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A AÇÃO SOCIAL COMO RESULTADO PRÁTICO

DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

RICARDO MARTINS MATIOLI

Tese elaborada na Faculdade Teológica Sul Americana

INTRODUÇÃO.

I - A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.

1 – A Firmeza da Fé.

2 - Motivação para o Serviço.

3 - Somos a Justiça de Deus

II – AÇÃO SOCIAL EM UMA IGREJA JUSTIFICADA.

1 – A Igreja Primitiva.

2 – A Reforma.

3 - A América Latina.

4 - A Igreja Presbiteriana em Londrina.

III – DESAFIOS DE UMA ECLESIOLOGIA SERVIÇAL.

1 – A diaconal política da Igreja.

2 – Obedecendo a Grande Comissão.

3 – Jesus o Pão da Vida.

4 – Ação Social como provedora da comunhão.

IV - BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO.

A justificação é pela fé em Cristo. Não se trata de pressupostos da tradição cristã


apenas. Ela é tema de todo o agir da eclesiologia que emana da praticidade da vivência cristã.
Diríamos, mais ainda, que a justificação está para a exigência ética da ação social assim como
a fé está para a vida cristã. A espiritualidade cristã, nesse contexto, é a junção de fé e prática.

O objetivo dessa reflexão teológica é afirmar que o ministério diaconal só é possível


para aqueles que foram alcançados pela justiça divina. A ekklesia manifesta esses princípios
como algo visível da fé justificadora. Para tanto, fundamentarei, inicialmente, três
características básicas da justificação pela fé, a saber: a) a firmeza da fé; b) a motivação para
o serviço; e c) somos a justiça de Deus

Depois, apresentarei historicamente a ação social dentro de uma igreja justificada.


Não considerarei a questão pessoal que a justificação exerce na teologia dogmática, mas sim
irei um pouco mais além, utilizando a teologia sistemática, optando por uma linha reformada
de prática teológico-pastoral, ou seja, na questão sistemática enquanto justificadora das
estruturas eclesiásticas para a manifestação da diaconia cristã. Pois, entendendo que a igreja é
serva - veio ao mundo para servir e tendo Cristo como exemplo-mor - é pois a exemplificação
da igreja justificada na prática da ação social. Para tanto, a exposição da Igreja Presbiteriana
Maanaim de Londrina como articuladora da ação social no meio da comunidade é símbolo
figurativo do aspecto visível da justificação pela fé em Cristo.

Por fim, apresentarei a Igreja serva num contexto latino-americano que,


profeticamente exerce missão diaconal.

I - A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.

1 – A FIRMEZA DA FÉ.
A justificação pela fé provoca no cristão a segurança da salvação já
alcançada pelo trabalho de Cristo. Ela possui o caráter de firmar o cristão no
caminho de Jesus. Promove, ainda, a convicção frente aos desafios provocados
pela missão. Essa firmeza se torna, então, no princípio básico da vida cristã.

A firmeza da fé é algo para ser vivido e praticado. Não é mera discussão


transcendente a respeito da experiência cristã com o Espírito, mas a vivência da
realidade espiritual que move e estimula os cristãos a uma prática de fé visível. É,
pois, a firmeza da fé que possibilita ao mundo o enxergar as obras. Sendo assim, a
fé é somente para os que crêem, é somente em Cristo e é somente para a
justificação.

Berkhof nos dá uma compreensão clara sobre a segurança da fé:

"Devido à certeza que a expressão "segurança da fé" nem sempre se


usa no mesmo sentido, é preciso fazer uma cuidadosa distinção. Há
uma dupla segurança, ou seja: primeiro, a segurança objetiva da fé,
que é "a certa e indubitável convicção de que Cristo é tudo o que
declara ser e que fará tudo o que promete". Convence-nos, em geral,
que esta segurança é a da essência da fé. Segundo, a segurança
subjetiva da fé, ou a segurança da graça e da salvação, que consiste
em um sentido de segurança e proteção, que se levanta em muitos
casos à altura de uma convicção firme de cada crente como indivíduo
já pode ter seus pecados perdoados e salvo sua alma."

Podemos perceber que a exposição teológica de Berkhof define


classicamente a eficácia da fé (objetiva e subjetiva), ou seja ao mesmo tempo que
nos leva a crer em Cristo como cumpridor de todas as suas promessas, Ele mesmo
convence-nos de que somos perdoados e salvos. Quanto a essa realidade salvífica
de Cristo não há argumentos que desdizem dessa firmeza. Estar firme em Cristo é
compreender o aspecto apologético da fé. Berkhof conclui sobre a firmeza da fé a
partir de estudos históricos que ela proporcionou aos de tradição reformada.

Gustaf F. Aulén dá outros um aspecto duplo da fé:


"De um lado, Deus subjuga a alma humana; de outro, o homem volta-
se para Deus e a Ele se entrega. A referência à atividade do homem
não implica numa negação de que a origem e a existência da fé sejam
devidas exclusivamente ao "ato" de Deus e ao "ato" do homem, ou
opor um ao outro, envolve uma racionalização comprometedora."

Aulén nos faz perceber que o homem volta-se para Deus e isto o leva a se
comprometer com Ele, de modo que seu crer não é simplesmente porque lhe dá
vantagens, mas porque lhe dá disposição a não negar o amor divino.

E a este respeito Aulén afirma ainda:

"É evidente para a fé que a atividade do amor divino não pode ser
julgada ou avaliada segundo padrões humanos. Não cabe ao homem
decidir, a partir do ponto de vista do seu próprio poder, o que é e o que
não é obra do amor divino. A fé sabe muito bem que o amor divino
pode esconder-se na ira, malgrado esta pareça diametralmente oposta
àquele. Não se atreve a interpretar os modos de agir do amor divino
baseado no desenvolvimento histórico. Não esquece que Deus não só
é Deus revelado mas também o Deus que, nas circunstâncias da vida
terrena, se esconde do homem. A firmeza da fé, apegando-se ao amor
divino não obstante o testemunho dos eventos terrenos, tem sempre
um tom de apesar de."

Assim Aulén mostra que a firmeza da fé apegada ao amor divino se torna em


um poder que gera na vida do homem a vontade divina, fazendo com que todas as
suas atividades se caracterizem pelo amor. E na medida que esse amor de Deus
penetra na sua vida leva-o em direção ao seu próximo. Como disse Lutero, "O
cristão deve ser um "Cristo" para o seu próximo". Para Lutero, o homem precisa ser
salvo a fim de poder fazer o bem, sendo assim o ego humano descresse, e cresce
nas mãos de Deus como instrumento de seu amor.

Para o apóstolo Paulo, a salvação pela fé é um novo projeto de Deus (Rm


3:21-26; 5:9,11; 6:19,21,22, 7:6; 8:1-18,22; 11:5,30,31 e 16:26) uma vez que a lei se
revelou ineficaz, não tornou o homem justo, não o liberta do pecado e pela fé em
Cristo Jesus todo homem pode ser justificado. Assim, Paulo se opõe entre a lei e a
fé e entre as obras da lei e a fé e, neste argumento, não há exclusão de outros
povos que não vivam sob a Lei judaica. Para o apóstolo, a lei sempre demarca sob
os limites da suspeita, pois o justificado não confia nela, mas suspeita de sua
verdade, porém o caminho da fé o fundamenta em uma esperança sólida, de algo
que não apenas se crê ser verdadeiro, mas que é verdadeiro.

Perrot diz que "o homem é justificado só pela fé, independentemente de


qualquer mérito de sua parte. Suas obras nada acrescentam, pois tudo é graça". A
despeito de muitas discussões sobre esta questão, o certo é que Paulo não aboliu a
Lei, mas situa o gesto salvador de Cristo como instrumento de libertação e
propiciação, por seu próprio sangue, mediante a fé (Rm 3:25). Assim, Cristo é
substituto dos sacrifícios expiatórios da Antiga Aliança.

Comblin assevera que Deus ama primeiro e toma a iniciativa de


perdoar antes que o homem pudesse realizar sequer algumas obras boas. Envia seu
Filho para morrer na cruz, gratuitamente, sem esperar que nós nos tornemos justos.
Ele nos torna justos pelo dom do seu Espírito Santo. Não pede a iniciativa humana,
dos homens só pede a fé em Cristo. Ele faz o resto, tudo aquilo que a lei não
conseguia fazer.

Vê-se com clareza que o cristão depende totalmente de Deus e não pode
pensar em ser autor de sua própria salvação pelas obras. Pelo Espírito Santo e pelo
efeito da redenção de Cristo ele aprende a agir nesta dependência e torna-se capaz
de agir fazendo o bem, o que a lei não fazia; significa renunciar a toda força humana
para depender somente da força de Deus para entrar na prática da fé pelos
desafios: da missão, do serviço, da ação social, etc.

2 - MOTIVAÇÃO PARA O SERVIÇO.


A fé em Cristo é o estímulo provocado no coração do cristão. A resposta é a
execução do serviço proposto pela Missão de Deus. O Espírito é o confirmador
(selo) desse estímulo provocado.

A motivação é tão importante quanto a ação, pois Deus não está apenas
interessado em que fazemos, mas o porquê fazemos, isto em razão de que o cristão
pode estar cheio de atividades, mas se elas são geradas por motivações erradas
nada valem. Assim, a motivação para o serviço deverá ser buscada com muito
cuidado e ponderação, agindo somente pela ação do Espírito Santo.

O hino que Paulo consagra a Cristo em Fl 2:6-11 nos mostra que Cristo veio
como servo, manifestou sua preocupação com a salvação de todos os homens e do
homem como um todo. Este exemplo divino revela em primeiro lugar, a sua
importância; em segundo lugar que este exemplo divino deve ser seguido por todo
"cristão" que tem sua vida em Cristo, manifestando o mesmo espírito de serviço. A
motivação certa para o serviço é a humildade com o próximo.

Manfred Grellet ressalta a importância dessa motivação correta dizendo que


"a correta motivação conduz ao bom serviço, e a motivação errada sempre traz
conseqüências funestas" É com a motivação certa que o cristão deve servir, vendo
Cristo como modelo e a inspiração para o seu serviço.

Jesus Cristo é o maior exemplo de servo, "pois o próprio Filho do homem não
veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos" (Mc
10:45). E além de ser exemplo ensina a humildade e serviço e diz a seus discípulos:
"Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também." (Jo
13:15). Assim o Senhor quer que a motivação para o serviço esteja Nele e todos são
convidados a seguir seu exemplo.

Estas considerações tornam clara a idéia que a motivação está na fé em


Cristo. Portanto, o cristão não precisa servir a Ele somente dentro de seu ambiente
eclesiástico, uma vez que a ação está a serviço da vida. É uma ação a favor do ser
humano, pois é somente a partir de Deus que o ser humano pode adquirir
dignidade.

Kjell Nordstokke nos dá a seguinte compreensão acerca da esfera da ação:


"Aqueles que estão na esfera da ação de Jesus, estão abertos às pretensões e à
ação do Espírito Santo. É através do Espírito Santo que se concretizam o
contato e o compromisso com o projeto de vida de Jesus, que se resume na
palavra servir."

Pelo fato de a motivação estar inserido no ato da justificação, o homem


justificado se empenha pela libertação de tudo aquilo que oprime, reduz ou acaba
com a vida, ou melhor dizendo, se opõe contra a dignidade humana. Neste sentido,
Jesus personificou o reino; significa dizer também que o justificado vive as
qualidades do reino: justiça, paz e alegria no Espírito (Rm 14:17), seguindo o
exemplo de Jesus. Nordstokke conclui ainda: "A partir dessa realidade de onde
Deus reconcilia o mundo consigo, somos chamados a ser embaixadores em nome
de Cristo no Ministério (em grego: diakonia) da reconciliação".

Um outro fator motivador para o serviço está na operação do Espírito Santo


na vida do cristão, pois somente por meio de Sua atuação é que podemos tornar
autêntico o serviço e fazer superabundar as boas obras e a vida.

Na Confissão de Fé de Westminister há a seguinte colaboração com respeito


à ação do Espírito para a realização das boas obras:

"A capacidade de fazer boas obras de algum modo não provém dos
crentes, mas inteiramente do Espírito de Cristo. A fim de que sejam
para isso habilitados, além da graça que já receberam, é necessário
que recebam a influência efetiva do mesmo Espírito Santo para operar
neles tanto o querer como o realizar segundo o seu beneplácito;
contudo, não devem por isso torna-se negligentes, como se não
fossem obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos
especialmente pelo Espírito; pelo contrário, devem esforçar-se por
dinamizar a graça de Deus que está neles."
3 - SOMOS A JUSTIÇA DE DEUS

Pela fé, somos feitos justiça de Deus. A justificação é o ato de justiça de


Deus em nós. O promotor dessa justiça é Cristo.

No Antigo Testamento a situação do povo israelita no Egito reflete a injustiça e nos


dá uma compreensão do significado da justiça de Deus, uma vez que o contexto daquele povo
era de escravidão, opressão e dominação religiosa, e o anúncio da justiça somente poderia ser
aquele que decretasse a liberdade para o povo.

O Êxodo exemplifica a justiça de Deus como sendo o cumprimento de sua


vontade. E, conseqüentemente, será tido como justo aquele que obedece a lei e
pratica a justiça, isto é, que obedece a vontade de Deus (Is 11:4ss; 1:4ss; Gn 18:23;
IISm 4:11s; I Rs 3:32; Is 3:10; Ez 3:20; Gn 6:9).

No período monárquico já existia uma grande dificuldade com relação à


justiça e à lei da vida (Torá), que surgiu quando os chefes de Israel confundiram a
Torá, que gera vida, com as tradições, costumes e sistemas de governo de outros
povos, que geram opressão e morte. Isso aconteceu quando Israel elegeu um rei
que assumiria o lugar do único Rei Iahweh. O rei deveria praticar a justiça em sua
administração. A justiça foi encontrada nos grandes reis da história de Israel, Davi (II
Sm 8:15; I Rs 3:6) e Salomão (I Rs 10:9). Nesse aspecto, a ênfase dada pelos
sacerdotes e profetas refletia o desejo de que o rei fosse alguém digno da qualidade
ideal de justiça. Além dessa qualidade ideal, o rei muitas vezes era interpretado
como a manifestação da era messiânica.

Com respeito ao período monárquico, SEEBASS diz:

"Antes do exílio, de modo geral, a justiça do homem não é tanto


assunto de relacionamento com Deus quanto de relação com o
próximo, sendo que seu comportamento se regula, de um lado,
mediante as relações humanas (e.g. entre membros da mesma família,
Gn 38:26, ou entre o rei e um dos seus oficiais, I Sm 24:15), e, do outro
lado, pela lei de Deus (Sf 2:3); Amós 5:7 e 6:12 referem-se a estes dois
aspectos juntos. De outro lado, Amós 5:4, 6, 14 e o Livro de Oséias
testificam, de modo geral, uma preocupação pela justiça diante de
Deus mediante os relacionamentos interpessoais."

E no profetismo que a justiça de Deus possui a compreensão salvífica. Muitos


verbetes hebraicos podem ser traduzidos como salvação, libertação, justificação etc.
Essa justiça é a obra que Iahweh realiza em seu povo. A morada do justo é a
morada que Deus protege (cf. Jó 8:6). Os sacerdotes são vestidos de justiça e as
portas da justiça são as portas da salvação (Sl 132:9; 118:19). O movimento
profético conseguiu dar uma nova dimensão à justiça de Deus, chegando a
identificá-la como atuação salvífica de Deus. E esse significado baseia-se na sua
fidelidade à aliança. A noção de justiça de Deus ganhou a conotação de “fidelidade”.
Assim, a justiça passa a ser a grande esperança do oprimido no pacto feito por Deus
em sua aliança: “A restauração messiânica será uma reflorescência da justiça
divina, que há de realizar os mais ardentes desejos de todos os oprimidos e
miseráveis”.

Este termo justiça sofreu muitas alterações através do tempo, até chegar-se à
sua compreensão. “Justiça, no Antigo Testamento, é libertar os fracos e oprimidos.
Ora, ser justo é pegar o que está embaixo e colocar no mesmo nível dos de cima,
quando há um grande desnível. Assim, ser justo é favorecer o lado mais fraco. É
libertar os oprimidos”. Também encontramos esta evolução no Novo Testamento e
em toda a doutrina social da igreja primitiva.

Há que se reconhecer que é no Novo Testamento que é dado o sentido


estritamente teológico da expressão "justiça de Deus". O apóstolo Paulo sistematiza
a doutrina da justiça de Deus e da justificação pela fé. Nessa parte, quero
desenvolver os conceitos básicos da justiça de Deus e alguns termos correlatos na
tentativa de explicitar melhor essa doutrina no contexto neo-testamentário.

O substantivo δ ι κ α ι ο σ υ ν η resultou, nas traduções em português


de justiça, em piedade (Mt 6:1), justiça (At 24:25), justificação (Gl 2:21), direito (I Jo
2:29), aquilo que é justo (Ef 5:9) ou ainda pode ser justificado e é justificado (Rm
10:4,10). Podemos diferenciar δικα ι ο σ υ ν η ε κ ν ο µ ο υ e
δικα ι ο σ υ ν η θ ε ο υ (justiça da lei e justiça de Deus, respectivamente).
Pois, a da lei, se concretizou na de Deus. Em Romanos, encontramos cerca de 10
usos diferentes da expressão justiça de Deus: 1) para toda a humanidade (Rm 1-3);
2) uma ação divina, ou seja, Deus em serviço (1:17, 18; 3:25); 3) o centro da cruz
(3:25s; 5:9s; 10:4); 4) Deus é e demonstra justiça (3:25); 5) justificação legal (8:34);
6) a relação com o perdão dos pecados (4:7); 7) a fé como pré-requisito à
justificação (1:17); 8) justiça em relação à esperança (10:4-10); 9) justiça e o Espírito
Santo (3:28); 10) justiça como o poder da nova vida (5:12-21).

Seebass descreve três usos exclusivos para δ ι κ α ι ο σ υ ν η . O


primeiro refere-se ao Parácleto como Advogado (Espírito Santo, em João 16:10),
que convencerá o mundo que a justiça será manifestada mediante a volta de Jesus
a Seu pai. O segundo uso do termo se apresenta num duplo aspecto: como alguém
justificado e que consequentemente pratica a justiça, pois é nascido de Deus, e,
aquele que vive na prática do pecado. O terceiro refere-se a Cristo como “fiel e
verdadeiro, e julga e peleja com justiça”(Ap 19:11).

Este substantivo muitas vezes serve de sinônimo para


δικα ι ο σ υ ν η , todavia sua tradução mais correta em português diz respeito
ao julgamento (Ap 15:4) e a um ato justo (Ap 19:8). Esse ato justo pode ser atribuído
somente a um único homem: Cristo Jesus. A justiça de Deus é, portanto, um ato
justo realizado em Cristo Jesus para nossa salvação. Esse ato somente se
concretiza para aqueles que crêem em Cristo e depositam nEle a sua fé. Vale
lembrar, também, que somente aquele que morreu de fato para o pecado é,
portanto, justificado (Rm 10:4).

Os sentimentos de felicidade e auto-satisfação oferecem uma compreensão


subjetiva dessa doutrina, enquanto que a compreensão objetiva leva-nos à práxis
cristã. Enfim, a salvação do cristão é o resultado da justiça de Deus. É o
entendimento claro da doutrina da salvação como um ato do Deus Justo. E é em
Paulo que essa compreensão é mais profunda.

A salvação é a conseqüência da justiça de Deus. Paulo, em sua carta aos


Romanos, destaca várias vezes a temática fé e lei. A Lei, forma externa de conduta
ética, deixava a pessoa sempre com um sentimento de culpa. É por esse motivo que
o apóstolo Paulo escreve sua carta aos romanos com as seguintes palavras: "a
justiça de Deus se revela da fé para fé" (Rm 3:21-4:25). A Lei transmitia uma
exigência ao homem de justificar-se através do seu próprio esforço. Deus
radicalmente condena essa atitude. Ainda no Velho Testamento, encontramos várias
referências da justificação pela fé sem a necessidade da Lei.

Paul Tillich, define o tema da justiça de Deus como expressão básica do


princípio de salvação do homem em Cristo. Essa expressão, contudo, “não é
imperialista, pois é feita em nome daquele princípio que implica em ultimacidade e
universalidade: o princípio da justiça. A relação do Deus de Israel com sua nação
baseia-se em uma aliança. A aliança exige justiça, isto é, o cumprimento dos
mandamentos. E ameaça a violação da justiça com rejeição e destruição. Isso
significa que Deus é independente de sua nação e de sua própria natureza
individual”. A experiência do novo Ser é dividida em três etapas: 1) a experiência do
novo Ser como criação (regeneração); 2) a experiência do novo Ser como paradoxo
(justificação); e 3) a experiência do novo Ser como processo (santificação). Para
Tillich, as ambigüidades da justiça aparecem toda vez que ela é exigida e atualizada.
Isso também implica num conflito entre o amor cristão, exigido pela pregação neo-
testamentária, e justiça, dada gratuitamente por Deus na pessoa de Jesus Cristo.
Esse conflito resultou numa teoria conhecida como teoria do conflito entre amor e
justiça, pois “justiça é aquele aspecto do amor que afirma direito independente do
objeto e do sujeito na relação de amor (...) mas nesse processo a justiça não só
afirma e seduz; ela também resiste e condena”. Assim, TILLICH propõe mais uma
vez que se pregue o amor como pressuposto da Comunidade Espiritual. E, ao
cumprir a sua tarefa missiológica, a Igreja deve levar em conta que a “justiça de
Deus não é um ato especial de punição calculado de acordo com a culpa do
pecador. Mas a justiça de Deus é o ato através do qual ele permite que as
conseqüências auto-destrutivas da alienação existencial se desencadeiem. O
exercício da justiça é a ação de seu amor, resistindo e quebrando a resistência
daquilo que está contra o amor. Portanto, não pode haver conflito em Deus entre
seu amor e sua justiça”.

A justiça de Deus se manifesta nos dias de hoje através de grupos que


interpretam os escritos bíblicos com uma ótica enraizada numa única esperança:
eliminar a injustiça, denunciando-a. Deus se dá a conhecer ao ser humano através
de sua atuação na História e, principalmente através da vida, da morte e
ressurreição de seu Filho. No presente tempo, temos o Espírito que nos convence
do juízo, do pecado e da justiça e nos leva a toda verdade (João 14 ).

Considerando a fé como o primeiro passo do homem ao processo da


manifestação da justiça salvífica de Deus, creio que a expressão dikaiosune theou
pode ser compreendida como o perdão dos pecados num tempo futuro, pois nos
coloca na posição de “perdoados em Cristo Jesus”. Rudolf Bultmann acredita que a
ação de “tornar justo” a alguém (diakioó) é uma atividade totalmente divina. O termo
justo quer significar “num relacionamento justo”. Sendo assim, entendo como a ação
de tornar justo o perdão dos pecados, pois assim como Cristo foi encontrado justo,
sem pecado algum, nós também, uma vez justificados em Cristo, temos o perdão
dos pecados. “É forense e escatológico, sendo que a justiça já é imputada ao
homem no presente, baseada na pressuposição de que ele tem fé, mas, como tal,
também é escatológico, porque o evento salvífico pôs término ao curso antigo do
mundo, e introduziu a nova era”.

A fé é ação gratuita e justificadora de Deus, de quem nada podemos exigir,


que nos obriga a agir com a gratuidade e atitude semelhante à sua para com nossos
irmãos. De certa forma, é a ação de Deus em Cristo e de Cristo em nós.

II – AÇÃO SOCIAL EM UMA IGREJA JUSTIFICADA.

1 – A IGREJA PRIMITIVA.

A justificação é um dom de Deus. Cristo é o único instrumento da justificação,


pois é importante analisar as Escrituras e ver a do Ministério de Jesus na prática da
ação social, sendo o primeiro a assumir responsabilidade social quanto aos pobres.
Em o Novo Testamento o termo grego ptwco,j (ptöchos) ocorre 34 vezes,
sendo que 24 vezes somente nos evangelhos. O conceito básico de "pobre" nos
evangelhos não se refere somente àqueles que eram economicamente
despossuídos, Inclui, em primeiro lugar, os mendigos, sendo que muitos destes
eram doentes e aleijados e não tinham outra alternativa senão mendigar. Havia
também as viúvas e os órfãos, que dependiam das esmolas de sociedades piedosas
e do tesouro do Templo, e devemos incluir ainda nesta lista os operários diaristas
não qualificados, os camponeses e os escravos. E os maiores sofrimentos desta
classe, além das privações, eram a vergonha e o desprezo (Lc 16:3).

Os pobres dependiam totalmente da caridade de outras pessoas, Albert


Nolan descreve que a palavra "pobre" abrange todos os oprimidos que dependem
da misericórdia de outrem.

Jesus não ficou indiferente à pobreza nem mesmo à situação econômica da


pessoas. Nos evangelhos sinóticos Jesus disse ao rico que queria herdar a vida
eterna: "Vai vende o que tens, dá-o aos pobres" (Mc 10:21, Lc 18:22). Mt 19:21
qualifica esta declaração ao incluir a condição: "se queres ser perfeito". Em Mc
12:41-44 e Lc 21:1-4, Jesus disse que a oferta da viúva pobre, que parecia irrisória,
era muito maior do que a oferta dos ricos.

Jesus fala dos pobres em Mt 11:5, nas bem-aventuranças Mt 5:3 e em Lc


6:20. Nenhuma das duas passagens emprega pobre no sentido social geral. A forma
expandida de Mateus ressalta o fundo histórico vétero-testamentário e judaico
daqueles que, na aflição, confiam somente em Deus (Cf Sl 68:28-29; 32-33; Is 61:1).
Em Lucas, as bem-aventuranças se confirmam essencialmente à pobreza, aos
pobres, aos que choram, aos famintos, aos odiados, e seguem-se os "ais" contra os
ricos.

Jesus se identifica com os pobres nas bem-aventuranças. Os evangelhos


sinóticos retratam sua vida. Seu modo de viver não só se identificava com os pobres
mas também com o conceito vétero-testamentário da pobreza. Sua vida em si, era
um ato de amor, e ao mesmo tempo fez a escolha de se lançar sob os cuidados do
Pai. Jesus pertencia a esta classe humilde e não tentou sair dela, pelo contrário
trouxe uma nova perspectiva para todos aqueles que se sentem oprimidos. Sua
compaixão o tornou diferente de todos os outros (Mt 9:36; 14:14); e esta compaixão
é o sentido da parábola do bom samaritano (Lc 10:25-37).

Nolan faz o seguinte comentário a respeito da compaixão que Jesus sentia:

"A palavra "compaixão" é fraca demais para exprimir a emoção que


movia Jesus: O verbo grego spagchnizomai, usado em todos esse
textos (Mt 9:36; Mc 6:34, Mt 14:14; Lc 7:13; Mt 20:34), é derivado do
substantivo splagchnon, que significa intestinos, vísceras, entranhas,
ou coração, ou seja, as partes internas das quais parecem surgir as
emoções fortes. O verbo grego, portanto, significa movimento ou
impulso que brota das próprias entranhas da pessoa, uma reação das
tripas."

Jesus mostrou um sentimento humano, e este sentimento causou grande


impacto sobre as pessoas que eram oprimidas, e a Igreja primitiva vai assumir
também este sentimento e vai desenvolver uma evangelização através da ação
social.

A igreja primitiva narrada em Atos mostra-nos que os primeiros cristãos


compreenderam o significado de serem embaixadores de Cristo, comprometeram-
sedos com a evangelização, proclamaram (kerigma) as boas novas (evangélion) e
supririam as necessidades dos irmãos (diakonia). E com esta estratégia alcançaram
o mundo conhecido do primeiro século sendo chamados cristãos. (At 11:26), pois
ganharam a admiração do povo (At 5:13).

Outro aspecto que podemos ver no livro de Atos, que mostra a Igreja Primitiva
como uma igreja justificada, também retra as ações econômicas de forma
organizada Atos fala da ação de por em comum tudo o que os irmãos possuíam:
"Vendiam suas propriedades e seus campos e partilhavam o resultado entre todos
segundo as necessidades de cada qual" (At 2,44; cf. At 4,34). Este livro cita, em
particular, o caso de Barnabé, que possuía um campo: vendeu-o e deu a soma aos
Apóstolos (Atos 4,36-37). Seu nome refletia seu caráter, sua fé, sua vida justificada,
um líder cristão que era notável pela sua bondade (11:24).
A interpretação desta ação de por em comum os bens é difícil. Podemos
entendê-la como uma instituição de ação social para auxiliar os indigentes em suas
necessidades, a maneira comum da assistência social na Sinagoga. Isso faz alusão
ao serviço das viúvas (At 2:6,1). Lucas parece fazer referência a algo mais, a uma
verdadeira caixa comum onde os cristãos depositavam suas ofertas . Isso nos
parece hoje menos impressionante, pois descobrimos que tal uso existia entre os
sadocitas (saduceus). Já vimos como a narração de Lucas assume certo colorido
essênio. É possível que se tenha inspirado na descrição da comunidade de Qumrân.

I. Howard Marshal, a este respeito, faz o seguinte comentário:

"Sabemos que pelo menos um outro contemporâneo judaico à seita


Qumrãn, adotou este modo de vida (1QS 6); Filo e Josefo, nas suas
descrições dos essênios (com os quais usualmente se identificaram os
cunranitas), dizem a mesma coisa."

Devemos considerar que essa experiência não dura muito tempo, pois a
igreja de Jerusalém vai depender das igrejas gentílicas, mas essa dependência,
segundo Champlin, dá-se devido ao fato de serem elas vítimas das perseguições
que os crentes judeus sofrem, e assim eles têm seus bens confiscados e
desmanteladas as suas fontes de ganho.

Existe ainda um fato que é considerado por Coleman a respeito de alguns


cristãos que levianamente largavam os seus empregos e se recusavam a trabalhar,
pois achavam que Jesus voltaria a qualquer momento. O apóstolo Paulo ensina que
estes deveriam passar fome. Se essa medida não modificasse o comportamento do
indivíduo, os crentes deveriam evitá-los (2Ts 3:15). A recomendação é dura. Mas
para Coleman o mais comum neste período era que os primeiros cristãos perdiam
seu emprego ao abraçarem a fé, outros eram expulsos do convívio de sua família e
por estes motivos passavam grandes dificuldades.

Assim a igreja de Jerusalém mostra sua generosidade e demonstra


espontaneamente que o dom do Espírito não está apenas na forma de línguas e
profecia, mas na forma do caminho mais excelente do amor cristão. Na verdade sua
prática mostra nada mais que a justiça de Deus se fazendo presente através do
povo.

É certo que dentro desta organização econômica da igreja primitiva haviam


problemas que surgiram dos protestos dos helenistas, que se queixavam de verem
suas viúvas abandonadas. Os Apóstolos instituíram entre eles homens que
pudessem cuidar destas necessidades, o que vai se assemelhar muito com o
sistema da Sinagoga. Os cristãos instituíram um serviço em favor dos pobres, que
seria controlado pelos apóstolos. Não se destinaram, porém, unicamente ao
desempenho do serviço em favor dos pobres. Vamos vê-los a pregar as boas novas
e a batizar (Atos 6). Na realidade, os apóstolos se aproveitam desta ocasião para se
munirem de colaboradores. Mas ainda não foi neste momento que se instituiram os
diáconos. Stanley M. Horton argumenta que os sete não são chamados diáconos
nesta passagem, embora seja uma forma de diakoneo, da qual deriva a palavra
diácono, e que esta eleição vai criar o precedente para o que vamos encontrar como
ofício na igreja mais tarde.

John R. W, Stott dá a seguinte conotação para esta passagem:

"Diakonea é um termo geral para serviço, ele não é específico, a não ser que
receba um adjetivo como "pastoral", "social", político", 'médico" ou outro.
Todos os cristãos, sem exceção, sendo seguidores daquele que veio "não para
ser servido, mas para servir", são chamados para ministrar, ou melhor, para
darem suas vidas em ministério."

De um modo geral, as igrejas tinham muita compaixão pelas necessidades


dos pobres de suas comunidades e de outras também. Na ocasião que Jerusalém
sofre perseguição e passa por grande crise social os crentes de Antioquia enviaram
para eles suprimentos (At 11:28-29). Calvino fala que essa gratidão não merecia
pequeno louvor, pois os crentes de Antioquia pensavam que deveriam ajudar a
irmãos necessitados, de quem haviam recebido o Evangelho. Porquanto nada existe
de mais acertado do que aqueles que têm semeado as realidades espirituais, devem
colher também coisas terrenas. Visto que qualquer pessoa se inclina para suas
próprias necessidades, todos aqueles homens poderiam ter objetado, porém, não o
fizeram, mas se preocuparam e os ajudaram.

A igreja Primitiva aprendeu o ensino de Jesus pelo qual todos são chamados
a servir ao próximo. E é neste sentido que eles imitaram a Cristo, pois serviram com
liberalidade. O apóstolo Paulo dá um passo decisivo para o avanço missionário
mostrando sua concepção social na evangelização. Sua teoria e prática reflete, em
primeiro lugar por nações que estão distantes, e necessitam serem alcançadas, e
em segundo lugar pelo tratamento que dá aos pobres. Todos seus programas vão
derivar destes dois aspectos.

Diante da resistência dos judeus quanto à questão da circuncisão, o apóstolo


deixa de lado as sinagogas para entrar na evangelização no mundo pagão não
recebeu nada por este trabalho, pois fazia o gratuitamente (1Co 9:15-18). Para isso,
escolheu o caminho do trabalho pois não queria ser pesado para ninguém (1Ts 2:9).
Comblin comenta que haviam duas motivações para que um missionário pudesse
entrar em uma cidade grega: como filósofo, apareceendo numa praça pública, onde
ficariam os que não trabalhavam e possuíam escravos, e quando um filósofo
aparece e o agrada, é convidado por um chefe de família que o recebe na sua casa
e o sustenta, ou então como hospede na casa de uma família rica e ficaria
dependente desta família. Paulo, por sua vez, queria sempre preservar sua
independência, por isto não tinha outro caminho senão trabalhar. Dessa maneira,
Paulo se situa diretamente no bairro dos trabalhadores. O apóstolo não queria entrar
na cidade pelo bairro dos pobres e nem dos ricos. Sua opção era pela classe dos
trabalhadores, pois entrar através dela significava escolher a fraqueza e a carência
de poder.

Paulo se apresenta em sua tarefa missionária sem nenhum prestígio que possa lhe
conferir superioridade, ou seja, Paulo esconde-se de sua cultura para se identificar com o
povo. Este era o ponto de partida, pois os pobres o eram tanto de bens materiais como
também de cultura. Sua condição não lhes permitia acesso à cultura grega. Assim, a opção
que Paulo e foi justamente daquilo que ele iria ensinar. Deus rejeita o poder da cultura e
escolhe aqueles que são mais fracos, para confundir os sábios (1Co 1:27). É um fato inegável
sua preocupação com os pobres (Gl 2:9-10). Desta forma, ensina a liberdade, faz dos cristãos
servos uns dos outros pela caridade (Gl 5:13). E, para o apóstolo, a lei de Deus é a caridade,
esta simbolizando o serviço mútuo, o amor a Deus e ao próximo.

Todos estes argumentos nos mostram que a igreja primitiva se preocupava com as
necessidades das pessoas, tinham não apenas o desejo de levar o reino de Deus adiante, mas
entendeu que para ser igreja justificada precisava ser instrumento de justificação, por isso na
sua prática assumiu à sua responsabilidade de fazer ação social.

2 – A REFORMA.

Ao lermos alguns escritos dos grandes Reformadores vimos que a doutrina


mais pregada e ensinada era a da Justificação pela Fé (sola fide), pois para eles a fé
não oferecia qualquer garantia para a vida cristã, a não ser apenas a primeira
condição para participar da graça de Deus, que se completava com a caridade,
inspirada por boas obras.

E quando vemos o pensamento de Lutero a respeito da fé, somos


incentivados a nos identificar com ele, pois, dizia ele, a fé tem dois sentidos: um é
que, pela fé, o cristão se torna livre de todas as coisas, e a ninguém subornado, e
outro está no amor (que se deriva da fé). O cristão é o servo submisso a todos.
Sobre isto Lutero diz:

"A fim de poder dar-se totalmente, o cristão deve antes possuir-se


totalmente, o que só é possível pela fé. Só assim será possível voltar-
se com Deus ao próximo e consagrar-se ao seu serviço no espírito de
cordialidade espontânea; o forte assistirá o mais fraco... como filhos de
Deus, cumpriremos a lei de Cristo... pois nisso consiste a verdadeira
vida cristã. Nosso próximo sofre em sua indigência e carece dos bens
que possuímos, assim como nós também, indigentes diante de Deus,
carecemos de sua misericórdia".
Ninguém se esforçou mais que Lutero para diminuir esse vão e fazer a
ligação entre a fé salvadora e a ação social. Entretanto, sua reforma em prol dos
pobres não foi bem sucedida e hoje caiu no esquecimento. Assim como Lutero
defendeu que o cristão liberto (justificado) é submetido por Deus a todos, devemos
também, à sua semelhança, sermos despertados pela imensa pobreza que nos
cerca.

O exemplo que Lutero deixa é simples: o cristão deve se livrar de seu eu e


viver uma vida onde seu amor por Deus seja espontâneo, não visando qualquer
recompensa material ou espiritual, mas simplesmente com o objetivo de fazer a
vontade de Deus, pois a vida cristã consiste: "em tudo querer o que Deus quer,
buscar a glória de Deus e nada desejar para si, pois é no cuidado pelos mais fracos
e desamparados que Deus é glorificado" Lutero.

Podemos perceber que Lutero se preocupava com os pobres, pois o


crescimento da pobreza e de mendigos era problema que ninguém podia ignorar. O
desejo de agir em prol dos necessitados apareceu resumidamente nas 95 Teses
(1517) onde Lutero argumentou que é melhor dar aos pobres e emprestar às
necessitadas que comprar indulgências.

Sua vigéssima-primeira proposta começa; "Uma das maiores necessidades é


a abolição de toda mendicância na Cristandade". Alguns escritores afirmam que esta
medida em Wittemberg serviu para três finalidades importantes: manteve os pobres
vivos, sustentou o sistema monástico e providenciou méritos no céu para os
doadores. E também contribuiu para que as autoridades organizassem um sistema
para desviar recursos das ordens monásticas em declínio, providenciar uma verba
para o sustento dos pobres e ao mesmo tempo estimular o envolvimento da
população na assistência social.

Lindberg faz o seguinte comentário a respeito deste período:

"O conselho da cidade formulou sua Beutelordnung ou Ordem do


Erário, um rascunho que foi descoberto nos arquivos públicos pelo
historiador Karl Müller. Foi anotado pela mão de Lutero, demonstrando
que, embora a administração das mudanças fossem a
responsabilidade de Carlstadt, Lutero do seu refúgio secreto em
Wartburg, foi a força inovadora. A Ordem da Cidade de Wittenberg
exigiu que as receitas das igrejas, irmandades e guildas fossem
ajuntadas no erário. Caso os recursos fossem insuficientes os
cidadãos seriam obrigados a contribuir com uma taxa anual de acordo
com seu patrimônio. A receita seria usada para sustentar os
desempregados, órfãos e crianças destituídas, pagar bolsas de estudo
nas escolas públicas, fornecer dotes para as donzelas pobres quando
se casarem, e financiar artesãos no começo da sua profissão.
Também, e talvez o mais importante, o dinheiro seria usado para o
sustento do clero. A ordem baniu da cidade os mendigos, os frades
mendicantes e os estudantes estrangeiros sem meios de sustento".

Todos estes argumentos mostram que Lutero lutou para que os necessitados
fossem amparados e que, pela fé, o cristão estivesse livre das exigências da Lei.
Mas nem todos os protestantes concordaram com essa função tão limitada, dizendo
que é inadequada para suas necessidades. E também não podem negar a
preocupação que Lutero teve com os mais fracos e desamparados, e que o cristão
justificado se torna livre para poder, através da fé, viver uma vida de serviço
decorrente do amor a Deus.

O crente justificado deve pensar como Lutero "Darei-me ao meu próximo


como Cristo se ofereceu por mim; farei nada por meu próximo nesta vida senão o
que reconheço como sendo necessário, edificador e saudável, porque pela fé gozo
uma abundância de todas as coisas em Cristo". Este, pois, é o lado social da
Reforma, conforme Martinho Lutero: uma mudança voluntária baseada na liberdade
de justificação pela fé. O resultado será um novo compromisso moral com a
sociedade.

Quando se evoca a tradição reformada para falar sobre a ação social no


período da Reforma, não se pode deixar de lado João Calvino, uns dos mais
notáveis reformadores, sistematizador das doutrinas reformadas, que deu muita
ênfase à questão dos mais fracos e desamparados. Seu pensamento nesta área e
tão importante quanto o de Lutero.

Calvino tem como princípio básico nesta área que em Cristo não há mais nem
escravos nem livres, pois Cristo aboliu todas as divisões de classes. Isso significa
que o cristão vive a fé autêntica quando toma consciência da influência do seu meio
social, mas ainda assim encontra seus irmãos numa fraternidade que exclui toda
discriminação. Por isso Calvino considera que na escala de valores de Deus não há
nenhuma correspondência entre o valor espiritual e o valor moral de um homem e
sua riqueza ou pobreza. Bieler comenta o seguinte pensamento de Calvino: "Somos
todos ricos em relação a alguém. O rico tem uma missão econômica de providenciar
ao mais pobre parte de sua riqueza, de tal maneira que o pobre deixa de ser pobre e
ele mesmo deixe de ser rico."

Esta igualdade pregada pelo reformador tem como objetivo levar os membros
do corpo de Cristo à restauração social do mundo, uma vez que pela fé o crente em
Cristo está restaurado na sua dignidade de filho de Deus, reconstitui sua justa
relação com o próximo. Calvino devolve ao cristianismo a comunhão espiritual que
Cristo estabelece entre os membros de seu corpo, fazendo com que estes supram
as necessidades uns dos outros. Esta igualdade é da vontade de Deus. Conforme
Calvino,

"A vontade de Deus é que haja tal analogia e igualdade entre nós.
Cada um socorra os indigentes na medida de suas possibilidades, a
fim de que alguns não sofram necessidades enquanto outros têm em
supérflua abundância".

A preocupação de Calvino de que a igreja tivesse esta prática fez com que ele
recriasse o serviço diaconal, assim como era na igreja primitiva. Mas sempre
advertiu que todos são responsáveis uns pelos outros. Esta preocupação diaconal
da Reforma fica clara com o comentário de Bieler;

"Com a adoção da Reforma, Genebra já criara a instituição do hospital


geral, bem como o seguro médico, de velhice e de invalidez. Esse
sistema social médico, de velhice e de invalidez foi aperfeiçoado por
Calvino que trabalhou para que essa assistência, organizada e dirigida
pelo Estado - mas exercida pelo ministério eclesiástico dos diáconos -
não tivesse discriminação nacionais, promovesse a assistência
domiciliar e incluísse um serviço de medicina social. "Que haja um
médico e um cirurgião, dizem as ordenanças de 1541, às expensas da
cidade... encarregados de cuidar do hospital e de visitar os outros
pobres".

Este pensamento calvinista de que o homem pode socorrer o próximo com


seus bens, com amor, assim como Jesus Cristo deu-se por nós, produziu influência
até hoje. No movimento de reavivamento do século XVIII, a herança da tradição
reformada dentro da visão social ganhou muita força, e a filantropia afetou
profundamente a sociedade desta época.

Temos em John Wesley, na Inglaterra, o exemplo mais marcante deste


período. O evangelho que pregava inspirava as pessoas a se envolverem em
causas sociais em nome de Cristo. Muitos historiadores dizem que a influência de
Wesley foi tão grande que evitou que a Inglaterra entrasse em uma revolução, como
na França. Segundo John R.W. Stott, Wesley se colocou como um pregador do
evangelho que elevou a consciência social na sua época, tendo sido também um
profeta da retidão social, que lutou contra várias injustiça sociais, e a partir disto as
coisas começaram a mudar ocasionando desde a abolição dos escravos e de seu
tráfico, como também a humanização do sistema penitenciário, a melhoria das
condições nas fábricas e nas minas, a educação acessível ao público e tantos outros
avanços para a sociedade. A paixão por justiça social e essa sensibilidade por erros
humanos era tão forte que o escritor Buyers relata que "Por cinco dias Wesley
andou na neve pelas ruas de Londres, pedindo auxílio para socorrer os pobres
daquela cidade". Este seu entusiasmo e compromisso com o evangelismo e com a
ação social alcançaram muitos outros evangelistas.

Um dos resultados mais expressivos do movimento wesleyano se deu em


1780, na Inglaterra, quando, preocupado com a educação da população, Robert
Raikes instituiu a Escola Dominical como uma maneira de ministrar às crianças
pobres a educação religiosa e secular. Em uma avaliação daquilo que os
reformadores ou os de linha reformada produziram, fica claro que a Reforma e sua
tradição proporcionaram muitos frutos sociais. Não nos faltam dados para poder
perceber que estes eventos somente ocorreram pela fé em Cristo, provocando nos
corações destes homens a execução do serviço proposto pela Missão de Deus.
Por certo, o Congresso de Lausane, na Suíça, em julho de 1974, influenciado
por este pensamento reformado, trouxe grande avanço para evangelização e a
justiça social. Neste congresso nasce o Pacto de Lausane, onde constaram as
seguintes afirmações: "Após três seções introdutórias sobre o propósito de Deus, a
autoridade da Bíblia e a singularidade de Cristo, seguiu-se a Quarta palestra,
intitulada 'A Natureza da Evangelização' e, em seguida, 'A Responsabilidade Social
Cristã'. Esta última declara que a 'evangelização e o desenvolvimento sócio-político
são ambos parte do nosso dever cristão".

3 - A AMÉRICA LATINA.

Com mais de 500 anos da chegada de Cristóvão Colombo no Caribe, e da


colonização na América Latina. São praticamente 400 anos de catolicismo, ou seja,
até por volta do ano de 1900 quase toda a população da América era considerada
católica, a partir de 1810 começa a presença missionária protestante na América
Latina, trazendo a um rápido crescimento chegando em 1960 em mais de 20% da
população protestante.

A história da evangelização na América Latina nos mostra que, para atingir


esta porcentagem, muitos caminhos tiveram que ser seguidos para se chegar neste
crescimento que, sem dúvida nenhuma, o equilíbrio, a fidelidade ao evangelho e ao
desenvolvimento social foram aspectos visíveis na história.

Sabemos que ainda há muito para ser feito, pois há um abismo entre os ricos
e os pobres na América Latina. Por isso, queremos mostrar os sinais presentes na
igreja protestante da América Latina, que assumiu seu chamado de ser igreja
justificada e sua presença no meio do povo tem significado muito importante para as
classes menos desfavorecidas. Este fato é histórico e que não se pode negar, pois
dificilmente encontraremos um lugar onde o protestantismo chegou, onde os
missionários não tenham lutado para diminuir a injustiça mediante trabalhos sociais.
Citamos como exemplos o estabelecimento de hospitais, orfanatos, asilos, alívio da
fome e numerosos trabalhos que são do conhecimento comum e até hoje não
cessaram. Portanto estas são evidências de que, apesar das dificuldades e
divergências que a igreja enfrentou, sua presença está marcada pela fé que
testemunha a ação de Deus através desta igreja justificada.

O protestantismo começou a se organizar a partir da metade século XIX, com


a vinda de missionários dos países centro-europeus e do Atlântico Norte. Estes
pioneiros chegaram com ideais do liberalismo, no aspecto econômico, e com a
proposta de reforçar a modernização e a industrialização. Trouxeram muitos
avanços e juntamente com isso tentaram reproduzir condições semelhantes de suas
origens na América Latina. Para tanto, levavam escolas para todos e promoviam a
liberdade do indivíduo.

Rubens Alves, ao falar da teologia protestante na América Latina conta-nos


que apesar de no começo do século o protestantismo ter sido considerado como
religião de estrangeiros e marginalizados e de os seus seguidores, serem acuados
pela intolerância católica, "os protestantes ousaram falar de justiça social".

Assim podemos entender que os primeiros protestantes latino-americanos


herdaram um princípio reformado que Martinho Lutero, João Calvino e outros
auferiram através de um movimento libertador, onde a luta pela total transformação
e ordenação da sociedade sob a Palavra visava a justificação pela fé. Assim, os
primeiros protestantes tiveram seus fundamentos na Bíblia, a exemplo dos
reformadores, e a isto observa Russel P. Shedd:

"Todo cristão deve se concientizar de que a Bíblia não nos permite


acompanhar indiferentemente a miséria dos que são oprimidos por
impiedosos dominadores avarentos".

A verdade desta declaração é profunda e é com este sentimento que os


primeiros missionários chegaram à América Latina. A história das missões
evangélicas retratam numerosos exemplos entre o anúncio do evangelho e o
serviço. Dentre estas ações missionárias-sociais está o caso do Peru que, no século
XIX, na região indígena de Cuzco de língua quéchua e aimará, onde foi criada uma
granja experimental e desenvolvidos novos cultivos e serviços de saúde, ali havendo
um desenvolvimento educacional e de saúde onde antes havia exploração e
marginalização. Podemos citar também a cidade Titicaca, na Bolívia, onde os
missionários batistas canadenses fizeram um experimento de reforma agrária, na
Fazenda Huatajata. Temos, no Brasil, as missões presbiterianas, que trazem
consigo uma característica da Reforma que era Igreja e a escola caminhando juntas,
e instalam-se vários colégios, entre eles o Instituto Presbiteriano Mackenzie, que
iniciou suas atividades em 1870, quando o missionário presbiteriano George
Chamberlain e sua esposa, Mary Chamberlain, abriram as portas de sua casa para
educar três crianças: uma menina e dois meninos. Iniciava-se ali uma verdadeira
revolução no ensino do Brasil, que iria mudar, anos depois, a educação em todo o
país, alcançando-se pessoas de todas as raças e credos, misturando meninos e
meninas numa mesma sala de aula.

Convém olharmos para os católicos que, nas décadas de 60 e 70, lançaram-


se neste compromisso de justiça social. Anos mais tarde este compromisso foi
reforçado com a posição tomada em 1979 na III Conferência Episcopal Latino
Americana, realizada em Puebla, Los Angeles, que foi marcada pelas reafirmações
da “...clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres” e de que “...Deus
está presente, vivo, em Jesus Cristo libertador, no coração da América Latina”.

Tais afirmações vão influenciar muito a ação da Igreja Católica na América


Latina se considerarmos que nesta época já era muito comum falar da pobreza e do
reino de Deus, uma vez que a Teologia da Libertação, mesmo não sendo uma
teologia oficial, teve em cada época um conteúdo diferente, para a qual Enrique
Dussel dá as seguintes características:

"Em cada tempo terá um conteúdo diferente: lutará em favor do índio


na época da conquista, a favor das Reduções na fase dos jesuítas,
pela emancipação, em 1810, pelas classes populares, atualmente".
Percebemos que neste período as comunidades eclesiais de base foram um
importante instrumento de evangelização nas classes populares, e significava "O
modo de ser Igreja no meio do povo, que o Espírito suscitou nos últimos 30 anos na
América Latina".

As comunidades eclesiais de base se constituíam de quatro elementos que


fazem dela uma Igreja visível: pela fé, pela celebração, pela comunhão e pela
missão. Assim, seus membros entendem que estes quatro pilares torna-os um
celeiro de agentes de mudanças, que lutam pela dignidade da vida e dos meios de
vida. Richard Shaull escreve a este respeito:

"As comunidades eclesiais de base recriam a experiência pentecostal


(Atos 2 e 4) da igreja como comunidade. Uma comunidade de homens
e mulheres, possuídos pelo Espírito, se sente chamada a viver uma
nova qualidade de vida, na medida em que reparte suas possessões
materiais e juntos procuram continuar a obra de Cristo no mundo. Se
este despertar revolucionário tem de ser sustentado e tem de promover
o fundamento teológico sólido. Aqui, acredito eu, Lutero e a herança
luterana têm alguma contribuição para dar a todos nós, pois percebeu
que a Igreja como uma instituição sacerdotal de salvação, uma
estrutura através da qual a graça é medida pelos sacramentos - não
tinha nenhuma razão forte para valorizar a comunidade. De fato, o
essencial para a existência da Igreja era sua hierarquia e seu
sacerdócio, não seu povo".

Neste sentido o Dr. Russel Shedd chama a atenção dizendo que a teologia da
libertação vai ocupar um espaço nesta época, pelo fato do não-envolvimento dos
cristãos conservadores ou melhor os evangélicos, terem se retirado dos campos
evangelisticos, uma vez que não se mostram consistentes na experiência interior e
que, agora depois de um tempo, começa renovar-se a preocupação com a justiça
social.

Poderíamos multiplicar o número de textos, pois a variedade destes é muito


grande, porém estes só foram mencionados na tentativa de mostrar que na América
Latina a ação dos protestantes corrobora essas afirmações, que servem como
motivação para servir. É a fé em Cristo nasce de uma ação gerada pelo Espírito
Santo. Ficou claro que no passado os protestantes assumiram o compromisso de
igreja justificada e que sua ação na sociedade era muito forte para diminuir as
injustiças, através da ação social. É verdade também que hoje o número de igrejas
envolvidas nesta missão é bem menor, e que a grande maioria não têm se
preocupado e demonstram desinteresse total com esta questão.

Assim, nesta exposição colocamos apenas alguns fatores para afirmar que os
cristãos precisam voltar a mostrar estas características que marcaram a
evangelização protestante na América Latina.

4 - A IGREJA PRESBITERIANA EM LONDRINA.

Assim como os protestantes na América Latina assumiram o chamado de ser


igreja justificada, em Londrina esta presença também assume este chamado, sendo
de muito significado para as classes menos desfavorecidas.

A proclamação da justificação pela fé foi elaborada nesta região por


protestantes presbiterianos, metodistas e batistas, que deixaram suas marcas na
busca por justiça. Podemos celebrar a Deus por importantes feitos, que tem tido
conseqüências até hoje.

Diante desde panorama, a Igreja Presbiteriana do Brasil em Londrina


procurou contribuir de várias formas. A história nos mostra a Igreja Presbiteriana
chegando a Londrina em 1930, sendo organizada a primeira Igreja em 19/07/1936
(Igreja Presbiteriana de Londrina). A partir de sua chegada, desenvolveu um papel
muito importante na vida social da cidade. Em 1940 é fundado o Ginásio
Londrinense - Colossinho e com o desenvolvimento do trabalho, em 1945 o Rev. e
Professor Zaqueu de Melo (Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil) funda o
Instituto Filadélfia de Londrina, em parceria com algumas igrejas evangélicas da
cidade.
Com a visão de poder colaborar com a cidade, e diante da necessidade de
ajudar os doentes da cidade, nasce também em 1947 através do amor cristão a
idéia de se construir um hospital evangélico, sonho que em 1953 começou a se
tornar real. Hoje o Hospital Evangélico de Londrina, é um dos maiores e mais bem
equipados do Brasil.

Todo este histórico nos faz perceber que o primeiros protestantes em


Londrina tinham uma precaução com a vida social da cidade, e este impacto deixou
marcas que refletem ainda hoje na igreja presbiteriana, talvez não com a mesma
intensidade, mas ainda preservamos as características de uma igreja justificada, que
assume sua responsabilidade social. A igreja presbiteriana cresceu e hoje temos o
seguinte panorama: a Igreja Presbiteriana do Brasil em Londrina conta hoje com oito
igrejas, de acordo com estatísticas de 1997 do Supremo Concílio via email, possui
1.753 membros comungantes e 534 membros não comungantes.

Faz os seguintes trabalhos sociais: a Igreja Presbiteriana Central de Londrina,


tem se destacado na área social por intermédio de uma Secretaria de Assistência
Social, que atende mais de quarenta famílias com cestas básicas e de uma agência
de empregos que tem colaborado com as pessoas desempregadas, membros, ou
não membros, atendendo também em outras áreas.

A Igreja Central possui também um centro de recuperação de dependentes


químicos chamado Meprovi (Movimento Evangélico Pró-Vida) que teve seu início em
27 de agosto de 1987 e que já beneficiou mais de mil e quinhentas pessoas. Esta
entidade assistencial possui hoje 36 pessoas internadas, e presta assistência
ambulatorial, jurídica e psicológica. O custo para manutenção deste centro é de oito
mil reais mês, oriundos da Igreja Presbiteriana Central, de alguns convênios com a
Prefeitura Municipal, Governo do Estado e de membros e voluntários.

Na área infantil a Igreja Presbiteriana Central de Londrina possui o Meprovi


Pequenino, que atende cerca de cinqüenta crianças desamparadas através de um
creche, trabalho que começou em agosto deste ano. Com estes trabalhos a Igreja
Presbiteriana Central de Londrina tem se transformado em uma ferramenta na mão
de Deus para alcançar parte destas famílias da cidade que estão se perdendo por
causa do álcool, das drogas, da falta de emprego ou de condições de manutenção
da casa e dos filhos. Nestes trabalhos esta Igreja tem nos mostrado o verdadeiro
significado da justificação pela fé, através da justiça social de suas obras.

A Igreja Presbiteriana Arco-Íris também tem participado do serviço social. Em


junho de 1997 teve início a creche Arco-Íris através do CEDIC (Centro Evangélico de
Desenvolvimento Integral da Criança), que conta hoje com vinte e cinco crianças. O
trabalho é desenvolvido por seis funcionários. A creche funciona nas instalações da
igreja e as necessidades têm sido suprida por doações espontâneas de membros,
por apadrinhamento, a igreja e os sócios da associação contribuem mensalmente. O
custo para sustento deste projeto é de dois mil reais por mês, e a igreja tem se
dedicado a este trabalho assistindo também as famílias destas crianças conforme
suas necessidades, às vezes com cestas básicas ou outro atendimento. Nesta
escola a fé é apresentada de uma forma natural e tem servido para abençoar muitas
vidas.

Na Zona Norte de Londrina a Igreja Presbiteriana Maanaim de Londrina


resolveu criar, em janeiro de 1998, um projeto assistencial para propiciar educação
alternativa e qualificação profissional, especialmente entre famílias de baixa renda e
desenvolver com crianças e adolescentes uma escola de informática que trouxesse
uma melhoria tanto no meio escolar quanto no seu próprio convívio social. Assim
nasceu o MAI - Ministério Assistencial de Informática, uma escola voltada para o
campo profissional e escolar, entendendo que muito mais do que discurso o homem
precisa do amor prático, da esperança, das boas obras.

O MAI trabalha com crianças e adolescentes na faixa etária de 08 a 17 anos


e, esporadicamente, com alguns moços e pais de alunos. Para se inscrever nas
aulas as crianças e adolescentes devem cursar o ensino regular em escolas
estaduais ou municipais e a renda familiar não pode ultrapassar três salários
mínimos. É condição primordial para a confirmação do aluno no Projeto que ele seja
visitado para constatação do nível familiar.

O Projeto contou com o apoio do Instituto Filadélfia de Londrina, que doou os


primeiros equipamentos e de algumas outras empresas. Os professores do Laboratório de
Informática foram capacitados por meio de cursos ministrados por voluntários e estão também
sendo profissionalizados. Hoje o MAI conta com mais de 280 alunos, há uma lista de espera
com o nome de mais de cem crianças, duas salas de aulas, vinte computadores e seis
professores.

Este projeto em menos de um ano, já demonstra ótimos resultados, pois além de


trabalhar com a obra social a igreja está sendo mobilizada, pois todos os alunos são visitados
periodicamente e têm algumas de suas necessidades supridas, como cesta básica, atendimento
psicológico e aconselhamento.

Como resultado deste trabalho a Igreja passou a ocupar uma posição melhor na
comunidade, já que este ficou conhecido pela ampla divulgação na imprensa. Aumentou
também o número de participantes na igreja.

Sabemos que não iremos resolver os graves problemas que eles enfrentam na escola,
no lar e na sociedade, mas com certeza esta pequena contribuição será a oportunidade que
muitos destes menores terão para mudarem o curso de suas vidas com uma nova perspectiva.

Londrina é uma cidade com quase quinhentos mil habitantes, de acordo com
o último Censo de 1991, do IBGE, a cidade possui 52,0 % de suas crianças
morando em lares com renda de até um salário mínimo mensal, 27,9% destas
crianças moram em favelas dentro da cidade, e mais 14,7% em favelas rurais.
Considerando também a condição inadequada de água, esgoto, energia elétrica,
temos outras famílias em situação um pouco melhor mas que enfrentam da mesma
forma, dificuldades econômicas, que afetam diretamente a formação educacional de
seus filhos.

Esta difícil realidade da cidade de Londrina tem trazido conseqüências


seríssimas a este povo e, como podemos observar, das oito igrejas presbiterianas
em Londrina apenas três desenvolvem um trabalho que alcança estes necessitados.
Assim podemos afirmar que falta ainda por parte das igrejas presbiterianas de
Londrina uma consciência maior da ação social. Será que podemos afirmar que
todas são igrejas justificadas?
III – DESAFIOS DE UMA ECLESIOLOGIA SERVIÇAL.

1 – A DIACONAL POLÍTICA DA IGREJA.

Nas seções anteriores enfatizamos como a justificação pela fé é evidenciada


pelos cristãos e que somos a justiça de Deus. Assim podemos ver como a igreja
justificada se desenvolveu através da história e o que isto significou para nós hoje.
Agora, nosso objetivo é mostrar como a Política Diaconal se aplica na igreja e como
esta política pode ajudar de modo prático a ação social e a missão da igreja. Assim
precisamos de uma visão clara desta política.

O termo usado para diaconia se origina do grupo de palavras que acompanha


diakoneo que significa "servir", diakoneo "serviço" e diakonos para servidor.
Inicialmente diakoneo se referia a um garçom que serve a mesa, mas este
significado se ampliou e passou a incluir os cuidados do lar e, finalmente, quaisquer
ajuda ou cuidados pessoais. No judaísmo o serviço era exercido através das
esmolas, e não de prestação de serviços. No Antigo Testamento em grego diakonos
refere-se aos servidores profissionais da corte. Algo abaixo da dignidade do judeu
livre (Lc 7:44-45). Em o Novo Testamento, refere-se aos servos ou escravos e seus
senhores. (Mt 22:13). Neste sentido todos os cristãos devem ser diakonoi (servos)
de Cristo (Jo 12:26).

Desta forma, diakoneo era uma palavra muito empregada na época de Jesus,
e a igreja guardou essa palavra grega para designar responsabilidades sociais. A
igreja primitiva vai instituir o ofício dos diáconos, anos posteriores ao da narrativa de
Atos 6, pois esta passagem é precursora do ofício diaconal. E a este respeito
Nordstokke escreveu:
"Neste texto de Atos, os sete escolhidos para "diaconar" às mesas não
são chamados de diáconos. Suas atividades também não se
restringiram a este trabalho específico, porque vemos alguns, mais
tarde, se destacando na diaconia da palavra. Por isso, também não
podemos indicar esta passagem Bíblica como fundamentação para a
instituição do ministério diaconal público, contínuo e representativo de
hoje".

Segundo Champlim, Clemente de Roma, na sua epístola aos Coríntios, xlii,


xliv, assevera que a nomeação dos diáconos era originalmente apostólica. O ofício e
a função dos diáconos teve começo no tempo dos apóstolos, conforme Atos 6, mas
a passagem do tempo, tal como sucede a tudo mais, ampliou o objetivo e a natureza
desse ofício, até que o mesmo se tornou posição eclesiástica.

Deduzimos então que o diaconato originou-se do cuidado das viúvas da Igreja


de Jerusalém, e também da necessidade de proporcionar ajuda à comunidade
cristã. Eram exigidas qualificações espirituais e tinham responsabilidades com o
trabalho material, e como "auxiliadores do ministério". Em outras palavras, a função
destes diáconos eram aliviar as mão dos apóstolos para que eles se dedicassem à
oração e ao ministério da palavra (At 6:4).

Portanto, podemos ver este serviço sendo introduzido na igreja primitiva de


maneira natural até se aplicar em uma pessoa possuidora de determinado cargo na
sociedade cristã. Na Vulgata, o termo grego usado era diaconus (Fp 1:1; 1tm 3:8),
enquanto que as demais versões traduzem diakonos como ministro. "Ora, tudo
provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu
o ministério (diakonia) da reconciliação" 2Co 5:18. O apóstolo Paulo entendeu que,
como Cristo, nossa condição só poderia ser de servos e, em conseqüência, os
ministros são chamados diakonoi (servos). “Ministério é diaconia, é serviço, na
verdadeira acepção da palavra e na sua expressão mais adequada”. Diaconia é na
verdade o exemplo de Cristo.

O cristianismo nasce com esta idéia de que o serviço tinha como importância
e função edificar o Corpo. Assim, a diversidade nos serviços, que correspondem às
adversidades de serviços (1Co 12:4). Paulo emprega didasko em Rm 12:7,
referindo-se a que um cargo, dentro da igreja, é um Dom. Paulo emprega a palavra
grega charisma significando um revestimento pessoal com a graça de Deus para o
serviço do Corpo de Cristo, para a edificação, multiplicando o amor, a esperança e a
fé. Ou seja o significado deste revestimento espiritual especial para a vida da
comunidade, têm os aspectos que olham para dentro, e outros que olham para fora.
Como diz Ray C Stedman: “A clara intenção de Deus é que através da igreja
verdadeira o mundo possa ver Jesus Cristo em ação”. Todos os dons na igreja estão
a serviço da vida e é assim que cada membro deste corpo é útil.

Também temos que ter a consciência que o Ministério da Palavra (kerigma) e


Serviço (diakonia) andam juntos. Pessoas preparadas e vocacionadas para o
Kerigma e a diakonia, fazem uma comunidade equilibrada que produz frutos de
justiça (ações) .

Kjell Nordstokke adverte:

"Onde a natureza diaconal da Igreja é percebida, a ação diaconal vai


deixar de ser algo "periférico", pois vai se fundamentar
cristológicamente e eclesiologicamente. Não vai mais haver dicotomia
"palavra x serviço. O serviço passa a ser a marca e o poder na Igreja e
se expressará numa espiritualidade de humildade, solidariedade e
esperança".

A política diaconal na igreja é formada a partir do momento em que se


organiza, se estrutura, e se prepara para a ação. E para isso é necessário avaliar as
causas da necessidade, formar pessoas, administrar recursos, tudo com o fim de
modificar a situação dos necessitados.

Existe uma diferença entre diaconia e ação social, que deve ficar clara: a
Diaconia é serviço e tem fundamento na fé, no exemplo de Jesus Cristo; já a ação
social ou assistência social, tem como ação profissional técnica com dimensões
políticas, apoiam-se em teorias e práticas. Ação social muitas vezes tem se
transformado em ações paternalistas, relacionadas apenas com primeiras damas, e
a assistência social é dever do Estado, mas tem sido feita também por organizações
não governamentais que trabalham na perspectiva social.
É necessário que a igreja justificada reflita sobre estas duas ações, uma vez
que para fazer o serviço social da igreja seja necessário a parte técnica e prática.
Podemos dizer que a igreja tem que ter o cuidado de saber qual o tipo de
assistência que o povo necessita, a fim de que ela não caia no erro de ser
paternalista, mas sim transformadora.

Na prática, a ação diaconal da igreja tem esta função de assistência social,


mas conforme o modelo bíblico vemos que a ação é muito mais que apenas fazer
assistência social. Ela tem seu propósito em auxiliar a igreja, para que o corpo
cresça bem edificado. Por isso Paulo escreve a Timóteo dando as qualificações de
um diácono (1Tm 3:8-13).

2 – OBEDECENDO A GRANDE COMISSÃO.

Jesus demonstrou compaixão pelos necessitados, operou milagres,


alimentou pessoas, mas teve como propósito principal instalar a fé na sua pessoa
como Cristo o Filho de Deus que veio para salvar os perdidos. Seu convite foi vinde
a mim (Mt11:28), trazendo como sempre a idéia de paternidade, de acolhida,
amparo, mas ao chamar (vinde), Ele também preparou para que fossem por todo o
mundo e pregassem o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). Jesus deixa assim a
grande tarefa de que, assim como Ele amou e se entregou, esta deve ser a missão
de todo cristão: não ficar satisfeito apenas porque recebeu amor de Deus, mas
porque o amor tende à busca os outros, à luta pelos outros, à entrega aos outros
estando disposto até a dar a vida, se necessário. Foi para isto que Ele veio e é com
este fim que ele envia. Este é o trabalho que Jesus confiou à igreja que ele mesmo
justificou.
A igreja justificada que vive a herança reformada mantém viva esta chama
de proclamar ao mundo o evangelho, uma vez que a razão de ser da igreja é
sua própria missão. Assim a obra missionária da igreja está totalmente
relacionada à fidelidade ao mandamento de Jesus.
Fazer missão é ir ao mundo solitário a fim de, com compaixão, sujar as
mãos, sofrer e gastar-se a serviço do próximo, envolvendo-se com cada um
levado pelo amor de Deus. Sobre isto John Stott faz a seguinte declaração:

"Missão é a nossa resposta humana à divina comissão. É todo estilo


de vida cristão, que tanto inclui evangelismo quanto responsabilida-
de social, sob a convicção de que Cristo nos enviou, e que é para o
mundo, portanto, que devemos ir, para viver e trabalhar para ele".

Vê-se então que o cristão justificado que está ativamente preocupado com a
justiça social não se preocupa apenas com o "sagrado", mas também com o
"secular". Sua preocupação com a comunidade é tão abrangente quanto a de Jesus.
John Stott completa esta idéia dizendo que o cristão que ama seu próximo não fica
apenas conversando, planejando e orando, como os religiosos, mas sai a serviço do
seu próximo para promover-lhe tanto o suprimento espiritual quanto o físico.

Timóteo Carriker defende a tese de que a missão da Igreja se desenvolve


em duas esferas, sendo uma de batalha espiritual e a outra em um
engajamento histórico e social, e que esta missão nestes dois planos ocorrem
ao mesmo tempo e têm características coletivas, pessoais, não só individuais,
históricas e sociais, de tal forma que essas características juntas formam a
"espiritualidade missionária", que invade toda dimensão da relação humana,
que não foge do mundo, mas mergulha dentro dele.
Podemos então perceber que a grande comissão surge de uma igreja
justificada com o propósito claro de fazer a vontade de Deus. Assim a igreja
participa de sua tarefa missionária de espalhar as boas novas por meio de
testemunho, de pregação, de viagens missionárias, de boas obras (Tt
3:1,2,8,14), de praticar o bem e a mútua cooperação (Hb 13:16) e de tantos
outros meios. Em outras palavras, a ação social é conseqüência da
evangelização.
O sentido da grande comissão é que devemos ir e fazer discípulos por todo
mundo (Mt 28:19, Mc 16:15) onde a igreja justificada rompe as barreiras e
fronteiras e vai a todas as partes. No evangelho de João Jesus diz: "Assim
como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 20:21). A grande comissão
nos faz refletir de como deve ser feita esta obra, pois fica claro nos textos que a
obra tem que ser cumprida.
Podemos dizer então que uma igreja justificada é uma igreja voltada para
esta missão, e esta missão de evangelização não pode ser apenas anunciar as
boas novas , mas tem que haver envolvimento com as pessoas, em amor, uma
vez que iniciada não pode ser abandonada, tem que assumir responsabilidades
e se esforçar.
Norman Lewis faz o seguinte comentário a respeito de se esforçar.

"Protestou Paulo "esforcei-me por pregar o evangelho". O trabalho


número um de Deus merece o esforço principal do homem. Natam
Hale, famoso como guerreiro revolucionário, morreu como espião.
Suas patrióticas palavras foram: "Só lamento ter apenas uma vida
para dar pelo meu país". Ninguém, homem ou mulher, tem mais de
uma vida. Uma vida para investir!... Viva de modo que seus esforços
tenham significação na evangelização mundial."

O crente justificado pela fé tem no seu coração este desejo de servir a


Deus. Mesmo que isto lhe custe caro podemos ver que uma vida justificada por
Deus tem muita importância no seu reino. Esta tarefa da grande comissão não
é para qualquer um, senão para aqueles que já foram justificados por Deus e
separados para tão grande obra.

3 – JESUS O PÃO DA VIDA.

Uma comunidade justificada é aquela que apresenta condições satisfatórias


de nutrir-se da fonte inesgotável de alimentação: Jesus. Há, sim, sempre
necessidade de recorrer a Cristo enquanto "pão da vida", "alimento espiritual", "leite
materno e espiritual", pois resulta em compromisso e cumprimento da missão. Afinal,
Jesus é o pão que mata a fome dos famintos.

A fome de uma comunidade justificada não deve restringir-se somente à


pregação da Palavra. Deve, ainda, nutrir-se da comunhão, do amor e do trabalho
para o nosso semelhante. A solidariedade faz parte da igreja que se alimenta do
"pão da vida". Uma vez que o homem é justificado para que seja a justiça de Deus,
sua preocupação social é em si uma atitude solidária com a vida.

Portanto, a solidariedade é levar o "pão da vida" aos ferimentos espirituais e


carnais, e isto só pode ser feito pelo serviço. É sem dúvida estar disposto a levar o
fardo um dos outros, é gastar tempo buscando a compreensão básica da outra
pessoa, é comprometimento de vida.

Também devemos ter a consciência de que qualquer ação missionária que


ignora totalmente a dimensão de servir o "Pão da vida" em todos os sentidos
pode tornar-se apenas promotora de uma instituição, deixando assim de
cumprir o anúncio integral do evangelho.

Uma das coisas que torna relevante a justificação pela fé consiste no tipo de
visão que ela nos dá do mundo. A justificação inspira esperança básica na vida.
Havendo esperança, esta se transforma em serviço. Esta ação gerada nos leva ao
mundo para ajudarmos as pessoas a se alimentarem do verdadeiro "Pão", o Cristo
que não está na cruz, que tendo morrido uma vez pelo pecado, agora vive. Em
outras palavras, uma vida justificada leva o "Pão da vida" ao mundo.

4 – AÇÃO SOCIAL COMO PROVEDORA DA COMUNHÃO.

Ação social é evangelismo através da comunhão. A igreja primitiva mostrou


sinais de uma igreja justificada a partir do momento que começou a viver em
comunhão. Este grande sinal de ação do Espírito sobre a comunidade, ou seja, a
comunhão entre os cristãos, caía na graça do povo, e levava diretamente para o
evangelismo (Atos 2:47).

Em Atos, vemos a comunhão se manifestando da seguinte forma. "E


perseveravam... na comunhão" (At 2:42), "todos os que creram estavam juntos e
tinham tudo em comum" (2:44), e "tomavam as suas refeições com alegria e
singeleza de coração" (2:46). A palavra koinonia ("comunhão") no mundo grego
significava a estreita união entre os homens. Neste texto de Atos a koinonia tem um
sentido absoluto, como parte essencial da vida de adoração, e pode também ser
traduzida como comunhão ou fraternidade Litúrgica na adoração. Indica a
unanimidade levada a efeito pelo Espírito. O indivíduo era complemente apoiado na
comunidade.

A igreja primitiva preocupava-se com os membros da comunidade quanto a


problemas financeiros, e também muitos pescadores e camponeses que migraram
para a Galiléia tinham dificuldades em ganhar a vida na capital. Havia também nesta
época uma crise social, em conseqüência da situação econômica da Palestina e
devido a distúrbios contínuos. Paulo trazia a Jerusalém coletas que eram a
expressão tangível da comunhão das igrejas, “pela liberalidade que contribuís
(koinönias) para eles e para todos" 2Co 9:13.

Koinonia fala do nosso relacionamento com outros cristãos. A igreja


justificada tem que viver em comunhão, pois ela revela uma grande oportunidade
para a prática do amor ao próximo. É claro que o próximo pode significar
contextualmente os irmãos da própria comunidade como os de fora. Uma
comunidade que pratica a diaconia está concomitantemente oportunizando a prática
da fé justificadora, pois o ministério diaconal possibilita à comunidade a manutenção
da comunhão. É, pois, nesse contexto que Atos considera a ação social como
evangelização comunicativa a partir do contexto da comunhão.

A ação social pertence à missão da igreja e deve encorajar seus membros


à responsabilidade social e à busca da justiça social. Não deve enclausurar-se de
maneira a viver em guetos, mas frutificar a realidade da koinonia (envolvimento e
compromisso) como conseqüência da justificação pela fé. É afirmar que a Igreja
justificada se envolve e se compromete com a missão de servir ao próximo num
ato de fé e que, primeiramente, ela experimenta essa realidade na comunhão dos
santos.

Sendo assim, a missiologia evangelizadora do terceiro milênio, a partir do


contexto e das estruturas do Congresso de Lausanne, acentua um ponto de
tensão quanto à eclesiologia atuante, mas que estabelece diretrizes de uma
prática de ministério pastoral na América Latina , viabilizando a evangelização,
a preocupação e a ação social sob responsabilidades cristãs, que devem ser
feitas pelos cristãos individualmente e por grupos. Cabe, portanto, à igreja
promover esta ação.

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