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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta
da nossa esperanca e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
—;- Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
-— controvertidas, elucidando-as do ponto de
— - vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
..:.---- —■■ —— este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de juiho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR


Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.
A d Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Anoxliü Novembro2002 485
O verdadeiro natalicio

"Jesús, esse grande desconhecido" por Juan Arias

Resposta a um ateu

"O Santo Sudario, urna farsa medieval?" por J.


Blessmann

"Abraáo nunca existiu" (Romanini)

Teología da Prosperidade

A Santa Sé em déficit

Ainda Dom Herminio

Meditacáo Crista

Fala o Dr. Jéróme Lejeune

Que faráo com os embrióes? Seráo jogados no


lixo?

Os transplantes. Modalidades.

Cada criatura humana é irrepetível (H. Begliomini)


PERGUNTE E RESPONDEREMOS NOVEMBRO2002
Publicacáo Mensal N°485

Diretor Responsável
SUMARIO
Estévao Bettencourt OSB O verdadeiro natalicio 433

Autor e Redator de toda a materia Tendencioso:


"Jesús, esse grande desconhecido", por
publicada neste periódico
Juan Arias 434
Diálogo filosófico-religioso:
Diretor-Administrador:
Resposta a um ateu 439
D. Hildebrando P. Martins OSB
Os mais recentes dados da ciencia:
"O Santo Sudario, urna farsa medieval?",
Administra9áo e Distribuicáo: por J. Blessmann 442
Edigóes "Lumen Christi"
Ainda SUPERINTERESSANTE:
Rúa Oom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 "Abraáo nunca existiu" 445
Tel.: (0XX21) 2291-7122 Evangelho do enriquecimento ou
Fax (0XX21) 2263-5679 Teología da Prosperidade 449
No ano 2001
Enderezo para Correspondencia: A Santa Sé em déficit 453
Ed. "Lumen Christi" De venerável memoria:
Caixa Postal 2666 Ainda Dom Herminio 455
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ Espiritualidade:
Meditacáo Crista 458
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO Um grande dentista:
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Fala o Dr. Jéróme Lejeune 462
na INTERNET: http://www.osb.org.br Pergunta-se:
Quer faráo com os embrides? Seráo
e-mail: lumen@alfalink.com.br
jogados no lixo? 469
Para salvar vidas:
IMPRESSAO
Os transplantes. Modalidades 472
Os cálculos demonstrara
Cada criatura humana é irrepetível 476

CfUnCA MAHQUES SARA1YA COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Testemunhas da Esperanca" por Francois Van Thuan. - "Vos sois o Sal da Térra" (Mt 5,
13). - Redescubrir a Heranca Crista. - Microchip e Anticristo. - O demonio: sim ou nao?
- "Por que María chora?" por J.T.C. - "Bakhita, mulher negra, escrava e santa" por R. I.
Zanini. -Ordenacáo de mulheres. -Ainda as células-tronco.

PARA RENOVACÁO OU NOVA ASSINATURA (ANO 2002,


DEFEVEREIROADEZEMBRO): R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, agencia 0435-9 na C/C 31.304-1


do Mosteiro de S. Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agencia 2579-8 na C/C 4453-9
das Edicóes Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovante do
depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderezado as EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ
Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"
Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro RJ
O VERDADEIRO NATALICIO
Conforme os antigos, o día da "morte" é o do natalicio do cristáo.
Como entender ¡sto?
Na verdade, pode-se dizer que o cristáo nasce em duas etapas. A primeira
ocorre após nove meses de gestagáo no seio materno; o bebé que entáo vem á luz,
chora, porque perde o aconchego e a protecáo de que desfrutava no seio materno.
Aos poucos, porém, vai-se adaptando ao novo ambiente, adquire sua autonomía e
encontra seu lugar ao sol; ai prepara novo tipo de aconchego, ao qual espontanea-
mente se apega e do qual nao quer ser desinstalado; vive entáo urna nova fase de
sua gestacáo, já nao aos cuidados de sua máe, mas sob os seus próprios cuidados;
sim, o que nasceu do seio materno, foi um ser ainda embrionario, cheio de
potencialidades nao desabrochadas; estas sao desdobradas e atual izadas pelo in
dividuo no decorrer desta vida terrestre; é ele quem vai definir sua estatura física e
espiritual ou sua configuracáo definitiva. Quando o Pai o julga oportuno, chama-o
para a mansáo definitiva num momento dito "morte", que na verdade é a segunda
etapa do nascimento dessa pessoa; é entáo que acaba de nascer, pois se acha com
a sua personalidade acabada. Desta maneira vé-se mais urna vez que a morte, para
o cristáo, nao é propriamente morte, mas passagem para a plenitude da vida.
Bem se entende isto, pois a morte é a consumacáo de um processo cotidiano
de morte ao pecado e ao velho homem, para que se vá formando no cristáo a
estatura de filho de Deus. Em seu sentido mais profundo, é a resposta positiva
generosa que o cristáo dá ao convite do Pai para que vá gozar do consorcio dos
filhos de Deus na casa do Pai. É por isto que S. Inácio de Antioquia (t 110 aproximada
mente), condenado a ser langado as feras no Coliseu de Roma, escrevia aos fiéis amigos
que tencionavam interceder junto as autoridades romanas para Ihe evitar o martirio:
"É bom para mim morrer a fim de me unir ao Cristo Jesús... Aproximase o
momento em que serei dado a luz... Nao ponhais empecilho a que eu viva, nao
queirais que eu morra" (Aos Romanos 6,1s).
O cristáo, sim, só é homem perfeito na medida em que é filho do dia, da luz,
da vida definitiva. É desta que ele vive, trazendo-a arraigada em seu íntimo. Em
conseqüéncia, a morte pode tornar-se meta ardentemente desejada, como revela o
mesmo S. Inácio:
"Escrevo a vos, possuido do amor da morte...; há, em mim, urna agua viva
que fala e dentro de mim diz: 'Vem para o Pai'" (Aos Romanos 7,2).1
Para dizer o que Sto. Inácio de Antioquia dizia, nao é necessário que o cristáo
seja condenado as feras no Coliseu; basta-lhe o martirio de cada dia vivido na fide-
lidade a Cristo; o Espirito Santo Ihe dirá sempre: "Vem para o Pai".
Sereno, pois, e alegre caminha o cristáo na térra de encontró ao seu nasci
mento para a vida eterna. Na realidade, só há um tipo de angustia que o afeta: o
pecado, pois este significa justamente separacáo de Deus ou da verdadeira vida.
Diante do pecado, sim, o cristáo ressente todo o horror que a perspectiva da morte
física suscita no nao cristáo. Caso, porém, esteja isento de pecado, o discípulo de
Cristo nao se deixa abalar pelas vicissitudes desta peregrinacáo nem pela própria
morte; sabe que nada disto Ihe pode tirar o verdadeiro tesouro que ele traz em seu
íntimo, vida que Deus Ihe deu e que só Deus, ou a sua infidelidade voluntaria, po-
dem extinguir.
Sao estas algumas reflexóes que o mes de novembro sugere, mes que o
cristáo inicia com o olhar voltado para o Além.
E.B.

1 A agua viva de que fala Inácio, é símbolo do Espirito Santo, conforme Jo 7, 37-39.

433
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLIII - Ne 485 - Novembro de 2002

Tendencioso:

'JESÚS, ESSE GRANDE DESCONHECIDO"


por Juan Arias

Em síntese: Juan Arias é um jornalista que pretende apresentar


um Jesús diferente, mero profeta judeu analisado como homem simples-
mente, revolucionario nao violento. O livro nao cita o Evangeiho (capítulo
e versículos) urna só vez, nem indica as fontes precisas das quais extrai
seus dizeres mais significativos. Além do mais, comete erros de historia,
que evidenciam nao ser o autor um profissional abalizado, mas sim um
cronista leviano, que escreve de maneira acessível ao grande público
despreparado para ler tal obra.
* * •

Tem-se propagado no Brasil, causando estranheza, o livro de Juan


Arias intitulado "Jesús, esse Grande Desconhecido"1. É obra de um jor
nalista espanhol que estudou Filosofía e Teología, mas parece ter perdi
do a fé. Recolhe unilateralmente na literatura racionalista quanto se tem
dito de deletério a respeito de Jesús Cristo e apresenta-o como sendo a
nova face do "profeta judeu". Visto que nao é profissional dos estudos
bíblicos e teológicos, comete erros, que o leitor "leigo no assunto" nao
identifica, tomando-os como as últimas conclusóes das pesquisas cientí
ficas. Ñas páginas subseqüentes apontaremos alguns dos erros cometi
dos por Juan Arias. Alias, é de notar que o autor nao cita urna vez o
Evangeiho (capítulo e versículo) nem indica com precisáo as fontes don
de tira as suas afirmacoes mais significativas. Examinemos alguns tópi
cos do livro.

1. A definicáo do catálogo bíblico

Ás pp. 54s o autor quer explicar por que foram reconhecidos, den-
tre urna centena, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e Joáo como

1 Ed. Objetiva, Rio de Janeiro 2001, 140x210 mm, 231 pp.

434
"JESÚS, ESSE GRANDE DESCONHECIDO"

inspirados e canónicos. E responde erradamente que a escolha se deu


em 325 em conseqüéncia de um milagre, como se lé a seguir:

«A decisáo oficial foi tomada no Concilio de Nicéia do ano 325,


gragas a um milagre, como se conta na obra intitulada Libelus syndicus.
O milagre foi que, dentre todos os evangelhos que existiam, os quatro
que conhecemos hoje como inspirados foram voando sozinhos até o al
tar.

Outra versáo diz que colocaram todos os evangelhos existentes


sobre o altar e os apócrifos foram caindo no chao, só permanecendo os
quatro escolhidos como auténticos. Urna terceira versáo conta que o Es
pirito Santo entrou no Concilio de Nicéia sob a forma de pomba através
de urna janela, sem quebrar o vidro. Lá estavam reunidos todos os bis-
pos. A pomba pousou no ombro de cada bispo, dizendo-lhe ao ouvido em
voz baixa quais eram os quatro evangelhos inspirados. E eram os de
Marcos, Mateus, Lucas e Joao» (p. 35).

Antes do mais, note-se que a primeira definicáo do canon se deu


em 393 no Concilio de Hipona, e nao em 325 (Nicéia).

Os episodios milagrosos referidos por Arias sao lendários. A defi-


nicáo do catálogo bíblico nao se deu a toque de caixa, mas foi o resulta
do do amadurecimento da consciéncia do povo cristáo; houve hesita-
cóes a respeito de certos livros do Antigo e do Novo Testamento entre os
Bispos e teólogos até que finalmente, com a assisténcia do Espirito San
to, chegaram a conclusáo definitiva de que o canon devia ser o que em
Hipona, Cartago (397 e 419), Trulos (692)... foi definido, com validade
até nossos días.

Tal definigáo, importante como é, foi certamente proferida sob a


assisténcia do Espirito Santo prometido por Jesús a sua Igreja; cf. Jo 14,26.

2. O Evangelho segundo Sao Joáo

2.1. "O menos histórico"

Juan Arias menospreza o quarto Evangelho, considerando-o "o


menos histórico de todos" (p. 47). Ora na verdade dá-se justamente o
contrario; o Evangelho de Joáo é o mais exato em pormenores
historiográficos, de modo que suas elucubracóes teológicas tém base
muito precisa na historia. Com efeito,

a) Joao é o único evangelista que refere as tres Páscoas da vida


pública de Jesús (2,13; 6,4; 13,1) - o que significa tres anos de ministe
rio do Senhor, ao contrario do esquema sinótico, que só conhece urna
Páscoa e um ano de vida pública.

435
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

b) do ponto de vista topográfico, Sao Joáo é o único que menciona


varias viagens de Jesús entre a Galiléia e a Judéia, ao passo que os
sinóticos apresentam Jesús a pregar táo somente na Galiléia antes da
sua Páscoa final em Jerusalém. Cf. Jo 2,1-12 (em Cana da Galiléia); 2,
13 (em Jerusalém); 4, 3 (na Galiléia); 4, 5 (na Samaría); 4, 43.54 (na
Galiléia); 5,1 <em Jerusalém); 6, 1 (na Galíléia); 7, 10 (em Jerusalém)...

c) Sao Joáo é muito preciso ao mencionar a geografía da Palesti


na, onde se deram os acontecimentos por ele narrados; assim 2,1 (Cana
da Galiléia); 3,23 (Enom perto de Salim); 4,5 (Sicar, cidade da Samaría);
6, 61 (sinagoga de Cafarnaum); 11, 54 (cidade de Efraim); 5, 2 (piscina
de Bethzatha); 9, 7 (piscina de Síloé).

d) O autor do quarto Evangelho é bom conhecedor dos costumes


judaicos: 2,6 (ritos de purificacáo dos judeus); 4,9 (judeus e samaritanos
nao se dáo); 18,28 ("nao entraram no pretorio para nao se contaminar")...

e) O quarto evangelista se apresenta muito enfáticamente como


testemunha ocular do que refere: 1, 14 ("vimos..."); 19, 35 ("viu..."); cf.
Uo 1,1-4 ("vimos, contemplamos, apalpamos..."); 21, 24 ("sabemos que
o seu testemunho é verdadeiro").

2.2. "Nao poucas influencias da seita dos gnósticos"

Juan Arias julga que o quarto Evangelho foi influenciado pelo


Gnosticismo (p. 47). Na verdade, é o contrario que se dá. Vejamo-lo.

Que é o Gnosticismo?

O Gnosticismo ou a Gnose é urna corrente filosófico-religiosa


resultante da fusáo de elementos da filosofía helenística com dados
das religioes orientáis (principalmente o dualismo) e tragos do judeo-
cristianismo. Caráeterizava-se pelo repudio da materia ou da carne,
tida como criatura má de um demiurgo mau, e a estima do espirito,
que seria ontologicamente bom. Por isto os gnósticos tendiam a ne
gar a encarnacáo do Verbo; professavam o docetismo ou a doutrina
de urna corporeidade aparente em Jesús Cristo. Ora precisamente
contra esta concepeáo escreve o autor do quarto Evangelho, afirman
do que Jesús (o homem) é o Cristo (o Salvador Divino). Tenham-se
em vista as seguintes passagens:

Jo 1,14: "O Verbo se fez carne e habitou entre nos".

Jo 20,31: "Estes sinais foram escritos para que creíais que Jesús é
o Cristo, o Filho de Deus".

A Uo, que é do autor do quarto Evangelho, alude freqüentemente


á Encarnagáo:

436
"JESÚS, ESSE GRANDE DESCONHECIDO"

1 Jo 2, 22: "Quem é o mentiroso senáo o que nega que Jesús é o


Cristo?"

Uo 4, 2: 'Todo espirito que confessa que Jesús Cristo veto na


carne, é de Deus".

Ver aínda Uo 4,14s; 5,1.5.13.

Destas citacoes pode-se fácilmente depreender que Joáo


evangelista nao sofreu influencias gnósticas, mas a elas se opós radical
mente.

3. Outros tópicos

3.1. Casamento e celibato

Juan Arias estranha que Jesús nao tenha sido casado (p. 168).
Ignora o sentido do celibato ou da vida una e indivisa no Cristianismo,
conforme Sao Paulo em 1 Cor 7, 25-35.

Á p. 168 o autor manifesta sua incompetencia no assunto, quando


escreve:

"Só mais tarde (após a era apostólica) a partir de um sínodo cele


brado em Granada a Igreja, mais por razoes de poder e para nao dividir
suas propriedades do que por motivos pios, comecou a impor o celibato
obrigatório a sacerdotes e religiosos".

A propósito note-se: 1) o primeiro sínodo regional que impós o ce


libato, foi o de Elvira, e nao Granada, em 307 aproximadamente; 2) as
razoes do celibato nao sao de ordem económica, mas sim teológica, como
expoe o Apostólo em 1 Cor 7,25-35; em 56 já era praticada a vida indivisa,
como faz supor o Apostólo; 3) o celibato nao é imposto aos Religiosos
{beneditinos, franciscanos, carmelitas...), mas é livremente escolhido
pelos(as) Religiosos(as).

3.2. Estado Pontificio

Juan Arias parece ignorar a historia da Igreja, embora tenha traba-


Ihado na Biblioteca do Vaticano, ao escrever:

"Foi um ditador, Mussolini, que nos tempos modernos fez do Vati


cano um Estado independente e, na prática, transformou o papa em rei,
em chefe de Estado com poderes absolutos" (p. 193).

Na verdade, o Estado Pontificio foi fundado em 756, por efeito de


circunstancias históricas, e perdurou independente até 1870, quando ce-
deu á unificacáo da península itálica. Em 1929 foi restaurado em termos
muito diminutos. Benito Mussolini nao foi o criador desse Estado, mas o
concordatario da restauracáo.

437
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

3.3. Os milagres de Jesús

Os portentos realizados por Jesús teráo sido atos de magia apren


dida no Egito (p. 173). Jesús terá sido um charlatáo. - O absurdo destas
afirmares se percebe pelo fato de que dois mil anos de Cristianismo
exigem um fundamento mais sólido do que magia e charlatanice. Os fun
damentos do Cristianismo tém de ser firmes para sustentar a historia que
daí se seguiu e para bercar a civilizado ocidental.

3.4. Observacáo geral

Juan Arias propoe um tecido de afirmacóes gratuitas, mal docu


mentadas e preconceituosas, que visam a negar a Divindade de Jesús,
chamado por Arias "o profeta judeu". O autor nega a veracidade dos Evan-
gelhos, mas na base desse texto "pouco fidedigno" tece consideragóes
sobre Jesús exorcista, fariseu, essénio, pacifista, revolucionario, relacio
nado com mulheres, como se o Evangelho relatasse fatos históricos - o
que é incoerente. Juan Arias ignora as mais recentes descobertas de
papiros devidas a José O' Callaghan e Carsten Peter Thiede, que muito
aproximam de Jesús a redacáo dos Evangelhos, reforcando assim a
credibilidade dos mesmos. Ver a propósito PR 396/1996, pp. 290ss; 321/
1989, pp. 50ss.

Em suma, o livro de Juan Arias tem pouco valor científico. É jorna-


lismo sensacionalista mal informado.

Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristas, organizado por


Angelo Di Berardino. Tradugáo de Cristina Andrade. - Ed. Vozes e Paulus
Petrópolis e Sao Paulo 2002, 260 x 190 mm, 1483 pp.

Os estudos de historia tém-se intensificado últimamente, de modo


que muito oportuno é o Dicionário ácima apresentado. Resulta da cola-
boragáo de 167 estudiosos de dezessete nacionalidades diferentes e de
diversas confissoes religiosas, cada qual escrevendo dentro da área de sua
competencia. Cronológicamente, o Dicionário estende-se desde as orígens
cristas até o fim da era patrística: para o Ocidente, até Sao Seda Venerável
(673-735), e, para o Oriente grego, até Sao Joáo Damasceno (675-749).

Os verbetes que compoem o Dicionário referem-se a personagens,


doutrinas, correntes culturáis, seitas cristas, fatos históricos, geografía,
liturgia, monaquismo, espiritualidade, realizagóes artísticas e testemunhos
arqueológicos, sem descuidar os aspectos sociais, políticos, moráis e
ascéticos dos oito primeiros sáculos da historia do Cristianismo. Um indi-
ce analítico colocado no fim da obra contribuí para facilitar o encontró de
temas específicos. Em suma, a obra é de grande valor; velo enriquecer
notavelmente a bibliografía de língua portuguesa. Deve ser agregada á
colegio de obras dos Padres da Igreja publicada pela Paulus Editora.

438
Diálogo filosófico-religioso:

RESPOSTA A UM ATEU

Em síntese: Um ateu argumenta contra a existencia de Deus ale


gando havercontradigóes nos julgamentos atribuidos á Divindade: assim
a Tora judaica condena o homem-bomba, que se suicida e mata popula-
goes inocentes, ao passo que o Coráo de Maomé aprova tal procedimen-
to. - Respondemos que tanto a Tora como o Coráo sao códigos de leis
positivas, que só tém valor se concordam com a lei natural incutida pelo
próprio Deus ao coracáo de todo homem; a lei natural é a mesma em todo
ser humano; ela proibe matar o inocente, roubar, adulterar, caluniar... O
Coráo, na medida em que esteja em desacordó com tal lei, nao pode ser
tido comojuízo de Deus, ao passo que a Tora merece tai qualif¡cativo.
* * *

O Prof. Dr. Mario Everaldo de Souza enviou á Redacáo de PR urna


longa explanado que visa a provar a nao existencia de Deus. Desse
texto extrairemos tres tópicos aos quais daremos resposta.

1. O juízo de Deus

Eis o que escreve o Dr. Mario:

«Vejamos as contradigóes inerentes a um julgamento divino. Ima


ginemos que um árabe radical se serviu de bomba humana e matou 5
judeus nos conflitos no Oriente Medio. Ele morreu e sua alma (suponha-
mos que exista) chega á presenga do Deus cristáo (Jesús) e este o con
dena, obviamente, pois, de acordó com o cristianismo ele cometeu varios
pecados gravfssimos. Mas como pode ele ser condenado se ele seguiu á
risca o Alcoráo, ou seja, os ensinamentos de Maomé, que é também um
enviado de Deus (Alian)? Allah, entáo, intercede em seu favor e o salva.
E o outro Deus hebraico (Yahweh) o condena, porque, afina!, ele matou 5
judeus. A Torah nao permite isso, de forma alguma. Imaginem também
que um homem cristáo, que tinha urna esposa e urna amante, morre. Ele
será, naturalmente, condenado por adulterio pelo Deus cristáo. Agora
imaginemos um árabe que tem duas esposas e morre. Ele nao será cas
tigado por Allah porque segundo o Alcoráo a poligamia é permitida. Como
pode acontecer isso? Um ser salvo e o outro ser absolvido? O julgamen
to divino teña que ser único, mas nao é. Logo, o julgamento divino é
ditado pela cultura».

Que se pode responder a tais arrazoados?

Tanto a Tora quanto o Alcoráo sao códigos legislativos positivos,

439
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

isto é, emitidos por urna autoridade religiosa em tábuas de pedra ou em


pergaminho. Ora anteriormente a qualquer lei positiva assim entendida
existe a lei natural gravada em todo ser humano pelo Criador; esta é
indiscutivelmente a lei de Deus; manda nao matar o inocente, nao rou-
bar, nao adulterar, nao caluniar... As leis positivas que estejam em con-
formidade com esta lei natural, tém pleno valor {tal é o caso da Tora); ao
contrario, qualquer lei positiva que destoe da lei natural (tal é o caso do
Corao no tocante á guerra santa e á poligamia) perde sua vigencia de lei.

Donde se vé que o juízo de Deus é um só (condena o suicidio, o


homicidio e a poligamia), mas pode ser diversamente interpretado pelos
homens, chegando a ser distorcido em alguns casos.

2. O pecado

Observa o Dr. Mario:

«De acordó com o cristianismo, Cristo, que viveu como homem, é


filho de Deus e foi enviado para salvar a humanidade. Salvar de qué?
Supostamente hipara salvar do pecado. Que pecado? Como se sabe o
que é pecado e o que nao é pecado? O pecado depende sempre da
cultura, dos costumes».

Que dizer a propósito?

A resposta basear-se-á mais urna vez na lei natural, impregnada


em todo ser humano, proibindo matar o inocente, roubar, adulterar, calu
niar... Quem viola um destes preceitos, comete pecado, independente-
mente do tipo de cultura em que esteja inserido. Por conseguinte o peca
do nao é fusao de culturas contingentes, mas tem fundamento na própria
e imutável natureza humana. Sem dúvida, porém, pode acontecer que os
homens contradigam á lei natural; assim, por exemplo, há populacoes
que nao tém a antropofagia na conta de pecado, ao passo que outras a
tém como pecado. Nem por isto as duas sentencas sao aceitáveis; a
antropofagia contradiz á lei natural; só pode ser praticada por popula
coes de cultura decadente.

3. A existencia de Deus

O Prof. Mario Everaldo de Souza se trai ou demonstra pouco senso


filosófico quando escreve o seguinte:

"Existe aínda urna razáo da criagáo de Deus ou deuses ligada a


fraqueza humana diante do mundo e do acaso. E assim Deus é também
urna personificagáo do acaso. Quando umjogador faz um gol, por exem
plo, e diz que foi gragas a Deus, ele está no fundo dizendo que foi gragas
ao acaso".

Estes dizeres carecem de lógica. Com efeito, pergunta-se: quem é


esse sujeito que tem o nome de Acaso e que é personificado como Deus?

440
RESPOSTA A UM ATEU

- O acaso é o cruzamento contingente, isto é, nao necessário nem


previsto, de duas causas independentes urna da outra, das quais cada
urna age em vista de urna finalidade determinada. Assim, por exemplo,
dois amigos se encontram, por acaso, numa cidade para onde cada qual,
sem saber do outro, fora a negocios. Vé-se, pois, que o acaso supóe
duas ou mais causas que agem com ordem e finalidade. Os fenómenos
ditos casuais só sao casuais para quem ignora as causas que os produ-
ziram; por isto o acaso nao existe como sujeito real; é o nome dado á
nossa ignorancia.

Diz ainda o Prof. Mario:

"As religióes da Térra precisam de ser substituidas por um conjunto


de valores baseados ñas ciencias e ñas técnicas, isto é, baseados na
verdade e na natureza e o papel central na formulagáo desse conjunto
cabe as ciencias humanas. Devemos tersempre em mente que o homem
nao precisa de religiáo para ser um ser transcendente. Ele o é através da
sociedade, da historia e da arte e tal transcendencia ocorre numérica
mente, especialmente e temporalmente".

Como se vé, o amigo ateu professa o cientificismo do século XIX


quando se julgava que a ciencia, evoluindo sempre mais, acabaría dan
do resposta a todos os anseios do homem. Esta expectativa está hoje
em dia esmorecida, pois se verifica que a ciencia está sempre tafeando,
sem ter certezas definitivas a respeito do mundo que cerca o homem. O
auténtico cientista é sempre cauteloso em suas afirmacóes. O próprio
Prof. Mario Everaldo reconhece as limitacóes da ciencia.

"Antes de terminar, fago questáo de dizer que a ciencia nao explica


tudo ainda. Há, por exemplo, fenómenos chamados paranormais, que
ainda nao sao explicados pela ciencia, mas ceríamente seráo explicados
no futuro quando soubermos mais sobre o cerebro humano; o mesmo
vale também para a telepatía".

Na verdade, muito mais graves do que as deficiencias "provisorias"


citadas é o fato de que a ciencia nao responde ás questóes fundamen
táis do ser humano: "De onde venho? Para onde vou? Qual o sentido da
vida? Vale a pena viver?".

Como ensina o psicólogo judeu Viktor Frankl, que esteve internado


em campo de concentracáo, a resposta a tais perguntas é de valor capi
tal para que a pessoa assuma a sua vida e suporte (sem sucumbir) as
inclemencias dos "campos de concentracáo" postos em seu caminho.

Em suma, o Prof. Mario Everaldo de Souza é fiel discípulo de Karl


Marx, cujo sistema fracassou, pois, ao tentar construir urna civilizacáo
sem Deus, edificou um regime que humilhou e escravizou o homem. Possa
o irmáo ateu tornar-se consciente de tao fragoroso fracasso!

441
Os mais recentes dados da ciencia:

"O SANTO SUDARIO, UMA FARSA MEDIEVAL?"


por Joaquim Blessmann1

Em síntese: O Prof. Dr. Joaquim Blessmann se refere ao teste de


Carbono-14 segundo o qual o Santo Sudario sería urna pega medieval.
Observa que tal tipo de datagáo é reconhecidamente frágil, podendo su
gerir conclusóes falsas (como já tem ocorrido). A conclusao de tal teste
nao prevalece sobre os resultados de mais de trezentos estudos favorá-
veis á autenticidade do sagrado lengol. A presenga de residuos de Car
bono na superficie do Sudario se explica por ter sido tocado por muitas
máos, exposto ao arlivre ou ao ambiente de cápelas onde ardiam tochas
e velas como também por dois incendios que o Santo Sudario sofreu.
* * •

A fé na Paixao e Ressurreicao de Jesús nao depende da autentici


dade do Santo Sudario. Como quer que seja, este lencol sagrado tem
merecido a atencáo dos mais diversos cientistas (mesmo ateus), porque
mais e mais parece ser a auténtica mortalha que envolveu o corpo de
Cristo descido da Cruz. Todavía um cientista brasileiro, em programa de
televisáo, negou a genuinidade do Sudario, baseado em testes do Car
bono 14, que reduziram a mortalha a urna farsa medieval ou a um produ-
to artificial datado do século XIV.

Discordando dessa hipótese, escreve o Prof. Joaquim Blessmann,


engenheiro civil, Mestre e Doutor em Ciencias pelo Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA), professor emérito da IFRGS e ex-professor da PUCRS.
1. Pró-autenticidade

Á p. 9 observa o Prof. Blessmann:


«É um principio da ciencia que qualquer experiencia científica deve
ser repetível, para ser confirmada ou nao sua veracidade. No caso do
Santo Sudario, em que o teste do C-14 contradisse completamente cer
ca de 300 outros estudos tecnológicos e científicos criteriosos (que indi-
cam a antigüidade e em muitos casos a autenticidade do Santo Sudario),
isto é estritamente necessário. E isto nao foi feito».
"Cerca de 300 estudos..." diz o Prof. Blessmann:

«É impressionante o número e a diversidade de ramos da ciencia e da


tecnología interessados na análise do Santo Sudario. Diz-se, com razáo,

1 EDIPUCRS, Porto Alegre 2002, 140 x 210 mm, 83 pp.

442
"O SANTO SUDARIO, UMA FARSA MEDIEVAL?" 11

que nenhuma pega arqueológica (pois assim pode ser considerado o Santo
Sudario, do ponto de vista científico) foi tio estudada, e por tantos especia
listas de tantos ramos científicos e tecnológicos, como o Santo Sudario. Eis
alguns desses ramos: anatomía, antropología, arqueología, arqueoquímica,
bacteriología, bioquímica, biología, biología marinha, bioquímica ento
mológica, botánica, cinética, cirurgia, conquiliología, costumes e técnicas da
antigüidade, cromatografía, difracao de raios X, egiptología, endocri-nologia,
espectrofotometría visível e infravermelha, espectroscopia de massa, exegese
bíblica, física, física atómica, nuclear e molecular, física de radiacáo, físico-
química, fisiología, fitopatología, fotografía, hematología, historia, historia
da arte, iconografía, imunologia, informática, malacologia, matemática, me
dicina, medicina legal, meteorología, micetologia, micologia, microanálise,
mícrossondagem de elétrons, moral, ótica, paleoclimatologia, palinologia,
patología, patología legal, química, química da pirólise, química das proteí
nas e dos polipeptídeos, química de porfirina, química do petróleo, química
dos lípídios, radiología, técnica de raios ultravioletas, técnicas espaciáis da
NASA, tecnología textil, termodinámica, transporte molecular, vulcanologia,
e mu ¡tos outros» (p. 12).

2. E o teste do Carbono 14?

Refere Blessmann:

A todos os estudos convergentes em prol da autenticidade do Sudario


opoe-se o teste de datacáo por meio do carbono 14 (C-14), cujos resultados,
como era de esperar, terminaram sendo considerados errados. O maior pro
blema com os testes de duracáo com o C-14 é o da contamínagáo. Wílliam
Micheam, arqueólogo, com larga experiencia em testes com o C-14, dois
anos antes da datacáo do Sudario, já alertara para a excessiva confianca
que era depositada ñas datagóes com o C-14, pois jamáis se teria certeza
de que toda contaminacao fosse eliminada e, conseqüentemente, a data
fornecida por um de seus testes fosse, sem dúvida, a data verdadeira.

É o que nao faltou ao Santo Sudario; durante cerca de vinte sécu-


los de existencia, foi contaminado nao só pela simples exposicao ao ar
(que contém gas carbónico, pólens, pó, microorganismos, etc.) como pelo
suor de toques humanos, pela respiracao de multidóes de fiéis em ambi
entes fechados, pela fumaga de archotes, velas e incensó bem como
pelos, no mínimo, dois incendios que sofreu.

Sem dúvida, nao havia condigóes para que os testes com o C-14
tivessem confiabilidade (cf. orelhas do livro).

Após preciosa exposigáo dos fatos, chega o Prof. Blessmann a urna

3. Conclusáo

«O Dr. Píerre Barbet, cirurgiáo que fez um profundo estudo experi


mental sobre a paixáo de Cristo, conta que quería a opiniáo de um ho-
443
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

mem de ciencia, competente e imparcial, sobre o que escrevera a respei-


to. Assim descreve SOLÉ (1993, p. 355) o que aconteceu:
"Barbet recorreu a seu velho amigo Hoveiacque, professor de Anato
mía na École Pratique de París. Hoveiacque era um homem de reconhecida
honradez científica, mas agnóstico: nao aceitava reiigiáo nenhuma. Pegou o
folheto e comegou a ler. 'Ele ia aprovando com crescente entusiasmo mi-
nhas experiencias e conclusdes', diz Barbet. 'Quando terminou a leitura, fe-
chou o folheto e ficou em silencio, por um instante, pensativo. Depois, expío-
dindo de repente com aqueta maravilhosa franqueza que era a base de nos-
saamizade,exclamou:'Maisalors,monvieux...Jésus-Christestressuscité!...'
(Entáo, meu velho, Jesús Cristo ressuscitou!). Confesso, continua Barbet,
que poucas vezes em minha vida experimente'! urna emogáo táoprofunda e
tao doce como diante dessa reagáo de um incrédulo a um trabalho puramen
te científico, do qual ele mesmo tirava conclusóes incalculáveis'".

Para nos, por tudo o que expusemos neste trabalho, é praticamen-


te ceño que o Santo Sudario de Turim é o lengoi que envolveu o corpo de
Jesús Cristo e que Ele de fato ressuscitou. Nao se trata aqui de urna
certeza de fé religiosa, mas de urna 'certeza'baseada em fatos científica
mente comprovados. Embora em ciencia nada seja definitivo, parece-
nos quase impossível refutar as centenas de provas que nos levaram a
esta conclusáo» (pp. 80s).

Escritos e Sermoes de Sao Pedro Juliáo Eymard em 5 volumes.


- Ed. Loyola. Sao Paulo 2002.
Sao Pedro Juliáo Eymard (1839-1868) é o fundador da Congrega-
gáo dos Padres do Santíssimo Sacramento e das Servas do Santíssimo
Sacramento. Grande devoto da Eucaristía, deixou numerosos escritos,
que foram recentemente reeditados, em tradugáo portuguesa, por obra
da Sociedade dos Servos da Eucaristía (sediados em Ponta Grossa (PR).
Tratase de reflexdes e meditagóes sobre a Sagrada Eucaristía, que mui-
to podem ajudar a oragáo diante do SSmo. Saramento. - Os pedidos
sejam enviados as Irmas Sacramentínas de Taubaté, Rúa Cons. Moreira
de Barros, 258, 12010-080 Taubaté (SP).
Domingo, Nascimento de urna nova Criacáo, por Mons. Joáo
Alves Guedes. - Editora? 2002, 150 x210 mm, 94 pp.

Mons. Guedes é grande animador da Sagrada Liturgia ñas dioceses


do Regional Leste-Um da CNBB. Entrega ao povo católico bela obra sobre o
domingo e seu significado, procurando reavivar nos fiéis a consciéncia do
valor de tal dia; este "nao é... simples ¡embrete de acontecimentos passa-
dos; é a realidade de um futuro que acontece no presente, com base no
passado" (Prefacio). Em quatro capítulos o autor desenvoive sua tese; entre
outras coisas, afirma, com os Padres da Igreja, que o domingo é o oitavo dia
da semana, ou seja, a antecipagáo do dia sem ocaso, da etemidade.

444
Aínda SUPERINTERESSANTE:

"ABRAAO JAMÁIS EXISTIU"


(Romanini)

Em sintese: A quem nega a existencia de Abraáo, como faz Vinicius


Romanini em SUPERINTERESSANTE dejuiho 2002, se pode apresen-
tar a obra de Walter Vogel, professor universitario no Canadá, que, com
mais autoridade do que ojornalista, trata do assunto, fornecendo dados
lingüísticos e arqueológicos que abonam a historicidade do Patriarca. O
dentista aceita haver anacronismos no relato bíblico, de tal monta, po-
rém, que nao afetam o valor historiográfico das páginas bíblicas.
* * *

A revista SUPERINTERESSANTE de julho 2002 nega a existencia


do Patriarca Abraáo nos seguintes termos:

"Na viagem para Canaá Abraáo e seus filhos comerciavam em ca


ravanas de camelos. Mas nao há registros de migragóes de Ur em dire-
gáo a Canaá que justifiquem o relato bíblico, naquela época, os camelos
aínda nao haviam sido domesticados... Hoje a análise filológica dos tex
tos indica que Abraáo foi introduzido na Tora entre os sáculos VIII e Vil
a.C. (mais de mil anos após a suposta viagem)" (pp. 43 e 46).

A afirmacáo do jornalista causou surpresa e curiosidade. Deve-se-


Ihe responder citando a obra de um professor universitario, dotado de
autoridade de um profissional para falar do assunto. É o que faremos a
seguir.

FALE O PROF. WALTER VOGELS

Já em PR 462/2000, pp. 508-515 foi apresentado o Prof. Walter


Vogeis, que ensina Exegese do Antigo Testamento na Universidade Saint
Paúl de Ottawa (Canadá). Publicou um livro cujo título pode causar re
serva á primeira vista: ABRAÁO E SUA LENDA. Gn 12,1-25,11.1 Lenda
(légende, original francés) é tomada no sentido etimológico; em latim,
legenda significa as coisas que devem ser lidas ou as tradicoes escri
tas, sem algum juízo de valor a respeito. O autor se concentra no ciclo do
patriarca Abraáo, que ocupa a sec?áo de Gn 12, 1-25, 11.

W. Vogeis considera as hipóteses dos que negam a historicidade


de Abraáo e dos patriarcas bíblicos em geral. Todavía na base de bons
argumentos dissipa-as e afirma a credibilidade das seccoes em pauta,

1 Ed. Loyola, Sao Paulo, 160 x 230 mm, 183 pp.

445
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

admitindo pormenores acrescentados á historia real no decorrer dos sé-


culos (como se dirá a seguir).

1. Falam pesquisadores modernos

Á p. 27 W. Vogels cita estudiosos de bom nome:


Roland de Vaux, Professor da École Biblique de Jerusalém: "Se,
como se afirmou por muito tempo, (os autores bíblicos) tivessem
reconstruido o passado segundo o que viam e imaginavam, eles teriam
obtido um quadro diferente do que possuímos, e que teria sido falso"
("Les patriarches hébreux et les découvertes nodernes", Revue
biblique 56 (1949), pp. 5-36, citacao p. 36).

A. Parrot: "A vida, tal como aparece nos relatos do Génesis que
sao consagrados, encaixa-se perfeitamente com o que hoje sabemos,
por outras vias, sobre o inicio do segundo milenio, mas imperfeitamente
com um período mais recente" (Abraham et son temps, "Cahiers
d'archéologie biblique" 14, Neuchatel, elachaux et Niestlé, 1962,p. 11).

W. F. Albright: "Abraáo, Isaac e Jaco nao parecem mais, doravan-


te, figuras ¡soladas, quanto menos reflexos da historia hebraica posteri
or; parecem atualmente verdadeiros filhos de sua época, trazendo os
mesmos nomes, deslocando-se sobre o mesmo territorio, visitando as
mesmas cidades (especialmente Harran e Nahor), submetidos aos mes
mos costumes que seus contemporáneos. Em outras termos, os relatos
dos patriarcas tém de cabo a rabo um fundo histórico".

2. A Religiáo dos Patriarcas em favor da historicidade

As pp. 32s escreve Vogels:

«Autores como Wellhausen, Thompson e Van Seters, que rejeitam


todo valor histórico, afirmam que os relatos dos patriarcas nos informam
únicamente sobre a época em que os textos íoram redigidos. Isso é
contraditado pelo menos no que concerne a religiáo dos patriarcas. Se
os autores bíblicos tivessem inventado as tradigóes dos patriarcas, inspi
rándose na religiáo que eles próprios praticavam, os relatos teriam sido
bem diferentes. Os patriarcas praticavam, segundo os textos bíblicos,
urna religiáo pré-israelita, pré-mosaica. Alguns pontos podem mostrá-lo.

Nao existe antagonismo religioso entre os patriarcas e as pessoas


com as quais entram em contato. No restante da Biblia, a oposigáo entre
Yahweh, o Deus de Israel, e os Baals, os deuses dos cananeus, é habitu
al. Nos relatos dos patriarcas, diríamos que todos adoram o mesmo Deus.
Melquisedec, reide Shalém, abengoa Abraáo em nome do 'Deus Altíssimo'
(14, 18-20), e Abraáo levanta a máo em nome do 'Deus Altíssimo'
(14, 22).

446
"ABRAÁO JAMÁIS EXISTIU" 15

A Biblia distingue com freqüéncia Israel, o povo eleito, e as na-


góes, os povos pagaos. Tal distingáo nao se encontra nos relatos dos
patriarcas. Abraáo eré que nao existe temor algum de Deus em Guerar
(20, 11), mas o texto prova o contrario. O povo de Guerar é urna nagáo
justa (20, 4), e seu reí Abimélek age com coragáo íntegro e máo inocen
tes (20, 5-6). Todos sao iguais diante de Deus; a perspectiva dos relatos
dos patriarcas é mais universalista do que no restante da Biblia.

As práticas sao bem diferentes. Nao há indicagáo alguma de que


os patriarcas observassem o sabbat, ou as leis concernentes aos alimen
tos, o que era muito importante na época do exilio. Se as tradigóes patrí-
arcais tivessem sido inventadas nessa época, os autores teriam muito
provavelmente feito os patriarcas viverem segundo essas leis. O mesmo
se aplica aos locáis do culto. Abraáo constrói altares onde quer (12, 7;
13, 18) e planta árvores sagradas (21, 33). Tais práticas eram proibldas
pela leí mosaica, que prescreve o lugar do culto (Dt 12, 2-5) e condena
essas árvores sagradas (Dt 16, 21).

A religiáo dos patriarcas nao conhece mediadores, sacerdotes ou


profetas. Os patriarcas nao se dirigem aos outros á maneira de Moisés
ou dos profetas, e ninguém Ihes fala em nome de Deus. Eles estáo em
contato direto, pessoal com Deus (17, 1). Os patriarcas oferecem seus
próprios sacrificios (22, 13) e nao necessitam de sacerdotes que o fagam
em seu nome.

Na religiáo de Israel, a lei ocupa um lugar bem central, sua obser


vancia traz a béngáo; sua rejeigáo, a maldigáo. Na religiáo dos patriar
cas, encontramos promessas e béngáos (12,2-3), mas dadas sem men-
gáo de estipulagóes que os patriarcas deveriam observar para obté-las.
Nao existe tampouco ameaga de julgamento, no caso de nao serem fiéis.

Esses poucos exemplos, entre outros, ilustram a diferenga entre a


religiáo descrita nos relatos dos patriarcas e a religiáo do restante do
Pentateuco. Os patriarcas tinham certas práticas religiosas condenadas
pela lei. É difícil, portanto, imaginar que essa religiáo tivesse sido inven
tada por um autor que era um fiel ¡avista. Se ele houvesse "inventado" a
historia de Abraáo, teña escrito urna historia mais "ortodoxa". Os textos
testemunham urna forma de religiáo antiga pré-javista».

3. Anacronismos

«Um versículo do ciclo de Abraáo diz que "Abraáo residiu por muito
tempo na térra dos filisteus" (21, 34), mas esses filisteus só se instalaram
em Canaá depois de 1200 a.C. O nome da cidade da qualpartiram Terah
e sua familia, "Ur dos caldeus" (11, 31), também constituí problema. A
cidade de Ur é conhecida e muito antiga, mas o termo "Caldéia" é pro-

447
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

blemático. Os caldeus só surgem nos textos assfrios no século IX a.C.


Além disso, referirse a 'Urdos caldeus'pressupóe a ascensáo ao poder
dos caldeus, ou seja, babilónicos, que só ocorre no final do século Vil
a.C. No inicio do segundo milenio, talvez se dissesse 'Ur dos sumérios'.
Tais dificuldades nao perturbam aqueles estudiosos, eles as explicam
por meio de anacronismos que nao afetariam o fundo verdaderamente
histórico dos textos. Os autores dos relatos dos patriarcas substituiram
os nomes antigos pelos nomes em uso na época em que escreviam.

Outra dificuldade para a hipótese do inicio do segundo milenio é o


costume dos patriarcas, como Abraáo, de se servir de camelos (12, 16).
Aceitase, em geral, que o camelo só foi domesticado e utilizado no Ori
ente Próximo antigo depois de 1200 a.C. É verdade que se conhecem
alguns casos raros um pouco antes no segundo milenio. Poderfamos,
assim, recorrerá tais casos excepcionais e afirmar que os patriarcas fazi-
am um uso restrito de camelo. Mas preférese, em geral, explicar essas
referencias aos camelos como anacronismos. Chegase a sugerir que o
texto, de inicio, falava de jumentos, substituidos posteriormente por ca
melos.

Explicar tais dificuldades como anacronismos nao é, em si, uma


solugáo absurda. Todos nos tendemos, aínda hoje, a introduzir seme-
Ihantes anacronismos em nossos textos. Um dos suburbios da cidade de
Ottawa se chamava, outrora, Eastview. Esse nome foi alterado, em 1969,
para Ville de Vanier. Se escrevo em 1996: 'Em minha chegada no Cana
dá, instalei-me em Vanier', cometo um anacronismo. Quando cheguei ao
Canadá, em 1960, a cidade se chamava ainda Eastview. Meu texto, cien
tíficamente falando, nao é exato, mas o leitor comum compreende mais
fácilmente, pois muitas pessoas nao sabem mais nada a respeito dessa
mudanga de nome. Mas o leitor que se baseasse em meu texto para
concluir que devo ter chegado ao país depois de 1969 se engañaría. É
certo, em contrapartida, que o texto deve tersido escrito após 1969. Uma
frase que afirmasse "Livingstone morreu no Zámbia" seria outro exemplo
de anacronismo. O país, que sob o regime británico se chamava Rodésia
do Norte, tornouse Zámbia no momento de sua independencia, em 1964.
Isso me indica que a frase deve ter sido escrita depois de 1964. Mas
concluir, a partir daí, que Livingstone teria morrido depois de 1964 seria
um erro histórico. Esse explorador británico morreu em 1873 na regiáo
da África que hoje se chama Zámbia" (pp. 28s).
Assim fala o professor universitario, á diferenga do jornalista.

448
Evangelho de enriquecimento ou

TEOLOGÍA DA PROSPERIDADE

Em síntese: Vía internet recebemos algumas páginas que refletem


sobre a promessa de curas físicas e prosperidade material em certas
igrejas. O autor, conservando seu anonimato, critica tal procedimento, usan
do linguagem popular e mordaz. Os seus dizeres merecem consideragáo.
* * *

Vía internet a Redacáo de PR recebeu a mensagem, a seguir, trans


crita. O autor anónimo é protestante e critica o procedimento das comuni
dades que prometem a solucáo de todos os problemas mediante oferta e
sacrificio em dinheiro. O texto recorre a linguagem popular sarcástica,
mas merecedora de atencáo. Póe em relevo a manipulacáo da fé crista,
que se torna antropocéntrica a tal ponto que, se nao fossem as mazelas
do ser humano, muita gente nao saberia por que ir á Igreja.

Eis o texto em foco:

Evangelho do enriquecimento

Últimamente muitas organizacóes e até pessoas comecaram a uti


lizar um método muito eficiente de proselitismo: o "evangelho do enrique
cimento". Muitas igrejas, pregadores, esotéricos e afins dizem: "Vem para
cá e tu ficarás rico!"; ou: "Ouve os testemunhos!". Entáo é elencada os
tensivamente urna relacáo de bens adquiridos.

É o que Ari Pedro Oro, autor do livro "O Avanco Pentecostal e a


Reacáo Católica" (Editora Vozes Ltda., Brasil), chama "teología da pros
peridade" e de "efeito multiplicador". A "teología da prosperidade" é urna
tátíca de proselitismo extremamente eficiente e tentadora porque vai no
ponto vulnerável: o consumismo, a vaídade. A industria moderna póe no
mercado bens que a populacáo, de mentalidade consumista, geralmente
nao consegue adquirir. Esta demanda reprimida é que faz com que os
pobres vislumbrem nesta versáo do evangelho urna possibilidade de sa-
tisfacáo individual, até mesmo pela influencia dos testemunhos
televisionados. É apresentado um Deus mercador da felicidade, um Je
sús na forma de genio da lámpada.

Acho que muitas religioes sensacionalistas - em geral, pentecostais


- defendem a idéia de que Satanás transporta até as pessoas todas as
especies de desventuras nos campos medicinal, financeiro, amoroso, etc.
Preconizam que ele provoca o desemprego, a miseria. Dizem que ele
causa o insucesso nos negocios. Cria-se, entáo, a argumentacáo e o

449
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

cenário adequados para que os pastores chamem as pessoas num se


gundo momento, a fim de oferecer urna solucao ¡mediata. Creio que os
pastores agem de forma abnegada; sua atividade, porém, conduz-nos a
concluir que aquelas desventuras e males sofridos, de urna forma indire-
ta e obvia, "empurram" as pessoas para as igrejas. Parece que, se nao
existissem os males, nao existiría a assisténcia aos cultos. Em decorrén-
cia deste fenómeno, a conversáo ocorre devido a urna situacáo de sofri-
mento seguida de expectativa de alivio e nao de análise aprofundada
das doutrinas. Os pastores se autoproclamam representantes de Deus e
reivindicam para suas Igrejas o título "Casa de Deus".

Portante somos focados a suspeitar que Satanás é ignorante ou


"amigo" das Igrejas, urna vez que sua atuacáo está, por coincidencia, a
cada dia provocando ñas pessoas a ¡ntencáo de procurar urna Igreja crista.

A idéia de "efeito multiplicador", conforme chama Ari Pedro Oro, é


um chamariz eficientíssimo. Lembra-nos a prática dos sacrificios pagaos,
que eram feitos em troca de alguma vantagem. Este "efeito" assemelha-
se a urna hipotética aplicacáo financeira mais rentável do que as concor-
rentes: as pessoas venderiam seus bens para ali aplicar. As igrejas tradi-
cionais pediam dinheiro e estimulavam o dízimo, contudo nao criavam
nos contribuintes a expectativa de que suas contribuyes os fariam ri
cos. As novas igrejas conseguiram conciliar a ganancia material dos eren-
tes com seus anseios espirituais: o mesmo que faziam os adoradores do
deus pagáo Mamom. As suas oracóes e suas ofertas sao quase urna
transacáo comercial. Deram um respaldo espiritual ao materialismo; es-
timularam-no á semelhanca de Satanás que ofereceu o Mundo a Jesús
(Mt4,8-11). Ostestemunhostelevisionados, referentes ao enriquecimento
para estimular a cobica dos crentes, servem também para "massagear-
Ihes o "ego" (dizendo "vocé merece ficar rico").

Podemos até suspeitar que, no íntimo da consciéncia, aqueles cren


tes nao renunciaram a seu egoísmo, nem mesmo após sua conversáo.
Suas doacoes, dízimos e ofertas sao, a meu ver, feitos mais no interesse
individual do que para beneficiar a Igreja. É urna especie de dízimo inte-
resseiro e egocéntrico. Este desejo dos olhos é oposto á idéia de o cris-
táo levar urna vida modesta (1Tm 6, 7-8). Contraria o comportamento
"negar-se a si próprio" (Le 9, 23) e o altruismo: é a idolatrizacáo do di
nheiro. Esta "dinheirolatria" faz-nos lembrar o deus Mamom e a profecía
bíblica de que os homens se tornariam "amantes do dinheiro" (2Tm 3,2).
Deveria ser razoável presumir que, se o crente que nao tem como ficar
rico, nao teria que dar dízimo.

Aquelas Igrejas usam de urna liturgia bastante barulhenta, cheia


de momentos de éxtase de relaxamento: é o emocionalismo. Há quem
chame ¡sto de histeria coletiva ou, na linguagem psiquiátrica, catarse. Tal
comportamento se opóe ao pressuposto da oracao comedida (Mt 6, 6).

450
TEOLOGÍA DA PROSPERIDADE 19

Pensó eu que isto serve para alterar (acelerar ou frear) as freqüéncias


das ondas cerebrais dos fiéis a fim de fazé-los atingir um estado alterado
de consciéncia, similar ao estado atingido através do ioga, transe, medi-
tacáo transcendental, hipnose, regressáo, etc. A meu ver, esta é a situa-
cáo apropriada para incutir algo ñas mentes.

Chegando ao climax, surgem as possessoes demoníacas. Estas,


por sua vez, fornecem o pretexto para expulsar os demonios, o que, ob
viamente, reforca a autoridade dos pastores. Dá para desconfiar que os
pastores trazem propositadamente os demonios (ou espíritos) até os eren-
tes por meio daquele estado alterado de consciéncia para, logo após,
expulsá-los. Deve-se salientar que a expulsáo de demonios nao é
credencial genuína de observancia dos ensinos de Jesús, segundo Mt 7,
22-23. Veja que as possessoes demoníacas só ocorrem com individuos em
estado alterado de consciéncia, ausencia de lucidez. Tenho curiosidade de
saber se foi, alguma vez, realizado um eletroencefalograma em alguém du
rante o estado alterado de consciéncia durante o momento da possessao
demoníaca, chamada também de incorporacáo, manifestacáo, etc.

Disseram-me que, quando algum fiel nao obtém a béncáo solicita


da (saúde, dinheiro, carro novo, etc.), mesmo após ter realizado ofertas e
"sacrificios", o pastor argumenta que o fiel teve fé insuficiente. Ora, esta
explicacáo me parece evasiva e metafórica, visto que "fé" é algo subjeti
vo, imensurável, elástico.

Há outro questionamento sobre o qual nunca li nem ouvi esclareci


mientos. Jesús realizou ¡números tipos de milagres: transformar agua em
vinho, multiplicar páes, cessar tempestades, andar sobre a superficie das
aguas e, mais importante, ressuscitar os mortos. Eu poderia até citar os
textos bíblicos. Com poderes delegados por Jesús realizaram
ressuscitacoes os apostólos Pedro (At 9,40-41) e Paulo (At 20,9-10). Os
pastores atuais alegam que as curas e as expulsóes de demonios por
eles realizadas nao se devem a méritos próprios deles e, sim, a um poder
miraculoso que Jesús Ihes concedeu.

Ai se observa um certo grau de humildade e abnegacáo. Apare-


cem, porém, duas dúvidas:

1) Por que, dentre todos os tipos de milagres operados por Jesús,


os atuais pastores só conseguem efetuar curas e expulsóes de demonios?

2) Jesús nao concedeu aos atuais pastores (pretensamente na fun-


cáo dos antigos apostólos) poder suficiente para realizar ressuscitacSes,
transformacóes de materia, etc?

O "evangelho do enriquecimento" e o "evangelho da cura sobrena


tural" nos apresentam um Neopentecostalismo mais voltado ao egocen
trismo e ao antropocentrismo do que ao teocentrismo. É mercenario. É
451
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

apresentado um Jesús capaz de enriquecer e curar pessoas, contudo


incapaz de ressucitá-las e incapaz de consertar o panorama inteiro do
Planeta.

Este tipo de Jesús parece nao ter preocupares de longo prazo


tais como superpopulacáo, poluicáo ambiental, esgotamento dos recur
sos minerais, diminuicáo da carnada de ozónio, escassez da agua potá-
vel, etc.

Alias, nunca ouvi dizer que 100% das pessoas que pedem cura
sobrenatural realmente a obtém. As Igrejas nao apresentam percentual
de eficiencia. Irónicamente, as curas sobrenaturais nao tornaram dispen-
sáveis hospitais, médicos, farmacias, planos de saúde, remedios,... nem
cemitérios.

Apesar da prática do "evangelho do enriquecimento", agruras tais


como a exclusáo social, o desemprego, a submoradia e a concentracáo
de renda tendem a aumentar. O cenário conspira para a incerteza que,
por sua vez, forca as pessoas a procurar urna solucáo material, espiritual
e psíquica ñas Igrejas evangélicas ou, aínda, nos cultos africanos: pare
ce um processo cíclico que vai se auto-realimentando. Parece que, se
nao existissem os opostos da saúde e da riqueza, ou seja, a doenca e a
pobreza, tais Igrejas nao existiriam. Parece que as Igrejas "torcem" para
que tais adversidades ocorram.

Cabe ressaltar que agora (junho de 2001) a IURD está lancando


mais urna chamada Fogueira Santa de Israel. Neste evento as pessoas
dáo o máximo possível de dinheiro (chamado sacrificio) á Igreja no intui
to de ficarem ricas. Dúvidas vém-me á menta: 1) Que percentual de doa-
dores ficaráo efetivamente ricos (felizardos)?; 2) E... para os azarados?;
3) Cabe indenizacáo aos azarados?; 4) Pode-se pedir á Igreja recibo dos
chamados "sacrificios"?; 5) Nao parece que "doacáo interesseira" devia
se chamar "aplicacáo"?

Aínda mais duas dúvidas surgem: 1) Se alguém der dinheiro e nao


obtiver a béncáo pedida, pode pedir o dinheiro de volta? 2) Por que os
testemunhos de enriquecimento sao, este ano, táo poucos a ponto de
serem cansativamente repetidos na TV?...

Certo dia, olhando um periódico religioso, constatei nele a fotogra


fía de certo líder, um bispo, aparecendo por tras de grades de prisáo. Isto
foí planejado, creio eu, para mostrá-lo como: 1) mártir, o que faz com que
outros fiquem sensibilizados; 2) semelhante a Jesús, urna vez que Jesús
também foi perseguido pelas autoridades. Esta idéia refuta-se porque o
bispo foi preso, ao que dizia a mídia, por sonegacáo de impostos, en-
quanto Jesús foi perseguido político. Jesús nao foi preso para parecer
mártir e, sim, para cumprir urna profecía anterior. Concluindo; certos líde
res religiosos estáo mais para oportunistas do que para mártires.

452
No ano 2001:

A SANTA SÉ EM DÉFICIT

Fala-se muito das "Finarlas do Vaticano", mas freqüentemente sem


conhecimento de causa. É, pois, importante publicar noticias abalizadas
sobre o assunto, como se fará abaixo.

Para maior clareza, distingam-se a Santa Sé e o Estado do Vatica


no.

A Santa Sé é a sé de Pedro, que tem o pastoreio de toda a Igreja


com seus Dicastérios {ou quase Ministerios), seus Secretariados, suas
Comissóes, suas Nunciaturas (ou representares nos cinco continen
tes)...

O Estado do Vaticano é o territorio politicamente independente


onde reside o Sucessor de Sao Pedro; com sua administracao interna e
seus funcionarios.

1. Financas da Santa Sé: déficit em 2001

Foi apresentado, no dia 5 de julho 2002, o Bataneo da Santa Sé


relativo ao exercício de 2001. E, pela primeira vez em oito anos, o saldo
é deficitario.

O Presidente da Prefeitura dos Assuntos Económicos, Cardeal


Sergio Sebastiani, declarou que o exercício de 2001 apresentou um dé
ficit de quase tres milhoes e meio de dólares. Se o Jubileu do ano 2000
trouxe resultados positivos do ponto de vista contabilístico, 2001 foi o
ano da recessáo económica mundial e dos ataques de 11 de Setembro, o
que refreou o andamento positivo do balanco da Santa Sé.

O balanco compreende a Administracáo do Patrimonio da Sé Apos


tólica, a Congregacáo para a Evangelizado dos Povos, a Cámara Apos
tólica e as ¡nstituigóes de comunicacáo (Radio Vaticano, «L'Osservatore
Romano» e CTV - Centro Televisivo Vaticano, Tipografia Poliglota Vaticana
e Livrarias Vaticanas).

Para o Cardeal Sebastiani, na origem da situacáo encontram-se


fatores como «a forte reducáo do lucro do setor financeiro; o aumento
das despesas institucionais, ou seja, maiores custos com os trabalhos de
manutencáo dos imóveis e com as representacoes pontificias (Nunciaturas
Apostólicas) e o aumento dos custos das instituicoes dedicadas á comu-

453
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

nicacáo». Refira-se que, em relacáo aos órgáos de comunicacáo ligados


á Santa Sé, o déficit foi de 20 milhóes de dólares.

É bom recordar que a Curia Romana conta 2.671 funcionarios, en


tre eclesiásticos, religiosos e leigos, além das representacoes pontificias
(Nunciaturas Apostólicas) em todo o mundo.

2. Estado do Vaticano: balanco em 2001

O Cardeal apresentou também o balanco do Estado da Cidade do


Vaticano, relativo ao exercício do ano passado, que apresentou um saldo
positivo de cerca de 14 milhóes de dólares. Esse lucro refere-se aos es-
tabelecimentos comerciáis que existem dentro do Vaticano, como, por
exemplo, a farmacia, o mercado de produtos alimenticios, a loja de ele-
trodomésticos e a loja de roupas pessoais, calcados, cama, mesa e ba-
nho.

3. Assisténcia aos Necessitados

Como dito em PR 484/2002, pp. 389ss, a Santa Sé recebe anual


mente o Óbolo de Sao Pedro e outros donativos destinados a minorar os
sofrimentos de pessoas atingidas por calamidades físicas (endientes,
secas, terremotos...) ou carentes de recursos que as levem a viver urna
existencia digna. Em 2001 a quantia assim recolhida foi distribuida por
tres Comissóes:

1) Pontificio Conselho "Cor Unum": US$ 1.209.700,00 em prol


de vítimas de flagelos públicos.

US$ 841.200 para a promocáo humana de populagóes carentes,


inclusive do Brasil, ao qual foram destinados US$ 23.000,00.

2) Fundacio Joáo Paulo II para o Sahel: US$ 2.333.308,00.

3) Fundacáo "Populorum Progressio" (para a América Latina):


US$ 1.773.700,00, dos quais US$ 132.000 vieram para o Brasil a fim de
sustentar a aplicacáo de 18 projetos de promocáo humana.

Eis o que em 2002 se pode dizer sobre as financas da Santa Sé.

454
De venerável memoria:

AÍNDA DOM HERMINIO

Em PR 483/2002, pp. 385-389 foi publicado um artigo sobre Dom


Herminio Malzone Hugo, Bispo emérito de Governador Valadares (MG)
falecido aos 20/02/02. Caluniado gravemente, o prelado já nao se pode
defender, mas os diocesanos e amigos que o conheceram de perto tém
levantado a voz em favor da vítima. Já publicamos alguns depoimentos
em PR citado. Segue-se outro assaz significativo, ou seja, o discurso
proferido pela Sra. Anita Duarte Aubin na Catedral de Governador
Valadares aos 20/05/02 em Missa de sufragio pelo venerável e emérito
pastor da diocese:

«Caríssimo Dom Werner, nosso Bispo Diocesano

Prezados Padres Concelebrantes, Religiosos e Religiosas

Ministros da Eucaristía. Amigos e Amigas de Dom Herminio:

Recebi a consoladora incumbencia de falar sobre Dom Herminio.


A grande amizade e admiracáo que tínhamos por ele, ficou ainda mais
forte quando o meu esposo foi convocado por Dom Herminio para ser o
primeiro Diácono Permanente da Diocese. Foram 14 anos de servicos
apostólicos na Primeira Paróquia Diaconal do Brasil, situada em Chonim
de Baixo. Durante todo este tempo o Diácono Aubin recebeu de Dom
Herminio apoio, orientacáo e incentivo. Nesta ocasiáo, devido ao proble
ma de saúde de Dom Herminio com as cordas vocais, o Diácono Aubin
recebeu a honrosa missáo de substituí-lo na pregacáo da Palavra de
Deus, durante as visitas pastorais na zona rural. Representava também
o Sr. Bispo em ¡numeras solenidades cívicas e religiosas.

Durante a longa enfermidade do meu esposo, Dom Herminio o vi-


sitou murtas vezes, trazendo-lhe palavras de conforto e também celebrou
a Santa Missa em nossa residencia, reunindo também outros doentes.

Enquanto esteve á frente da Diocese, Dom Herminio realizou urna


obra admirável e grandiosa. É impossível enumerá-la, especialmente
porque as acóes apostólicas e espirituais sao incontáveis. O relato que
vamos fazer aquí, é apenas um pequeño resumo de realizacóes conheci-
das de todos os valadarenses:

1) Radio e Livraria Por Um Mundo Melhor, fundadas em 2 de ju-


nho de 1960 no 3S aniversario da ¡nstalacáo da Diocese.

455
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

2) Seminario Nossa Senhora Auxiliadora. No inicio eram 64 semi


naristas. Com a falta de Padres para assumir a Direcáo do Seminario, o
predio foi transformado em Grupo Escolar Diocesano. Hoje, está em ple
na atividade o CENTREL, que serve de suporte para os Movimentos reli
giosos e pastorais da Diocese.

3) Obras Sociais: Na época foram fundadas a Caritas Diocesana, o


Banco da Providencia e o Centro Social Da. Adelaide Malzone Hugo.

4) Cidade dos Meninos: Criada para amparar e dar assisténcia ao


Menor Carente. O trabalho assistencial da Cidade dos Meninos é reco-
nhecido até fora do nosso país.

5) Foram criadas novas paróquias e Dom Herminio ordenou 10


novos Sacerdotes.

6) A Virgem da Ibituruna: Juntamente com Da. Aurita Machado e


Da. Cirene Albergaria liderou a instalacao da Imagem de Nossa Senhora
das Gracas no Pico. A Virgem da Ibituruna como é conhecida, figura
entre as dez maiores estatuas de concreto do país. A Imagem é conheci
da internacionalmente, como marco de cultura e de Fé.
7) Romarias: Durante 20 anos incentivou as Romarias á Basílica
Nacional de Nossa Senhora Aparecida. A organizacáo das Romarias até
o día de hoje fica a cargo de Da. Váida Cabral e seu esposo.

Após a renuncia de Dom Herminio e a sua ida para a Arquidiocese


do Rio de Janeiro, nunca perdemos contato com ele. Além de ¡numeras
cartas e telefonemas, nos o visitamos algumas vezes no Hospital da
Beneficiéncia Portuguesa e no Hospital da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, na Lapa. Ficamos impressionados com a sua humil-
dade, ocupando um quarto bastante simples, mas ele se sentía bem,
agradecendo a Deus a oportunidade de consolar os doentes, levando-
Ihes a Eucaristía e a Uncáo dos Enfermos. Quando Dom Herminio voltou
para Guaxupé, o nosso contato era por telefone. Dom Herminio tinha
difículdades para escrever e mesmo assim tenho em máos o último car-
táo dele, por ocasiáo do Natal de 2001.

A cidade de Governador Valadares muito deve a este homem de


Deus pelas grandes realizacóes. Da Cámara Municipal recebeu o Bra-
sáo do Municipio, como símbolo de reconhecimento do bem que ele trouxe
para a nossa comunidade. Assim ele se expressou naquela ocasiáo:
"Acompanho Valadares de longe. Eu me encontró com o seu povo todos
os dias, lá onde o coracáo do homem se encontra com o infinito, na hora
da Oracao. Valadares foi comígo, foi em mim e nunca mais sairá".

Como testemunha viva da pessoa bondosa de Dom Herminio, por


toda a nossa longa convivencia, por todas as suas inumeráveis realiza-

456
AÍNDA DOM HERMÍNIO 25

cóes, a Iembran9a que temos de Dom Herminio é de um Líder Carismático


de Bracos Abertos. Bracos abertos para a acolhida e para derrubar bar-
reiras. Com sua humildade e simplicidade acolhia a todos como suas
ovelhas prediletas. Dom Herminio tinha também os Bracos Abertos para
receber os sofrimentos. Foi perseguido e injusticado. Aceitava as decep-
cóes, as incompreensóes e o abandono silenciosamente. Estava sempre de
Bracos Abertos para perdoar, o que é próprio das grandes almas. Dizia sem
pre para os amigos em tempo de grandes adversidades: "Devemos ter cui
dado para evitar os escándalos. Nossa meta é a salvacáo das almas".

Por tudo isto termino com uma bela reflexáo enviada por uma ami
ga. Disse o Divino Mestre: "Uma boa árvore é conhecida pelos seus bons
frutos". Assim foi Dom Herminio, produzlndo para a Igreja os saborosos
Frutos do Espirito. E como a uva é esmagada e triturada para se transfor
mar em delicioso vinho, permitiu o Bom Deus que a memoria de Dom
Herminio fosse pisada, maltratada para que hoje o Sr. Bispo e os Srs.
Padres pudessem oferecer ao Senhor o Cálice da Amargura, que, de-
pois de ofertado a Deus, vai se transformar em Béncáos especiáis para
todo o Povo de Deus e de modo especial para o Clero da Diocese de
Governador Valadares.

Dom Herminio vive no coracáo dos seus verdadeiros amigos e ad


miradores. E, o que de fato é ¡mpresslonante, Dom Herminio cultivou
muitos amigos fora do seu rebanho. Sao muitos Macons, Espiritas e Evan
gélicos que admiravam a sua I ¡de ranea. Com seu Carisma Dom Herminio
deixou marcas na Sociedade Valadarense. Na Gloria, pedimos a sua in
te rcessáo em favor de todos nos, seus filhos espirituais. Descanse em
paz, inesquecível Dom Herminio, Grande Devoto de Nossa Senhora, Lí
der Carismático, Grande Pastor e Amigo.

Assim Seja!»

A Igreja. 51 Catequeses do Papa sobre a Igreja, colecionadas


pelo Prof. Felipe Aquino. - Ed. Cléofas, C.P. 100, 12600-970 Lorena (SP),
140x210mm,213pp.

O Prof. Aquino oferece mais um livro ao público, desta vez sobre a


Igreja; tratase de uma colegio de 51 catequeses de Joáo Paulo IIproferidas
em 1991 e 1995. Aquino justifica a sua obra nos seguintes termos: "Nosso
desejo, ao publicar essas Catequeses, ... é oferecer aos nossos leitores o
mais sólido ensinamento sobre a Igreja, a fim de que nao sejam engañados
por vozes estranhas, que as vezes surgem até mesmo dentro da Igreja, que-
rendo descaracterizá-la ou desautoriza-la diante dos homens" (p. 5).

Épara desejarque essa coletánea produza frutos copiosos na mente


dos seus leitores. Na verdade, Cristo é inseparável da Igreja, que é seu
Corpo.

457
Espirítualidade:

MEDITAQÁO CRISTA

Em síntese: Tem-se propagado no Brasil a Meditagao Crista, cor-


rente de espirítualidade de fundo panteísta. Ensina a pessoa a sentarse
cómodamente e repetir um mantra (Maranatha, por exemplo) durante
cerca de vinte minutos duas vezes ao dia; fazendo-o, o orante "descobri-
rá a unidade de que faz parte, a unidade de todos em tudo" (John Main,
fundador da Meditagao Crista). O panteísmo subjacente a estas palavras
talvez fique despercebido a muitos cristáos.
* * *

A corrente de espiritualidade chamada "Meditagao Crista" foi fun


dada pelo monge beneditino John Main, que no Oriente assimilou as téc
nicas de meditacáo hinduísta; procurou integrá-las numa concepcáo ge-
ral de fé crista, donde resultou a Meditacáo Crista. Entre os fiéis católicos
que fazem a experiencia de tal espiritualidade, há os que se comprazem
como também há os que se decepcionam por nao encontrarem o especí
fico cristáo em tal prática.

Vejamos, pois, em que consiste a Meditacáo Crista e como a ava-


liar.

1. Em que consiste?

a) O Boletim da Meditacáo Crista do Rio de Janeiro n° 24 (julho de


2002) oferece as seguintes instrucóes:

«Como Meditar
(adaptado de textos de Dom John Main)

Quando meditamos, nao estamos imaginando Deus nem pensan


do nele, como fazemos, legítimamente, em outras ocasioes. Na medita
cáo procuramos fazer algo muito maior: estar com Deus, discernir sua
presenca em nosso coracáo. A meditacáo nao é relacionada com o ato
de pensar, mas com a naturalidade de ser. O objetivo de toda oracáo
crista é levar-nos á comunháo com o Deus Trinitario, permitindo-lhe tor-
nar-se dentro de nos a realidade que dará sentido, propósito e forma a
tudo aquilo que fizermos, a tudo o que formos. A tarefa da meditacáo,
portanto, é conduzir nossa mente a um estado de quietude, silencio e
concentrac.áo que envolva todo o nosso ser em clima de oracáo, aberto á
Presenca silenciosa e misteriosa de Deus.

458
MEDITACÁO CRISTA 27

Para meditar, convém procurar um lugar quieto e sentar-se con-


fortavelmente, mas com a coluna ereta. Feche seus olhos suavemente.
Permaneca relaxado, porém alerta. Em silencio, interiormente, comece a
repetir urna única palavra. Embora outras palavras possam ser usadas,
nos costumamos recomendar a palavra-oracáo "Maranatha", que é urna
aglutinacáo de duas palavras de aramaico, a mesma língua que Jesús
falava. Significa "Vinde, Senhor" e é, provavelmente, a mais antiga ora-
cáo crista. Sao Paulo usou-a para encerrar Corintios 1, e Sao Joao para
encerrar o Apocalipse.

Esta é urna palavra radicalmente simples. Mas nao pense em


seu sentido - limite-se a pronunciar, mentalmente, cada urna de suas
sílabas: Ma-ra-na-tha, em ritmo lento. Muitas pessoas associam essa
repeticáo ao ritmo calmo e regular de sua respiracáo. Se pensamentos
ou imagens aparecem, trate-os como distragóes e simplesmente retorne
á repeticáo da palavra. Medite todos os dias, cada manhá e á noite, por
um período de vinte a trinta minutos».

A palavra-oracáo a ser repetida é este mantra.

b) E que é o mantra?

O mantra quer dizer etimológicamente instrumento para pensar.


É, segundo a filosofía religiosa hindúísta, urna palavra sagrada que re
presenta a esséncia sutil e concreta de todas as coisas; tem poder divino
como o tem a Divindade que o mantra exprime; materializa o poder da
divindade invocada. De todos os mantras o mais usual é o fonema OM,
que pode ser decomposto em A-UM, símbolo do Absoluto. O gurú, pro
nunciando mantras, desperta as energías latentes do seu discípulo. Com
outras palavras: o mantra póe o individuo em contato com a energía dis
persa pelo universo; produz efeitos de sintonía com o cosmo. A concep-
cáo subjacente é que o homem, o mundo e a Divindade constituem urna
grande rede de energía: a pessoa deve procurar sintonizar ou colocar-se
na onda de Deus para se encontrar com Deus e atingir o seu grande
centro: Deus (a divindade), eixo do universo e centro da pessoa humana.
- Sao palavras de John Main no citado Boletim:

"Ser bastante generosos para procurar a coisa única necessária.


Naquele mesmo ato de procura descobriremos a unidade de que faze-
mos parte, a unidade de todos em tudo".

«O chamado da oragáo profunda é nada menos que o chamado


para ser, para ser vocé mesmo, para ser no amor, na confianga, em total
abertura para o que é».

«Vocé se descobre em unidade com Deus e com toda a criagáo por


estar, finalmente, em uniao consigo mesmo. Sua consciéncia estará

459
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

simplificada, integrada em Deus».

Note-se a énfase na palavra unidade, que significa mais do que


uniáo. O cristao tende nao á unidade com Deus (pois sabe que Ele é
transcendente), mas á uniáo com Deus, respeitada a diferenca entre Cri
ador e criatura.

É, pois, evidente o fundo panteísta da Meditacáo Crista, fundo este


que pode passar despercebido a um católico de pouco senso crítico (al-
guns textos do Evangelho pretendem ilustrar os dizeres de John Main),
mas bem perceptível a quem tenha clara nocáo do que é meditar no
sentido católico.

2. E a Meditacáo Católica?

A meditacáo católica é a refiexao sobre algum ponto do patrimonio


da fé, refiexao que mobiiiza em certo grau a inteligencia (e pode valer-se
da memoria e da imaginacáo); tem por objetivo avaliar mais profunda
mente o significado preciso das verdades reveladas, a fim de que o fiel
chegue á oracáo e á mais íntima uniáo com Deus. Para obter este resul
tado, o cristáo conta com a graca do Senhor, que Ihe é concedida sem
especiáis artificios de ordem física; compreende-se, porém, que o silen
cio exterior e o silencio interior (no íntimo do orante) sejam condicóes
oportunas para que possa haver refiexao ou meditacáo e oracáo. Nao há
postura física recomendada em particular no roteiro da meditacáo.

O exercício assim concebido é dito no Antigo Testamento "rumi-


nar"; cf. S11, 2. Entre os cristáos, este "ruminar" é praticado de preferen
cia sobre o Evangelho e os feitos da Redencáo. S. Agostinho (t 430) o
expóe nos seguintes termos:

"Quando tu ouves ou les, tu comes; quando meditas o que acabas


de ouvir ou ler, tu ruminas a fim de ser um animal puro e nao um impuro"
Enarratio in Psalmum 36, sermo 3).

Este texto supóe que Jesús Cristo seja o alimento da alma, alimen
to oferecido nao só pela Eucaristía, mas também pela palavra bíblica. A
refiexao assídua sobre essa Palavra é tida como "ruminacáo", ruminacáo
que caracteriza os animáis puros conforme Lv 11, 3 e Dt 14, 6. O cristáo,
tendo lido ou ouvido a Palavra de Deus, quer saboreá-la e assimilá-la
interiormente para que frutifique em sua vida.

A tradicáo dos monges desenvolveu esta prática, assinalando qua-


tro etapas para a oracáo crista:

1) a leitura do texto sagrado, leitura pausada, feita na presenca de


Deus, até que o leitor encontré urna frase ou um versículo que o impres-
sione por sua densidade; pare entáo e passe para

460
MEDITACÁO CRISTA 29

2) a meditacáo, procurando aprofundar o que o texto quer dizer;


pode usar todas as faculdades da mente (intelecto, imaginacáo, memo
ria...) para ir ao ámago do que o texto quer dizer; considere quem é Deus
que fala e age..., quem é a criatura, objeto da acáo de Deus,... quais as
circunstancias em que tal ou tal acáo ocorre segundo o texto sagrado...
Estas reflexóes devem suscitar o desejo de

3) oracáo ou coloquio com Deus ... a fim de adorá-Lo, agrade-


cer-Lhe, pedir-Lhe perdáo e suplicar-Lhe as gracas necessárias para
corresponder exatamente á mensagem do Senhor. Por último, o orante
se entrega á

4) contemplacáo: deixa-se ficar tranquilo, em silencio interior, na


presenca de Deus, saboreando espirituaimente as verdades recordadas
e procurando ouvir o que o Senhor tenha a Ihe dizer...

Estas quatro etapas de oracáo constituem o que também se cha


ma lectio divina; foram e sao muito usuais em ambientes monásticos
católicos. Do século XVI em diante, novos métodos de oracáo, inspira
dos por escolas de espirituaiidade modernas, tém-se propagado entre os
fiéis católicos; guardam todos a mesma atitude de pobreza interior, hu-
mildade, confianca na graca de Deus, expansáo da vida sacramental...
Sao, entre outras,

- a escola inaciana, de S. Inácio de Loiola (t 1556); os "Exercíci-


os Espirituais" propóem o método das tres faculdades da alma, a aplica-
cáo dos sentidos, a contemplacáo dos misterios (ou da vida terrestre) de
Cristo;

- a escola carmelitana e sua prática de meditacáo;

- a escola dominicana e seus exercícios de oracáo;

- a escola de S. Francisco de Sales e seu estilo de meditacáo


adaptada á vida do cristáo no mundo;

- a escola oratoriana, com seus mestres J.J. Olier e Sao Joáo


Eudes;

- a escola de Sao Joáo Batista de La Salle, voltada para Religi


osos nao sacerdotes.

Tal é a riqueza da meditacáo crista católica, fiel aos grandes princi


pios da fé e isenta de concepcoes panteístas.

A respeito de John Main e seus escritos ver PR 392/1995, pp. 2-15.

461
Um grande dentista:

FALA O DR. JÉRÓME LEJEUNE

Em síntese: Ñas páginas subseqüentes é reproduzida urna entre


vista concedida pelo Dr. Jéróme Lejeune ao periódico VEJA, após ter
sido impedido de falar aos médicos do Brasil. O Dr. Lejeune defende o
direito á vida tanto do mongolóide quanto de qualquer embriáo; a vida
humana comega quando se dá a fecundagáo do óvulo pelo
espermatozoide.

A Redagáo de PR recebeu via internet o texto de urna entrevista


concedida pelo Dr. Jéróme Lejeune ao semanario VEJA (edicáo de 11/
09/91, n° 37). Vai, a seguir, reproduzido na íntegra, vista a atualidade da
temática abordada.

Médico francés que descobriu a causa genética da síndrome de


down, impedido de falar no brasil, faz crítica radical ao aborto.

Áspero confronto entre os defensores do aborto e seus opositores,


que nos Estados Unidos já virou urna verdadeira guerra, fez urna vítima
grave no Brasil. Convidado para participar de um congresso de Medicina
Fetal, promovido entre 22 e 25 de agosto pela Faculdade de Medicina da
Universidade de Sao Paulo, o médico francés Jéróme Lejeune teve a
palavra cassada diante do boicote erguido por outros conferencistas, in
gleses e franceses. Católico praticante e crítico ferrenho do aborto, Lejeune
está acostumado a comprar brigas famosas na defesa de suas opinioes,
mas agora se declara profundamente chocado. "É a primeira vez que sou
convidado a participar de urna manifestacáo dessa ordem para ser
desconvidado em seguida", disse ele ao desembarcar de volta em París,
na quinta-feira passada.

Professor da Universidade Rene Descartes, de París, e especialis


ta em Genética Fundamental, Lejeune passou quase a metade de seus
65 anos de vida cuidando de portadores da síndrome de Down, vulgar
mente conhecida como mongolismo, urna anomalía incurável que só no
Brasil afeta 120.000 criancas e um número igualmente grande de jovens
e adultos. Na década de 50, Lejeune se tornou mundialmente conhecido
por urna descoberta crucial. Ele constatou que os portadores da síndrome
de Down tém um cromossomo a mais do que as pessoas consideradas
normáis. Seu feito foi celebrado pela comunidade científica internacio
nal, pois era a primeira vez que se descobria, no ser humano, urna doen-

462
FALA O DR. JÉRÓME LEJEUNE

9a decorrente de um erro cromossómico. Até entáo, acreditava-se que a


síndrome de Down - identificada em 1866 por John Landgon Down -
fosse urna "regressáo a racas inferiores". Nessa entrevista, Lejeune fala
da ética do aborto, da vida dos deficientes mentáis e dos progressos no
tratamento dos excepcionais.

VEJA - "Como o senhor analisa o boicote promovido por seus co


legas médicos no congresso realizado em Sao Paulo?

LEJEUNE - Essa atitude revela urna profunda intolerancia e nega


todos os principios da democracia e da liberdade que os próprios defen
sores do aborto utilizam como argumento para justificá-lo.

VEJA - O senhor se senté urna voz solitaria?

LEJEUNE - Sou constantemente atacado por minhas posicóes e


sei que minha presenca é tácitamente proibida na televisáo francesa.
Mas, assim como eu, acredito que a maior parte dos médicos é contra o
aborto. Qualquer profissional que faz o juramento de Hipócrates, pensa
dessa forma. É urna bobagem quererem fazer de mim o porta-voz solita
rio de valores supostamente ignorados pela sociedade. Embora a legisla-
gao francesa favore9a o aborto, a esséncia da classe media pensa como eu.

VEJA - Os modernos exames pré-natais, que podem ser feitos ñas


primeiras semanas de gestagáo, permitem que se saiba, com anteceden
cia, se a enanca terá alguma deficiencia. Nesses casos, o senhor acredi
ta que os pais tém o direito de recorrer ao aborto?

LEJEUNE - Minha resposta é nao. Para mim, o aborto é um crime


em quaisquer circunstancias. Os fetos que apresentam problemas, as
criancas que nascem doentes, com síndrome de Down por exempio, tém
todo o direito de viver, o mesmo direito dos seres humanos considerados
100% saudáveis. Os defensores do aborto dizem que o feto na barriga da
máe, especialmente ñas primeiras semanas da gravidez, ainda nao é
urna pessoa, ainda nao vive. Isso é urna distorcáo da verdade científica.

VEJA - Para o senhor, a vida comega a existir no momento da


concepgáo?

LEJEUNE - Nao quero repetir o obvio. Mas, na verdade, a vida


comeca na fecundacáo. Quando os 23 cromossomos masculinos trans
portados pelo espermatozoide se encontram com os 23 cromossomos
da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já
estáo presentes. A fecundagáo é o marco do inicio da vida. Daí para a
frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato.

VEJA - Isso significa que, para o senhor, nao há nenhuma diferen-


ga entre a mulher que faz aborto porque a crianga nasceria com um defei-

463
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

toe a que o faz simplesmente porque nao deseja o filho?

LEJEUNE - Nao sou juiz e nao tenho formacáo jurídica para esta-
belecer o que é correto. Mas é possível que, na interrupcao voluntaria da
gravidez, existam fatores atenuantes. Isso, no entanto, nao é um proble
ma médico, mas jurídico ou moral. Como médico, digo apenas que um
feto é sempre um feto. Um bebé é sempre um bebé. E, se ele é doente,
devemos estar a seu servico - e nao ajudá-lo a morrer. Do ponto de vista
médico, as duas modalidades de aborto sao iguais.

VEJA - O senhor condena o chamado aborto terapéutico, ou seja,


a interrupgáo da gravidez quando se sabe, de antemao, que a crianga
nascerá defeituosa, apenas por motivos médicos?

LEJEUNE - Por motivos médicos e cristaos, porque sou um ho-


mem de fé, um católico praticante. Urna "terapia" que mata 100% nao é
urna terapia. O "aborto terapéutico" deveria ser chamado de aborto de
conveniencia. Eu daría até um outro nome: aborto racista.

VEJA - O que o leva a concluir que essa é urna prática racista?

LEJEUNE - Sugerir que se elimine este ou aquele ser humano


porque possui esta ou aquela anomalía é um comportamento racista. Os
país que defendem isso nao querem ter um filho doente. Entao fazem
urna especie de racionalizacáo. Decidem matar a futura criatura simples-
mente porque ela terá um problema, porque tem um cromossomo a mais.
Isso é puro racismo cromossómico. Na síndrome de Down ou trissomia
21, por exemplo, já há um preconceito embutido na sua própria denomi-
nacáo vulgar. Ela é chamada, popularmente, de "mongolismo", porque
as criancas que a portam tém um aspecto particular que lembra ligera
mente, para um ocidental, as feicóes de um tipo asiático. Na Mongólia,
porém, a doenca nao deve ser chamada de mongolismo, mas de "imbe-
cilidade ocidental".

VEJA - Mas as pessoas que defendem o aborto, no caso de o feto


apresentar defeito, dizem que fazem isso em nome da crianga, que teña
um sofrimento enorme para carregar durante a vida.

LEJEUNE - Pela minha experiencia, o aborto resolve o problema


dos pais, nao o dos filhos. É ingenuo acreditar que os pais defendem o
aborto porque o feto tem um problema irreversível. Na verdade, essas
pessoas se servem das doencas detectadas pelos modernos exames
pré-natais para que tenham o direito de se ver livres de urna crianga com
má-formacáo, para nao terem um problema. É urna lógica curiosa. Quan
do eu era jovem, era moda dizer que aquele que ama, castiga. Nunca
acredite! nessa historia. Agora, insistem numa nova tese: quem ama, mata.
Jamáis aceitarei isso.

464
FALA O DR. JÉRÓME LEJEUNE 33

VEJA - O que o senhor faria se soubesse que a sua mulher estava


esperando um filho com a síndrome de Down?

LEJEUNE - É claro que jamáis pensaría em aborto. Dedico minha


vida a cuidar das criancas, dos jovens e dos adultos portadores da
síndrome de Down. Quero-os vivos, muito vivos. Faria o possível para
ajudar o meu filho a saber caminhar sozinho no mundo que o cerca.

VEJA - Existem deficiencias mentáis, como a síndrome de Down,


que sao provocadas durante a gravidez. Outras aparecem durante o nas-
cimento e decorrem de traumatismos ou da falta de oxigenacáo do cere
bro. Há anomalías mentáis que só se manifestam depois do nascimento.
O que é obra da fatalidade e o que é de responsabilidade dos país?

LEJEUNE - Ñas debilidades ligadas á inteligencia, a


irresponsabilidade da familia se reflete em duas situacóes: no alcoolismo
e no consumo de drogas. A mulher que bebe durante a gravidez, intoxi
ca, ou seja, envenena a crianca. Conhecemos um pouco menos os efei-
tos das drogas, mas sabemos que elas também agridem o feto. Urna
outra obrigacáo da sociedade é exigir que as muiheres sejam vacinadas
contra a rubéola antes mesmo de pensarem em ter filhos.

VEJA - Qual o papel da idade da máe como fator de risco?

LEJEUNE - A idade ideal de reproducáo se sitúa entre os 20 e os


35 anos. A reproducáo é completamente desaconseihável antes dos 15
e depois dos 45 anos. Essas sao faixas comprovadamente de risco. É
preciso educar a populacáo para isso. Na síndrome de Down, urna mu
lher que tem entre 20 e 30 anos tem urna possibilidade sobre 2.000 de
por no mundo um filho deficiente. Se ela é muito jovem ou já passou dos
40, esse risco chega até a 2% dos casos. Isso é muito. Se quisermos
diminuir a incidencia da síndrome de Down, basta aconselhar as máes a
nao ter filhos muito cedo nem tarde demais. Com isso, a incidencia da
doenca cairia em pelo menos um terco.

VEJA - E os deficientes mentáis? É justo que eles tenham filhos,


correndo o risco de também gerarem filhos deficientes?

LEJEUNE - Creio que as pessoas que possuem alguma especie


de debilidade e nao sao capazes de cuidar de seus filhos devem optar
por nao os ter. Cabe a nos, médicos, orientar os portadores da síndrome
de Down, por exemplo, porque é inconveniente que eles procriem.

VEJA - A chegada de um filho, mesmo saudável, é um evento úni


co na vida dos casáis. Traz alteragóes enormes na estrutura familiar. Que
mudancas ocorrem na familia quando se descobre que o filho tem algum
defeito?

465
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

LEJEUNE - O nasclmento de urna enanca com problemas, men


táis ou físicos, é urna revelacáo terrível. Os pais sofrem profundamente e
este sofrimento pode levar a duas situacoes. Uma é a reaproximacáo do
casal, que se une como nunca. A familia toma-se exemplar, excepcional-
mente carinhosa. Outra possibilidade é os pais nao suportarem o golpe,
e ai a familia se quebra. Mas a experiencia mostra que há menos divorci
os ñas familias cujos filhos tém deficiencias do que ñas familias com
filhos normáis. Conheco mais de 2.000 portadores da síndrome de Down,
com nome e sobrenome, e em sua grande maioria os pais vivem bem.
Sao felizes, apesar de tudo.

VEJA - Uma regra aparentemente geral entre pais e filhos excepci-


onais é a superprotegáo. Hoje em dia, alguns psicólogos acreditam que a
superprotegáo é uma rejeigáo disfargada. Como os pais devem lidar com
filhos deficientes?

LEJEUNE - É normal que os pais protejam uma crianca que é mais


frágil do que as outras. Só faco uma recomendacáo geral aos pais: preo-
cupem-se mais com a crianca do que com a doenca. Nao me sinto no
direito de condenar os pais que protegem em demasía os filhos com pro
blemas. Eles apenas estáo tendo uma reacao de carinho, muito natural e
compreensível no ser humano.

VEJA - Qual a diferenga entre loucura e deficiencia mental?


LEJEUNE-Os excepcional possuem uma nocáo perfeita do bom
senso. Eles nao tém a capacidade de realizar raciocinios complicados,
de fazer cálculos matemáticos, por exemplo. Mas dominam uma faculda-
de essencial e superior do ser humano: sabem distinguir o que é belo do
que é bom e o que é ruim. As dificuldades da síndrome de Down, por
exemplo, nao tém nada a ver com o delirio da loucura. Só nao podemos
exigir dos deficientes que eles facam determinadas atividades - de resto,
o comportamento deles é plenamente integrável á sociedade.

VEJA - Por que, entáo, alguns especialistas recomendam que as


criangas com síndrome de Down freqüentem escolas diferenciadas, ex
clusivas para deficientes?

LEJEUNE - É necessário considerar, antes de mais nada, que nem


todos os portadores da síndrome de Down sao iguais. Há diferencas es-
senciais entre eles. Alguns beiram a normalidade absoluta e outros tém
dificuldades seríssimas. Estes últimos devem mesmo freqüentar escolas
especiáis, já que nao conseguiráo adaptar-se as outras enancas. Os de
ficientes menos graves, porém, devem ser colocados em escolas nor
máis. Sentiráo uma certa rejeicao no inicio, mas logo estaráo integrados.
VEJA - Há novidades na prevengáo, detecgáo e tratamento da
síndrome de Down?

466
FALA O DR. JEROME LEJEUNE 35

LEJEUNE - Pouco se tem avancado na prevencao e na


despistagem da síndrome de Down. A ecografia e o estudo de determi
nadas reacóes químicas ajudam a detectar a presenca da doenca - mas
isso já ocorre há quinze ou vinte anos. Podemos descobrir o mal em
¡numeras oportunidades, mas o fato de os exames nao identificarem o
problema nao é urna garantía total de que o bebé será saudável. O que
existe de novo - e isso se desenvolve de forma impressionante - sao os
avancos na terapia do deficiente mental.

VEJA - Que avangos sao esses?

LEJEUNE - Eles ocorrem em duas direcóes. A primeira délas, ex


tremamente inteligente, pode ser comparada ao motor de um automóvel
que saiu da fábrica com urna vela a mais. O carro deveria ter quatro velas
mas foi produzido com cinco. Um mecánico despreparado simplesmente
jogaria fora urna das velas. Esse mecánico seria a pessoa que defende o
aborto, quando se constata que a enanca apresentará a síndrome de
Down. Um mecánico preparado, no entanto, daria um jeito de desconectar
a vela a mais. É nesta direcáo que andam as pesquisas.
Buscamos medicamentos capazes de silenciar o cromossomo extra.

VEJA - E qual é o segundo caminho das pesquisas terapéuticas


da síndrome de Down?

LEJEUNE - Descobriu-se que certas reacoes químicas sao mais


rápidas entre os portadores da síndrome e que essas reacoes acabam
por agravar o mal. Nossa suposigáo é que, ao controlar com medicamen
tos a liberacáo dessas substancias, estaremos também atenuando a de
ficiencia mental. Creio que em um futuro muito breve, coisa de poucos
anos, o sofrimento do deficiente poderá ser bastante reduzido.

VEJA - A vida dos portadores da síndrome de Down é melhor hoje


que no passado?

LEJEUNE - Acho que nao. Antes, tanto a civilizacáo européia como


a brasileira, eram essencialmente rurais. O garotinho com debilidade fi-
cava no seu ambiente de origem, na sua cidade, ia de urna casa para
outra, tornava-se urna figura respeitada e ajudada pelos outros. No mun
do atual, extremamente dependente da técnica, a vida dos deficientes
mentáis piorou. Tome-se como exemplo o que ocorre num metro, seja no
de Paris ou no de Sao Paulo, com seus guichés de venda de tíquetes
eletrónicos, suas catracas que precisam ser acionadas pelas pessoas e
assim por diante. Eu mesmo, que nao tenho nenhuma deficiencia, fico
perdido. Sinto-me incapaz, intelectualmente. Imagine-se, entáo, a dificul-
dade dos meninos e meninas com a síndrome de Down para circular
naquela parafernália. Hoje, já sabemos mais sobre os doentes, o precon-
ceito é menor. Mas existe esse obstáculo do mundo moderno. O homem,

467
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

históricamente, é hostil aos que nao tém sucesso e, quando desenvolve


seus aparatos técnicos, nao se preocupa com os deficientes.

VEJA - As pessoas tidas como normáis sabem com certa precisáo


quais sao as dificuldades dos deficientes mentáis. E eles? Os deficientes
mentáis conhecem seus limites?

LEJEUNE - Sim, com essa tnesma precisáo. Sabem que nao se-
ráo campeóes de Matemática e nao sonham com isso. Dou um exemplo.
Se encontró um rapaz muito branco e magro, com 1,65 metro de altura,
vejo que ele jamáis poderia ser um campeáo de boxe peso pesado. Nao
é grande o suficiente, nao é forte o suficiente e nao é negro. Nao Valeria
nem a pena treiná-lo. Os deficientes também nao podem ser campeóes
de boxe e nao se sentem inferiores por causa disso.

VEJA - A sociedade sabe identificar um deficiente mental e sabe


melhorainda como deixá-lo de lado. O que eles acham das pessoas "nor
máis", que só neste sáculo ]á se meteram em duas guerras mundiais?

LEJEUNE - Eles nao julgam as pessoas capacitadas pelas suas


características intelectuais. Porém possuem um julgamento preciso e re-
conhecem com facilidade quem está sendo gentil ou nao. Eles tém no-
cáo exata de quem é bom e de quem está sendo mau. E aproveito para
fazer, aqui, um apelo. Gostaria de que as pessoas consideradas normáis,
cada vez que encontrassem um portador da síndrome de Down, acreditas-
sem nele. Nao há gente mais sincera no mundo em que vivemos».

CÍRCULO DE LEITURA
A Editora Quadrante oferece periódicamente aos seus assinantes
um bom livro de espirítualidade. Assinar o Círculo de Leitura implica as-
segurar para si mesmo um permanente subsidio de vida espiritual.

Em setembro 2002 a oferta versou sobre S. Tomás Moro com o


título "A sos com Deus. Escritos da Prisáo". Tomás nasceu em Londres
no ano de 1478; tornou-se um grande humanista e político. Visto que
resistiu ao rei Henrique VIII quando este se proclamou chefe da Igreja na
Inglaterra, foi encerrado na Torre de Londres desde 17 de abril de 1534 a
6 dejulho de 1535 (véspera de sua morte na guilhotina). Os escritos que
entáo redigiu, sao cartas e oragóes, que bem exprimem a sua tempera
forte e intrépida, como se depreende do seguinte trecho: "Que o Senhor
me conserve sempre verdadeiramente fiel e sincero; caso contrario, su-
plico-lhe de coragáo que nao me deixe viver mais... Estou contente por ir
me, se Deus me chamar daqui amanha". Por sua coeréncia de mártir, Sao
Tomás Moro foi declarado Patrono dos Políticos pelo Papa Joáo Paulo II.

Pedidos de informagóes sejam dirigidos á QUADRANTE, Rúa


Iperoig 604, 05016-000 Sao Paulo (SP). Fone: 3873-2270.

468
Pergunta-se:

QUE FARÁO COM OS EMBRIÓES?


SERÁO JOGADOS NO LIXO?

Em sintese: Há milhóes de embrides congelados no mundo, a es


pera de seu destino: ou a implantagáo no útero da mulher (máe ou bené
vola genitora) ou destruigáo ou... Enquanto na Inglaterra é lícito destruí-
los após cinco anos de congelamento, no Brasil isto nao é permitido; nao
há legislagáo atualizada a respeito. A questáo portanto fica abena, mani
festando os graves inconvenientes da manipulagáo genética, tanto mais
graves quanto se sabe, por vias científicas que o embriáo é verdadeiro
ser humano.
* * *

Vía internet recebemos interessante materia publicada no COR-


REIO BRAZILIENSE referente a embrioes congelados, tendo por autora
a jornalista Christiana Suppa - Visto que a materia merece difusáo,
publicamo-la a seguir.

«QUE FARÁO COM OS EMBRIÓES? JOGARÁO NO LIXO? ES-


TRANHOS BERCÁRIOS!
Em botijóes feitos para armazenar semen de boi, guardados em
laboratorios ou cámaras frigoríficas, milhoes de embrioes permanecem
congelados, espalhados pelo mundo. Para a Igreja sao vidas humanas,
para a ciencia nao.1 Mas nao podem ser destruidos. Esses estranhos
becarios aumentam a sua populacáo a cada dia e nao existe solucáo
satisfatória para o problema. Um bom número é utilizado para os trata-
mentos de fertilizagáo artificial. A maioria, porém, fica depositada, sem
destino.

Cada botijáo tem capacidade para armazenar cerca de 800 embri


oes. Eles sao colocados aos pares em tubos de ensaio bem fininhos e
mantidos á temperatura de 196 graus centígrados negativos. Ficam mer-
gulhados em nitrogénio líquido, que é reabastecido semanalmente. Até
quando váo permanecer nesse ambiente, nao se sabe.
Em Brasilia, essa estranha populacáo gira em torno de 1.700 em
brioes, armazenados em duas clínicas particulares e no Hospital Regio-

1 Definir quando comega a vida humana nao é da algada da Igreja, mas da ciencia
empírica. Ora o Dr. Jérdme Lejeune já demonstrou que logo após a fecundacao do
óvulo há um novo ser humano. Nao existe pré-embriáo que nao seja verdadeiramen-
te humano. Cf. PR 479/2002, pp. 181sse p. 463 deste fascículo.

469
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

nal da Asa Sul (onde desde abril os tratamentos estáo suspensos por
falta de medicacáo), instituicóes estas que desenvolvem a técnica da
fertilizacáo in vitro. Ñas duas clínicas, o número de embrioes congelados
passa de 1.500. Sao números bastante significativos, levando-se em conta
que as clínicas da cidade trabaiham com a técnica de congelamento há
menos de dez anos. Até que os país decidam o que fazer com esses
embrioes, as clínicas cobram urna taxa que varia de R$ 180 por semestre a
R$ 200 por ano para cuidar deles. O valor é para custear a reposicáo do
nitrogénio líquido onde os embrioes ficam mergulhados, dentro dos botijóes.

O problema que se vislumbra a partir desses números é a explo-


sáo demográfica decorrente da estocagem de embrioes congelados e
nao aproveitados. "É realmente urna situacáo difícil. É urna bomba de
efeito retardado", admite Adelino Amaral Silva, médico de urna das clíni
cas da cidade.

No Brasil nao existem leis específicas para tais procedimentos. O


que orienta os médicos que trabaiham com reproducao humana sao as
normas do Conselho Federal de Medicina. Editadas em 1992, servem de
jurisprudencia para todos os servicos que praticam a técnica. Para o
Conselho, sao tres as possibilidades de uso dos embrioes produzidos
artificialmente: 1) serem usados novamente pelo casal, 2) serem doados
para casáis totalmente esteréis ou 3) serem congelados. É expressa-
mente proibida a sua destruicáo.

A legislacáo da maioria dos países é bastante semelhante, com


excecáo da Grá-Bretanha, onde os casáis tém um prazo de cinco anos
para pedirá guarda dos embrioes. Se nao pedirem, eles seráo destruidos.
Essa prática causou enorme polémica há alguns anos no país quando
mais de seis mil embrioes foram jogados no lixo.

A assistente de transcricáo do Hospital Sarah Kubitschek, Francisca


Leitáo, de 36 anos, nem bem se acostumou com a idéia da primeira gra
videz, aínda ñas primeiras semanas, e já pensa na segunda. Isto porque,
após as tentativas para a gestacáo do primogénito, sobraram quatro em
brioes congelados. "Nao teria coragem de doar nem deixar lá pra sem-
pre. Mesmo que este nao fosse meu primeiro filho, iria tentar até esgotar
os embrioes congelados. Minha consciéncia nao ficaria tranquila saben-
do que meus possíveis filhos dormiriam pra sempre naqueles botijóes",
revela Francisca. ■

Urna das questóes mais difíceis de resolver é a diferenca entre o


conceito de vida para a ciencia e a Igreja. Enquanto a segunda considera
que a vida comeca no momento da fecundacáo, a ciencia acredita que o
pré-embriáo nao é vida aínda. Isto porque, até a divisáo de oito células,
ele nao tem capacidade de sobreviver fora das condicoes adequadas. "A

470
QUE FARÁO COM OS EMBRIOES? SERÁO JOGADOS NO LIXO? 39

vida correa no momento em que o espermatozoide fecunda o óvulo. E


para a Igreja, nenhuma vida pode ser descartada", argumenta Dom
Raymundo Damasceno, bispo auxiliar de Brasilia e secretário-geral da
Confederacáo Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Segundo Adelino Amaral, urna tentativa para reduzir o número de
embrioes congelados seria a transferencia tardía. Em vez de inserir os
embrioes no útero da mulher no segundo ou terceiro día, como se faz
normalmente, isto seria feito no quinto día, no chamado estágio de
blastocisto. É essa a forma como ocorre na natureza. Na fecundacáo
normal, o embriáo gruda no útero quando está nesse estágio. É só man-
ter o embriáo em meio de cultura por mais tempo. Segundo Adelino, o
problema maior dessa prática é que somente 50% dos embrioes chegam
a esse estágio. Metade do trabalho se perde no caminho. Com isso, as
vezes nao se tem embriáo para transferir, o que é muito frustrante tanto
para a mulher quanto para o médico.
O congelamento de óvulos também pode ser urna saída para redu
zir a superpopulacáo de embrioes. A fecunda$áo seria feita apenas no
momento em que as mulheres quisessem engravidar. Mas a ciencia ain-
da nao evoluiu a tal ponto. Como o óvulo é urna célula muito grande, na
hora do congelamento formam-se cristais no seu interior, que destroem a
célula. No Brasil, existe apenas um nascimento de óvulo congelado. No
mundo todo sao pouquíssimos.

Para Joaquim Roberto Costa Lopes, presidente da Sociedade Bra-


sileira de Reproducáo Humana, outra maneira de reduzir o número de
embrioes congelados é colocar a responsabilidade ñas máos do casal.
"Aqui na clínica, procuramos ser muito claros com os pacientes. Por isso,
um percentual grande volta para utilizar as sobras. Se o casal nao quer
receber os embrioes, nao inseminamos todos os óvulos. Com isso a gen
te reduz muito o problema do embriáo rejeitado", ensina o médico.
A clínica oferece tres opcóes ao casal. Ele pode receber seus em
brioes, doar e, após cinco anos, se nao quiser mais filhos, assumir a
guarda dos embrioes. "O casal pode guardar seus embrioes em casa,
em um botijáo de nitrogénio líquido. É só fazer um contrato com a empre
sa, que fará a reposicáo periódicamente. É o que fazemos na clínica",
sugere Joaquim.
Na fertilizacáo in vitro, a mulher é submetida a urna medicacáo que
estimula a ovulacáo. Assim, em vez de produzir apenas um óvulo por
ciclo, ela produz quantidade bem maior. Os óvulos sao retirados e
inseminados em laboratorio. Sao selecionados e fecundados. Como o
Conselho Federal de Medicina estipula que só podem ser transferidos
para o útero da mulher quatro embrides de cada vez, os excedentes sao
congelados.

471
Para salvar vidas:

OS TRANSPLANTES: MODALIDADES

Em síntese: Os transplantes de tecidos e órgáos sao desejáveis


na medida em que atendem a necessidade do próximo sem prejudicar
gravemente nem matar o doador. Sao especialmente beneméritos os trans
plantes de células-tronco de adulto para adulto (paciente de Parkinson,
Alzheimer...). Sao condenáveis os transplantes de células de embrides
produzidos artificialmente para ser manipulados e, posteriomente, con
gelados ou destruidos.

Já abordamos a temática dos transplantes em PR 425/1997, pp.


475ss. Visto que o assunto volta á baila com modalidades novas, a ele
vai dedicado o presente artigo.

Por transplante entenda-se a operacáo cirúrgica pela qual se en-


xerta no organismo receptor um tecido ou mesmo um órgáo colhido do
doador, a fim de que o organismo receptor cumpra as suas funcóes, be
neficiando a saúde do enfermo.

Distinguiremos tres modalidades de transplante: 1) o de individuo


vivo para vivo; 2) o de morto para vivo e 3) o de animal irracional para o
ser humano - o que se chama xenotransplante.

1. De vivo para vivo

Se o transplante é realizado de pessoa viva para pessoa viva, nao


deve prejudicar decisivamente a saúde do doador ou nao deve causar
risco serio para o doador. Assim se entende a transfusáo de sangue, o
transplante de fragmentos de ossos, cartilagem, pequeñas seccoes de
glándulas ou de vasos sanguíneos, fígado, rim... O organismo do doador
costuma restaurar-se sem grande dificuldade após a extracáo do materi
al doado.

O transplante de rim é mais delicado, pois se trata de órgáo de


mais importancia. Verifica-se, porém, que o organismo humano funciona
bem, mesmo com um rim só. Daí nao haver obstáculo para tal tipo de
operacáo, desde que seja realizada com probabilidade de éxito e sem
constranger o doador; este deve ser respeitado em sua liberdade, de
modo a farer urna doacáo consciente e voluntaria.

A caridade e a solidariedade recomendam os transplantes, que se


tornam muito necessários ao bem-estar de numerosas pessoas. Sabe-

472
OS TRANSPLANTES: MODALIDADES

se que há dificuldade em conseguir doadores sadios para transplantes


de valor decisivo para o próximo.

Dentro desta modalidade de transplante um procedimento novo


ocorre em nossos dias: o de células-tronco, aptas a propiciar a cura de
doencas até o presente incuráveis. Tal prática é plenamente lícita ou
mesmo muito desejável quando ocorre de adulto para adulto ou do indi
viduo para o individuo mesmo. Nao é lícita quando, para fazer o trans
plante, sao produzidos artificialmente embrióes humanos destinados a
ser destruidos ou congelados depois de explorados ou manipulados; a
rejeicáo desta prática está baseada no fato de que o embriáo já é autén
tico ser humano desde a fecundacáo do óvulo, de tal modo que destruir
ou simplesmente manipular um embriáo vem a ser um atentado contra a
dignidade humana1; esta afirmacáo tomou-se indubitável após as experi
encia do Dr. Jéróme Lejeune.

Aos 28/06/02 a imprensa noticiou um caso que parece ser trans


plante do individuo para o individuo mesmo:

«DOENCA RARA JÁ TEM CURA


Médicos usam células-tronco

Washington - Urna equipe de médicos da Italia e de Israel, utili


zando terapia experimental, conseguiu curar duas criangas que nao ti-
nham defesa imunológica. Segundo o trabalho, relatado na edigáo desta
semana da revista Science, as criangas sofriam de disturbio múltiplo de
imunodeficiéncia, causado por urna deficiencia genética que impede a
fabricagáo da enzima ADA - essencial para produzir as células do siste
ma imunológico.

Os pesquisadores injetaram ñas criangas células-tronco da medu


la óssea alteradas para conter o gene sem a deficiencia, a fim de que os
pacientes pudessem produzir a enzima. Conforme seu relato, elas de-
senvolveram um sistema imunológico em poucos meses.

Professor da Universidade do Sul da California e um dos pioneiros


nesse tipo de trabalho, o doutor W. French Anderson disse que a pesqui
sa dos médicos da Italia e de Israel representa um grande avango para o
conceito de terapia genética.

Dois pacientes de Anderson levam vida normal desde que se sub-


meteram ao trabalho, em 1990. Entretanto, precisam de injegóes periódi
cas da enzima ADA.

Segundo o professor, a técnica dos dentistas italianos e israelen-


ses parece ser definitiva e nao necessitar de injegóes para suplemen-
tagáo» (JB, 28/6/2002, p. 7).

473
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

Examinemos agora o transplante:

2. De morto para vivo

Em tal caso, requer-se, para a liceidade do mesmo, que o doador


esteja realmente morto. Nao é lícito antecipar ou precipitar a morte de
quem quer que seja, mesmo que a finalidade seja caritativa. Na verdade,
o fim nao justifica os meios.

Atualmente ainda é difícil definir o momento preciso em que se dá


a morte de alguém, pois a morte real nao coincide com a morte clínica.
Com efeito, sabemos que, depois de averiguada a morte pelo médico
(que dá o atestado de óbito), ainda se esperam algumas horas para se
pultar o cadáver, pois a morte real (ou a separacáo de corpo e alma) é
posterior á morte clínica. A alma humana ainda permanece no corpo al
gumas horas, tanto que em alguns casos já se viu o pretenso defunto se
mexer no caixáo porque ainda vivo. Quando a morte é brusca e ocorre
num organismo jovem e sadio, é mais longo o tempo de permanencia da
alma no corpo; e muito mais breve, se a doenca vem solapando as ener
gías de um paciente antes de o levar á morte.

O caso mais discutido é o do transplante de coracáo; exige grande


pericia dos médicos para retirarem do doador o coracáo ainda aproveitável,
sem provocarem a morte do sujeito. Para definir com certeza a morte de
alguém, varios dentistas requerem hoje dois eletroencefalogramas lisos,
tirados a intervalo de seis horas um do outro. Isto pode parecer exigente
demais, de modo que se receia que alguns profissionais antecipem a
morte do doador.

Vista a escassez de doadores humanos, a medicina tem recorrido


ao xenotransplante.

3. Do animal irracional ao ser humano

A técnica dos xenotransplantes está dando seus primeiros passos.


Nos Estados Unidos, há alguns anos, um menino que nasceu com o
coracáo mal formado, sobreviveu por algum tempo com o coracáo de um
macaco. Na Universidade de Pittsburg dois homens que receberam cada
qual um coracáo de macaco, ainda viveram algumas semanas.

Dois perigos ameacam os xenotransplantes: 1) o da rejeicáo por


parte do sistema imunológico e 2) o de infeccáo por causa do cruzamen-
to das especies. Para imunizar-se contra esses males, os cientistas es-
táo injetando células de feto de porco no cerebro de pacientes de
Parkinson, Alzheimer, epilepsia, apoplexia...

Em particular a engenharia genética está procurando contornar o


perigo de rejeicáo mediante modificacóes na genética dos porcos: os

474
OS TRANSPLANTES: MODALIDADES 43

órgáos do suíno doador devem receber genes humanos. Quanto á infec-


cáo, pergunta-se se o transplante a partir de um irracional produziria urna
epidemia de virus na especie humana... Pois há quem julgue que a epi
demia de AIDS comecou quando o virus HIV passou do macaco para o
homem. É fato, porém, que os órgáos de porcos doadores sao melhores
do que os do cadáver humano.

Do ponto de vista ético, o xenotransplante é lícito contanto que nao


se transplantem cerebro e órgáos genitais (os demais órgáos nao que-
bram a identidade humana). Seja, porém, o paciente bem informado a
respeito do tipo de transplante que se Ihe oferece.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

CONHEpA MELHOR A SUA FÉ


Tendo em vista a necessidade de esclarecer a respeto de novas propostas religiosas ocorrentes
em nossa sociedade, a escola "Mater Ecdesiae" langou varios opúsculos de fácil leitura, intitulados:

1. Por que nao sou Protestante? R$ 2,00 £


2. Por que nao sou Espirita? R$ 2,00 E
3. Por que nao sou Ateu? R$ 2,00 E
P 4. Por que nao sou Macom? R$ 2,00 fl
d 5. Por que nao sou Rosa-Cruz? R$ 2,00 q
" 6. Por que sou Católico? R$ 2,00
fc 7. O Fenómeno Religioso: Sim ou Nao? R$ 2,00 2
S 8. A Ressurreicao de Jesús: Ficcáo ou Realidade? R$ 2,00 n
£ 9. Jesús: Deus e Homem? R$ 2,00 N
M 10. Os milagres de Jesús: Historia ou Mito? R$ 2,00 a
N 11. Jesús sabia que era Deus? R$2,00 q
T 12. Os Novos Movimentos Religiosos R$ 2,00 *
E 13. Por que nao sou Testemunha de Jeová? R$ 2,00 *
14. Por que nao sou Johrei? Por que nao sou Seicho-no-ié? R$ 2,00 U
15. O Estado do Vaticano R$ 2,00
D 16. O Biscoito da Morte R$ 2,00 n,
E 17. Por que nao sou Aquariano (Nova Era)? R$ 2,00 £
18. Reencarnacao: Pros e Contras R$3,00 _
19. QuinzequestóesdeFé R$ 4,00 °
" 20. O Protestantismo: Principáis pontos doutrinários R$ 2,00 A
A 21. Por que nao sou Mórmon? R$2,00 T
j 22. Resposta a Leonardo Boff R$ 2,00 £

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475
Os cálculos demonstram:

CADA CRIATURA HUMANA É IRREPETÍVEL


Dr. Helio Begliomini1

Em sintese: Os gametas masculinos e femininos, aínda que pro-


venham da mesma pessoa, diferem algum tanto entre si (tenha-se em
vista o caso dos gémeos univitelinos). Dado que sao muito numerosas as
possibilidades de combinagáo do espermatozoide com o óvulo,
depreende-se que tal ou tal configuragáo individual de um embriao supóe
tantos acontecimentos contingentes que, praticamente, é irrepetfvel. Em
conseqüéncia deve-se dizer que a existencia de cada pessoa humana,
única e singular como é, se deve a um benévolo designio de Deus, que
nao se reitera e suscita no cristao a alegría e a gratidáo por viver assim
estimado.

O Dr. Helio Begliomini, amigo e colaborador de PR, enviou a esta


revista o artigo que vai, a seguir, publicado. Trata-se de um trabalho cien
tífico serio, posto ao alcance de grande círculo de leitores, que percebe-
ráo a mensagem dos números vertiginosos que entram em cena. - A
Redacáo de PR agradece ao Dr. Helio Begliomini a valiosa cooperacáo.

O IMPERSCRUTÁVEL DOM DA VIDA


"A vida tem urna longa historia, mas cada um de nos tem um inicio
muito preciso, que é o momento da concepgáo".

(Jéróme Lejeune, eminente geneticista e descobridor


da trissomia do cromossoma 21)

A fecundacáo é um fenómeno muito falado e conhecido hoje em


dia. Os alunos de primeiro e segundo graus aprendem rotinetramente no
curriculum escolar os aspectos básicos. Ademáis, a ampia divulgacáo
dos meios de fecundacio assistida disponíveis pelas modernas técnicas
aduzidas pela ciencia contemporánea tem tornado, por vezes, mecáni
cos ou mesmo bañáis, os primordios da vida humana. A geracáo de varios
seres comeca a ser mais do que nunca artificial e desprovida do contexto

1 Médico Assistente do Servigo de Urología do Hospital do Servidor Público do Esta


do de Sao Paulo, Hospital Francisco Morato de Oliveira (HSPE-FMO) e do Instituto
de Medicina Humanae Vitae (IMUVI). Pertence a varias entidades científicas e cultu
ráis do Brasil e do exterior.

476
CADA CRIATURA HUMANA É IRREPETÍVEL 45

sexual-afetivo, assumindo em algumas clínicas e centros de referencia


urna escala industrial, motivada também pela boa rentabilidade auferida.

O toque divino na procriacáo parece ter perdido o seu misterio e o


seu encanto. As palavras de Roger Garaudy - "o homem foi criado cria
dor" - podem assumir, neste contexto, nao somente um controle quase
que total da manipulacáo da vida em seus estágios iniciáis, como até sugere
que o homem prescinda ou mesmo se coloque no lugar do próprio Criador.

Mas haveria algo a mais no processo primevo da fecundacao além


da uniáo de um óvulo com um espermatozoide? Talvez, do ponto de vista
biológico, pouca coisa poder-se-ia acrescentar, além de refinados co-
nhecimentos bioquímicos e genéticos inerentes ao desdobramento do
fenómeno em si.

Entretanto, considerares metafísicas, porém perfeitamente tan-


gíveis ao raciocinio, estáo subjacentes ao singelo e quiescente ato da
fecundacáo, como por exemplo: Qual é a probabilidade de um ser huma
no existir? Ou seja, de passar da inexistencia á existencia... da condicáo
de nada ao ser... do inanimado ao animado...?

Um homem normal elimina a cada ejaculacáo de 20 a 80 ou mais,


milhóes de espermatozoides por mililitro (mi) cúbico. Considerando-se
que seu semen contém em media um volume de 2 a 4 mi, tem-se reunido ao
material 40 a 300 ou mais milhóes de células germinativas masculinas.

Por sua vez, a mulher tem urna reserva, ao nascer, de cerca de


400.000 folículos primarios que na adolescencia, após a menarca, ou
seja, primeira menstruacáo, comecaráo parcimoniosamente a desenvol
ver folículos em crescimento e a amadurecer em cada ciclo menstrual
folículos maduros ou de Graaf; geralmente, apenas um deles a cada ci
clo menstrual libera um ovocito (óvulo) que se torna apto para a fecunda
cáo. A maioria dos folículos ovarianos quer primarios, quer em cresci
mento, quer maduros sofrerá processo degenerativo desaparecendo. Essa
regressáo folicular ocorre durante toda a vida, terminando na menopau-
sa, quando os últimos folículos desaparecem.

Considerando-se que urna mulher consiga ter de 30 a 40 anos de


vida biológicamente reprodutiva ou fértil, terá nesse período aproximada
mente 450 ciclos menstruais com igual liberacao de ovocitos. Levándo
se em consideracáo que em cada processo ovulatório normalmente há o
desenvolvimento de um grupo de 100 a 150 folículos ovarianos, mas que
apenas um deles eliminará um ovocito através do fenómeno da ovulacáo
e que os demais sofreráo involucáo e atrofia, depreende-se que, em 40
anos de fertilidade, a mulher consumirá exageradamente 75.000 óvulos,
número esse, bem aquém de sua reserva ao nascer.

477
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

Fato digno de nota é observar que, embora os espermatozoides e


os óvulos (gametas), respectivamente de um mesmo homem ou de urna
mesma mulher, possuam características genéticas similares e pertinen
tes ao patrimonio genómico de seus produtores, os gametas nao sao
idénticos, ou mesmo clonados. Isso permite inferir que a cada óvulo e a
cada espermatozoide unidos, corresponderá um conjunto de caracterís
ticas genéticas peculiares. Isso é fácilmente compreensível numa gravi
dez de gémeos... trigémeos... quadrigémeos... etc., nao univitelinos, ou
seja, nao oriundos de um mesmo ovo. Nestas circunstancias, seráo for
mados dois ou mais seres diversos até mesmo no aspecto sexual, que
foram gerados por espermatozoides e óvulos diferentes, provando cla
ramente que as características do novo ser estao na dependencia da
uniáo particular de cada gameta masculino com o feminino.

Mesmo no caso de gravidez gemelar univitelina (gémeos idénti


cos), cada ser originado, embora seja físicamente um clone natural do
outro, há, em ambos, eus ou personalidades diversas, autónomas ou
independentes urna da outra. Assim, cada combinacáo de um óvulo com
um espermatozoide predisporá um ser impar, sui generís ou único. E
num só ato fecundativo há teóricamente triihóes de possíveis combina
cóes, ou seja, possibilidade de trilhoes de seres diferentes.

Assim, se numa determinada fecundacáo houvesse outros óvulos


ou outros espermatozoides em cena, ou mesmo se qualquer um dos mi-
Ihóes de espermatozoides circunjacentes penetrasse no óvulo, haveria
outro(s) ser(es) formado(s). Aínda que com características parecidas ás
dos seus progenitores, seriam diversos deles, como também diversos
dos triihóes de combinacóes factíveis. Como exemplo mais palpável, deve-
se considerar que, se no momento da fecundacáo em que eu, ou vocé foi
concebido, houvesse outro óvulo ou outro espermatozoide, nao seria eu
ou vocé que teria nascido, mas um outro ser que poderia ter sexo femini
no ou masculino.

A maravilha e o misterio do fenómeno biológico fecundativo con-


sistem em que urna ciclópica diversidade de trilhoes de combinacóes,
até mesmo inimagináveis, venha a se tornar possível. Assim, em cada
fecundacáo, embora o fenómeno biológico seja o mesmo, o produto déla
resultante, ou o novo ser concebido se torna único e irrepetível em toda a
historia do universo. Isso significa que eu e vocé tivemos um único instante
para entrarmos pela porta da existencia em toda a amplidáo da historia do
universo. Jamáis houve ou haverá outro eu ou vocé na saga humana.

Matemáticamente, a chance de alguém ter tido o privilegio de pas-


sar do nada ao ser é praticamente nula. Considerando-se como 100 mi-
Ihóes o número medio de espermatozoides numa ejaculacáo e que nao

478
CADA CRIATURA HUMANA É IRREPETÍVEL 47

exista algum espermatozoide ou óvulo com conteúdo genético idéntico;


a probabilidade de eu ou vocé ser numa só ejaculacáo seria de
1/100.000.000 (espermatozoides) x 1/400.000 (óvulos) ou seja 4 x 1013,
ou 0,0000000000004, ou ainda de 1 em cada 40.000.000.000.000 (um
em cada quarenta trilhóes de possibilidadesl).

Por sua vez, cada gameta, quer masculino quer feminino, traz em
sua heranca genómica características de seus progenitores e de toda a
árvore genealógica de seus ancestrais, que sofreram mudancas a cada
ato fecundativo.

Se considerarmos como sendo de 200.000 anos a existencia do


homo sapiens na térra e de 50 anos em media a sua expectativa de vida
ao longo desse tempo, teriam ocorrido 4.000 geracóes. Para que eu ou
vocé existisse, seria necessário que as combinacóes genéticas em ca-
deia que determinaram eu ou vocé, representadas por aqueta probabili
dade ácima de 4 x 1013 de um único evento, ocorressem em 4.000 gera
cóes, ou seja, 0,0000000000004 x 0,0000000000004 x
0,0000000000004 x 4.000 vezesü!

Em termos de comparagáo, a grosso modo, poder-se-ia dizer que,


esse número é táo infinitamente pequeño quanto a infinita grandeza do
universo, ou mesmo que ele é inimaginável e incompreensível.

A título de ilustracáo dessa astronómica equacáo, deve-se levar


em consideracao que o evento que propiciou a minha e a sua concepcáo
foi único, irrepetível ao longo de toda a historia da humanidade e teve
que contar com o nascimento pregresso de parentes e antepassados, os
quais, por sua vez, concorreram para a existencia com chances idénticas
em fenómenos sucessivos e coincidentes. Portanto, foram necessárias
coincidencias e coincidencias e coincidencias... genéticas em milhares
de eventos que, por sua vez, apresentaram chances infinitamente baixas
de acontecerem.

Jamáis existiram, existem ou existiráo premios que possam ser


ganhos em quaisquer loterías comparáveis em termos de dificuldade e
valor ao inefável dom da vida.
Com isso, a probabilidade de cada ser humano ter tido acesso á
vida é um número táo infinitamente pequeño que, do ponto de vista prá-
tico, equivalente a zero; com efeito, dependeu de diversos fenómenos
demandantes de múltiplas variáveis, que, por sua vez, ocorreram numa
probabilidade ínfima em eventos subseqüentes, interdependentes, e si
multáneos. Nao esquecamos que cada ser fecundado dependeu de dois
progenitores, que, por sua vez, possuíam árvores genealógicas diversas.

Guardadas as devidas proporcóes, a compreensáo da probabilida-

479
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 485/2002

de de eu ou vocé vir a existir na historia da humanidade é táo intrigante e


desconcertante quanto a compreensao do tamanho infinito do firmamento.
Qual a dimensáo do universo? Se ele tem seus limites, que se esperaria
encontrar além-fronteiras? Nessas e noutras questóes, talvez falte muita
massa cinzenta ao cerebro humano para a devida abstracáo e entendi-
mento.

Este é um dos limites da ciencia. Ela nao poderá explicar porque


eu e vocé fomos escolhidos para a vida numa única, precisa e
diminutíssima fracáo de tempo ao largo de toda historia da humanidade
e, por conseguinte, do universo. Por sua vez, a metafísica e a teología
contribuem para esclarecer com sobeja propriedade que o dom da vida
que cada um recebeu, deve-se exclusivamente á vontade e a um gesto
magnánimo do Criador, o qual nao se furtou a contar com os fenómenos
biológicos existentes na natureza, que Ele mesmo determinou.

Aos adeptos do acaso para explicar por que tivemos o privilegio


¡merecido e incompreensível de receber o dom da vida, nada melhor do
que recordar a singular máxima do Padre Sertillanges, notável filósofo
neotomista: "O acaso também é filho de Deus". Anatole France dissera o
mesmo de forma mais erudita: "O acaso é, talvez, o pseudónimo de Deus,
quando Ele nao quer assinar o seu nome".

A inteleccáo biológica e, sobretudo, a meditacáo do singelo fenó


meno da fecundacao além das fronteiras da ciencia, contribuem para
aceitar que a vida é de valor exponencialmente inestimável e se constituí
irretorquivelmente no maior patrimonio que qualquer ser humano possa
ter recebido; nem mesmo a saúde imperfeita ou deficiencias físicas ou
psíquicas podem ofuscar ou diminuir seu quilate. Portanto, a vida perten-
ce exclusivamente a Deus, competindo ao homem táo somente a precio
sa tarefa de bem administrá-la em retribuicáo ao imensurável e
imprescrutável milagre de existir.

Agradecimento: Agradeco ao amigo engenheiro José Alberto de


Matos a supervisáo oferecida no raciocinio matemático deste artigo.

480
Novidades

Este livro é todo vazado ñas Sagradas


Escrituras, manancial fecundo de uniáo com
Deus.
O Autor destas páginas, monge do
Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, tem-
se dedicado á pregagáo de Retiros Espirituais,
com grave proveito para os fiéis. Daí pedirem-
lhe que redigisse algumas reflexóes sobre
temas de espiritualidade a fim de alimentar
a vida de oragáo dos leitores. E soube fazé-lo
com maestría como ocorre no presente livro.
Edigáo/lmpressao: Mosteiro de Santa Cruz
Formato: 21 x 14 cm
145 págs.
R$ 18,00 Pedidos pelo Reembolso Postal

O Instituto de Filosofía e Teología do


Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro
■ ' ■ !■ •K¿~Z,A wev^irvwsBr'írnsii/ ■ ^ ', i.:'.,:' S
tem a alegría de comunicar o lancamento
do primeiro número de sua revista
semestral de Filosofía e Teología
intitulada "Coletánea".
O objetivo da Revista, cujo conteúdo
vem distribuido em 144 páginas, visa
contribuir como instrumento de pesquisa
nestes campos do saber, ao mesmo
tempo em que almeja promover e
favorecer o intercambio académico.
Assinatura anual para 2002: R$ 30,00
(dois exemplares).
Formato: 23 x 16 cm
Informagóes: Edic,óes Lumen Christi
ELTs
A VENDA NA LUMEN CHRISTI:
- O ANJO DA ESCOLA OU SANTO TOMÁS DE AQUINO CONTADO ÁS CRIANCAS -
POR RAÍSSA MARÍTAIN. TRADUCÁO DE MARÍA LUIZA KOPSCHITZ BASTOS. COM
ILUSTRACÓES, EDIQÁOCXB. 2001.160 págs. 14x20 R$ 15,00.
Trecho da apresentacáo:
No Brasil, de seus livros, foram traduzidos As Grandes Amizades, o Diario de Raissa
e, recentemente, Poemas e Ensaios.
O Anjo da Escola - a vida de Santo Tomás contada ás criancas, que já teve edicóes
em japonés, em inglés, em alemáo, italiano e romeno, abre-se agora ás criancas (e aos
adultos) de Ifngua portuguesa.
Na introducáo escrita para a edicáo alema, Raissa fala de sua única ¡ntencáo:...
"contar ás criancas, da maneira mais simples, mas sem 'infantilidades', a vida de um
santo que me parece digno de amor entre todos. (...) o que me ajudou a encontrar o tom
do relato foi a idéia que tive de me dirigir a urna enanca que conheco bem (...). Escrevi-
o táo 'seriamente' como se me dirigisse a gente grande, no sentido de que absolutamen
te nada inventei de infantil ou de poético e de que recorrí ás melhores fontes - aos
documentos que serviram á canonizacáo do Santo, á sua vida por Guilherme de Tocco,
aos estudos do Rev. Pe. Mandonnet, ao livro do Pe. Petitot sobre Santo Tomás de
Aquino e ao livro de meu marido: O DoutorAngélico."

- POEMAS E ENSAIOS - RAÍSSA MARÍTAIN. TRADUQÁO E COMENTARIOS DE CESAR


XAVIER BASTOS.
Trechos da Introducáo:
Apresento neste livro, em edicáo bilingüe, urna boa parte dos poemas de Raissa
Maritain e também alguns dos seus pontos de vista sobre a Poesia. Como Introdugáo,
nada melhor do que as palavras de Jacques Marítain ñas primeiras páginas de Poémes
et Essais, transcritas logo a seguir. No final, Registros e Comentarios. A Cronología é
um resumo da cronología que aparece em Cahiers Jacques Marítain, n° 7-8, em come-
moracáo ao centenario de Raissa, em 1983. Ñas Notas, alguns esclarecimentos. O que
entendí, estudei e acompanhei, com aquela atencáo especial requerida neste caso,
transmito agora...
Edicáo CXB - Juiz de Fora - MG. 2000.200 págs R$ 20,00.

- A ALEGRÍA QUE VEM DA TRAPA, novo lancamento Lumen Christí. - Dom Bernardo
Bonowitz, OCSO, prior do Mosteíro Trapista de Campo do Tenente, Paraná, compilou
em iivro, 31 das homilías que proferiu em seu mosteiro nos anos em que ele vive no Brasil.
No livro vamos encontrar mensagens poéticas, profundas, e sobretudo alegres, acom-
panhando datas importantes da liturgia, que váo inspirar nossa caminhada e nos propor
cionar a paz do Senhor!
O lívro, com 146 páginas, é finamente apresentado e teve a ilustracáo da capa e o
prefacio preparados por Claudio Pastro, um dos maiores artistas sacros da atuali-
dade R$ 16,00.

Pedidos pelo Reembolso Postal


RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR.
RENOVADO OU NOVA ASSINATURA (ANO DE 2002- DE FEVEREIRO A DEZEMBRO):.. R$ 35,00.
NÚMERO AVULSO R$ 3,50.
PERGUNTE E RESPONDEREMOS ANO: 2000 e 2001:
Encadernado em percalina, 590 págs., com índice.
(Número limitado de exemplares) R$ 70,00 cada.

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