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“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
sexos. Temos por objetivo demonstrar que o Direito ainda é um campo eminentemente
masculino, que pouco sofreu influências da pressão das mulheres pela equivalência de
direitos e que, para se ter uma igualdade substancial entre os sexos, será necessário
Com isso, pretendemos abrir uma discussão para que os cursos de Direito
adotem uma postura que modifique o currículo escolar, tornando-o mais adequado ao
agressividade/passividade.
timidez) associadas ao feminino, mesmo que, no cotidiano, não exista ninguém com
Aconselhava-se à mulher que fosse superior ao marido que não o deixasse perceber suas
soberania dos homens sobre as mulheres, ao definir que a esposa deve ser mais baixa,
dos homens pelas mulheres que implica inclusive no uso do direito para enaltecer e
pois foi orientado para as necessidades dos seres humanos do sexo masculino e auxiliou
para defender a subjugação das mulheres aos homens. Uma delas é tratar mulheres
como homens imperfeitos, o que justifica o poder masculino (que corresponde ao padrão
de ser humano) sobre o feminino. Outra é considerar homens e mulheres como opostos,
devendo viver em esferas separadas, com a mulher sendo subordinada ao homem por
ser considerada inferior a ele. Abordaremos a seguir alguns dos impactos dessas técnicas
3 Frances Olsen. El sexo del derecho. p.3. Tradução livre. No original: “Se identifica el derecho com los
lados jerárquicamente superiores y 'masculinos' de los dualismos. Aunque la 'justicia' sea representada
como uma mujer, según la ideología dominante el derecho es masculino y no femenino. Se supone que
el derecho es racional, objetivo, abstracto y universal, tal como los hombres se consideran a sí mismos.
Por el contrario, se supone que el derecho no es irracional, subjetivo o personalizado, tal como los
hombres consideran que son las mujeres”
4 Para maiores esclarecimentos, ver: Neuma Aguiar, Perspectivas feministas e o conceito de patriarcado
na sociologia clássica e no pensamento sociopolítico brasileiro. p. 161-191.
5 Ana Lúcia Sabadell. Manual de sociologia jurídica. p.233.
de inferiorização feminina.
masculino, pois durante longo tempo os homens foram detentores do poder político, e
Devido a isso, ele é hierarquicamente superior à mulher, considerada imperfeita por ser
ser perfeita, deve se masculinizar, o que implica em não reconhecer a mulher como um
ser humano autônomo enquanto ela não deixar de ser e agir como uma mulher.
de seus pares. A grande diferença entre o pensamento dos antigos e o atual está no fato
de que, se antes a mulher era considerada inferior por não ser completamente igual ao
homem, hoje não se permite esse raciocínio. Atualmente, é reconhecido que, mesmos
diferentes, homens e mulheres não podem ser discriminados por essa diferença.
alguns redutos, inclusive na área jurídica, ainda se mantém a idéia de que os homens
normalmente adotam a concepção de que o masculino inclui o feminino. Por outro lado, o
feminino não inclui o masculino, pois “não se designa o todo pela parte mais frágil” 9.
especialmente pelo acesso das mulheres aos estudos superiores, o raciocínio de que o
homem pode ser a norma através da qual as mulheres podem ser analisadas como um
Medicina, observa-se que o uso apenas do homem como padrão de ser humano é um
erro metodológico que pode alterar resultados quando relacionados com mulheres 10.
femininas muitas vezes são diferentes das masculinas, devido à pluralidade de condições
e situações que encontram em suas vidas, nas condições de profissionais das mais
8 Tove Stang Dahl. O direito das mulheres:. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. p.5.
9 António Manuel Hespanha. El estatuto juridico de la mujer em el derecho común clásico. p.3.
10 Muitas pesquisas e testes de medicamentos foram realizados apenas com homens, mesmo quando se
tratavam de remédios específicos para mulheres (por envolverem hormônios femininos) ou questões que
atingem mais mulheres que homens (como a longevidade). Há também o ponto de vista de que
mulheres só são importantes quando se reproduzem, o que restringe as pesquisas sobre doenças de
mulheres à gravidez e parto. Para maiores informações, ver: Londa Schiebinger. O feminismo mudou a
ciência? p.216-225.
variadas áreas, filhas, mães, esposas, viúvas, solteiras, etc. No entanto, como observa
Tove Stang Dahl, o fato de o direito ser moldado no aspecto masculino não contempla
ambos os gêneros.
seres humanos, não inclui efetivamente as mulheres. Pelo contrário, essa forma de
tratamento pode até apagar o fato de que existem mulheres englobadas em seu
conteúdo, discriminando-as ao não lhes permitir voz, direitos, uma existência digna e
que mulheres são tão diferentes dos homens que precisam ter atividades mentais e
sociais também diferentes. Virtudes como a honestidade (que deve ser entendida como
mulheres, especialmente porque o sentido real dessa virtude era o controle da libido
acesso das mulheres aos estudos16, e sua inserção na sociedade, desvinculada de sua
biológico, idealizando-as como mães, ao mesmo tempo em que lhes negava quaisquer
direitos e aspirações que não se vinculassem com a maternidade17. Ainda hoje é possível
encontrar pessoas que negam direitos às mulheres, alegando que tais direitos as
entrada de mulheres na esfera pública era criticada e vetada pelos homens em posições
de comando, desde pais até professores, jornalistas, juristas e políticos18. Mesmo após as
A luta pelo voto feminino no Brasil mostra outro aspecto dessa questão, que
é o extremo da oposição entre homens e mulheres: a pressão social fez com que elas se
tornassem invisíveis em termos políticos, não sendo sequer cogitadas para atuarem em
Observa-se, assim, que a idéia de que as mulheres são seres opostos aos
eternamente dependentes de algum homem. No Brasil, essa submissão foi reforçada pelo
Código Civil de 1916, o qual considerava a mulher como relativamente incapaz e exigia a
autorização do marido para que pudesse exercer profissão, gerenciar ou alienar bens,
1962, denominada Estatuto da Mulher Casada. A Constituição de 1988 foi além e pôs fim
entre homens e mulheres21. Com isso, revogou-se a idéia de que homens e mulheres são
opostos e que precisam viver em esferas separadas, com o predomínio masculino sobre o
feminino.
contribuem para uma visão nebulosa do processo de conquista de direitos das mulheres,
e depois diminui sua força. Esses momentos de sucesso são seguidos por períodos que
podem ser denominados refluxos22, caracterizados por uma reação conservadora que
para a legalização do divórcio, seguiu-se uma reação conservadora que visava impedir a
efetivação dos direitos femininos. Para tanto, optou-se por reforçar o papel da família
maternidade, enquanto aos homens era destinado o emprego e a vida pública. No Brasil,
da família tradicional como estratégia anti-feminista. Também houve o controle dos corpos
breve período de liberdades, mas em seguida foram retirados diversos direitos, como o
ensino misto, o divórcio e o aborto, dificultando uma efetiva igualdade sexual. Por fim, e
sistemas totalitários, houve a repressão nos Estados Unidos, que gerou a exaltação da
mulher como mãe e dona-de-casa em tempo integral, caracterizando a ilusão descrita por
nova onda feminista nas décadas de 1960-1970 retomou as discussões sobre a igualdade
efetiva entre homens e mulheres. Novamente, ocorreu uma reação conservadora, que
buscava retirar as mulheres do espaço público. Nos Estados Unidos, essa reação ocupou
mulheres, fazendo parecer que a conquista de direitos já ocorreu e não teve bons
resultados.
matérias sobre falta de homens para casar, dificuldade de casamento para mulheres com
feminina, supostos abusos sexuais em creches (que aumentam a pressão para mulheres
estresse e depressão entre as mulheres que trabalham fora de casa26. Todos esses
anteriores. Dentre eles, podemos citar o onipresente medo de que as mulheres não
ovários”.
Embora pareça ser uma questão apenas cultural, tanto a aquisição quanto a
perda de direitos das mulheres têm impacto no mundo jurídico. Políticas públicas são
pressão velada para que as mulheres sejam estimuladas a sair do espaço público, pode
efetivar esse movimento de retirada, tais como a isenção de impostos para famílias
movimentos sociais é de caráter político, e pode ter grande impacto jurídico, motivando
conservador, é necessária a conscientização de que seu foco não são questões apenas
culturais, mas políticas e jurídicas, estimulando assim uma reação progressista que
das mulheres. Depois de muitas lutas femininas por emancipação, foram reconhecidos
27 Para maiores informações: Tove Stang Dahl. O direito das mulheres. p.149-178.
jurídico brasileiro ainda se encontra preso ao universo masculino. Não há recorte de
gênero, nem conteúdo que seja direcionado para a compreensão do impacto que as
sempre houvesse existido uma igualdade entre homens e mulheres, como se o direito
fosse o mesmo para ambos os gêneros, é uma aberração que não encontra respaldo
feminina aos homens e se negava o acesso feminino às faculdades de Direito. Para não
admitir fatos históricos que podem instigar uma quebra de confiança entre homens e
mulheres, parece que a solução encontrada foi esconder o assunto, não o abordando nos
cursos jurídicos.
forma parcial. Não aprendem que já houve um período de grandes desigualdades entre
homens e mulheres, não conhecem a origem das lutas femininas por direitos, nem são
estimuladas a refletir sobre as desigualdades que continuam a existir. Não aprendem que
a luta por direitos é constante, embora fragmentada por refluxos e reviravoltas. Dessa
direitos e retrocessos morais e legais, como observamos nos casos de refluxo de direitos.
Outra questão que não pode ser esquecida: ao se ensinar apenas o a visão
masculina do direito, está sendo realizada uma discriminação às alunas mulheres, que
são proibidas, mesmo que de forma sutil, de conhecer a história de seu gênero. Essa é
uma grande falha em sua formação, pois ficarão mais vulneráveis à crença de que
sempre foram iguais aos homens, sendo que na verdade estiveram subordinadas a eles
realizadas pelo direito para que se chegasse a uma igualdade de fato entre homens e
mulheres. Ao não compreenderem esse processo de correção de desigualdades
históricas, tenderão a não lhe conceder importância nem utilidade, sem observar que tais
procedimentos podem ser necessários para corrigir as desigualdades que ainda existem.
femininos está no fato de que todos os estudantes ignorarão as contribuições das lutas
formação do direito, ao mesmo tempo que não compreenderão corretamente como vários
institutos jurídicos foram modificados para atender a uma nova ordem social e econômica
mulheres que se destacaram na luta por direitos. Quando não se encontram modelos
femininos de conduta jurídica, supõe-se que as mulheres não têm importância suficiente
para que possam ser adotadas como modelo, forçando a adoção de modelos masculinos.
qual as mulheres são consideradas inferiores por não terem tido destaque no passado, da
homens. Como não podem modificar seus corpos, deverão incorporar as condutas
biológicas e sociais.
serem aceitas nos bancos escolares, numa repetição de um argumento antigo e restritivo
7 Conclusão
compreender que, por vezes, será necessário um processo de discriminação que corrija
as desigualdades existentes. Esse é o caso dos direitos femininos. Para que todos os
cursos jurídicos, de uma disciplina específica sobre direitos das mulheres. Seu conteúdo
deveria incluir não só o histórico de aquisições dos direitos femininos, mas também uma
29 Há, efetivamente, um número cada vez maior de mulheres ingressando em cursos jurídicos e na
advocacia. Como exemplo, em 1975, 34,3% das inscrições na OAB/RJ foram solicitadas por mulheres;
esse número aumentou para 54,6% em 1995. A esse respeito, ver Eliane Botelho Junqueira. Mulheres
advogadas; espaços públicos, p.187.
reflexão sobre as questões jurídicas envolvendo relações de gênero que se apresentam
críticos e preparados para atuar em situações que envolvam gênero sem que imponham o
olhar masculino do direito, por falta de outras perspectivas mais adequadas aos casos
concretos.
das mulheres já existe em diversos países, dentre os quais podemos citar a Noruega,
tratamento jurídico31.
analisar a contribuição feita pelos estudos feministas para a área do direito que é objeto
de estudo. Assim, pode-se ter uma visão muito mais ampla do impacto do direito na
sociedade, já que ele deixará de ser algo afeito apenas a um ponto de vista masculino, se
abrindo a inúmeras questões antes ignoradas porque não pertenciam a uma hierarquia
desigualdade entre homens e mulheres poderá ser mais minorada, proporcionando ainda
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