Você está na página 1de 1

O sonho de Jair

Jair, no seu sonho, ia at a porta ter com estranho.

Jair contava j 14 anos e tinha em sua mente apenas um


pensamento: curtir. Curtir era a expresso que usava para definir
quase todas as formas de brincadeiras e vagabundagens
possveis a um ser humano. Quando acordava dizia para si
mesmo:

-- Pois no, eu sou Jair, dizia o rapaz.


-- Seu moleque! Olha a situao em que estou hoje! Voc parou
para pensar pelo menos um pouco em mim? O que eu iria ser? O
que eu iria fazer? No! Com certeza no! Hoje, Jair, por sua causa
estou eu assim: pobre, vivendo de esmolas e viciado em crack,
sem ter nenhuma aceitao social, tratado como um co...

-- eh, eh, hoje dia de curtio... trolar umas gatinhas, tirar onda
na escola e enganar os trouxas.
Os pais j estavam preocupados com a situao do filho:
-- nega, dizia o pai, seu Raimundo, Jair t brincando com a cor
da chita! J um rapazote e ainda com esses pensamentos de s
querer baguna, sem levar nada a srio! Da escola s chega
reclamaes: Jair fez isso! Jair fez aquilo! Jair est suspenso
por ter brigado e coisa do tipo. A pior de todas escutei ontem,
quando fui escola. A professora me disse: Olha, seu Raimundo,
infelizmente Jair est reprovado. Entristeci de repente.
-- Fica assim no, nego, dizia a mulher, dona Flora, deixa que a
vida vai ensinar esse moleque. A gente j deu conselhos, j
bateu, j xingou, j reclamou e nada adianta. Deixa estar, velho,
que ele vai ver com quantos paus se faz uma canoa!
Jair, que ia passando, ouvindo o seu nome, logo colou o ouvido na
porta velha do quarto dos pais e escutou a conversa toda. Ficou
meditativo... No podia dar tamanho desgosto ao seu pai (que
trabalhava o dia todo como ajudante de pedreiro) e a sua me
(domstica com as mos carcomidas de tanto lavar roupas
alheias). Foi dormir pensando naquilo.
Ento, de madrugada, sonhou. Sonho terrvel, assustador.
Aparecia um homem barbado, maltrapilho e fedorento e batia na
porta da casa do rapaz:
-- Quero falar com Jair, dizia, em tom ameaador. Tom de voz de
quem est muito zangado.

Jair no conseguia entender qual era a sua culpa na histria.


Algum estranho, maltrapilho e fedorento chega porta de sua
casa e o insulta, dizendo que a culpa de estar naquele estado era
dele... Absurdo.
-- Absurdo! Gritou Jair, quem o senhor pra chegar aqui na minha
porta e me esculhambar por uma coisa que eu no fiz?! Seu
velhote vagabundo! Vai! Vaza daqui! Vaza, antes que eu chame
papai pra te dar uma surra!
O homem maltrapilho respondeu:
-- Teu pai j me bateu, mas, por tua culpa, por causa das
decises que tu toma agora eu sou hoje assim.
A situao no tinha sentido (assim so mais ou menos os
sonhos...). Jair quis gritar outra vez, mas teve uma revelao to
chocante e absurda que ficou mudo. O homem maltrapilho cortou
pela raiz a atitude arrogante do rapaz quando lhe disse:
-- Eu, Jair, eu esse homem maltrapilho que tu v eu sou tu,
quando crescer e tiver 30 anos...
S ento Jair despertou com os olhos esbugalhados e cheios de
remela...

A resposta mansa desvia a ira, mas a palavra agressiva levanta a raiva


(Pv. 15,1)
O filho sbio alegrar a seu pai, mas o homem insensato despreza a sua
me (Pv. 15, 20)

Você também pode gostar