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A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO

DA PESSOA JURÍDICA NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Dispõe o artigo 50 do Código Civil:

“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio


de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

A teoria, observa o Autor, tem aplicação excepcional, submetida ao


prudente critério do Judiciário e que o fenômeno da desconsideração é inserido
no plano da eficácia, seguindo o entendimento da melhor doutrina, havendo
extensão da responsabilidade não somente aos sócios, mas também aos
administradores.

Em sua análise, a fraude em sentido amplo (de acordo com a noção do


direito norte-americano) está compreendida na redação do citado artigo,
quando faz referência ao abuso da personalidade jurídica e ao desvio de
finalidade.

Relativamente à confusão patrimonial, assinala que a confusão de


esferas jurídicas se verifica quando, por inobservância das regras societárias,
ou mesmo, por qualquer decorrência objetiva, não fica clara, na prática, a
separação entre o patrimônio social e o do sócio ou dos sócios. Podem
distinguir-se duas situações: a mistura de sujeitos de responsabilidade e a
mistura de massas patrimoniais. Nos grupos econômicos, a mistura de sujeitos
da responsabilidade ocorre havendo identidade dos membros da administração
ou gerência de duas ou mais sociedades, desrespeito às formalidades sociais
ou, ainda, utilização de uma única sede para a atuação de várias sociedades,
com firmas e ramos de atuação assemelhados. Já a mistura de massas
patrimoniais pode apresentar-se em várias configurações, desde a inexistência
de separação patrimonial adequada na escrituração social até a situação em
que, na prática, os patrimônios de ambos não são suficientemente
diferenciados.

Assinala o Autor que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica


tem sido aplicada também quando ocorre a chamada condução externa, ou
seja, quando uma empresa é controlada por outra:  “Fábio Konder Comparato
aponta a confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada como
critério fundamental para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica que ele chama de externa corporis, explicando que,
sendo a pessoa jurídica nada mais do que uma técnica de separação
patrimonial, se o controlador, que é o maior interessado na manutenção deste
princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem por que os juízes teriam que
respeitá-lo, transformando-o numa regra puramente unilateral”.

Xavier lamenta a omissão, no artigo 50 do Código Civil, da hipótese de


subcapitalização como motivo para a desconsideração. Ainda assim, sustenta
que “o privilégio da limitação de responsabilidade somente poderá ser efetivado
se forem observadas as situações exigidas pelo ordenamento, em especial, a
exigência de um capital social adequado, ou seja, a presença no ativo
societário de bens que comportem responder pelos débitos da sociedade”.

Anota, por fim, que uma situação que vem ensejando constante aplicação da
teoria pelos nossos tribunais, com fulcro na insuficiência patrimonial, é a
dissolução irregular da sociedade, pois, nestes casos, os credores se vêem
desprovidos de sua garantia – o patrimônio da sociedade – sem que sejam
observadas as formalidades legais para o encerramento da atividade da
sociedade.
[1] José Tadeu Neves Xavier, A teoria da desconsideração da pessoa jurídica
no novo Código Civil. Revista da Ajuris, Porto Alegre (89): 169-84, março/2003.

Sobre a desconsideração da personalidade jurídica

(03.09.03)

Faço aqui um resumo da “parte brasileira” do artigo de Elaine Ramos da Silva,


intitulado “Desconsideração da personalidade jurídica de sociedades
comerciais: uma análise comparativa dos sistemas brasileiro e alemão” [1].

O reconhecimento de personalidade jurídica a agrupamentos de pessoas se dá


por dois motivos principais. Em primeiro lugar, a personalização facilita a
participação desses grupos na vida jurídica, fazendo com que adquiram
individualidade própria, distinta da de seus membros, e assim, com aptidão
para agir em nome próprio. Em segundo lugar, opera-se com a atribuição de
personalidade jurídica própria uma limitação da responsabilidade dos sócios.

Mas o princípio da autonomia patrimonial pode servir também para que as


sociedades comerciais sejam utilizadas como instrumento para a realização de
fraudes contra credores ou para abusos de direito. Tomando-se o princípio
como intocável, tem-se por conseqüência a impossibilidade de correção de
fraudes e abusos.

Daí as várias teorias da desconsideração da personalidade jurídica, desde a


primeira sistematização do alemão Rolf Serick, na década de 50. No Brasil, a
primeira tentativa de sistematização se deve a um artigo de Rubens Requião,
de 1969.

O artigo 50 do Código Civil brasileiro estabelece:


Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Diversa da desconsideração da personalidade jurídica é a imputação de


responsabilidade ao sócio, ao sócio-gerente ou ao administrador, em casos
expressos em lei. Costuma-se, porém, incluir na “desconsideração da
personalidade jurídica”, tomada em sentido amplo, também os casos de
imputação da responsabilidade, como: no campo do Direito Tributário, a
responsabilidade dos sócios-gerentes pela falta de recolhimento do tributo; no
campo do Direito do Trabalho, a solidariedade do grupo econômico pelo débito
trabalhista de uma de suas empresas. Na Justiça do Trabalho, aliás, é
freqüente a invocação da teoria da personalidade jurídica, pelo simples fato da
falta de bens penhoráveis, sem qualquer exame de seus pressupostos
próprios.

É de se referir, ainda, o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, o


primeiro a positivar a expressão “desconsideração da personalidade jurídica”,
mas misturando institutos e com uma imprecisão de linguagem que pode
prejudicar outros credores; o artigo 18 da Lei 8.884/94, que dispõe sobre a
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica; a Lei dos
Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).

Na jurisprudência, a maioria dos casos de desconsideração da personalidade


jurídica envolve hipóteses de “dissolução irregular de sociedade”, determinada,
às vezes, pelo próprio fato de a sociedade já se encontrar descapitalizada,
raramente se examinando a ocorrência de dolo do sócio.

É freqüente o esquecimento de que a doutrina da desconsideração representa


um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica e não a sua negação. Deve
ser aplicada com cautela, mediante provas inequívocas de fraude e/ou abuso
de direito, e como exceção, sob pena de se deixar de incentivar a livre iniciativa
e negar de plano o privilégio da autonomia patrimonial, principal atrativo da
pessoa jurídica.

[1] Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do


Sul, Porto Alegre, v. 22, 135-151, set/2002.

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