Você está na página 1de 1

Farofada de rico, msica de (quase) todos

por Felipe Trotta Pense na seguinte cena dominical: numa bela praia no litoral pernambucano, dezenas de barcos (de pequeno porte, mas confortveis) estacionam diretamente na areia para onde desembarcam seus donos, amigos e familiares. Os ingredientes lembram em muito uma antiga can !o do roc" nacional: #a farofa, a galin$a e a vitrolin$a%. & sensa !o para quem c$egou antes e por meio terrestre ' mesmo de uma esp'cie de #invas!o%. & farofa ' uma meton(mia interessante. )epresenta o alimento mais barato, amorfo, processado de forma simples, dif(cil de mane*ar e que assume papel secundrio na composi !o da refei !o. &compan$a os mais variados pratos, e transita com certa desenvoltura desinibida por toda uma ampla gama de desqualifica +es. ,esse caso espec(fico, a singela vitrolin$a ' substitu(da por um poderoso equipamento de som que, instalado na cabine das embarca +es, imp+e a todos os frequentadores da praia o repert-rio escol$ido pelos donos dos barcos. &p-s sua c$egada, .alcin$a Preta e &vi+es do Forr- acomodaram/se confortavelmente na paisagem sonora da praia, assim como o fariam em qualquer outra de nosso estado (e al'm dele), c$egando de carro, de 0nibus ou pelos mares. O curioso ' que as bandas de forr- eletr0nico costumam ser duramente atacadas pela cr(tica especializada como sendo uma e1press!o de gente #sem cultura%. 2sica de uma periferia que consome e reproduz a/criticamente artefatos de bai1o valor cultural, moldando seu gosto iletrado. & partir deste racioc(nio, de forte inspira !o bourdieusiana, uma mel$or escolaridade representaria necessariamente uma predile !o por outro repert-rio musical, longe das bandas. 3eria fcil tomar o domingo dos barcos para rebater frontalmente esse pensamento. Por'm, talvez uma manobra mais comple1a ' pensar que alguns refr+es como #pega e n!o se apega% ou #c$upa que ' de uva% podem falar sobre essa periferia, mas reverberam muito al'm dela. & alegria, a festa, o amor e o se1o 4 os temas mais recorrentes do forr- eletr0nico 4 funcionam como ei1os de uma identifica !o musical e afetiva que agrega admiradores em vrias esferas sociais, entrecortada pelo vi's *ovem e por determinados con*untos de valores 'ticos compartil$ados e negociados em larga escala. Ouvi de um amigo que um domingo nessa praia ' uma #farofada de rico%. 5alvez se*a precisamente a #farofa% esse artefato cultural que agrega ricos, pobres e setores m'dios da sociedade, cantando *untos, com ironia, #voc6 n!o vale nada mas eu gosto de voc6%. Ficamos de fora apenas n-s, intelectuais da classe m'dia, que n!o #misturamos nossa laia% e ainda n!o recon$ecemos a for a e o prazer do massivo. 7u mesmo, incomodado, fui embora da praia.

Você também pode gostar