Você está na página 1de 9

EVANGÉLICOS E ADVENTISTAS JUNTOS?

Pr. Dennis Priebe / Traduzido por Marcell Dalle Carbonare

Muito tem sido dito e escrito a respeito da aliança entre católicos e evangélicos que chocou a
muitos observadores. Teria sido dito que era impossível apenas algumas décadas atrás, mas
talvez qualquer coisa seja possível nos anos 90. Para restaurar a moralidade e os valores
cristãos em nossa decadente sociedade americana, alguns evangélicos e católicos decidiram
que suas diferenças não são tão grandes como pensavam, e se uniram em crenças comuns
para apresentar uma frente unida a fim de mudar a sociedade.

Os adventistas do sétimo dia não fazem parte dessa nova unidade, pois cremos que as
doutrinas são vitalmente importantes para a fé, e as diferenças doutrinárias não podem ser
simplesmente varridas para debaixo do tapete para que possamos fazer de conta que elas não
existem. Mas a pergunta permanece: Há ligações mais sutis entre adventistas e evangélicos do
que a maioria dos adventistas imagina? Estamos em perigo de lentamente nos tornarmos parte
do mundo cristão evangélico, sem ao menos nos darmos conta disso? Examinemos algumas
declarações públicas recentes.

O que é o Evangelho Evangélico?


Em abril de 1997, apareceu na Adventist Review um artigo com o título “Levantem-se Por Favor
os Verdadeiros Adventistas Evangélicos”. Neste artigo estavam essas declarações: “Eu me
considero um verdadeiro evangélico adventista. E espero que você também.... Eu gostaria que
todos na igreja fossem adventistas evangélicos, porque inerente à palavra ‘adventista’ deveria
estar o conceito de ‘evangélico’”. "O que é então ser evangélico”, e particularmente ser um
“adventista evangélico?” Precisamos saber o que isso significa. Não podemos apenas utilizar
uma palavra e achar que todos sabem o que ela significa. A primeira coisa a ser entendida é
que “evangélico” não é um sinônimo de “evangelístico”. Atualmente, os evangélicos são
evangelísticos em sua perspectiva, pois se esforçam para levar as pessoas ao novo nascimento.
Mas o termo “evangélico” é mais abrangente do que isso, e define um certo grupo com crenças
definidas.

Algumas semanas após esse artigo ter aparecido na Adventist Review, um indivíduo escreveu:
“Como um radialista cristão na rádio KARM, eu entro em contato com muitas outras
denominações que se intitulam “cristãs evangélicas”. Sinto uma conexão muito definida com
esses queridos irmãos e irmãs ao olharmos para a cruz. Nós somos todos salvos pela fé em
Jesus... Esse artigo me deu a confiança para seguir adiante, orgulhosamente reivindicando o
título de cristão evangélico” (12 de junho de 1997).

Talvez precisemos entender um pouco de história agora mesmo. Antes de 1955 nada jamais foi
mencionado sobre ser um adventista evangélico. Mas então aconteceram algumas discussões
entre líderes de nossa igreja e os líderes evangélicos Barnhouse e Martin. Desde então, os
adventistas têm estado um pouco mais confortáveis com o termo “evangélico”, e
coincidentemente tem havido uma considerável turbulência na Igreja Adventista a respeito do
significado do evangelho.

Para sermos completamente honestos com as evidências, precisamos perguntar a um


evangélico o que ele quer dizer com o termo “evangélico”. Kenneth Samples escreveu alguns
artigos bem honestos e objetivos a respeito do que ele viu acontecer na Igreja Adventista. Mas
o que mais me interessa é a declaração dele sobre as diferenças entre os evangélicos e o
adventismo tradicional.

Por volta da metade da década de 70, duas facções distintas emergiram dentro da IASD. O
adventismo tradicional, que defendia muitas das posições adventistas antes de 1950, e o
adventismo evangélico, que enfatizava o entendimento da Reforma a respeito da justificação
pela fé. Essa controvérsia logo deu lugar a uma grave crise interna que fragmentou
severamente a denominação.

As principais questões doutrinárias que uniram esse grupo [adventismo evangélico] eram:

1) Justificação pela Fé: esse grupo aceitou o entendimento da Reforma a respeito da


justificação pela fé (de acordo com o qual a justificação pela fé inclui apenas a justificação, e é
um ato judicial de Deus em que Ele declara os pecadores como justos com base na própria
justiça de Cristo). Nossa posição diante de Deus repousa na justiça imputada de Cristo, a qual
recebemos através da fé somente. A santificação é o fruto que acompanha, e não a raiz da
salvação.

2) A natureza humana de Cristo: Jesus Cristo possuía uma natureza humana sem inclinações ou
propensões ao pecado. Nesse sentido, a natureza humana de Cristo era como a de Adão antes
da queda.

3) Os eventos de 1844: Jesus Cristo entrou no lugar santíssimo (o próprio céu) em Sua
ascensão; a doutrina do santuário e do juízo investigativo (literalismo tradicional e
perfeccionismo) não têm base nas Escrituras.

4) Segurança de salvação: Nossa posição e segurança diante de Deus repousam unicamente na


justiça imputada de Cristo; a perfeição sem pecado não é possível nessa vida.

5) Autoridade de Ellen G. White: Ellen White foi uma genuína cristã que possuía o dom de
profecia. Porém, nem ela nem seus escritos são infalíveis, e estes não deveriam ser utilizados
como uma autoridade doutrinária.

As seguintes posições foram assumidas pelo adventismo tradicional, em resposta aos debates
doutrinários:

1) Justificação pela fé: A justificação pela fé incluía tanto a justificação quanto a santificação.
Nossa posição diante de Deus repousa tanto na justiça de Cristo imputada quanto comunicada
(Obra de Deus por mim e em mim). A justificação é apenas para os pecados cometidos no
passado.

2) A natureza humana de Cristo: Jesus Cristo possuía uma natureza humana não apenas
enfraquecida pelo pecado, mas tinha propensões ao pecado. Sua natureza era como a de Adão
após a queda.

3) Os eventos de 1844: Jesus entrou no segundo compartimento do santuário celestial pela


primeira vez em 22 outubro de 1844, e iniciou o juízo investigativo. Esse juízo é o cumprimento
da segunda fase da obra expiatória de Cristo.

4) Segurança de salvação: Nossa permanência diante de Deus repousa tanto na justiça de


Cristo imputada quanto na justiça comunicada. Como Jesus, nosso exemplo, nos demonstrou,
uma perfeita obediência aos mandamentos é possível.

5) A autoridade de Ellen G. White: O espírito de profecia manifestou-se no ministério de Ellen


White como um sinal da igreja remanescente. Seus escritos são conselhos inspirados do Senhor
e autoritativos em questões doutrinárias.

Como a comparação doutrinária acima demonstrou, as diferenças entre essas duas facções
eram de fato significativas. As diferenças poderiam em essência ser reduzidas a:
1) A questão da autoridade (sola scriptura vs. Escritura mais Ellen White), e 2) a questão da
salvação (justiça imputada vs. justiça comunicada). [Christian Research Journal, verão de 1988]

Em outro artigo intitulado “A Verdade Recente Sobre o Adventismo do Sétimo Dia”, Kenneth
Samples traçou um pouco dessa nossa história.

“Os adventistas lançaram uma publicação anterior à de Martin, intitulada Questões Sobre
Doutrina (QSD). Esse livro controverso afirmou, entre outras coisas, que os adventistas não
consideravam os escritos de Ellen White como uma autoridade infalível ou canônica, e que a
salvação era meramente um dom da graça divina, não resultante de obras. QSD também
repudiou doutrinas adventistas tradicionais normalmente mantidas, como a noção de que Cristo
herdou uma natureza humana afetada pela queda, e um entendimento de que os crentes dos
últimos dias atingirão uma perfeição sem pecado. O QSD foi uma declaração clara daquilo que
seria mais tarde conhecido por adventismo evangélico.

Os adventistas evangélicos estavam unidos em seu entendimento da justifiça pela fé: Era
justificação apenas; a santificação era apenas o fruto que a acompanhava… Um segmento vocal
e perfeccionista dentro do adventismo tradicional classificou o adventismo evangélico como a
“nova teologia”, que destrói a verdadeira identidade do adventismo.” [Christianity Today, 5 de
fevereiro de 1990]

No primeiro artigo citado, Kenneth Samples concluiu com uma análise e apelo ao adventismo.

“Atualmente, no entanto, parece que o adventismo tradicional é no mínimo aberrante, confuso


ou comprometedor da verdade bíblica (a saber, sua visão da justificação pela fé, da natureza de
Cristo, o apelo a uma autoridade não bíblica). Também deve ser declarado que, se a ala
tradicional continuar em seu afastamento do QSD, e em promover Ellen White como a
intérprete infalível da igreja, então um dia eles poderão plenamente merecer o título de “seita”,
como alguns adventistas reconhecem... Nossa crítica do adventismo não deveria ser
interpretada como um ataque de um inimigo, mas, em vez disso, como palavras preocupadas
de um amigo, que fervorosamente ora para que os atuais líderes da IASD honrem as Escrituras
e o evangelho da graça acima de suas próprias doutrinas distintivas denominacionais.”

A questão chave de tudo isso é que está sendo pedido que o adventismo faça parte do
cristianismo evangélico popular. Quando Walter Martin escreveu seu livro na década de 1950, o
adventismo não foi incluído entre as seitas por causa das posições que assumimos no Questões
Sobre Doutrina. Temos sido avisados que se renegarmos os pontos que concedemos a eles,
seremos novamente colocados na categoria de “seita”. A questão está se tornando bastante
direta: Seremos nós adventistas ou evangélicos?

Devido à controvérsia fomentada pelo livro Questões Sobre Doutrina, Walter Martin tornou-se
um pouco cético a respeito do que realmente estava ocorrendo no adventismo, então ele
contatou a Associação Geral após Conferência Geral de 1980, solicitando a declaração oficial da
Igreja reafirmando ou negando a validade das posições asumidas naquele livro. Essa é a
resposta que ele recebeu do Dr. Richard Lesher, um vice-presidente da Associação Geral. “Você
pergunta se os adventistas do sétimo dia ainda permanecem com as respostas dadas às suas
perguntas no Questões Sobre Doutrina, como estavam em 1957. A resposta é sim.” (O Império
das Seitas, edição de 1985, p. 410) Nesse livro Martin discute o adventismo sob o título: “O
quebra-cabeça do Adventismo do Sétimo Dia”. Ele diz que a turbulência dentro do adventismo
“é mais extensa do que qualquer turbulência na história da organização”. É tentador olhar
através de lentes cor de rosa para as coisas boas que etão acontecendo na Igreja Adventista, e
supor que tudo está relativamente bem e em paz. Mas ao passo que outros nos olham de fora,
não é isso o que eles vêem, e muitos adventistas estão extremamente preocupados com a
turbulência dos últimos vinte anos.
A pergunta permanece: Deveríamos todos ser adventistas evangélicos? É esse o evangelho
eterno que deve ser proclamado a todo o mundo antes que Jesus venha? Ou esse é o mais sutil
engano que Satanás já lançou sobre o adventismo, em uma tentativa definitiva de tirar dos
trilhos a missão do adventismo, bem nas fronteiras da Terra Prometida?

Justificação Pela Fé
No artigo da Review convocando todos os adventistas a serem adventistas evangélicos, está a
seguinte pergunta: “No que crê um adventista evangélico?” Infelizmente são dadas duas
respostas a essa pergunta. Resposta nº 1: “Que pela fé nEle, e por aquilo que Ele fez por mim
e está fazendo em mim, eu sou aceito em Cristo agora mesmo, considerado perfeito, santo e
justo à vista de Deus”. Resposta nº 2: “A justificação é, tecnicamente, não ser ‘tornado digno',
mas ser 'considerado digno'. Qualquer que seja a mudança que Deus faça em nós, nossa
salvação deve ser sempre baseada no que Ele fez por nós. O Senhor nos declara justos.”

Compare essas respostas com a comparação entre evangélicos e adventistas tradicionais feita
por Samples. A posição evangélica é que somos aceitos por Deus através da justificação
somente, que é aquilo que Cristo faz por nós. É um ato judicial de Deus pelo qual Ele nos
declara justos. A posição adventista é que somos aceitos por Deus através da justificação e da
santificação, que é a obra de Deus por nós e em nós. Em outras palavras, quando Ele nos
declara justos, Ele nos torna justos ao mesmo tempo. A resposta nº 1 acima é o evangelho
adventista, enquanto a resposta nº 2 é o evangelho evangélico. Certamente respostas tão
opostas à mesma pergunta apenas levarão a mais confusão e falta de entendimento entre a
maioria dos adventistas.

Para termos absoluta certeza de que estamos entendendo o evangelho evangélico


corretamente, cavemos um pouco mais fundo. Recentemente John Ankerberg fomentou uma
discussão entre eminentes evangélicos com respeito ao encontro não oficial de ideias entre
evangélicos e católicos. Eles estavam muito preocupados que essa união traísse o evangelho.
Eles disseram que, com relação ao evangelho, nós não devemos negociar, mas ser estreitos.
Eles disseram que a verdade deve ter precedência sobre a tolerância. Eles acharam que o
documento “Evangélicos e Católicos Juntos” era muito vago e comprometedor. O problema
para esses pastores e eruditos era o próprio evangelho. Para eles, o evangelho, “pela fé
somente”, significava justificação declarada, sem a santificação. Essa é a declaração mais
simples e direta que pode ser solicitada. Essa é a obra de Deus por nós, não em nós. A posição
evangélica é muito clara nesse ponto.

Talvez seja bom notar de passagem que o entendimento de E. J. Waggoner nesse ponto era
diferente. Em seu livro, Cristo e Sua Justiça, ele disse: “Justificar significa tornar justo, ou
demonstrar que alguém é justo” (p. 51). “Tenhamos primeiro uma lição objetiva sobre a
justificação, ou a comunicação de justiça” (p. 57). A mensagem do evangelho de 1888 entendia
que a justificação era muito mais do que uma declaração externa de justiça. Quando Cristo nos
declara justos, Ele nos torna justos ao mesmo tempo, o que Ele faz ao comunicar a nós Sua
justiça. O evangelho evangélico está em direta oposição ao evangelho de 1888.

Em outro artigo na Adventist Review encontramos novamente o evangelho evangélico: “O que


Cristo fez por nós de uma vez por todas na cruz (justificação) permanece experiencialmente
inseparável daquilo que Ele faz em nós (santificação). O que Ele fez ‘por nós’ e o que Ele faz
‘em nós’ ainda são dois aspectos diferentes do evangelho que devem ser mantidos
teologicamente distintos”. Mas por quê é que eles devem ser mantidos distintos? “A partir do
momento que aceitamos pessoalmente que Jesus ‘carregou nossos pecados’, temos uma
experiência de novo nacimento que leva à regeneração e renovação em Cristo. No entanto, o
novo nascimento e a nova vida não são o que nos salva; em vez disso, são o que
acontece após sermos salvos”. Esse é precisamente o evangelho evangélico. O novo
nascimento e a regeneração não nos salvam, mas ocorrem após já termos sido salvos. Eles são
o fruto da salvação em vez de serem a causa da salvação. Duas perguntas devem então ser
feitas: Quanto tempo após termos sido salvos eles ocorrerão? São eles essenciais para o
processo de salvação, ou são apenas algo bom de se ter como um resultado do sermos salvos?
“Uma vez que aceitamos aquilo que Cristo cumpriu por nós, passamos da condenação para a
aceitação, da alienação para a reconciliação – e essas transformações legais, todas baseadas na
morte de Cristo, levam a uma experiência de novo nascimento. Quando não mais estamos
condenados por Deus... .nossa vida muda, e essa mudança… começa com o novo nascimento”.
[“Shocked by Isaiah 53”, maio de 1997]

O evangelho evangélico ensina que somos aceitos por Deus e reconciliados com Ele ao sermos
declarados justos. O novo nascimento não é parte do processo que leva à aceitação e
reconciliação. A justificação pela fé é a declaração legal de que estamos perdoados, e somente
isso salva. Todo o resto, incluindo o novo nascimento, a regeneração, renovação e santificação,
é o resultado de já termos sido salvos. Em outras palavras, tudo o que acontece interiormente,
experiencialmente, não salva. Isso significa que, mesmo que haja sérios problemas com nossa
experiência interior, ainda assim estamos salvos, contanto que permaneçamos legalmente
justificados. Esse é o puro cristianismo evangélico, que é completamente estranho à
compreensão adventista do evangelho.

Talvez seja útil comparar novamente esse evangelho com o entendimento do evangelho de
1888. A.T. Jones fez essa importante pergunta: “Será que os dez mandamentos aceitam
qualquer ato de qualquer um que fique aquém da própria ideia de Deus do que é certo? Não...
Uma vez que os dez mandamentos não aceitarão nada menos que isso, como serão os
requisitos dos mandamentos cumpridos na vida de qualquer homem que não tenha a mente de
Deus? Isto não pode ser feito”. A resposta evangélica a essa pergunta é que devemos ser
cobertos pela justiça imputada de Cristo. Uma vez que nunca seremos capazes de guardar os
mandamentos desse modo, devemos ser declarados justos com base na morte de Cristo na
cruz. Mas a resposta de Jones é diferente. “Então é possível a qualquer homem prestar aos dez
mandamentos somente aquilo que eles aceitarão, sem ter a mente do próprio Jesus
Cristo?...Portanto, segue-se que eu preciso ter a presença pessoal do próprio Cristo. O que é
isso que traz a você e a mim a presença pessoal de Jesus Cristo? É o Espírito de Deus” (Boletim
da Conferência Geral de 1893, pp. 245-246). Seremos capazes de completa obediência à lei de
Deus ao termos a mente de Cristo em nós. Essa é a presença de Cristo pessoalmente
experimentada, que vem a nós através da obra do Espírito Santo. Isso soa muito como o novo
nascimento e a regeneração. Essa questão muito importante recebe duas respostas bem
diferentes das perspectivas evangélica e de 1888.

Há um aspecto muito prático do evangelho evangélico que é frequentemente enfatizado por


aqueles que o esposam. Com muita frequência é citada uma declaração do livro Caminho a
Cristo. “O caráter é revelado, não por boas ações ocasionais e erros ocasionais, mas pela
tendência das palavras e atos habituais” (pp. 57-58). Essa declaração é utilizada para apoiar a
crença evangélica de que não perdemos nossa posição de aceitação para com Deus (a justiça
imputada de Cristo) quando pecamos. Enquanto não rejeitarmos a Cristo permanecemos
salvos, mesmo enquanto pecamos. Enquanto a tendência de nossas vidas for gradualmente
ascendente, não nos perderemos por erros ocasionais. Alguns até sugeriram que Davi não
estava em uma condição de perdido enquanto estava cometendo adultério com Betseba e
tramando o assassinato de seu marido. Creio que essa frase inspirada é pobremente tirada de
contexto e utilizada de manera errônea para apoiar o evangelho evangélico.

A frase anterior diz: “Se o coração foi renovado pelo Espírito de Deus, a vida dará testemunho
desse fato”. A frase seguinte diz: “Nossas vidas revelarão se a graça de Deus está habitando
em nós. Uma mudança será vista no caráter, nos hábitos, nos desejos. O contraste será claro e
decidido entre o que eles foram e o que eles são”. A pergunta a que Ellen White está
respondendo é muito simples: Como eu posso saber se sou convertido ou nasci de novo? Como
posso ter certeza de que meu coração foi renovado pelo Espírito Santo? A resposta é: pela
tendência de palavras e atos habituais, não por boas ações ou erros ocasionais. Não serei capaz
de dizer por uma ou duas coisas boas que eu tenha feito, ou um ou dois erros ou tropeços que
ocorreram. Posso saber se tive uma experiência genuína de novo nascimento pela tendência
geral da vida. Eu repito, o parágrafo não aborda de modo algum o meu status atual de
aceitação enquanto estou envolvido em um pecado. Não está respondendo à pergunta: Estou
em uma condição de salvo enquanto estou pecando? Está abordando a questão de como
podemos testar as reivindicações de uma pessoa de que ela nasceu de novo. O único meio de
termos certeza é pela genuína mudança no caráter e nos hábitos.

Talvez uma ilustração possa ser útil. Davi havia nascido de novo? Como você poderia dizer?
Pela tendência habitual de suas palavras e atos. Quando ele estava fugindo de Saul, ele nem
sempre fazia tudo certo – havia erros – mas isso significa que ele nunca tinha nascido de novo?
É claro que não; a tendência de sua vida demonstrava que ele havia experimentado um novo
nascimento genuíno. Quando ele se recusou a tirar a vida de Saul – um bom ato – isso provou
que ele era nascido de novo? Por si mesmo não; precisaríamos observar a tendência de sua
vida. Agora, quando ele se envolveu em seu “erro ocasional” com Betseba, isso significou que
ele nunca havia nascido de novo? Não, certamente que não. Seu novo nascimento havia sido
provado por uma vida de obediência. Mas quando ele se envolveu nesse pecado, desculpando e
racionalizando o que ele havia feito, foi ele aceito por Deus (em uma condição de salvo)? Essa
é a questão importante para nossa reflexão. Alguns evangélicos dirão que ele foi salvo durante
este tempo, com base no evangelho evangélico, mas o que é que Deus diz?

“Era quando ele estava andando no conselho de Deus que era chamado de um homem
segundo o coração de Deus. Quando ele pecou, isso deixou de ser verdade para ele até que,
pelo arrependimento, ele retornasse ao Senhor” (PP 723). “Davi tremeu com medo de que,
sendo culpado e não perdoado, ele devesse ser abatido pelo rápido julgamento de Deus” (PP
722). Quando Davi seria perdoado e não mais culpado? Quando ele seria novamente aceito e
salvo? Quando confessasse seu pecado, com arrependimento sincero. De passagem notamos
que Davi apenas tornou-se convicto de seu grande pecado e da necessidade de arrependimento
após um confronto pessoal com um profeta do Senhor.

Para resumir, podemos saber que tivemos um novo nascimento genuíno por causa da tendência
geral da vida. A realidade de nosso novo nascimento não está baseada em bons atos ou erros
ocasionais. Nossa reivindicação de sermos cristãos deve ser julgada por nossos atos e palavras
habituais. Mas a frase de Caminho a Cristo está sendo utilizada para provar que eu ainda estou
em uma condição de salvo enquanto estou pecando, desde que esse pecado não seja habitual.
De fato, essa deve ser a declaração mais mal utilizada sobre esse assunto no Espírito de
Profecia.

Por causa de um falso evangelho, apoiado por entendimentos errôneos de Romanos 7 e da


frase acima, e guiados por uma necessidade desesperada de sentirem-se salvos enquanto
experimentam mais do que maus atos ocasinais, alguns crêem que Davi estava em uma
condição de salvo durante seu pecado contra Betseba e Urias, e muitos crêem que estamos em
uma condição de salvos enquanto participamos de pecados conhecidos.

Creio que uma falsa certeza de salvação é atualmente o erro mais sério em justificação pela fé
sendo ensinado no adventismo. Algum tempo atrás o nosso erro mais sério era o legalismo,
mas o pêndulo virou dramaticamente. A falsa segurança custará a salvação eterna de mais
adventistas do que o legalismo jamais custou. Estamos literalmente falando de centenas de
milhares de adventistas sinceros que confiam naquilo que ouvem e lêem. Eu, juntamente com
outros inúmeros adventistas, quero ter a certeza de aceitação perante Deus, e quando o
evangelho evangélico nos oferece isso, baseado numa aparente evidência da inspiração, é
muito fácil para pessoas honestas e bem-intencionadas se apegarem a uma falsa segurança,
tanto quanto um homem que está se afogando irá se apegar a qualquer coisa que flutue.

Por favor perceba quão diferente é a perspectiva de Ellen White quanto à questão da salvação
no pecado. “Seus constantes tropeços e quedas revelam que eles não mantiveram um severo
conflito com os seus pecados que os assaltam. Eles não haviam dependido totalmente de
Cristo, porque não tinham percebido que estoã em perigo de serem vencidos por esses
pecados.... Se pudéssemos entender quão profundamente ferimos nossas próprias almas e
causamos tristeza àqueles ao nosso redor dando rédeas soltas a pensamentos não santificados
e ações profanas, nos esforçaríamos para colocá-los para fora. Cooperaríamos com Deus em
operarmos nossa própria salvação. É a inclinação de desculparmos nossos próprios defeitos de
caráter que leva ao cultivo do pecado. Nunca devemos nos esquecer que Deus atribui pecado
àquele que transgride - Satanás triunfa quando escuta o professo seguidor de Cristo
apresentando desculpas para seus defeitos de caráter. O pecado do qual não houve
arrependimento e confissão jamais pode ser apagado dos livros de registro de Deus. Por meio
da confissão fiel e completa do pecado, o coração é purificado de sua impureza moral. Deve
haver um abandono dos pecados que Deus desaprova, antes que a alma possa permanecer
absolvida diante de Deus, humilhada e arrependida, percebendo que ela serviu a Satanás, o
agradou, glorificou, e desonrou a Senhor” (Signs of the Times, 13 de dezembro de 1899).
Tropeços e quedas não são apenas delitos ocasionais a serem passados por alto ou
desculpados. O único remédio para o pecado é a confissão e o abandono do mesmo. Somente
quando abandonamos o pecado com o qual estamos envolvidos é que podemos permanecer
absolvidos diante de Deus. Não podemos estar pecando e estar absolvidos diante de Deus ao
mesmo tempo. Um evangelho ensina que podemos ser salvos enquanto continuamos caindo
em pecado, e um evangelho provê a purificação de todo pecado.

A Natureza Humana de Cristo


Uma diferença muito importante entre o evangelho evangélico e o evangelho adventista é o
entendimento de como Cristo enfrentou e venceu as tentações durante Sua vida na terra. Essa
questão tem um tremendo significado sobre como enfrentamos as tentações em nossas vidas
diárias. No livro Questões Sobre Doutrina há a seguinte declaração: “Apesar de nascido na
carne, Ele… foi isento das paixões herdadas e poluições que corrompem os descendentes
naturais de Adão” (p. 383). A palavra “isento” aparece em um contexto diferente quando James
Cardinal Gibbons se referiu à doutrina de Maria: “Unicamente ela foi isenta da mancha original”
(The Faith of Our Fathers, 88ª edição, p. 171). Os adventistas realmente querem dizer que
Jesus foi isento de tendências herdadas? Queremos sustentar a doutrina da Imaculada
Conceição, apenas com a remoção de uma geração? Literalmente a única diferença entre o
ensino católico e o ensino evangélico é uma geração. E vez de Maria, Jesus é quem recebeu
uma isenção especial. Às vezes tentamos encobrir a equivalência desses ensinos dizendo que
Jesus teve uma Miraculosa Conceição, mas as palavras são apenas um disfarce para a realidade
de que esses ensinos são idênticos.

L. E. Froom, um dos principais contribuidores para o Questões Sobre Doutrina, respondeu a


pergunta - “Como Ele escapou da mancha da hereditariedade pecaminosa?” - da seguinte
maneira: “Há apenas uma resposta: Sua natureza humana veio à existência por uma
intervenção direta e miraculosa, a cobertura pelo Espírito Santo... um milagre divino, criativo,
trouxe a existência essa nova união da Divindade com a Humanidade, começou no ventre de
Maria, o que garantiu a liberdade da mínima mancha de pecado. O elemento humano não foi
determinante nessa origem” (“A Tremenda Verdade do Nascimento Virginal,” No. 1, pp. 3-4;
No. 2, p. 15). Isso quer dizer que a natureza humana de Jesus não foi herdada de Adão através
de Maria, mas foi especificamente criada no ventre de Maria pelo Espírito Santo. Ele evitou a
hereditariedade pecaminosa ao eliminar o processo hereditário. Desse modo Ele podia ser livre
da “mínima mancha de pecado”.

No entanto, livros e artigos escritos nos últimos anos lidam com a natureza de Cristo de uma
maneira ligeiramente diferente. Eles reconhecem que Cristo não foi isento de todo o processo
hereditário, e então eles selecionam certas partes da natureza de Cristo que foram herdadas, e
selecionam outros aspectos da natureza herdada dos quais Ele foi isento. Atualmente é muito
popular dizer que Jesus foi afetado, mas não infectado pelo pecado. Atualmente está na moda
dizer que Cristo aceitou nossas enfermidades inocentes (fome, dor, tristeza, etc.) mas não
nossas tendências ao egoísmo, ao orgulho, inveja, raiva e todos os outros aspectos negativos
da natureza caída. A conclusão é que Cristo tomou uma natureza parcialmente caída e
parcialmente não caída. Essa é atualmente a posição “oficial” em nossos colégios e
universidades. Em seus efeitos práticos, essa posição se sai exatamente como a posição do
Questões Sobre Doutrina. Não é a fome ou a dor que causam nossas tentações e lutas
internas; são as tendências caídas orientadas para o eu que nos puxam na direção do pecado.
Se Jesus nunca experimentou esses impulsos interiores, então seria absolutamente impossível
para Ele ser tentado em todos os pontos como nós. Ele jamais poderia sentir as necessidades,
os impulsos e emoções que vêm diretamente das tendências negativas de uma natureza caída.
O Cristo da teologia evangélica está bem distante da condição humana na qual todos lutamos
pela vitória. Se Cristo foi verdadeiramente isento da real essência da natureza caída, então
estamos simplesmente lidando com a versão mais sofisticada da doutrina da Imaculada
Conceição que as mentes humanas foram capazes de inventar.

É de interesse que algumas vozes de fora do adventismo têm visto as coisas de uma
perspectiva diferente. O Dr. Harry Johnson, em seu livro A Humanidade do Salvador, define a
natureza humana caída como a natureza “que foi afetada pelo pecado e rebelião das gerações
anteriores, uma natureza que produz tentação em todo o seu poder sedutor, uma natureza com
poder terrível e potencialidades para o mal”. Ele diz que essa “natureza humana caída...foi
assumida pelo Filho de Deus na encarnação, e que a ‘impecabilidade’, entendida em termos de
obediência, e de um relacionamento contínuo com Deus, refere-se à vida encarnada de Jesus”.
Cristo “assumiu o que era imperfeito, mas ele tirou a partir disso uma vida que era perfeita” (p.
27). Que refrescante sopro de ar fresco na teologização superaquecida que procura brechas
para isentar Cristo de nossa condição humana! Cristo simplesmente entrou na realidade de
nossa humanidade onde ela estava 4.000 anos após a queda de Adão. Ele verdadeiramente
tornou-Se nosso irmão mais velho e nosso parente próximo. Essa é a posição que a maioria dos
adventistas cria e ensinava até a década de 1950, quando começamos a procurar por maneiras
de escapar do rótulo de “seita” e sermos incluídos no cristianismo convencional evangélico.

Outra voz de fora do adventismo, J.A.T. Robinson, disse: “A teologia tradicional, tanto católica
quanto protestante, tem sustentado que Cristo assumiu uma natureza humana não caída na
encarnação... Mas, se a questão for reafirmada em termos bíblicos, não há razão para temer, e
na verdade os motivos mais prementes para exigir, a atribuição a Cristo de uma humanidade
que permaneceu sob os efeitos e consequências da Queda. De qualquer forma, está claro que
esta é a visão de Paulo a respeito da pessoa de Cristo, e que é essencial para todo seu
entendimento de Sua obra redentora” (The Body, a Study in Pauline Theology, pp. 37-38).

Para colocar isso de maneira simples, a pergunta é: Houve algum rompimento ou alteração na
hereditariedade que Maria passou a Jesus? Jesus foi isento de parte dessa hereditariedade? A
resposta no cristianismo evangélico e no adventismo evangélico é “sim”. Nessa visão é exigido
um rompimento a fim de proteger a Cristo de ser um pecador por natureza. A real questão, é
claro, é a definição de pecado. Se pecado é a natureza caída com a qual nascemos, então
deve-se ir longe nas teorias a fim de proteger a Cristo de ser manchado com o pecado de nossa
natureza caída. É sempre a definição de pecado que norteia as conclusões sobre a natureza de
Cristo. No adventismo anterior à década de 1950 essa definição de pecado não existia, portanto
o adventismo estava bastante confortável com a conclusão de que não houve rompimento na
linhagem hereditária de Cristo. À pergunta, "Cristo recebeu a hereditariedade normal de
Maria?", a resposta adventista sempre foi "sim".

Se Cristo não tomou nossa natureza caída, então quem no universo provou que a obediência à
lei de Deus é possível na natureza caída? Você e eu certamente que não. Uma das principais
acusações de Satanás contra Deus e Sua lei é de que os seres caídos não podem obedecer à lei
de Deus. Se Cristo não tomou nossa natureza caída, então quem no universo provou que
Satanás é um mentiroso? Se ninguém refutou a acusação de Satanás, então não estamos um
passo mais perto do fim da grande controvérsia do que estávamos quando Adão e Eva pecaram
no Éden. O que está em jogo aqui é se a expiação provida por Cristo pode realmente restaurar
um mundo pecaminoso à perfeição e harmonia com a lei de Deus por toda a eternidade. Pode
Cristo realmente ser nosso Salvador se as acusações de Satanás permanecerem não
respondidas?

Um profundo pensador no adventismo atual ofereceu essas palavras para nossa reflexão. “A
questão mais urgente pós-queda não é a perfeição, como alguns pensam, mas a integridade do
espírito de profecia e do próprio adventismo. Profundos sentimentos podem ser esperados
quando os líderes procuram impor uma posição (pré-queda) identificada com a contínua
desintegração da fé adventista que ameaça nosso movimento”. A natureza de Cristo não é uma
questão de pouca importância, e não pode ser deixada de lado como irrelevante. Nosso
entendimento da natureza humana de Cristo tem muito a ver com nosso entendimento da
missão do adventismo e das questões na grande controvérsia entre Cristo e Satanás.

Um Apelo do Passado
Quando o pastor Robert Pierson aposentou-se da presidência da Associação Geral, ele pediu a
nossos líderes e instituições educacionais que fossem leais aos pilares de nossa fé. “Agora
mesmo, irmãos e irmãs, há forças sutis que começam a agitar-se... . Há aqueles que querem
esquecer os padrões da Igreja que amamos. Há aqueles que cobiçam e que cortejariam o
apreço dos evangélicos; aqueles que dispensariam o manto de um povo peculiar; e aque-les
que iriam pelo caminho do mundo secular e materialista. Colegas líderes, amados irmãos e
irmãs – não deixem isso acontecer! Rogo-vos tão fervorosamente quanto eu posso esta manhã
– não deixem isso acontecer! Faço um apelo à Universidade de Andrews, ao Seminário, à
Universidade de Loma Linda – não deixem isso acontecer! Nós não somos Anglicanos do Sétimo
Dia, não somos Luteranos do Sétimo Dia – somos Adventistas do Sétimo Dia! Esta é a última
igreja de Deus com a última mensagem de Deus” (Adventist Review, 26 de outubro de 1978).

A questão volta a nós com força total: seremos nós adventistas do sétimo dia evangélicos? É
esse o meio pelo qual o adventismo cumprirá sua missão como movimento da profecia? Ou
esse é o plano de Satanás para enganar “os próprios eleitos” e tirar o adventismo dos trilhos
bem nas fronteiras da Terra Prometida? É sempre o perigo oculto que é o mais fácil de nos
fazer tropeçar, e eu creio que esse é o maior perigo oculto que estamos enfrentando agora.
Onde é que estava o real perigo para os habitantes de Tróia? Era nos exércitos fora das
muralhas, ou no inocente cavalo de madeira que eles haviam acabado de puxar para dentro
dos portões da cidade? Onde não há nenhum perigo óbvio é que existe o maior perigo.
Estamos convidando o evangelicalismo para dentro de nossos portões nesse exato momento, e
estamos pedindo a todos os adventistas que sejam evangélicos. Ao lermos artigos e escutarmos
a sermões, será que estamos em perigo de dizer "amém" em todos os lugares errados?
Precisamos ser ouvintes e leitores mais perceptivos, para que a diferença entre a verdade e o
erro possa ficar nítida. Apenas poderemos completar nossa missão e cumprir nosso destino se
formos verdadeiros adventistas do sétimo dia. Que nunca misturemos nosso evangelho com
outro evangelho que na verdade não é evangelho algum, mas sim o mais astuto engano que
Satanás já inventou para confundir os cristãos e desacreditar a Deus.

Você também pode gostar