garantindo a constituição
letiva. A Sociologia não é, pois, o anexo de qualquer outra ciência; é, ela mes- de novas formas de unidade social no lugar dos antigos costumes, das tradições ou
ma, uma ciência distinta e autônoma, e o sentimento do que tem de especial a das relações sociais estreitas, que caracterizavam a vida pré-moderna. Os antigos
realidade social é de tal maneira necessário ao sociólogo, que apenas uma cul- laços diretos da consciênciacoletiva se afrouxariam, conferindo aos indivíduos
tura especialmente sociológica pode prepará-Io para a compreensão dos fatos maior autonomia pessoal e cedendo espaço aos mecanismos de controle social in-
sociais. "
diretos, definidos por sistemas e códigos de conduta consagrados na forma da lei.
Se em Comte a Teoria da História pressupunha a passagem contínua das so-
ciedades por etapas, ou estágiosde desenvolvimento, que iriam do teológicoao po-
3.4 A QUESTÃO DA SOLIDARIEDADE sitivo, findando a marcha histórica da humanidade neste, em Durkheim a postura
finalista quanto ao devir do processo histórico não muda, apenas sofistica-se, uma
Na concepção durkheimiana, a Sociologia deveria voltar-se também para ou- vez que sua compreensão continuou sendo etapista e fatalista, ou seja, seguiu
tro objetivo fundamental: a comparação entre as diversas sociedades. Para isso, prescrevendo para as civilizações o percurso único e inevitável que as levaria dos
esse autor estabeleceu um novo campo de estudo, a morfologiasocial,que consisti- estágios inferioresaos superiores de cultura e organização social, que findariam,
ria na classificaçãodo que ele chamou de espéciessociais. Em seu entendimento, necessariamente, com o advento da sociedade capitalista industrial. A visão de
essa atividade só poderia ser realizada partindo de um rigoroso controle do pro- História dos positivistas padeceu de seu fascínio pela modernidade burguesa, a
cesso de observaçãoexperimental. Fundamentando-se nesse parâmetro, fixou que ponto de admitir que, além dela, restava para o homem apenas o aperfeiçoamento
o percurso de passagem da solidariedademecânicapara a solidariedadeorgânicase- da ordem que ela fundou, por meio das revoluções liberais.
ria o motor de transformação histórica de toda e qualquer espéciede sociedade.
Aseu ver, a divisão do trabalho concebida pela formação da estrutura de pro-
dução industrial capitalista incentivava e levava ao exercício de uma nova forma EXERCíCIOS REFLEXIVOS
de solidariedade entre os homens, impelindo-os a uma interdependênciae não aos
conflitos sociais. Ele acreditava que a ciência social poderia, por meio de suas in- 1. Produza um texto no qual você explique a forma pela qual os positivistas compreen-
vestigações, encontrar soluções para os problemas fundamentais de sua época ao
deram as relaçõessociais.Fundamente sua resposta estabelecendo ligações entre as
largo desses conflitos. O primado da especialização,necessária ao desempenho das
novas funções no mundo do trabalho, estabelecidas pela lógica da organização in- visões sociol6gicasdesenvolvidas por Comte e Durkheim.
dustrial, levaria os indivíduos a essa nova forma de solidariedade, conferindo-lhes
2. Explique a seguinte afirmação a respeito do pensamento durkheimiano: "a socieda-
maior autonomia pessoal e emancipando-os da tutela dos antigos costumes vigen- de prevalecesobre o indivíduo, impondo a ele as normas gerais de conduta social".
tes nas formas anteriores de organização produtiva. Essa nova interdependência
funcional é que os afastaria dos choques sociais. 3. Defina, com argumentos próprios, o conceito durkheimiano de fato social. Em se-
Em sua compreensão, o que ele denominou de solidariedade mecânicaimpe- guida, discorra sobre suas três características fundamentais.
rou na história de todas as sociedades anteriores ao advento da Revolução Indus-
52 SOCIOLOGIAClÁSSICA

4. Se, para Durkheim, fato social é "toda a maneira de agir fixa ou não, ,suscetívelde
exercersobre o indiv{duouma coerçãoexterior, que é geral na extensão de uma socie-
dade dada, apresentando uma existênci{1pr6pria,independente das manifestaçõesin-
dividuais que possa ter', por quais motivos a Sociologia di.trkheimianapode ser en-
tendida como uma tentativa de estabelecimento de uma técnica de controle social
que buscava a manutenção da ordem e do sistema de poder capitalista vigente?
.~,

4
5. O desenvolvimento de um método depesquisa sociol6gicafoi crucial para a Sociolo-
gia durkheimiana. Explique os fundamentos desse método e justifique os motivos
teóricos que fizeram dele um instrumento vital para a análise sociológica desenvol-
vida por esse autor.
o Pensamento Marxista
6. Segundo a compreensão de Durkheim, a divisão do trabalho social propiciada pela
formação da produção industrial capitalista levava ao exercicio de uma nova forma
de solidariedade entre os homens, encaminhando-os mais para uma interdependên-
cia do que para os conflitos sociais. Por que ele entendeu o fenÔmeno da divisão do
trabalho no capitalismo dessa forma?

4.1 o PENSAMENTODIALÉTICO:O MATERIALISMO


HISTÓRICO

Karl Marx (Trier, 1818 - Londres, 1883) foi filósofo, historiador, sociólo-
go e economista. Sua formação intelectual se deu na Alemanha, seu país natal,
tendo estudado Direito nas universidades de Bonn e Berlim. Defendeu seu dou-
torado no ano de 1841, na cidade de Iena, com uma tese de filosofia sobre As di-
ferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro, versando sobre o mate-
rialismo na antigüidade grega. Antes de dedicar-se ao que ele mesmo chamou
de "estudos de gabinete", foi redator-chefe de um jornal liberal de Colônia. Dei-
xando a Gazeta Renana, estabeleceu intenso ritmo de estudos e de militância
política e intelectual, que aconteceu no eixo Paris-Bruxelas-Londres, locais
onde realizou a parcela mais importante de sua produção escrita. Ao lado de
Friedrich Engels (1820-1903), foi responsável pela construção de uma obra
monumental voltada para a análise, a crítica e a luta para a transformação radi-
cal da sociedade capitalista.
O quadro sociopolítico em que Marx viveu, primeiro em sua juventude na
Alemanha, depois em sua passagem por três das principais capitais européias, é,
em linhas gerais, semelhante ao que já foi delineado anteriormente. Dois diferen-
ciais, no entanto, são importantes: no âmbito político, o processo tardio de unifica-
ção liberal-burguesa vivido por seu país a partir de 1830; na esfera acadêmica e in-
telectual, a tradição filosóficaalemã vinda de Kant e Hegel, que fomentou uma ati-
o PENSAMENTOMARXISTA 55
54 SOCIOLOGIACLÁSSICA
.!:

. Em sua visão, o conhecimento p ;! ciência deviam assumi


tude antipositivista, expressa nas diferentes posturas de Marx, Dilthey e, mais tar-
de, de Max Weber. A formação intelectual de fundo hegeliano produziu impactos
importantes na estruturação do pensamento de Marx, bem como a experiência vi-
r@ )' crítiroeme de
mcnto de compreensão rela ão à socied radical
transformação ca italista devendo ser
dessa realidade. um insl so--
Os estudos
vida posteriormente na França e na Inglaterra, países mais avançados no processo brc a realidadesocialnão deviam restringir-se apenas a sua descrição, mas à anali-
de industrialização do que a Alemanha. sc de como essa realidadeseproduz e se reproduz ao longo da História. P.9J:.isSQ, 1IJP-.
dos a éis do cientista social seria o de artici ar ativamente dos atos de transfor-
Em relação ao enfoque teórico, as principais linhas de influência que atuaram
no desenvolvimento do pensamento de Marx foram três. Da filosofia de Hegel, maçãodessa realidade desem enhando uma fun ão olítica revolucionária à me-
dida Quese oosicioM<;~P:101:1(10 (I;!Slutas da classe trabalhadora. torllilJ1d_o-se
um
após um período de militância na esquerdahegelianae de leitura crítica do idealis- observador particioante e militante.
mo que ele passou a apontar nesse filósofo, vieram a assimilação e a aplicação pró-
pria do chamado método dialético.Dopensame~to socialista francês do século XIX, Há uma ão entre o geral (todo) e o articular a a-de
representado principalmente por Saint -Simon, Fourier e Proudhon, foi construída )cnsar e conhecer a realidade ue é de du Ia_mqo~Isso significa que entre todo e
a crítica severa ao que ele denominou de socialismoutópico, que constituiu a base
de sua proposta do socialismocientífico. E, por fim, da leitura da obra dos econo-
mistas clássicos ingleses, Adam Smith e David Ricardo, veio a edificação metódica
~
\ parte a uma re açao de circularidade,ou seja, um determina o outro simultanea-
mente. Ao mesmo tempo, a dialética pensada por Marx, oriunda da filosofia de

Hegel~parte dos princípios da contradição e do antagonismo. Se para Hegel as


da crítica à economia política burguesa, que era fundada no pensamento econômi-
co liberal. (0 contradiçõesreso vem-se na i oso ia, em arx e as so encontram resolução na
ação histórica e social.
Quanto aos princípios filosóficos que orientaram a estruturação do método Ao estabelecer sua hegemonia, dado sistema social engendra dentro de si as
dialético feita por Marx, faz-se necessária uma síntese do procedimento desse contradiçõesque ensejarão o processo que levará a sua derrocada posterior:SL-
modo de pensar a realidade e de sua postura frente aos objetos de conhecimento. pressupostOmarxistaé de ue as sociedadesevoluem ela o osi ão si ' ica
Deve-se notar a priori que, como diz Ianni (1996:111), Marx "compreendiaque o entre seus pólos opostos. O sistema social hegemônico que se estabeleceu torna-se
objetoe o método de seu trabalho eram elementos necessáriose encadeadosdo mesmo .íimateseque gera de dentro (lp <;i11m;!antítese. Do choque dialético entre esses dois
processode conhecimento". pólos sobrevém uma nova situação histórica uma síntese, que ainda carre a em si
O ponto de partida do processo de conhecimento consiste na definiçãodo obje- .elementOs o ve o tese e o novo (antítese ue se instala or sua vez como tese
to, ou da totalidade-realidadea ser estudada. Definido o objeto, deve-se passar à novamente, an o curso ao processo histórico. Essa definição filosófica levou
construção de um processo de formulações teóricas a seu respeito, ou seja, ao estudo Marxa uma concepção que via nessa luta de opostos,que ele denominou de luta de
do objeto até suas determinaçõesmais simples, o que conduziria à compreensão de classes, o motor da História, nos sucessivos embates entre modos de produção dis-
suas partes constituintes.Esse passo levaria à conquista do entendimento, por parte tintos, o fio condutor dos processos de mudança social.
daquele que estuda, da totalidadereal do objetode estudo. Em seguida, faz-se neces- Segundo Marx, as condições materiais vigentes na sociedade é que determina-
sário realizar uma volta ao objetoinicial: nesse retomo, o objetojá não seria o mesmo
vam nosso pensamento e nossa consciência. Ele dizia que não eram os pressupostos
do início do estudo, pois ele estaria agora compreendido em sua totalidade,configu-
espirituais que levavam a modificações materiais, mas exatamente o oposto: as con-
rando, portanto, outro objeto, embora ainda fosse, simultaneamente, o mesmo do
início do estudo. O objeto, a realidade estudada, estaria, assim, compreendido em dições materiais é que determinariam; em última estância, as espirituais, sendo de-
cisivas para a evolução da História. Sua posição materialista pressupõe que a exis-
sua totalidade, o que faria o estudioso buscar um novo ponto de partida, determi-
tência precede a consciência.
nante para o avanço do processo de construção do conhecimento.
Partindo do pensamento dialético, é possível expor alguns dos princípios fun-
Por esse caminho, conhecer é atribuir um predicado (qualidade) ao objeto, é
damentais da teoria marxista. O conceito de materialismo histórico vem em primei-
formular umjuízo críticoacerca dele. O marxismo trabalha por um processo de su-
cessivas aproximações do objetode conhecimento. Daí Marx propor umafilosofia de' ro lugar: recusando a determinação mecânica do econômico sobre o social, propõe
um tratamento específico da ques~o da dominação na sociedade, evidenciando a
a ão no lu ar dos grandes sistemas 'Iosó coses eculativos dizendo ue "atéentão
luta de classes como motor de tOdas as transfor1lli!f.ões sociais, atribuindo aos ho-
c<f)oscá-Io".Por
'lósoos sem re tinh m tent ~tar o mundo em vez de tentarmodifi-
'

isso, o pensamento de Marx constituiu-se com objetivos práticos e pori- c:f) mensorganiz~~ ~~.entre
como fase de transição deoconduçãoda
capitalismo e sociedadee
o comunismo,apontando
tempo no o socialismo
qual a socie-
tICõS:voltado para a crítica e para a transformação revolucionária do capitalismo
na direção do socialismo e do comunismo. dade já não seria organizada com base em classessociais, fato que eliminaria os
(
56 SOCIOLOGIAClÁSSICA o PENSAMENTO MARXISTA 57

conflitos sociais e ensejaria o fim da História. Segundo trechol de uma carta .I,. .." j!collteciapor meio de rupturas bruscas, processos revolucionários que consti-
Engels para J. Bloch,datada de 1890, para a lul\I/1Imeiosde resolução de contradiçõeslongamente acumuladas no interior das
,.IClI'(I,.S
deprodução entre classes antagônicas. Por isso, para ele, a História é a re-
"concepção materialista da História, o elemento determinante da mesma I .ultal1ledo desenvolvimento e da derrocada de modos de produção distintos, que
fundamentalmente a produção e a reprodução da vida real. Tanto MWI IC'riamovida pela ação da luta de classes.
quanto eujamais afirmamos mais do que isso. Portanto, se alguém troca eS.\I'
afirmação por outra em que o elemento econômico seja o único determinalllc. Acontribuição e o legado da obra de Marxpara a sociedade e para as Ciências
a frase toma-se sem sentido, abstrata e absurda". I!l1111:lI1aS
e Sociaispodem ser compreendidos em dois sentidos, o politico e o teóri-
('O.Apóssua morte, o movimento socialista dividiu-se e expandiu-se, do ponto de
Outro desses conceitos é o de alienação. Vindo da filosofia hegeliana, refe Vlsl;1político, grosso modo, em duas grandes vertentes principais: a social-demo-
.,/,11'-'(/
e o leninismo.
re-se à condição vivida pelo trabalhador assalariado na sociedade capitalista.
uma vez que nela ele perde a posse sobre sua força de trabalho, que passa a ser
uma mercadoria como outra qualquer, vendida no mercado conforme as leis va- Aproposta social-democrata,conhecida nos dias de hoje também pela deno-
riáveis da oferta e da procura. Aovender sua força em troca de salário, ele se alie- Il1il1açãode Terceira Via, difundiu-se principalmente pelos países desenvolvidos
na e - u trabalho e é alienado or ele, ao mesmo tem o o ue ocasio- COI\1 o propósito de encontrar um caminho paulatino e pacífico para a edificação
na outra aliena ão em rela ão a si mesmo, que levaria à erda de sua di nidade dI' lima ordem social maisjusta, promovendo reformas de conteÚdo político, eco-
humana. Esse conceito levou Marx a constatação de que a única forma possível nc,micoe social voltadas para a inclusão progressiva das maiorias ao sistema, que
de emancipação dessa alienação seria pela tomada do controle dos meios de pro- passou também a ser designado como WelfareState, no intuito de não permitir a
dução por parte dos trabalhadores, por meio de uma revolução proletária que ex- ocorrência de rupturas revolucionárias com sua lógica essencial. .
propriariadoos
coletivo capitalistas
trabalho e aboliria o regime assalariado, resgatando o sentido
social. O leninismo manteve-se na postura revolucionária que pressupunha ser a
revoluçãoo único caminho para combater com sucesso a sociedade de c/asses e
O conceito de mais-valia também é crucial: ele compreende o saldo entre o instaurar o socialismo, compreendido como etapa transitória para o advento da
valor criado por certa quantRIãde de trabalho e o valor efetivamente pago ao tra- sociedadecomunista sem classes. Caracterizou-se efetivamente a partir da fun-
balhador pelo trabalho realizado. Ou seja, após a venda de determinada mercado-
ria, feitos os descontos dos custos relativos aos salários, deve sobrar um saldo em dação da lII" Internacional, em 1919, sob a influência direta do processo da Re-
dinheiro. Essa quantia é a mais-valia, ou lucro, que é apropriado pelo empresá- volução Russa de 1917, definindo uma nova forma de atuação para os partidos
rio-capitalista, tomando para si um valor que foi gerado essencialmente pelo tra- sucialistas, que passaram a autodenominar-se partidos comw1Ístas. Partindo
balho. Marx denominou esse rocesso de exploração, uma vez que ele entendeu das visões de Marx e de Lênin, essa corrente de pensamento constituiu por todo o
ser a taxa da mais-valiaa expressão concreta o grau e exploraçãoa que os assala- mundo uma plêiade de seguidores e críticos, compreendendo stalinisws, trots-
riados são submetidos em função da venda de sua força de trabalho. Esse conceito kistas, maoístas, ew'ocomwÚÚas, entre outros, que conferiram vigor aos emba-
foi elaborado com base em uma definição que ficou conhecida como teoria do tes políticos do século XXe contra ponto radical e permanente aos princípios de-
valor, que, grosso modo, entende por valor a quantidade de trabalho social incor- fendidos pelo liberalismo.
porada a uma mercadoria, esclarecendo que esse tipo de trabalho refere-se ao
tempo necessário para sua produção. Da perspectiva de sua contribuição teórica, a obt'a de Marx consiste, em re-
sumo, no estabelecimento de paradigmas que até então não haviam sido colo-
A idéia de modo deprodução deu sentido à Teoria da História marxista. Indi-
cados pelo pensamento social. A diferença essencial em relação ao avanço que
ca, em primeiro lugar, os modos e asformas por meio dos quais são produzidos os
bens materiais em dada sociedade, esclarecendo e determinando o caráter de cada foi conquistado pela abordagem positivista é de simples constatação: enquanto
Comte e Durkheim elegeram osfatos sociais como objeto, Marx definiu-o a par-
regime social, ou seja, definindo as configurações assumidas pelas forças produti-
tir do conceito de relação. O campo aberto pelos estudos de Marx estimulou
vas e pelas relaçõesdeprodução e condicionando o modo de vida daquela formação
social. Marx entendeu que a passagem histórica de um modo de produção para ou- avanços teóricos importantes em todas as áreas das ciências da sociedade, colo-
cando-se entre as principais conquistas modernas realizadas pelo conhecimen-
to humano.
I ENCICLOPÉDIA !.AROUSSE CULTURAL. Rio de Janeiro: Nova CultUral, 1998. v. 16, p. 3863.
---

58 SOCIOLOGIACLÁSSICA
o PENSAMENTOMARXISTA 59
:~

o historiador
tribuição. Para ele, inglês Eric Hobsbawm situa2 os avanços e os limites dessa COII mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz com que se lhe
submetam, no tempo próprio, por fim médio, as idéias dos que carecem dos
meios necessários para produzir .espiritualmente. As idéias dominantes não
."0marxismo tem contribuído de algum modo para entender a História, ma.,. são outra coisa que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as
realmente, não o suficiente. Por exemplo, o marxismo vulgar diz que todas n\ mesmas relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, as
coisas ocorrem em virtude defatores econômicos e obviamente isso não é UlI/., relações que fazem de determinada classe a classe dominante são, também, as
explicação adequada. Insisto que o importante é distinguir o marxismo VIII
que conferem o papel dominante às suas idéias. Os indivíduos que formam a
gar de uma interpretação mais sofisticada do sentido da obra de Marx ou em classe dominante têm, também, entre outras coisas, a consciência disso e pen-
verdade de Karl Marx por ele mesmo. Acho que o marxismo pode fazer isso. sam de acordo com isso. Enquanto dominam como classe e enquanto determi-
Hoje podemos falar sobre isso, como estamos fazendo, porque hoje nós pode nam todo o âmbito de uma época histórica, se compreende como seu que ofa-
mos distinguir aqueles trechos das análises marxistas que pareciam ser váli
çam em toda a extensão e, portanto, entre outras coisas, também como pensa-
dos, mas claramente não o são. Por exemplo, se você realmente lê o Manifesto dores, como produtores de idéias, que regulem a produção e a distribuição das
Comunista de 1848, ficará surpreso com ofato de que o mundo, hoje, é muito idéias de seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias domi-
mais parecido com aquele que Marx predisse em 1848. A idéia do poder capi- nantes da época" (Marx e Engels, 1958:48-50).
talista dominando o mundo inteiro, como também uma sociedade burguesa
destruindo todos os velhos valores tradicionais, parece ser muito mais válida
hoje do que quando Marx morreu. Por outro lado, por exemplo, a previsão de Esse sistema de idéias dominantes constitui, assim, a ideologia. De acordo
que a classe trabalhadora ficaria cada vez mais pauperizada não é verdade. com uma imagem metafórica construída pelos autores, ela teria a faculdade de
Isso não quer dizer que a classe trabalhadora não tenha suficientes boas ra- fazer com que a vida social aparecesse para os homens como a imagem que é exi-
zões para protestos. Uma coisa interessante que faz a análise marxista bas- hida pelo visor de uma câmera fotográfica do final do século XIX,ou seja, de ca-
tante moderna é a análise das tendências de longa duração". heça para baixo, ilusoriamente invertida do sentido que ela apresentaria na reali-
dade. Dessa forma, ela ofereceria para a sociedade uma imagem inversa do que
ela própria seria e viveria no âmbito real. Essafalsa imagem levaria o homem e a
4.2 O PROBLEMA DA IDEOLOGIA sociedade a uma "falsa consciência"acerca de si mesmo e das relações concreta-
mente estabelecidas.

Marx e Engels objetivaram demonstrar o papel de véu desempenhado pela


No livroA ideologiaalemã, Marx e Engels definiram o conceito de ideologiaa ideologiaburguesana sociedade capitalista, qual seja o de ocultar a verdadeira na-
partir do qual operaram parte de suas reflexões teóricas. Esse conceito foi revist03
tUreza das relaçõesde produção pautadas na exploração. Segundo Marx, quanto
posteriormente por eles mesmos e por outros pensadores marxistas, entre eles o
maisse desenvolvessem os antagonismos entre asforçasprodutivas em crescimento,
italiano Gramsci. Seu elemento constitutivo principal foi o que ambos denomina-
ram de princípio da inversão, expressando a idéia de inversão da realidade. mais a ideologiada clas.çedominante seriapenetrada pela hipocrisia,e quanto mais
a vida desvendasse a natureza mentirosa dessa ideologia, mais a linguagem dessa
Em uma das passagens desse livro, eles sustentam que o sistema de idéias classesefaria sublime e virtuosa.
de uma classe dominante configura o conjunto das idéias dominantes em cada
época:
Como combater algo dotado do poder de mistificar a realidade para todos,
pelo uso do sublime e do virtuoso? Para Marx, a solução estaria no conhecimen-
"ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na to científico, ou saber real, único elemento capaz de desmascarar a ideologia
sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que burguesa, recolocando de volta o mundo de cabeçapara cima, de acordo com seu
tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe, com isso, aó sentido real, mostrando a realidade tal como ela é, destituída dos véus da ideolo-
gia. Esse saber real constituiria um conjunto de verdades capaz de desmascarar
2 TREVISAN,Leonardo.
Siio Paulo, Hobsbawm
24 ago. 1997. Caderno 2, p. 01-2.analisa mudanças na esquerda. O Estado de S. Paulo,
afalsa consciên.cia,funcionando como ponta-de-Iança na luta do proletariado
contra a burguesia. Aconcepção marxista de ciência também foi instrumental,
3 Karl MARX, no prefácio do livro Para a crítica da economia política, de 1859.
à medida que ela estaria a serviço das maiorias, da causa proletária e da revolu-
ção socialista.

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--

o PENSAMENTOMARXISTA 61

60 SOCIOLOGIA CLÁSSICA

aquela sociedade. Nesse sentido, três elementos relacionam-se entre si: as forças
Em outro momento de ideologiaalemã, seus autores concluem o argumento rodutivas, que compreendem as condições natUrais de produção e os recursos ex-
que defendem:
aídos da natureza pelo homem; os meios de produção, a saber, ferramentas, má-
'~existência de idéias revolucionárias, em determinada época, pressu- quinas, equipamentos e força de trabalho humana; e as relações de produção, que
são os diferentes modos pelos quais é organizada a atividade produtiva, envolven-
põe já a existência de uma classe revolucionária. Com efeito, cada nova classe do diretamente as relações de posse e distribuição dos meios e a divisão social do
que passa a ocupar o posto da que dominou antes dela vê-se obrigada, paru
trabalho. Da interação permanente entre asforçasprodutivas, os meiose as relações
poder levar adiante os fins que persegue, a apresentar o seu próprio interesse
de produção resulta a estrutura da sociedade, sua infra e sua superestrutura.
como o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto é, expressan-
do isso em termos ideais, a imprimir em suas idéias aforma do geral, a apre- No texto Para a crítica da economia política, Marx (1978:129) estabelece
sentar essas idéias como as únicas racionais e dotadas de vigência absoluta" essas relações ao comunicar o produto de seu trabalho:
(Marx e Engels, 1958:50).
"O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio
condutor aos meus estudos pode ser formulado em poucas palavras: na produ-
ção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, neces-
4.3 O CONCEITO MARXISTA DE SOCIEDADE sárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que corres-
pondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produti-
vas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura eco-
A compreensão do conceito de sociedade é crocial para o entendimento de nômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrUtUraju-
dois outros pontos fundamentais da teoria marxista: as definições de classe social e rídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de cons-
luta de classes. Segundo o pensamento marxista, o estudo da realidade social deve ciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral
considerar como paradigma que não há homem e nem sociedade ideal isolados na de vida socia~ político e espiritual. (...) Em uma certa etapa de seu desenvolvi-
natureza, mas ambos conjugados concretamente a um momento histórico definido. mento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição
Isso significa que, além de ser holística, sua perspectiva privilegia como foco dos com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua ex-
estudos as relações contidas nos processos coletivos.
pressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até
Diferentemente de Durkheim, Marx considerou que não há a possibilidade de então se tinham movido. Deformas de desenvolvimento das forças produtivas
pensar a relação indivíduo-sociedade separadamente das condições materiais em estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de
que essa relação se apóia, não sendo possível, portanto, estudar a sociedade e a pro- revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme su-
dução isoladamente. Para ele, a produção é indissociável da distribuição dessa produ- perestrutura se transforma com maior ou menor rapidez."
ção na sociedade entre os homens. Esses parâmetros fundamentaram a visão marxis-
ta sobre a organização da estrutura social, delimitando-a, em primeiro lugar, a dois Diretamente ligada a seu conceito de sociedade está a concepção de Estado
conceitos: infra-estrutura e superestrutura. que Marx desenvolveu, compreendendo-o como uma das expressões fundamen-
No primeiro, estão compreendidas a produção, a organização econômica da tais do capitalismo. Em seu entendimento, o Estado não está acima da sociedadeci-
produção e as relações de produção, dando forma à base material da sociedade e de- vil e não exprime a vontade de todos, mas é uma instância inserida no conjunto de
terminando os processos sociais. Sobre essa base ergue-se a superestrutura, que relações estabelecidas entre pessoas, grupos e classes sociais. De acordo com lanni
abrange as normas jurídicas, os comportamentos sociais e políticos, as manifesta- (1996:30-31), é necessário que se reconheça que
ções religiosas, a base ética, filosófica e moral, ou seja, a rede cOl;nplexa de correla-
"sob qualquer das suas perspectivas, desde os seus primeiros escritos, Marx
ções formada entre os sistemas político e ideológico. De acordo com a compreen-
está preocupado com as relações e determinações recíprocas entre o Estado e a
são marxista, a infra e a superestrutura estão indissoluvelmente ligadas entre si, em
sociedade, numa ótica diferente daquelas propostas anteriormente, não ape-
tempo simultâneo, em constante interação dialética. Há uma relação direta de cir-
nas por Hegel. Nesse processo crítico, formula a chave da sua concepção,
cularidade entre esses elementos organizadores da estrutura social, sendo a supe-
restrutura um reflexo da base material da sociedade. quando diz que o Estado precisa ser compreendido, simultaneamente, como
uma 'colossal superestrutura' do regime capitalista e como o 'poder organiza-
Nessa visão, a sociedade estrutura-se com base naforma pela qual os homens do de uma classe' social em sua relação com as outras".
organizam a produção social. Essaforma, por sua vez, define o modo de produção

- - --
-- - - ----
o PENSAMENTOMARX1STA 63

62 SOCIOLOGIA CLÁSSICA

De acordo com o pensamento marxista, a existência de uma igualdade natu-


Por isso, diz Ianni, Marx afinna que Estado e sociedade não são politicamente
l entre os homens, propalada pelo liberalismo, era uma falácia, uma vez que as
distintos, que além de ser a estrutura da sociedade, ele não é a expressão hannônica
e abstrata desta. Ao contrário, constitui-se como um produto de contradições políti- igualdades reais provocadas pela lógica das relações de produção sob o capita-
mo inviabilizavam o exercício co~creto de qualquer espécie de igualdade, a
cas, sendo a primeira delas o fato de ele basear-se "na contradição entre o público e
o ser a possível entre os iguais, pertencentes à mesma classe social. A divisão
a vida privada, entre o interesse geral e o particular".
cial que esse regime produtivo provoca, classificando os homens em proprietá-
Finalmente, concluindo com esse autor (1996:39), para Marx, os e não proprietários dos meios de produção, constitui o fundamento primeiro
ktagênese das classes sociais, que são inerentes ao sistema capitalista, parte inter-
"o Estado não é apenas e exclusivamente, um órgão da classe dominante; res- a de sua lógica.
ponde também aos movimentos do conjunto da sociedade e das outras classes
A relação de exploração, que também era evidente para Marx, existente entre
sociais, segundo, é óbvio, as determinações das relações capitalistas. Confor-
me o grau de desenvolvimento das forças produtivas, das relações de produção jOSproprietários, a burguesia, e a classe trabalhadora, o proletariado, revelaria o ca-
.ráter das duas classes fundamentais para a existência do sistema. A posse dos meios
e das forças políticas da sociedade, o Estado pode adquirir contornos mais ou
menos nítidos, revelar-se mais ou menos diretamente vinculado aos interesses de produção por parte da burguesia, concretizada pela legitimação da propriedade
exclusivos da burguesia". privada sobre eles, levaria os trabalhadores a uma única saída, a de vender suafor-
ça de trabalho no mercado para assegurar a subsistência. O fato de essa força ser
comprada a preço vil, caracterizando uma apropriação indébita do produto do tra-
A contribuição teórica de Marx e Engels criou um conjunto complexo e coe-
balho proletário, demonstraria, dessa fonna, o verdadeiro caráter da burguesia:
rente de novas categoriasde análise para os fenômenos e processos sociais, de for-
explorar para acumular capital e riqueza por meio do trabalho de outrem. Do ou-
ma que é possível afinnar que esse aporte fundou uma nova escola de pensamento tro lado, a situação de classe vivida pelo proletariado também revelaria seu caráter:
sociológico, hoje situada entre os clássicos paradigmáticos dessa ciência. A Socio- o de ser a classe potencialmente revolucionária da nova situação histórica que esta-
logia de aporte marxista sustenta que a sociedade não pode ser estudada em com- va em curso genninal.
partimentos separados e estanques, pois, se assim for feito, se perderá de vista o
próprio objeto de estudo, que é a sociedade enquanto totalidade. Esse quadro social demonstraria outra característica relevante da existência
das classessociais sob o regime capitalista de produção, qual seja a de elas serem
Por isso, o estudo de qualquer sociedade deve partir justamente das relações
complementares e interdependentes entre si, de uma só existir emfunção, por causa
sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção e e em relação à outra. A lógica da interpretação marxista é simples: a existência de
transformar a natureza em seu benefício coletivo. Essas relaçõessociais de produ-
proprietários está condicionada à existência correspondente de uma massa de ex-
ção condicionam a sociedade, sendo a raiz de toda a estrutura social.É importante cluídos da propriedade que só possuem suaforça de trabalho, a ser vendida em troca
notar que a intenção de Marx não foi a de elaborar uma teoriageralsobrea socieda- da subsistência. É a lógica simples do mercado: o comprador depende da mercado-
-
de, mas a de estudar a sociedade do seu tempo definida pelo modo de produção ca-
ria, que, por sua vez, depende do comprador.
pitalista. Nessa sociedade, ele considerou que há um conflito permanente (luta) en-
tre as duas classes sociais fundamentais - a burguesia e o proletariado -, conflito Segundo Ianni (1996:17), Marx delineou paulatinamente sua compreensão
que não encontraria resolução possível dentro da continuidade desse sistema. do capitalismo como uma sociedade na qual

"a burguesia e o proletariado são classes sociais revolucionárias e antagôni-


cas. Revolucionárias e antagônicas porque enquanto uma instaura o capita-
4.4 O CONCEITODE CLASSE SOCIAL EM MARX lismo, a outra começa a lutar pela destruição do regime no próprio instante
em que aparece. Porque aparece alienado no produto do seu trabalho, ao pro-
duzir mais-valia, o proletariado lutará para suplantar essa situação. Porque
Uma das preocupações centrais de Marx, à medida que desenvolvia sua teo- aparece, desde o princípio, como a classe que se apropria da mais-valia, a bur-
ria, foi a de definir o conceitoe o caráter das classessociais no regime capitalista. Do guesiq começa a deixar de ser revolucionária na ocaSião em que se constitui.
ponto de vista do conceito, partiu do princípio do posicionamento dos indivíduos Nesse instante, passa a preocupar-se principalmente com a preservação e o
que, agrupados, ocupassem uma condição equivalente nas relaçõesdeprodução vi- aperfeiçoamento do statUs quo. Por dentro da revolução burguesa começa a
gentes na sociedade. Esse posicionamento, ou situação de classe,determinaria a formar-se a revoluçãoproletária".
I
existência e a consciência do indivíduo e sua relaçãocom o conjunto da sociedade.

I
64 SOCIOLOGIACLÁSSICA

EXERCíCIOS REFLEXIVOS o:
c::::J

c::J
c::::J

5 u
c:::J
c::::J
o

C:::\
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o Pensamento Weberiano (:-~
t:=:J
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L"J ~..
C=J

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,.-

5.1 A VISÃO WEBERIANA E A RELAÇÃO INDIVÍDUO-


SOCIEDADE

Max Weber, filósofo,historiador e sociólogo alemão (Erfurt, 1864 - Munique,


1920), era filho de uma família que lhe transmitiu o conteúdo dos ideais liberais, so-
mados ao rigor da formação protestante. Seu pai era advogado e político, e era tido
como um homem pragmático. Sua mãe era mulher culta, ligada aos valores liberais
e religiosos. O ambiente familiar que viveu, pautado pelo cotidiano intelectual, fez
de Weber um homem de pensamento precocemente e teve importância capital em
sua formação. Seus estudos universitários foram na área jurídica, com incursões
pela Economia, Filosofia e pela História. Concluiu seu doutorado em 1889, e sua
tese foi sobre a história das companhias comerciais do período medieval.
Esteve, desde muito cedo, ligado às questões perrinentes à ação prática na polí-
tica, sempre preocupado com o destino de seu país. Nessa área, desempenhou pa-
péis importantes: foi conselheiro da delegação alemã na série de conferências que
conduziram ao Tratado de Versalhes, em 1919, e fez parte de uma comissão de es-
pecialistas que escreveu a Constituição da Repúblicade Weimar, no mesmo ano. We-
ber foi nacionalista por convicção, mas nunca compactuou com as idéias racistas e
imperialistas que nortearam a Alemanha anos mais tarde. Nesse sentido, suas posi-
ções políticas sempre foram pautadas pelos princípios liberais e parlamentaristas.
Sua postura teórica, vinda de sua formação e das heranças filosóficas kantia-
na e hegeliana,distanciou-otanto do positivismoquanto do marxismo.Enquanto
66 SOCIOLOGIACLÁSSICA
o PENSAMENTOWEBERIANO 67

Durkheim e Marx deram ênfase, respectivamente, à analise sociológica dosfatos A saída encontrada por seu intelecto foi realizar a pesquisa por meio de um
sociais e às relaçõesentre as classes,Weber tomou como ponto de partida a análise exame comparativo que permitisse o resgate das peculiaridades de cada período
centrada nos atores (agentes) sociais e suas ações, privilegiando o papel da iniciati- histórico. O estudo comparativo teria por finalidade a caracterização e a compreen-
va do indivíduo na vida social.
são do mundo ocidental moderno em face dos períodos anteriores, uma vez que as
Para ele, a sociedade e seus sistemas não pairam acima e não são superioresao peculiaridades de cada período revelariam as causas de suas diferenças em relação a
indivíduo. As regrase normas sociais não são analisadas como exteriores à vontade este mundo, pautado pela racionalização. Essa seria a função principal da análise
dos indivíduos. Muito ao contrário, elas seriam o resultado de um conjunto com- comparativa, ferramenta fundamental da pesquisa histórica.
plexo de açõesindividuais, nas quais os agentes escolheriam, a todo momento, dife- Outra contribuição importante de Weber para o enriquecimento do instru-
rentes formas de conduta. As grandes idéias coletivas que norteiam a sociedade, mental teórico das ciências sociais foi a elaboração conceitual do que ele chamou
como o Estado, o mercado e as religiões, só existiriam porque muitos indivíduos e "três tipos puros de dominação legítima". Esses conceitos encontram seu sentido
orientariam reciprocamentesuas açõesem determinado sentido comum. De funda- o conjunto da análise social que ele estruturou ao longo de sua vida, voltada para
~ mento individualista, o pensamento weberiano privilegia aparte sobre o todo, uma a compreensão dos problemas que envolvem a dominação e o poder. Os três tipos de
*' I\ vez que sua perspectiva pressupõe que ~ coletivo se origina no individual. O prima- dominação são os seguintes: o legal. o tradicional e o carismático (In: Cohn, 1997:
do da ação do indivíduo sobre a sociedade é que determmana a relação indiví- 128-141). No tipo legal, a dOminação ocorre
I duo-sociedade, item fundamental para os estudos sociológicos.
"em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua
Sua principal contribuição metodológica para as ciências sociais foi a elabo- idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um es-
ração do conceito de tipo ideal. Estudou a História de um ponto de vista comparati- tatuto sancionado corretamente quanto àforma. (...) Correspondem natu-
vo e foi um dos principais autores a analisar as problemáticas do funcionamento do ralmente ao tipo da dominação 'legal' não apenas a estrutura moderna do
capitalismo e da burocracia, além de ter levantado temas fundamentais na área da t' Estado e do município, mas também a relação de domínio numa empresa ca-
Sociologia da religião.
pitalista privada, numa associação com fins utilitários ou numa união de
Seu conceito de tipo ideal define-se pela ênfase (Cohn, 1997:8) "em determi- qualquer outra natureza que disponha de um quadro administrativo nume-
nados traços da realidade até concebê-losna sua concepçãomais pura e conseqüente, roso e hierarquicamente articulado".
que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis". Daí esses ti-
pos serem construídos, por necessidade, "no pensamento do pesquisador", existindo A dominação tradicional é estabelecida
"no plano das idéias sobre osfenômenos e não nos próprios fenômenos" em si. Weber,
"em virtude da crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais
ao conceber essa ferramenta metodológica de pesquisa, partiu do pressuposto
f- de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal.
Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada pela
(...)
"de que a realidade social só pode ser conhecida quando aqueles traços que in- tradição: por fidelidade".
/)i) teressam ao pesquisador são metodicamente exagerados,para em seguida se
FJI poderem formular com clareza as questões relevantes sobre as relaçõesentre
os fenômenos observados".
E a dominação carismática fundamenta-se

"na devoçãoafetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma)


A concepção weberiana de História foi elaborada a partir de uma impossibili- e, particularmente: faculdades mágicas, revelaçõesde heroísmo, poder inte-
dade teórica: para Weber, um oeríodo histórico não en~endra nem confirolrao s~. -1'" lectual ou de oratória. (...) Seus tipos mais puros são a dominação do profeta,
&!:,i~te.Como diz Cohn (1997:14-15), "sejaem termos de 'progresso'ou de qualquer do herói guerreiro e do grande demagogo".
noçao similar, quepressuponha a presença das mesmas causas operando ao longo do
tempo em diferentes configurações históricas". Em seu ponto de vista, , Os problemas e os desdobramentos referentes à ética na ciência e na política
também mereceram a atenção de Weber. Sua vocaçãopessoal nas duas áreas, a pai-
xão pela ação política e o rigor erudito para com a ciência fizeram-no refletir em pro-
"não há (1997:24) uma seqüência causal única e abrangente na História e
~
~ toda causa apontada para um determinadofenômeno será uma entre múlti-
plas outras possíveis e igualmente acessíveis ao conhecimento científico".
f\lndidade sobre o comportamento exigido do cientista e do político, definindo duas
éticas:a da convicçãoe a da responsabilidade..,Em seu texto '~profissãô e a vocaçãode
omem político", de 1919, o autor expressa sua compreensão do dilema ético:
O PENSAMENTOWEBERIANO 69
68 SOCIOLOGIACLÁSSICA

"Toda atividade orientada de acordo com a ética pode ser subordinada cepçõesafetivas do desejável, ou valores. Estes, embora sejam definidos por julga-
a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode mentos subjetivos (de valor) e tenham bases extracientíficas distantes da possibili-
orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Isso dade de comprovação empírica, constituem-se em elementos determinantes da
não quer dizer que a ética da convicção seja idêntica à ausência da responsa- racionalidademoderna.
bilidade e a ética da responsabilidade à ausência de convicção. Evidente-
mente, não se trata disso. Mas existe uma oposição abissal entre a atitude de
quem age conforme as máximas da ética da convicção - numa linguagem re-
5.3 MAX WEBER E A SOCffiDADE: uA ÉTICA PROTESTANTE
ligiosa, diríamos: 'O cristão faz seu dever e, no que diz respeito ao resultado
da ação, remete a Deus' - e a atitude de quem age conforme a ética da res-
E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO"
ponsabilidade, que diz: 'Devemos responder pelas conseqüências previsíveis
61 de nossos atos. ", o livro A éticaprotestante e o espírito do capitalismo, de 1905, ao lado de sua
principal obra, Economia e sociedade,de 1922, compõe o núcleo central do traba-
Munido desses parâmetros, que constituíram os fundamentos principais de lho de Weber. Foi uma das obras paradigmáticas dos estudos da Sociologia da reli-
sua visão de sociedade, Weber voltou o foco de seu interesse para a compreensão gião, por ter tentado compreendero universo de relações existentes entre as mani-
do fenômeno da racionalidade no mundo moderno.
festações religiosas organizadas e a vida social. Esse livro produziu controvérsias
teóricas que chegam aos dias de hoje, uma vez que tem também por objeto desven-
, dar o que o autor denominou de "espíritodo capitalismo". Nele, revela-se a preocu-
5.2 MODERNIDADE E RACIONALIDADE NO PENSAMENTO pação primeira das análises weberianas:compreender a tendência à racionalização
WEBERIANO progressiva da sociedade moderna. Para conseguir seu intento, ele procurou esta-
belecer o papel exercido pela éticaprotestante na determinação do comportamen-
to característico dos indivíduos na sociedade capitalista.
o tema que permeou a maior parte do conjunto da construção teórica webe- Seu ponto de partida metodológico (Costa, 1987:66-67) consistiu na análise de
riana foi ligado à necessidade de compreensãodo advento do capitalismo, e o conse-
qüente processo de racionalizaçãoda vida humana que ele, em sua forma de ver, informaçõesque revelaram existir, entte os setores empresarial e de mão-de-obra es-
provocou. pecializada, muitos simpatizantes da Reforma Protestante promovida por Lutero a
partir da Alemanha. Sua conclusão, após interpretação dessas informações,foi de que
Weber entendeu que o fenômeno da racionalidade era de fundamental im- osvaloresprotestantes,entte eles individualismo,disciplina. austeridade, senso do de-
portância para a compreensãodo mundo moderno, definindo-o como fundamento ver, inclinação e apego ao ttabalho, passaram a agir fortemente sobre o comporta-
principal do modo de vida da sociedade ocidental contemporânea. Essa racionali- mento os indivíduos.;Emconseqüencia, procurou emonsttar que estava em curso o
zação, entendida como processo intrínseco ao desenvolvimento do capitalismo, surgimentode uma peculiaridadehistóricado mundo moderno:a formaçãode um
estabeleceria um sistema de dependênciaentre os indivíduos que os levaria à meca- novo tipo de mentalidade racional,vinculada à lógica organizacional do capitalismo e_
nização das relações em todos os setores da atividade humana. éonttária ao caráter conteml?la.!i~ característico do comportamento católicõ.-
Segundo Berlinck (In: Weber, 1978:10), No entendimento weberiano, o relacionamento entre as esferas da religião e
da sociedade não se estabelece pela via institucional. Asrelações entre esses âmbi-
"a impressão que se tem é a de que seus estudos sobre religiões, a análise do
tos se daria por meio dos valores, que seriam internalizados pelos indivíduos e con-
surgimento do capitalismo, os estudos sobre poder e burocracia, os escritos vertidos em motivação para sua açãosocial.Esses motivos, que mobilizariam inter-
metodológicos e sua sociologia do Direito são tentativas de resposta a pergun- namente os indivíduos, seriam conscientes, e a tarefa do cientista social seria des-
tas tais como: quais as condições necessárias para o aparecimento da raciona- cobrir e compreenderas conexões existentes entre a motivação dos indivíduos e os
lidade?; qual a natureza da racionalidade?; quais as conseqüências sócio-
econômicas da racionalidade?" efeitos de sua ação no meio social.
Seguindo estes passos metodológicos, Weber comparou os conjuntos de valo-
Ainda com esse autor, Weber teria compreendido que a racionalidade é refe- res do catolicismo e do protestantismo, procurando demonstrar que esses últimos
rente a uma espécie de equação dindmica entre meios efins. Nesse item, ele enten- revelariam uma tendência ao racionalismo econômico que viria a predominar no
dia que toda ação humana é realizada visando a certas metas, que constituem con- sistema capitalista. No intuito de definir o tipo ideal que pudesse caracterizar esse
o PENSAMENTOWEBERIANO 71
70 SOCIOLOGIAcLÁSSICA

sistema econômico e social, Weber estudou comparativamente as peculiaridades de que a visão do observador - o cientista - é sempre parcial. O pensamento weberia-
diversos sistemas econômicos, em épocas e culturas diferentes, antes e após o ad- no recusa as concepções que ~~sas únicas para os fenômenos sociais e
vento do mercantilismo. Sua conclusão foi de que o capitalismo, em sua forma ca- ressalta o que esse autor denominou de adequaçãode sentido, ou seja, a necessida-
racterística,constituiu a única organização econômica da História das civilizações de da congruênciada açãoem duas ou mais e"Sfêras
da vi ocial. -
fundada na racionalidade,que se diferenciava das demais devido ao fato de ser es- Weber definiu como objeto de estudo da Sociologia a ação social. Para ele, ela
truturada logicamente sobre o trabalho livre e orientada de forma coerente para a compreende qual uer a ão ue o indivíduo faz orientando-se ela a ão dos outros
operação de um mercado real. . sendo dotada e associada a um sentido. Essa açao, a seu ver, teria sempre um caráter
Dois.outros comentadores contribuíram para o esclarecimento dos objetivos subjetivo. Dessa forma, seu objetivo é compreender a conduta social humana, forne-
dessa obra: Charles-HenryCuine GabrielCobo.Segundo Cuine Gresle(1994:88-89), cendo explicações das causas e conseqüências de sua origem. Em sua concepção,
Weber não pensou que o protestantismo tivesse estado, seriam as atitudes que explicariam a conduta social dos indivíduos.
Segundo Weber >.a ação sociq.lé representada por tipos ideais e é caracterizada
"historicamente, na origem do capitalismo, e ainda menos que tenha sido a
de quatro modos distintos, a partir de motivos orientados ora pela tradição, ora por
sua causa. Ao propor um modelo (ou 'tipo ideal') que tem o mérito de simplifi- interesses racionais, ora pelos afetos ou emoções. No campo real, o conjunto com-
car - aumentando-as - as relações entre os fenômenos em questão, ele aventa
plexo das ações dos indivíduos na sociedade seria configurado por uma mescla
sutilmente a hipótese de que o protestantismo pôde fornecer ao capitalismo diversificada dessas quatro características.
diversos elementos essenciais que distinguem nitidamente o capitalismo euro-
peu em suas origens e justificam sua superioridade intrínseca sobre os mun- f\ ação tradicional seria determinada pelos costumes e pelas ações cotidianas
dos concorrentes, particularmente os asiáticos". vinculadas aos hábitos arraigados nos indivíduos. As ações movidas pelos interes-
ses racionais abririam-se em dois campos: no racional, visando aos fins, o indivíduo
Cohn (1997:22-23), por seu turno, entende que Weber objetivava agiria conforme sua expectativa em relaçãõãConduta de outros memDros da socie-
dade, agindo racionalmente por calcular sua ação de acordo com os fins, meios e
"demonstrar a existência de uma íntima afinidade entre a idéia protestante conseqüências. A ação política exemplificaria esse tipo de atuação. No campo da
de 'vocação' e a contenção do impulso irracional para o lucro através da ativi- ação racional visando aos valores, ela seria orientada por princípios ou valores éticos,
dade metódica e racional, em busca do êxito econômico representado pela estéticos, religiosos e morais, sem cálculos prévios ou vínculos diretos com os resulta-
empresa. Por essa via, apresentava-se a idéia de que um determinado tipo de dos, residindo seu sentido na própria ação em si. As condutas ligadas às manifestações
orientação da conduta na esfera religiosa - a ética protestante - poderia ser religiosas serviriam de modelo para esse tipo de ação. Finalmente, ação afetiva ou
encarado como uma causa do desenvolvimento da conduta racional em mol- emocional seria ligada às motivações determinadas por esses estados vivenciais mter-
des capitalistas na esfera econômica. (...) O próprio Weber, respondendo a nos, baseando-se também na própria ação e não nos possíveis resultados.
um dos seus primeiros críticos, procurou explicitar a problemática que o preo- Vinculado ao conceito de ação social está o de relação social, que não pode ser
cupava ao escrevê-Ia. Afirmava ele nessa ocasião que estava (...) preocupado confundido com o primeiro. Necessário para que a análise atinja o plano sociológico,
com o estudo de 'aspectos da moderna conduta da vida e seu significado práti- esse conceito desdobra o significado da ação individual para o âmbito coletivo, buscan-
co para a Economia', especialmente no que dizia respeito ao desenvolvimento do compreender o sentido da ação de grupos de indivíduos em uma direção comum.
de uma 'regulação prático-racionalista da conduta da vida"'.
De acordo com Gabriel Cohn (1997:30), esse conceito é concernente

"à conduta de múltiplos agentes que se orientam reciprocamente em confor-


5.4 MAX ~BER E A AÇÃO SOCIAL midade com um conteúdo específico do próprio sentido das suas ações. A dife-
rença entre 'ação social' e 'relação social' é importante: na primeira a conduta
A formulação sociológica weberiana é, em geral, denominada de compreensi- do agente está orientada significativamente pela conduta de outro (ou ou-
va em virtude do esforço interpretativo que ela realiza, voltado para a compreensão tros), ao passo que na segunda a conduta de cada qual entre múltiplos agen-
tes envolvidos (que tanto podem ser apenas dois e em presença direta quanto
do passado histórico e de sua repercussão nas características peculiaresde cada so-
ciedade. Do ponto de vista de Weber, o ato de definição do objeto da Sociologia um grande número e sem contato direto entre si no momento da ação) orien-
ta-se por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado".
implica a reconstrução do sentido subjetivo original da ação e o reconhecimento de
72 SOCIOLOGIAClÁSSICA o PENSAMENTOWEBERIANO 73

Weber entende ser fundamental que o pesquisador exerça um papel atil'" Na sociologia weberiana, a análise é centrada nos atores sociais e suas ações.
diante dos processos pertinentes a seu trabalho sociológicoe à sociedade, manten Nesse sentido, para Weber, a iniciativa do indivíduo é importante no processo de
do necessariamente uma postura de distanciamento de seu objeto de estudo, dI' constituição da vidasocial.Assim,expliqueo conceitode açãosocialdefinidopor
modo a resguardar a cientificidade da abordagem e da compreensãodas açõese rI' esse sociólogo.
laçõessociais. Essedistanciamento deve ser entendido, todavia, em uma perspecti :(ç
va diversa da que foi definida pela SociologiaPositivista. Esclarecendo essas ques ~. Apartir de seu ~onhecimento da posição teórica tomada pela sociologia positivista
tões, Cohn (1997:28) diz ser necessário frente ao objeto de conhecimento, defina e explique a visãoweberianaem relação à
postura que o pesquisador social deve ter diante de seu objeto de estudo.
"frisar que a compreensão nada tem a ver com qualquer forma de 'intuiçãu.
nem se reduz à captação imediata de vivências, mas somente é possível atra-
vés da reconstrução do encadeamento significativo do processo de ação. Fina/-
mente, fica também enfatizado que a referência à compreensão do sentidu
'subjetivamente visado' nada tem a ver com processos psicológicos que ocor-
ram no agente, visto que o quesecompreendenão é o agentemas o sentido da
sua ação. Por isso mesmo Weber formula a exigência de que o recurso à com-
preensão se dê mediante um 'distanciamento' do pesquisador em relação ao
seu objeto e nunca através de algum procedimento de identificação empática
com o agente em questão".

EXERCÍCIOS REFLEXIVOS

1. Produza um breve texto no qual você explique as linhas mestras do pensamento so-
ciológico weberiano.

2. Na concepção weberiana, a sociedade não é exterior nem superior ao individuo.


Explique a razão dessa afirmação.

3. Embora não questionem a lógica interna da sociedade burguesa em seus princípios


fundamentais, as teorias sociológicas positivista e weberiana abordam de modo di-
verso, uma em relação à outra, o problema da relação indivíduo-sociedade.Escreva
um texto no qual você, após definir tanto a visão positivista quanto a weberiana, de-
monstre como cada uma dessas concepções encara a relação indivíduo-sociedade.

4. Quais são os motivos que levaram Weber a entender que o estudo do fenômeno da
racionalidade era de fundamental importância para a compreensão do 'mundo
moderno'?

s. O que Weber procurou demonstrar em seu IivroA éticaprotestante e o espíritodo ca-


pitalismo? Como conseqüência, a que conclusão ele chegou?

6. Quais são os motivos teóricos que fazem com que a sociologia weberiana seja co-
nhecida como sociologiacompreensiva?

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