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John Bunyan

1ª Edição

Francisco Morato, SP
O Estandarte de Cristo
2020
Título Original
Saved by Grace
Por John Bunyan

Copyright © 2019 Editora O Estandarte de Cristo
Francisco Morato, SP, Brasil

1ª edição em português: 2020

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
Editora O Estandarte de Cristo.
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com
indicação da fonte.

Salvo indicação em contrário e leves modificações, as citações bíblicas usadas
nesta tradução são da versão Almeida Corrigida Fiel | ACF • Copyright © 1994,
1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

Tradução e Revisão: Camila Rebeca e William Teixeira
Capa: William Teixeira

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Sumário
Ao Leitor
Introdução
Pergunta 1: O que Significa Ser Salvo?
Sobre o Estado do nosso Corpo e da nossa Alma no
Céu
Pergunta 2: O que Significa Ser Salvo pela
Graça?
A Graça do Pai
A Graça do Filho
A Graça do Espírito
Pergunta 3: Quem são os Salvos pela Graça?
Quem Não São os Salvos
Quem São os Salvos
Pergunta 4: Quais as Características daqueles
que são os Salvos pela Graça?
Quem é o Homem a quem Deus Concede essa
Graça
Como Deus Vem Até o Homem e Como o Homem
Vai Até Deus
Como Deus Vem Até o Homem
Como o Homem Vai Até Deus
Pergunta 5: Por que Deus Escolheu Salvar pela
Graça em Vez de por Qualquer Outro Meio?

Aplicações e Conclusão
A Primeira Aplicação: Implicações da Salvação pela
Graça
A Segunda Aplicação: Consolo para Cristãos que
Lutam Contra o Pecado
A Terceira Aplicação: Os Salvos Devem Promover a
Graça de Deus
Considerações para Comover o Coração
Ao Leitor
Caro leitor,
Neste livreto eu lhe apresento um discurso sobre a graça de
Deus e a salvação por meio dela. Você verá como cada pessoa da
Divindade opera na salvação do pecador. Assim, veremos como: I.
O Pai demonstra sua graça. II. O Filho demonstra sua graça. III. O
Espírito demonstra sua graça. Trataremos particularmente de cada
um desses pontos.
Você também poderá observar o modo como Deus trata com o
pecador bem como as palavras e atitudes do pecador para com
Deus e, dessa forma, a graça de Deus e a impiedade do pecador
serão claramente demonstradas.
Se você me considerar sucinto nas palavras, atribua isso ao
meu amor pela brevidade. Se você me considerar faltoso quanto à
verdade em alguma particularidade, atribua isso à minha debilidade.
Mas se você encontrar qualquer coisa que contribua para a sua
alegria na fé, atribua isso à misericórdia que Deus concedeu a você
e a mim. Ao seu serviço, mesmo com o pouco que tenho.
John Bunyan
Introdução
“Pela graça sois salvos.” (Efésios 2:5)

No primeiro capítulo de Efésios, dos versículos 4 a 12, o apóstolo


trata da doutrina da eleição tanto com respeito ao ato em si quanto
ao fim e aos meios que a levam a efeito. Ele nos diz que o ato
consiste em Deus ter escolhido livremente alguns (vv. 4, 5, 11). O
objetivo dele é a glória de Deus na salvação deles (vv. 6, 14). O
meio que conduz para aquele fim é o próprio Jesus Cristo — “Em
quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas,
segundo as riquezas da sua graça” (v. 7). Feito isso, ele menciona a
sujeição dos Efésios à fé que lhes foi transmitida pela Palavra da
verdade do Evangelho e o fato de eles estarem selados pelo
Espírito Santo de Deus para o dia da redenção (vv. 12-14). Além
disso, Paulo fala aos efésios de sua gratidão a Deus por eles e ora
para que pudessem conhecer “qual é a esperança da sua vocação,
e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a
sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos,
segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em
Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos” (vv. 15-20).
E para que os efésios, ao ouvirem acerca de tantos privilégios que
lhes foram dados, não se esquecessem de quão pouco eles os
mereciam, Paulo relembra que no passado eles estavam mortos em
ofensas e pecados, e que naquele tempo viviam na prática dessas
coisas e andavam “segundo o príncipe das potestades do ar, do
espírito que agora opera nos filhos da desobediência” (Efésios 2:2).
Assim, após havê-los feito lembrar o que eles eram em seu
estado não regenerado, Paulo passa a mostrar que a vivificação
deles, em primeiro lugar, aconteceu por causa da ressurreição de
Cristo, seu Cabeça, em quem eles anteriormente haviam sido
escolhidos e que em Cristo eles já estavam assentados nos lugares
celestiais (vv. 5-6). Então o apóstolo usa a oportunidade para
declarar a verdadeira causa de toda essa bem-aventurança e de
todos os outros benefício que deverão ser desfrutados por nós no
outro mundo, a saber, o amor e a graça de Deus: “Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)”. Essas últimas
palavras parecem ser a conclusão que o apóstolo fez a partir das
premissas que ele mesmo estabeleceu. É como se ele estivesse
dizendo: “Se vocês, efésios, estavam de fato mortos em ofensas e
pecados e se verdadeiramente vocês são por natureza filhos da ira,
como os outros também, então não merecem nada mais do que as
outras pessoas”.
Além disso, se Deus os escolheu, justificou e salvou por meio
de Cristo e deixou outras pessoas que, por natureza, eram tão boas
quanto vocês perecerem nos pecados delas, então a verdadeira
causa da condição abençoada que vocês desfrutam é a livre graça
de Deus. Assim, é pela graça que vocês são salvos. Portanto, todo
o bem que desfrutam a mais do que as outras pessoas provêm da
pura boa vontade de Deus.

“Pela Graça Sois Salvos”


O método que usarei para discursar sobre essas palavras será
o seguinte: Farei algumas perguntas sobre as palavras e então darei
respostas específicas. Também espero corresponder, pelo menos
um pouco, às expectativas do leitor piedoso e sério, e então
chegarei a uma conclusão.

As perguntas são:
1. O que significa ser salvo?
2. O que significada ser salvo pela graça?
3. Quem são os salvos pela graça?
4. Como podemos conhecer quem são os salvos pela graça?
5. Quais seriam as razões para Deus nos salvar pela graça e
não por qualquer outro meio?
Ora, a razão pela qual eu proponho essas cinco perguntas
acerca da expressão “pela graça sois salvos” é que ela própria nos
convida a fazê-las. As três primeiras perguntas são baseadas em
várias expressões do texto e as duas últimas servem para
demonstrar tudo que foi dito.
Pergunta 1

O que Significa Ser Salvo?


Essa pergunta supõe que existe algo como uma condenação que é
devida ao homem por causa do pecado; pois, se alguém precisa ser
salvo, é suposto que tal pessoa esteja em uma condição muito ruim.
A palavra salvação não possui qualquer significado para aquele que
não está perdido. “Salvar, redimir, libertar” são termos sinônimos e
todos eles supõem que estamos em um estado de escravidão e
miséria. Portanto, o termo “salvo”, no sentido em que o apóstolo o
usa aqui, é uma palavra de grande valor, pois as misérias das quais
somos salvos são as mais terríveis.
As misérias das quais os salvos serão libertados são terríveis,
a saber, o pecado, a maldição de Deus e as chamas do inferno
eterno. O que é mais abominável do que o pecado? O que é mais
insuportável do que a fúria terrível de um Deus irado? E o que é
mais temível do que o abismo sem fundo do inferno? O que é mais
temeroso do que ser atormentado ali para sempre com o Diabo e os
seus anjos? Ora, “salvar”, segundo o meu texto, é livrar o pecador
dessas misérias e de todas as outras coisas que isso envolve. E,
embora os pecadores possam pensar que não é difícil responder a
essa pergunta, devo dizer que não há homem que sinta
corretamente o que é ser salvo, a menos que antes tenha conhecido
experimentalmente algo do terror dessas três coisas. Isso fica
evidente por todos aqueles que, pelas suas práticas, demonstram
não ter uma grande preocupação com a salvação, mesmo que esse
seja o assunto da mais alta importância para os homens: “Pois que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?”
(Mateus 16:26).
Porém, se a palavra “salvo” indica a nossa libertação do
pecado, como aquele que não geme em sua consciência sob o
fardo do pecado pode dizer o que é ser salvo? Sim, é impossível
que alguma vez tal pessoa clame de todo o seu coração: “Que
faremos, homens irmãos?”, ou seja, que faremos para ser salvos
(Atos 2:37). O homem que não tem feridas ou dores não pode
conhecer a virtude da salvação, isto é, quem não a conhece por
experiência própria não pode a valorizar nem estimar como aquele
que recebeu a cura por meio dela. Mesmo que uma parede seja
caiada, ela não melhora em sua essência; e assim também não
pode compreender o valor da salvação aquele que aplica a si essa
verdade apenas superficialmente. Pecadores, vocês que não estão
feridos pela culpa e oprimidos com o fardo do pecado não podem —
repito: não podem saber o que é ser salvo enquanto permanecerem
nessa condição de insensatez.
A palavra “salvo” indica a libertação da ira de Deus. Então,
como pode dizer o que é ser salvo aquele que não sente o fardo da
ira de Deus? Os únicos que podem conhecer o que é ser salvo são
aqueles que temem e tremem diante da ira de Deus (Atos 16:29).
Além disso, “salvo” indica a libertação da morte e do inferno.
Como, então, pode dizer o que é ser salvo aquele que nunca foi
sensível às tristezas de uma e nem foi angustiado pelas dores do
outro? O salmista diz: “Tristezas de morte me cercaram, e torrentes
de impiedade me assombraram. Tristezas do inferno me cingiram,
laços de morte me surpreenderam” — observe — “Os cordéis da
morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim;
encontrei aperto e tristeza. Então invoquei o nome do Senhor,
dizendo: Ó Senhor, livra a minha alma” (Salmos 18:4-5; 116:3-4). Eu
afirmo que esse é o único tipo de homem que sabe o que é ser
salvo. E isso fica evidente à medida que se manifesta através da
pouca consideração que os outros têm pela salvação ou pelo pouco
temor que têm da maldição. Onde está aquele que busca e anseia
por salvação? Onde está aquele que corre para salvar-se por causa
do pavor da ira que está por vir? “Raça de víboras, quem vos
ensinou a fugir da ira futura?” (Mateus 3:7). Infelizmente, a salvação
não é valorizada. Como eles amam o pecado, como o abraçam,
como se agradam dele, como o escondem na boca e o guardam
debaixo da língua. Eles não sentem e nem fogem da ira de Deus. O
inferno tem sua existência posta em dúvida por muitos e tornou-se
objeto de zombaria para aqueles cuja dúvida é resolvida pelo
ateísmo.
Mas o que é ser salvo? Ser salvo pode ter relação com a
salvação em seu todo, em suas partes ou em ambos. Creio que
esse texto se refere a ambos: o processo de salvação e a salvação
completa. Pois a “salvação” é uma obra composta de muitos passos
ou, para ser o mais simples possível, “salvação” é uma obra iniciada
antes do início do mundo e não será completada antes dele acabar.
Em primeiro lugar, podemos dizer que somos salvos no
propósito de Deus antes do início do mundo. O apóstolo diz que
“nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as
nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos
foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2 Timóteo
1:9). Esse é o princípio da salvação e desde esse início todas as
coisas cooperam para esta conclusão: “nos salvou... segundo o seu
próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus”. Assim,
Deus nos salva e determina usar meios eficazes para a realização
bendita da nossa salvação. E por isso nos é dito que somos
“escolhidos em Cristo para a salvação” e também que, nessa
escolha, ele nos deu a graça que será suficiente para completar a
nossa salvação. Sim, esse texto é muito completo: “Bendito o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com
todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo...” (Efésios
1:3-4).
Em segundo lugar, à medida que podemos dizer que somos
salvos no propósito de Deus antes da fundação do mundo também
podemos afirmar que somos salvos antes de sermos convertidos ou
chamados por Cristo. E assim a Escritura coloca “salvo” antes de
“chamado” em 2 Timóteo 1:9: “nos salvou, e chamou”. Esse texto
não diz que ele nos chamou e nos salvou, mas sim coloca a
salvação antes do chamado. Também é dito em Judas 1 que somos
“preservados em Cristo e chamados”, não é dito que ele nos
chamou e preservou. Além disso, Deus diz novamente: “perdoarei
os remanescentes que eu deixar” e isso se refere, como Paulo deixa
claro, àqueles a quem ele “reservou”, isto é, elegeu e preservou, e
essa parte da salvação é realizada pela paciência de Deus
(Jeremias 50:20; Romanos 11:4-5). Deus sustenta os seus próprios
eleitos, por amor de Cristo, em todo o tempo desde a sua condição
de não regenerados até chegar o tempo que ele designou para a
conversão deles. Quanto aos pecados de que fomos culpados antes
da conversão, se o castigo que eles mereciam tivesse sido
executado sobre nós, não estaríamos agora no mundo para
participar de um chamado celestial. Porém, o juízo que eles
mereciam foi retido pela paciência de Deus e, durante todo o tempo
em que vivemos em impiedade e não convertidos, nós fomos
preservados da morte e de muitos infernos que eram devidos a nós
da parte de Deus por causa de nossos pecados.
E aqui está a razão pela qual a vida é concedida aos eleitos
antes da conversão e o motivo pelo qual todos os pecados que eles
cometem e todos os juízos que eles merecem não podem tirá-los do
mundo antes que se convertam. Manassés foi um grande pecador e
pela transgressão que cometeu foi expulso da sua própria terra e
levado para Babilônia. Porém não puderam matá-lo, embora os
seus pecados merecessem dez mil mortes. Mas qual foi a razão?
Ora, ele ainda não tinha sido chamado; Deus o tinha escolhido em
Cristo e estava reservando a graça que seria dada a Manassés
antes de ele morrer. Portanto, Manassés foi convencido de seus
pecados, convertido e salvo.
A legião de demônios que possuía aquele homem, a despeito
de todos os pecados que ele havia cometido no tempo em que não
era regenerado, não podia tirar-lhe a vida antes de sua conversão
(Marcos 5). Quantas vezes aquela pobre criatura, como podemos
facilmente imaginar, teve sua vida ameaçada por aqueles demônios
que estavam dentro dele, entretanto eles não podiam matá-lo;
mesmo que eles vivessem perto do mar e que os demônios
tivessem poder para lançá-lo ali, contudo, não podiam levá-lo além
dos montes que rodeavam o mar. Sim, eles podiam ajudá-lo muitas
vezes a quebrar as suas correntes e grilhões, podiam também
deixá-lo como louco e também podiam leva-lo a viver longe dos
homens e a se cortar com pedras, mas eles não podiam matá-lo ou
afogá-lo no mar. Aquele homem foi salvo para ser chamado. Apesar
de tudo, ele foi preservado em Cristo e, então, foi chamado. O
Evangelho registra o caso daquele jovem a quem o Diabo muitas
vezes lançou no fogo e na água para destruí-lo, mas que não foi
capaz de fazê-lo. E isso mesmo se aplica aos outros, pois eles
devem ser “salvos e chamados” (Marcos 9:22). De quantas mortes
eles já foram livrados e preservados antes da conversão! Alguns
caíram em rios, uns em poços, outros no mar e ainda outros nas
mãos de homens; e eles podem até mesmo ter sido justamente
acusados e condenados, como o ladrão na cruz, e mesmo assim
não morreram antes de terem sido convertidos. Eles foram
preservados em Cristo e, então, foram chamados.
Cristão, quantas vezes os seus pecados o lançaram em um
leito de enfermidade e então outras pessoas e você mesmo
pensaram que eles também o lançariam na sepultura? No entanto,
Deus disse ao seu respeito: Deixe-o viver, pois ainda não se
converteu. Podemos ver, desse modo, que os eleitos são salvos
antes de serem chamados: “Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós
ainda mortos em nossas ofensas” nos preservou em Cristo e nos
chamou (Efésios 2:4-5).
Essa “salvação” provém de seis causas:
1. Deus nos escolheu para a salvação, logo, ele não frustrará
os seus próprios desígnios (1 Tessalonicenses 5:9).
2. Deus nos deu a Cristo; e esse seu dom, assim como a sua
vocação, é sem arrependimento (Romanos 11:29; João 6:37).
3. Cristo nos comprou com o seu sangue (Romanos 5:8-9).
4. Eles são considerados por Deus como estando em Cristo
antes de serem convertidos (Efésios 1:3-4).
5. Antes de sua conversão, eles já estão ordenados para a
vida eterna, ou seja, para serem chamados, justificados e
glorificados e, portanto, tudo isso deverá ocorrer com eles
(Romanos 8:29-30).
6. Deus reservou para eles, antes do início do mundo, uma
porção e medida de graça para que eles fossem participantes de
todas essas coisas. Logo, eles são salvos e chamados para que
possam participar de todos estes privilégios. Eles são preservados
em Cristo e chamados.
Em terceiro lugar. Ser salvo é ser levado a Jesus Cristo pela fé
e ajudado a apegar-se a ele. E isso é chamado de salvação pela
graça por meio da fé. “Porque pela graça sois salvos, por meio da
fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Efésios 2:8).
1. É necessário que eles sejam levados a Cristo e até mesmo
que sejam atraídos a ele; porque “ninguém” — Cristo diz — “pode
vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer” (João 6:44). Os
homens, e até mesmo os eleitos, são fracos demais para virem a
Cristo sem que antes tenham recebido ajuda do céu; convites não
serão suficientes. “Mas, à medida que os chamavam, assim se iam
da sua face”, portanto, “atraí-os com cordas humanas, com laços de
amor” (Oséias 11:2, 4).
2. E posto que eles precisam ser levados, então é necessário
que sejam ajudados a se apegarem a Cristo pela fé; pois tanto o ir a
Cristo como a fé estão além de nossas próprias capacidades. E por
isso é dito que somos ressuscitados com ele “pela fé no poder de
Deus”. E também é dito que cremos pela “sobreexcelente grandeza
do seu poder sobre nós... segundo a operação da força do seu
poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos”
(Colossenses 2:12; Efésios 1:19.20). Somos informados de que
somos salvos pela fé, porque pela fé nos apegamos, nos lançamos
e nos revestimos de Jesus Cristo para a vida. Por que cremos em
Cristo para a vida? Porque Deus o fez Salvador e lhe deu vida para
comunicar aos pecadores, e a vida que ele lhes comunica é o mérito
da sua carne e de sangue, e quem come e bebe dele pela fé tem a
vida eterna, porque essa carne e esse sangue possuem em si
mérito suficiente para obter o favor de Deus. E isso tem ocorrido
desde aquele dia que Cristo foi oferecido através do Espírito eterno
como um sacrifício de cheiro suave. Portanto, Deus imputa a justiça
de Cristo àquele que crê nele e por essa justiça ele é pessoalmente
justificado e salvo da justa condenação da lei que lhe era devida
(João 5:26, 6:53-58; Efésios 4:32, 5:2; Romanos 4:23-25).
“Salvos pela fé”. Pois embora a salvação tenha início no
propósito de Deus e chegue até nós pela justiça de Cristo, contudo,
a fé está envolvida em nossa salvação. Não que a fé mereça
alguma coisa, mas ela é dada por Deus àqueles que ele salva para
que assim possam receber e se revestir daquele Cristo por cuja
justiça eles devem ser salvos. Portanto, essa fé é o que no presente
distingue os que serão salvos dos que serão condenados. Por isso
está escrito: “Aquele que não crê, será condenado”. Os crentes são
chamados de filhos, herdeiros e abençoados com o crente Abraão
porque é pela fé em Jesus Cristo que a promessa é dada aos que
creem (Gálatas 3:6-9, 26; Romanos 4:13-14).
Que os cristãos distingam com cuidado entre o mérito e a
causa instrumental da sua justificação. Cristo, com o que ele fez e
sofreu, é a causa meritória da nossa justificação. Por isso é dito que
ele foi feito por Deus “sabedoria e justiça” e que nós somos
“justificados pelo seu sangue e salvos da ira por meio dele”, pois a
sua vida e o seu sangue foram o preço da nossa redenção (1
Coríntios 1:30; Romanos 5:9-10). Pedro diz que fomos “redimidos” e
“não com coisas corruptíveis, como prata e ouro”, aludindo à
redenção por dinheiro que esteve vigente sob a lei, “mas com o
precioso sangue de Cristo”. Portanto, faça de Jesus Cristo o objeto
da sua fé para justificação, pois pela justiça dele os seus pecados
serão cobertos segundo a justiça da lei. “Crê no Senhor Jesus
Cristo, e serás salvo”. “Porque ele salvará o seu povo dos seus
pecados” (Atos 16:31; Mateus 1:21).
Em quarto lugar. Ser salvo é ser preservado na fé até o fim.
“Aquele que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mateus 24:13).
Mas isso não significa que no cristianismo a perseverança seja algo
que pode ou não acontecer ou que deva ser realizada pela força
humana, pois aqueles que são salvos “são guardados pelo poder de
Deus, pela fé na salvação” (1 Pedro 1:3-6).
Entretanto a perseverança é absolutamente necessária para a
completa salvação da alma, porque aquele que fica aquém do
estado em que se encontram aqueles que são salvos não pode se
considerar salvo. Aquele que vai ao mar com o propósito de chegar
até a Espanha não pode chegar lá se naufragar no caminho; de
modo semelhante, a perseverança é absolutamente necessária para
a salvação da alma e, portanto, ela é um dos componentes da
nossa completa salvação: “Porém Israel é salvo pelo Senhor, com
uma eterna salvação; por isso não sereis envergonhados nem
confundidos em toda a eternidade” (Isaías 45:17). Aqui a
perseverança é retratada como uma coisa absolutamente
necessária para a completa salvação da alma.
Mas, como eu já disse, essa parte da salvação não depende
do poder humano, mas sim daquele que começou uma boa obra em
nós (Filipenses 1:6). Assim, essa parte de nossa salvação é
grandiosa e só podemos realiza-la através do poder de Deus, o que
será facilmente reconhecido por todos aqueles que considerarem o
seguinte:
1. Todo o poder, astúcia, maldade e fúria dos demónios e do
próprio inferno estão contra nós. Qualquer homem que compreenda
isso concluirá que ser salvo não é algo pequeno. O Diabo é
chamado de deus, de príncipe e de leão que ruge. Está escrito que
ele tem a morte e o poder dela etc. Mas o que uma pobre criatura,
cuja habitação é em carne, pode fazer contra um deus, um príncipe,
um leão que ruge e contra o próprio poder da morte? A nossa
perseverança, portanto, depende do poder de Deus: “As portas do
inferno não prevalecerão contra a igreja” (Mateus 16:18).
2. Todo o mundo está contra aquele que será salvo. Mas o
que é uma pobre criatura contra todo o mundo, especialmente se
considerarmos que no mundo há terror, medo, poder, majestade,
leis, prisões, enforcamentos, fornalhas, afogamentos, fome,
banimentos e mil tipos de mortes (1 João 5:4,5; João 16:33)?
3. Acrescente a isso o fato de que todas as corrupções que
habitam em nossa carne estão contra nós e não apenas em sua
natureza e ser, mas ativamente combatem e fazem guerra contra
nós para nos levar cativos à lei do pecado e da morte (Gálatas 5:17;
1 Pedro 2:11; Romanos 7:23).
4. Todas as ilusões do mundo estão contra aqueles que serão
salvos. Muitas dessas ilusões são tão astutamente elaboradas, tão
plausivelmente expressadas e tão belamente polidas com a
Escritura e com a razão que devemos nos maravilhar dez mil vezes
pelo fato de que os eleitos não sejam enganados por elas.
Certamente tais ilusões os enganariam se não fossem eleitos e se o
próprio Deus não intervisse seja com o seu poder para evitar que
caiam ou com sua graça para perdoá-los se caírem e então coloca-
los de pé novamente (Mateus 24:24; Efésios 4:14; Romanos 3:12).
5. Cada queda do salvo atenta contra a salvação da sua alma
e um cristão, uma vez caído, não consegue se levantar a menos
que seja ajudado pelo onipotente: “Para a tua perda, ó Israel, te
rebelaste contra mim”, “Os passos de um homem bom são
confirmados pelo Senhor” (Oséias 13:9, 14:1; Salmos 37:23).
Cristãos, se vocês estiverem atentos, verão que aqui há um
motivo de admiração, a saber, ver um homem ser afligido por todo o
poder do inferno e, ainda assim, sair vencedor! Não é admirável ver
uma pobre criatura, que em si mesma é mais fraca do que uma
traça, combater e vencer todos os demônios e todo o mundo com as
suas luxúrias e corrupções (Jó 4:19)? Ou, se ele cair, não é um
milagre vê-lo, mesmo quando os demônios e a culpa estão sobre
ele, erguer-se novamente, ficar de pé, caminhar de novo com Deus
e, depois de tudo isso, perseverar na fé e na santidade do
Evangelho? Todos aqueles que conhecem a si mesmo, que
conhecem a tentação e que conhecem o que é queda e a culpa
ficam maravilhados. De fato, a perseverança é algo maravilhoso e
ela é sustentada pelo poder de Deus, pois apenas ele “é poderoso
para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com
alegria, perante a sua glória” (Judas 1:24). Como os filhos de Israel
partiram do Egito e entraram na terra de Canaã? Ora, o texto diz:
“Como a águia desperta a sua ninhada, move-se sobre os seus
filhos, estende as suas asas, toma-os, e os leva sobre as suas asas,
assim só o Senhor o guiou...”. E diz também: “Ele os tomou, e os
conduziu todos os dias da antiguidade” (Deuteronômio 32:11-12;
Isaías 63:9). Davi também nos diz que misericórdia e bondade
deveriam segui-lo todos os dias de sua vida e, assim, ele habitaria
na casa do Senhor para sempre (Salmos 23:6).
Em quinto lugar. Ser salvo exige mais do que tudo isso.
Aquele que é salvo, quando nada neste mundo poder detê-lo, terá
um salvo-conduto para o céu, pois esse é o lugar no qual os que
são salvos deverão desfrutar plenamente da sua salvação. Esse céu
é chamado de “o fim da nossa fé” porque é para lá que a fé olha,
como diz Pedro: “Alcançando o fim da vossa fé, a salvação das
vossas almas”. E também: “Nós, porém, não somos daqueles que
se retiram para a perdição, mas daqueles que creem para a
conservação da alma” (1 Pedro 1:9; Hebreus 10:39). Isso por que,
como eu disse, o céu é o lugar no qual os salvos podem usufruir de
sua salvação e desfrutar de uma alegria perfeita que não pode ser
alcançada neste mundo. Aqui somos salvos pela fé e pela
esperança da glória; mas lá, nós que somos salvos, desfrutaremos
do fim de nossa fé e de nossa esperança, ou seja, a salvação das
nossas almas. Ali está o “Monte Sião, a Jerusalém celestial, a
assembleia geral e a igreja dos primogênitos”, a “inumerável
companhia de anjos, e os espíritos dos homens justos tornados
perfeitos” e “Deus, o juiz de todos, e Jesus, o Mediador da nova
aliança” e, então, ali a nossa alma terá tanto do céu quanto ela é
capaz de gozar para sempre. Portanto, quando chegarmos ali,
realmente seremos salvos! Mas, agora, a questão vital é como nós
podemos ser conduzidos para lá. Como chegarei ali? Existem
muitas alturas e profundidades para dificultar nosso caminho
(Romanos 8:38-39).
Suponhamos que o cristão esteja agora em um leito de
enfermidade e afligido por dez mil medos. Por vezes, os temores do
leito de enfermidade são terríveis. Medos que são gerados pela
lembrança dos pecados, talvez, dos últimos quarenta anos. Medos
que são gerados por sugestões temerosas do Diabo, por imaginar a
morte e a sepultura e, talvez, o próprio inferno. Medos que são
gerados pelo aparente afastamento e pelo silêncio de Deus e de
Cristo e, talvez, pelo próprio Diabo. Alguns desses terrores fizeram
Davi clamar: “Poupa-me, até que tome alento, antes que me vá, e
não seja mais”. “Os cordéis da morte me cercaram, e angústias do
inferno se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza” (Salmos
39:13; 116:3). Em outra passagem, estas coisas são chamadas de
“trabalho” que os piedosos têm na sua morte e “aflições” que os
demais não conhecem: “Não se acham em trabalhos como outros
homens, nem são afligidos como outros homens” (Salmos 73:9).
Entretanto, o Senhor salvará o seu povo de todas essas coisas.
Nenhum único pecado, nem temores, nem o Diabo, nem a sepultura
ou o inferno os impedirão de ir ao céu. Como isso acontece? Por
que você deve ter um salvo-conduto para o céu? Como será
conduzido para lá? Será conduzido pelos anjos: “Não são
porventura todos eles [os anjos] espíritos ministradores, enviados
para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?”
(Hebreus 1:14).
Esses anjos não falharam em executar a missão que
receberam em relação aos que são salvos, antes, conforme a ordem
que receberam de Deus, virão do céu para ministrar esse serviço a
eles, ou seja, virão para cuidar das preocupações e aflições de
nossa alma a fim de conduzi-la em segurança para o seio de
Abraão. A nossa miséria neste mundo, a nossa fraqueza na fé ou a
repugnância das nossas enfermidades não impedirão ou farão com
que esses espíritos graciosos deixem de prestar esse serviço em
nosso favor. Isso foi verdadeiro no caso de Lázaro, aquele mendigo
que era tão desprezado pelo rico glutão que nem sequer lhe era
permitido entrar pelas portas daquele. Lázaro era um mendigo cheio
de feridas podres, contudo, quando ele morreu, os anjos vieram do
céu para o buscarem: “E aconteceu que o mendigo morreu, e foi
levado pelos anjos para o seio de Abraão...” (Lucas 16:22). É
verdade que muitas vezes as tentações que sobrevêm aos homens
no leito de enfermidade são as mais violentas, porque ali o Diabo
busca nos atingir pela última vez e nunca mais nos atacará. Além
disso, talvez Deus permite que seja assim para que a entrada no
céu seja mais doce e o som dessa salvação, mais alto! Ah, é uma
bênção para nós que nosso Deus permaneça como nosso Deus e
nosso guia até a morte e que depois ordene aos seus anjos que nos
conduzam em segurança para a glória — isso é verdadeiramente
uma salvação. E ele salvará Israel “de todas as suas angústias” —
tanto das angústias das horas de enfermidade como de todas as
demais (Salmos 25:22; 34:6; 48:14).
Em sexto lugar. Para que sejamos salvos, perfeitamente
salvos, é necessário mais do que tudo isso. Os piedosos ainda não
estão perfeitamente salvos quando a sua alma já está cativada pelo
céu. É verdade que o espírito deles está aperfeiçoado e que
possuem tanto do céu quanto atualmente podem suportar. Contudo,
visto que o homem é constituído de corpo e alma, não podemos
dizer que ele está perfeitamente salvo enquanto apenas parte dele
está no céu. Tanto o seu corpo como o seu espírito foram
comprados pelo preço do sangue de Cristo. Seu corpo é o templo
de Deus e um com Cristo. Portanto, ele não pode ser
completamente salvo até que chegue o tempo da ressurreição dos
mortos (1 Coríntios 6:13-19; Efésios 5:30). Portanto, quando Cristo
vier pela segunda vez, ele então salvará o corpo de todas as coisas
que atualmente o incapacitam de estar nos céus: “Mas a nossa
cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o
Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para
ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de
sujeitar também a si todas as coisas” (Filipenses 3:20-21).
Quão grande quantidade de bem Deus pôs nessa pequena
palavra “salvo”! Não veremos todo o bem que Deus colocou nessa
palavra até que o Senhor Jesus volte e ressuscite os mortos: “Ainda
não é manifestado o que havemos de ser” (1 João 3:2). Assim, até
que se manifeste o que seremos, não podemos ver a profundidade
da palavra “salvo”. É verdade que nós temos o penhor do que
seremos, temos o Espírito de Deus, “o qual é o penhor da nossa
herança, para redenção da possessão adquirida...” (Efésios 1:14). A
possessão, que é o nosso corpo, é chamada de “possessão
adquirida” porque foi comprado por preço de sangue. A redenção
dessa possessão adquirida é a sua ressurreição do corpo, de modo
que a ressurreição é chamada de redenção do nosso corpo
(Romanos 8:23). E quando esse corpo fraco for feito semelhante ao
corpo glorioso de Cristo e o corpo e a alma juntos possuírem os
céus, então seremos salvos em todos os sentidos.
Há três coisas das quais esse corpo deve ser salvo:
1. Da imundícia e vileza pecaminosa que ainda habita nele,
sob a qual nós gememos intensamente todos os nossos dias (2
Coríntios 5:1-3).
2. Da mortalidade, que nos sujeita ao envelhecimento, à
fraqueza, aos incômodos, às dores, às doenças e à morte.
3. Da sepultura e da própria morte, pois a morte é o último
inimigo a ser destruído: “E, quando isto que é corruptível se revestir
da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade,
então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte
na vitória” (1 Coríntios 15:54).
Então, quando isso acontecer, seremos salvos. Todas as
partes de nossa salvação serão concluídas em nossa glorificação e
então seremos salvos em todos os sentidos: salvos no decreto de
Deus, salvos pelas obras de Cristo, salvos pela fé, salvos na
perseverança, salvos na alma e salvos no corpo e na alma reunidos
no céu — salvos perfeita, eterna e gloriosamente.
Sobre o Estado do nosso Corpo e da nossa Alma no Céu

Antes de concluir a minha resposta à primeira pergunta, “o


que significa ser salvo?”, falarei sobre o estado do nosso corpo e de
nossa alma no céu, quando então desfrutaremos desse abençoado
estado de salvação.
Em primeiro lugar, sobre a alma. Ela terá todas as suas
faculdades preenchidas com tanta felicidade e glória como jamais
teve.
1. O entendimento será perfeito em conhecimento: “Porque”
agora “conhecemos em parte”, conhecemos a Deus, a Cristo, o céu
e a glória apenas em parte, “mas, quando vier o que é perfeito,
então o que o é em parte será aniquilado” (1 Coríntios 13:10). Então
teremos visões perfeitas e eternas de Deus e do seu bendito Filho
Jesus Cristo, e pensar nisso frequentemente produz em nós “alegria
indizível e cheia de glória”, mesmo enquanto estamos neste mundo.
2. A nossa vontade e afeições estarão sempre ardendo de
amor por Deus e por seu Filho Jesus Cristo. Aqui o nosso amor tem
altos e baixos, mas ali será sempre perfeito, de um modo que não é
possível neste mundo.
3. A nossa consciência desfrutará de uma paz e alegria que
nem a língua e nem a pena dos homens ou anjos podem expressar.
4. A nossa memória será expandida e capacitada para reter
todas as coisas que nos aconteceram neste mundo, para que, com
indizível capacidade, recordemos todas as providências de Deus,
toda a malícia de Satanás, todas as nossas próprias fraquezas, toda
a fúria dos homens e como Deus fez com que todas essas coisas
cooperassem para a sua glória e para o nosso bem, para o deleite
eterno de nossos corações.
Em segundo lugar. Quanto ao nosso corpo. Ele será
ressuscitado em poder e incorrupção e será um corpo espiritual e
glorioso (1 Coríntios 15:44). Tal esplendor é expresso por várias
coisas:
1. É comparada ao “fulgor do firmamento” e ao resplendor das
estrelas para “sempre e eternamente” (Daniel 12:3; 1 Coríntios
15:41-42).
2. É comparado com o resplendor do sol: “Então os justos
resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça” (Mateus 13:43).
3. O seu estado será glorioso com o dos anjos: “Mas os que
forem havidos por dignos de alcançar o mundo vindouro, e a
ressurreição dentre os mortos, nem hão de casar, nem ser dados
em casamento; porque já não podem mais morrer; pois são iguais
aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição”
(Lucas 20:35-36).
4. É dito que este nosso vil corpo será como o corpo glorioso
de Jesus Cristo (Filipenses 3:20,21; 1 João 3:2,3).
5. E, quando o corpo e a alma estiverem unidos desse modo,
quem pode imaginar que glória eles possuirão? Eles serão capazes
de servir ao Senhor em plena harmonia com ações de graças e com
uma coroa de alegria eterna sobre a sua cabeça.
Neste mundo não pode haver aquela harmonia e unidade de
corpo e alma que haverá no céu. Aqui, por vezes, o corpo peca
contra a alma e a alma, por sua vez, perturba o corpo com terríveis
apreensões da ira e do julgamento de Deus. Enquanto estivermos
neste mundo, frequentemente o corpo se inclina para um lado e a
alma, para o outro. Porém, lá no céu, eles terão uma união perfeita
que jamais conhecerá discordâncias. A glória do corpo será tão
excelente quanto a glória da alma e, quando se encontrarem em seu
estado celestial, ambas serão elevadas a uma perfeição que
ultrapassa nossa capacidade de expressão, quer seja por palavras
ou por pensamentos.
Em terceiro lugar. Em que lugar esse corpo e essa alma
salvos habitarão?
1. O lugar em que habitarão é em uma cidade (Hebreus 11:16;
Efésios 2:19,22).
2. O lugar é chamado de céu (Hebreus 10:34).
3. O lugar é chamado de a casa de Deus (João 14:1-3).
4. O lugar é chamado de um reino (Lucas 12:32).
5. O lugar é chamado de glória (Colossenses 3:4; Hebreus
2:10).
6. O lugar é chamado de paraíso (Apocalipse 2:7).
7. O lugar é chamado de morada eterna (Lucas 16:9).
Em quarto lugar. Em que companhia os salvos estarão?
1. Eles permanecerão e viverão na presença do Deus
glorioso, o juiz de todos (Hebreus 12.23).
2. Eles estarão com o Cordeiro, o Senhor Jesus.
3. Eles estarão com uma inumerável companhia dos santos
anjos (Hebreus 12:22). 4.
Eles estarão com Abraão, Isaque e Jacó, e todos os profetas,
no reino dos céus (Lucas 13:28).
Em quinto lugar. Quais serão as suas vestes celestiais?
1. Eles serão vestidos com vestes de salvação (Salmos
132:16; 149:4; Isaías 61:10).
2. É dito que essas vestes são brancas, significando o seu
estado de pureza e inocência celeste. Cristo diz: “Andarão comigo
de branco, porque são dignos” (Apocalipse 3:4; 19:8; Isaías 57:2).
3. Suas vestes são chamadas de glória: “Quando Cristo, que é
a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis
com ele em glória” (Colossenses 3:4).
4. Eles também terão coroas de justiça, alegria e glória
eternas (Isaías 35:10; 2 Timóteo 4:8; 1 Pedro 5:4).
Em sexto lugar. Eles permaneceram nessa condição?
1. Sim, para todo o sempre: “E verão o seu rosto, e nas suas
testas estará o seu nome... e reinarão para todo o sempre”
(Apocalipse 22:4-5).
2. Sim, eternamente: “E esta é a vontade daquele que me
enviou, que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida
eterna” (João 6:40, 47).
3. Sim, eles terão vida eterna: “As minhas ovelhas ouvem a
minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; e eu lhes dou a
vida eterna” (João 10:27-28).
4. Sim, pois essa condição em que estarão não possui fim:
“Porém Israel é salvo pelo Senhor, com uma eterna salvação; por
isso não sereis envergonhados nem confundidos em toda a
eternidade” (Isaías 45:17; Efésios 3:20-21).
Ó pecador! O que você diz a respeito de tudo isso? Você não
deseja ser salvo? Não se sente atraído? O seu coração não anela
pela salvação? Ora, então venha, pois: “O Espírito e a esposa
dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e
quem quiser, tome de graça da água da vida” (Apocalipse 22:17).
Pergunta 2

O que Significa Ser Salvo pela Graça?

Agora chegamos à segunda pergunta: O que é ser salvo pela


graça? Pois estas são as palavras do texto: “Pela graça sois salvos”.
Mas,
Em primeiro lugar. Falarei um pouco sobre a palavra graça e
lhes mostrei como ela é utilizada de diferentes maneiras. Às vezes,
ela é utilizada para indicar a boa vontade e o favor de homens
(Ester 2:17; Rute 2:2; 1 Samuel 1:18; 2 Samuel 16:4). Outras vezes,
essa palavra é empregada para indicar as joias que adornam
aqueles que vivem de acordo com a Palavra de Deus (Provérbios
1:9, 3:22). E ainda outras vezes, ela é empregada para se referir à
caridade dos santos, como lemos em 2 Coríntios 9:6-8.
Mas em nosso texto “graça” significa benevolência, “a
benevolência daquele que habitava na sarça” (Deuteronômio 33:16),
a qual é expressa de várias maneiras. Às vezes, ela é chamada de
“o seu beneplácito” e outras de “o beneplácito de sua vontade”
(Efésios 1:5, 9), e tudo isso é o mesmo que, “as abundantes
riquezas da sua graça” (Efésios 2:7). Outras passagens falam da
“graça” como bondade, piedade, amor, misericórdia, benignidade e
coisas semelhantes (Romanos 2:4; Isaías 63:9; Tito 3:4-5). E Deus
descreve a si mesmo como: “O Senhor, o Senhor Deus,
misericordioso e gracioso, tardio em irar-se e grande em
beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares;
que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao
culpado não tem por inocente” (Êxodo 34:6-7, trad. lit.).
Em segundo lugar. Visto que a palavra “graça” significa tudo
isso, então somos chamados a reconhecer que todos esses são
atos livres de Deus, atos de amor, misericórdia e bondade gratuitos.
A Palavra de Deus nos revela outros aspectos da natureza da
graça:
1. Ela é um ato da vontade de Deus, que necessariamente é
livre, um ato do beneplácito da vontade dele. Cada uma dessas
expressões dá a entender que a graça é um ato gratuito de bondade
de Deus para com os homens.
2. Por isso é dito expressamente: “Sendo justificados
gratuitamente pela sua graça” (Romanos 3:24).
3. “E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos”
(Lucas 7:42).
4. E novamente: “Não é por amor de vós que eu faço isto, diz
o Senhor DEUS; notório vos seja” (Ezequiel 36:32; Deuteronômio
9:5).
5. E, portanto, a “graça” é oposta aos méritos da criatura, e
esses são colocados em clara oposição um ao outro pelo apóstolo:
“Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça
já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de
outra maneira a obra já não é obra” (Romanos 11:6).
Portanto, sendo entendida, a palavra “graça” descreve muito
apropriadamente a verdadeira causa da felicidade do homem para
com Deus tanto quanto as palavras amor, misericórdia, bondade,
piedade, benignidade etc. Se Deus não nos amasse, a graça não
teria operado livremente para nossa salvação; se Deus não tivesse
sido misericordioso, bondoso, piedoso e benigno então ele teria nos
deixado perecer quando nos viu em nosso sangue (Ezequiel 16).
Então, quando ele diz: “Pela graça sois salvos”, é como se
tivesse dito: Pelo beneplácito, pela misericórdia gratuita e pela
bondade amorosa de Deus sois salvos; como é mencionado mais
adiante: “Mas Deus”, diz Paulo, “que é riquíssimo em misericórdia,
pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos
em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça
sois salvos)” (Efésios 2:4-5).
Em terceiro lugar. Entender essas palavras nos permitem
fazer as seguintes conclusões:
1. Que Deus, ao salvar o pecador, não o faz por consideração
à bondade do pecador; por isso é dito que ele é perdoado e
justificado gratuitamente (Lucas 7:42; Romanos 3:24).
2. Que Deus faz isso a quem e quando quer pois é um ato que
procede do beneplácito de sua vontade (Gálatas 1:15-16).
3. A causa pela qual grandes pecadores são salvos é que
Deus os perdoa segundo “as abundantes riquezas da sua graça”
(Efésios 2:7).
4. Essa é a verdadeira causa pela qual alguns pecadores
ficam tão maravilhados e atônitos ao pensarem acerca de sua
própria salvação. A graça de Deus é insondável e, muitas vezes, ela
nos deixa maravilhados e confunde a nossa razão (Ezequiel 16:62-
63; Atos 9:6).
5. Essa é a causa pela qual os pecadores são tão
frequentemente recuperados de seus desvios, curados das feridas
decorrentes de suas quedas e auxiliados a se alegrarem novamente
na misericórdia de Deus. Ora, ele será gracioso para com quem ele
será gracioso e terá compaixão de quem ele terá compaixão
(Romanos 9:15).
Em quarto lugar. Deus é apresentado para nós em sua
Palavra sob uma dupla consideração:
1. Ele é revelado em seu poder eterno e divindade bem como
por seus atributos de poder, justiça, bondade, santidade, eternidade
etc.
2. Ele também é descrito em sua Palavra da verdade como
Pai, Filho e Espírito. E enquanto essa segunda consideração
contenha em si a natureza da divindade, contudo, a primeira não
revela as pessoas na divindade. Nós somos salvos pela graça de
Deus — isto é, pela graça do Pai, que é Deus; pela graça do Filho,
que é Deus; e pela graça do Espírito, que é Deus.
Quando dizemos que somos “salvos pela graça” de Deus e
também encontramos na Palavra uma Trindade que consiste em
Pai, Filho e Espírito Santo, então devemos concluir que é pela graça
do Pai, do Filho e do Espírito que somos salvos. Por isso a graça é
atribuída distintamente ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo:
1. A graça é atribuída ao Pai, como estas passagens das
Escrituras testificam: Romanos 7:25; 1 Coríntios 1:3; 2 Coríntios 1:2;
Gálatas 1:3; Efésios 1:2; Filipenses 1:2; Colossenses 1:2; 1
Tessalonicenses 1:1; 2 Tessalonicenses 1:2; 1 Timóteo 1:2; 2
Timóteo 1:2; Tito 1:4; Filemom 3.
2. A graça também é atribuída ao Filho e eu provo isso tanto
por todos os textos mencionados anteriormente como também por
estes outros: 2 Coríntios 8:9, 13:14; Gálatas 6:18; Filipenses 4:23; 1
Tessalonicenses 5:28; 2 Tessalonicenses 3:18; Filemom 25;
Apocalipse 22:21.
3. A graça também é também atribuída ao Espírito Santo. Ora,
ele é chamado de o Espírito da graça porque ele é o autor da graça
como o Pai e o Filho: Zacarias 12:10; Hebreus 10:29.
Assim, agora nos resta mostrar: EM PRIMEIRO LUGAR, como
somos salvos pela graça do Pai. EM SEGUNDO LUGAR, como
somos salvos pela graça do Filho. E, EM TERCEIRO LUGAR, como
somos salvos pela graça do Espírito.
A Graça do Pai

EM PRIMEIRO LUGAR, como somos salvos pela graça do


Pai.
1. O Pai, pela sua graça, assegurou os que irão para o céu
através de seu eterno decreto de eleição; e, como o apóstolo já
havia mencionado anteriormente, esse é o início da nossa salvação
(2 Timóteo 1:9). E a eleição não é considerada como um ato do
Filho, mas do Pai: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos
lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes
da fundação do mundo” (Efésios 1:3-4). Perceba que essa eleição é
descrita como um ato da graça: “Assim, pois, também agora neste
tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça”
(Romanos 11:5).
2. A graça do Pai designa o Filho e o envia para realizar a
nossa redenção. O Pai enviou o Filho para ser o Salvador do
mundo: “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão
das ofensas, segundo as riquezas da sua graça... Para mostrar nos
séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus” (Efésios 1:7, 2:7; 1
João 4:14; João 3:16, 6:32-33, 12:49).
3. A graça do Pai nos dá a Cristo para sermos justificados pela
sua justiça, lavados em seu sangue e salvos pela sua vida. O
próprio Cristo diz que é da vontade do seu Pai que os que creem
nele sejam guardados — e quando chegar o último dia, será visto
que ele os guardou durante todos os dias de sua vida e eles jamais
perecerão (João 6:37-39; 17:2, 12).
4. A graça do Pai concede o reino dos céus àqueles que ele
deu a Jesus Cristo: “Não temais, ó pequeno rebanho, porque a
vosso Pai agradou dar-vos o reino” (Lucas 12:32).
5. A graça do Pai providenciou e colocou em Cristo uma
suficiência de todas as bênçãos espirituais para aqueles que ele
escolheu, para serem comunicadas a eles em suas necessidades,
para sua preservação na fé e para fazê-los perseverar fielmente
durante toda esta vida. E o Pai fez tudo isso “não segundo as
nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos
foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2 Timóteo
1:9; Efésios 1:3-4).
6. A graça do Pai nos salva pelo chamado abençoado e eficaz
que nos leva à comunhão com o seu Filho Jesus Cristo (1
Colossenses 1:9; Gálatas 1:15).
7. A graça do Pai nos salva ao nos conceder perdão dia após
dia, por amor de Cristo: “Em quem temos a redenção pelo seu
sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua
graça” (Efésios 1:7).
8. A graça do Pai nos salva ao exercer paciência e
longanimidade para conosco durante todo o tempo em que não
éramos regenerados (Romanos 3:24).
9. A graça do Pai nos salva ao nos segurar com firmeza na
sua mão e nos guardar de todo o poder do inimigo: “Meu Pai”, Cristo
disse, “que as deu a mim, é maior do que todos; e ninguém pode
arrebatá-las da mão de meu Pai” (João 10:29).
10. O que mais direi? A graça do Pai nos salva ao aceitar
nossas pessoas e obras, ao fazer resplandecer a luz de sua face
sobre nós, ao manifestar a nós o seu amor e ao enviar os seus
anjos para nos levarem até ele quando chegarmos ao final da nossa
peregrinação neste mundo.
A Graça do Filho

EM SEGUNDO LUGAR, falarei sobre a graça do Filho. Pois


assim como o Pai revela a sua graça na salvação do pecador assim
também o Filho revela a sua: “Porque já sabeis a graça de nosso
Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre;
para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2 Coríntios 8:9).
Aqui podemos ver que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo
está associada à graça de seu Pai na salvação das nossas almas.
Ora, nisso consiste a graça de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele era
rico, mas, por amor de nós, se fez pobre, para que, pela sua
pobreza, nos tornássemos ricos.
Então vamos tentar entender melhor essa condescendente
graça de Cristo e o quão rico ele era para depois buscarmos
entender o quão pobre ele se fez para que nós, pela sua pobreza,
pudéssemos obter as riquezas da salvação.
Em primeiro lugar. Quão rico Jesus Cristo era? Ao que eu
respondo: 1. De modo geral; 2. De modo particular.
1. De modo geral. Ele era rico como o Pai: “Tudo quanto o Pai
tem”, ele diz, “é meu”. Jesus Cristo é o Senhor de todos, Deus sobre
todos, bendito para sempre. O Filho “não teve por usurpação ser
igual a Deus”, pois por ser natural e eternamente Deus, como o Pai,
ele não podia se despojar de sua divindade (João 10:30; 16:15; Atos
10:36; Filipenses 2:6; Romanos 9:4-5).
2. De modo particular. Jesus Cristo possuiu glória com o Pai,
uma glória multiforme, da qual ele se despojou.
(1.) Ele possuía a glória do domínio, pois ele era o Senhor de
todas as criaturas e elas estavam sob seu governo sob duas
considerações:
(a.) como seu Criador (Colossenses 1:16);
(b.) à medida que ele foi feito herdeiro de Deus (Hebreus 1:2).
(2.) Portanto, a glória da adoração, da reverência e do temor
de todas as criaturas era devida a ele. Tudo era devido a ele:
(a.) a adoração, a obediência, a sujeição e o serviço dos
anjos;
(b.) o temor, a honra e a glória dos reis, príncipes e juízes da
terra;
(c.) a obediência do sol, da lua, das estrelas, das nuvens e de
todos os vapores;
(d.) O culto e adoração de todas as criaturas — todos os
dragões, profundezas, fogo, saraiva, neve, montanhas e montes,
animais, gado, répteis e aves — eram devidos a ele (Salmos 148).
(3.) A glória dos próprios céus era devida ao Filho. Em suma,
o céu e a terra eram dele.
(4.) Mas acima de tudo, ele possuía a glória da comunhão
com seu Pai; ou seja, a glória daquela comunhão indizível que ele
tinha com o Pai antes da sua encarnação, mais valiosa do que dez
mil mundos, que sempre lhe pertenceu.
(5.) Além do Filho possuir todas essas coisas, ele era o
Senhor da vida; e essa glória também era de Jesus Cristo: “Nele
estava a vida” (João 1:4), portanto, ele é chamado de o Príncipe da
vida pois ela estava originalmente nele assim como no Pai (Atos
3:15). Ele deu vida e fôlego a todas as criaturas: anjos, homens e
animais.
(6.) Assim como ele era o Senhor da glória e o Príncipe da
vida assim também ele era o Príncipe da paz (Isaías 9:6); e era ele
quem mantinha a ordem e harmonia entre criaturas do céu e as da
terra.
Agora consideremos brevemente estas outras coisas em
particular:
(a.) Os céus eram dele, e ele os fez.
(b.) Os anjos eram seus, e ele os fez.
(c.) A terra era dele, e ele a fez.
(d.) O homem era dele, e ele o fez.
Em segundo lugar. O quão pobre Cristo se fez para que nós,
pela sua pobreza, pudéssemos obter as riquezas da salvação? Ele
deixou o céu por amor de nós: “Cristo Jesus veio ao mundo, para
salvar os pecadores” (1 Timóteo 1:15).
(1.) Ele foi feito inferior aos anjos pelo sofrimento da morte
(Hebreus 2:9). Quando nasceu nesse mundo — como declara
acerca de si mesmo —, ele nasceu como um verme, alguém sem
reputação. Ele se tornou objeto de desprezo e zombaria para as
pessoas. Nasceu em um estábulo, foi colocado em um presépio,
ganhou o pão através de seu trabalho e foi carpinteiro por profissão
(Salmos 22:6; Filipenses 2:7; Lucas 2:7; Marcos 6:3). Então, quando
se dedicou ao seu ministério, Cristo viveu da caridade do povo;
enquanto os outros homens iam para suas próprias casas, Jesus ia
para o Monte das Oliveiras. Escutem o que ele mesmo diz
claramente sobre isso: “As raposas têm covis, e as aves do céu,
ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Ele
negou a si mesmo o bem deste mundo (Lucas 8:2-3, 9:58; João
7:35, 8:1).
(2.) Ele, como Príncipe da vida, nos concedeu a vida. Pois,
das duas, uma: ou ele ou nós deveríamos morrer. Mas a graça que
estava no seu coração fez com que ele desse a sua vida: “Porque o
Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir
e dar a sua vida em resgate de muitos” (Marcos 10:45; Mateus
20:28). Ele deu a sua vida para que tivéssemos vida; deu a sua
carne e o seu sangue pela vida do mundo; deu a sua vida pelas
suas ovelhas.
(3.) Ele era o Príncipe da paz, mas também renunciou à sua
paz.
1. Ele abriu mão da paz com o mundo e escolheu ser o mais
rejeitado entre os homens e o homem de dores[1] e, por isso, foi
perseguido desde o seu berço até a sua cruz por reis, governantes e
outros.
2. Ele colocou de lado a paz com seu Pai e se fez o objeto da
maldição dele de modo que o Senhor o feriu, atingiu e afligiu; e, por
fim, escondeu a sua face dele (como o próprio Cristo o expressou,
com grande clamor) na hora de sua morte.
Mas talvez alguns podem dizer: Que necessidade havia de
que Jesus Cristo fizesse tudo isso? A graça do Pai não poderia nos
salvar sem essa condescendência do Filho?
Eu respondo:
Deus é gracioso, mas também é justo. E após o homem haver
pecado ele resolveu salvá-lo de uma forma justa. Portanto, era
absolutamente necessário que Jesus Cristo se colocasse em nossa
própria condição, com a exceção de que nunca pecou.
1. Ora, devido ao pecado, nós estávamos destituídos da glória
de Deus, portanto, era necessário que Jesus Cristo deixasse de
lado a glória que tinha com o Pai (Romanos 3:23; João 17:5).
2. O homem, pelo seu pecado, baniu a si mesmo de um
paraíso terreno e Jesus Cristo deixou o seu paraíso celestial para
salvá-lo (Gênesis 3:24; 1 Timóteo 1:15; João 6:38-39).
3. O homem, pelo seu pecado, havia se feito “menos do que
nada e como uma coisa vã”, mas o Senhor Deus, Jesus Cristo, se
fez inferior aos anjos para redimi-lo (Isaías 40:17; Hebreus 2:7).
4. O homem, pelo seu pecado, perdeu o seu direito de
dominar sobre as criaturas e Jesus Cristo privou-se do direto de
reinar sobre todo o mundo para salvá-lo (Lucas 9:58).
5. O homem, pelo seu pecado, se sujeitou à morte, mas Jesus
Cristo deu a sua vida para salvá-lo (Romanos 6:23).
6. O homem, pelo seu pecado, trouxe sobre si a maldição de
Deus, mas Jesus Cristo suportou essa maldição em seu próprio
corpo para salvá-lo (Gálatas 3:13).
7. O homem, pelo seu pecado, perdeu a paz com Deus, mas
Jesus Cristo também a perdeu para que o homem fosse salvo.
8. O homem deveria ter sido zombado por Deus, portanto,
Cristo foi zombado pelos homens.
9. O homem deveria ter sido açoitado no inferno, mas, para
impedir isso, Jesus foi açoitado na terra.
10. O homem deveria ter sido coroado com ignomínia e
vergonha, mas, para evitar isso, Jesus foi coroado com espinhos.
11. O homem deveria ter sido traspassado com a lança da ira
de Deus, mas, para evitar isso, Jesus foi traspassado tanto por
Deus quanto pelos homens.
12. O homem deveria ter sido rejeitado por Deus e pelos
anjos, mas, para evitar isso, Jesus foi abandonado por Deus e
negado, odiado e rejeitado pelos homens (Isaías 48:22; Provérbios
1:24-26; Mateus 27:26, 39, 46; Salmos 9:17, 11:6, 22:7; Daniel 12:2;
João 19:2-5, 37; Números 24:8; Zacarias 12:10; Lucas 9:22).
Eu poderia continuar falando sobre isso baseado na
autoridade desta passagem: “Jesus Cristo que, sendo rico, por amor
de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2
Coríntios 8:9). Todas as riquezas das quais ele se despojou e todas
as tristezas pelas quais ele passou foi para nosso bem, pois até
mesmo as menores circunstâncias de sofrimento de Cristo foram
necessárias nos beneficiar: “Por amor de vós se fez pobre; para que
pela sua pobreza enriquecêsseis”.
Mas qual foi o motivo que levou Cristo a realizar todo esse
grande serviço em favor dos homens? A graça que estava no
coração dele, como diz o profeta: “Pelo seu amor e pela sua
compaixão ele os remiu” (Isaías 63:9), lemos algo semelhante em 2
Coríntios: “Porque já conheceis a graça de nosso Senhor Jesus
Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela
sua pobreza enriquecêsseis” (8:9). Essas duas passagens
concordam com o nosso texto: “Pela graça sois salvos”.
Essa foi a graça do Filho e o modo como ela foi exercida.
Portanto, o Pai mostra a sua graça de uma maneira e o Filho, de
outra. Não foi o Pai, mas o Filho, que deixou o seu céu pelos
pecadores; não foi o Pai, mas o Filho, que derramou o seu sangue
pelos pecadores. Verdadeiramente o Pai nos deu o Filho — e
bendito seja o Pai por isso — e o Filho deu a sua vida e o seu
sangue por nós — e bendito seja o Filho por isso.
Mas ainda não acabamos de falar sobre a graça do Filho. Ó,
Filho do Bendito, quão grande foi a graça que se manifestou na sua
condescendência! A graça lhe tirou do céu, a graça lhe despojou de
sua glória, a graça lhe tornou pobre e desprezível, a graça lhe fez
suportar o peso do pecado, da tristeza e da maldição de Deus —
que é indizível. Ó Filho de Deus! Havia graça em todas as suas
lágrimas; graça brotou junto com o seu sangue de seu lado
perfurado, graça fluiu junto com cada palavra da sua boca graciosa
(Salmos 45:2; Lucas 4:22). Saiu graça por onde o chicote lhe feriu,
por onde os espinhos lhe picaram e por onde os pregos e a lança
lhe furaram. Ó bendito Filho de Deus! Aqui está a graça, de fato!
Riquezas inescrutáveis da graça! Riquezas insondáveis da graça!
Graça para fazer os anjos se maravilharem, graça para fazer os
pecadores felizes e graça para deixar os demônios atônitos. Mas o
que será daqueles que pisam sobre essa graça e desprezam o Filho
de Deus?[2]
A Graça do Espírito

EM TERCEIRO LUGAR, falarei sobre a graça do Espírito, pois


ele também nos salva pela sua graça. Como eu já disse, o Espírito é
Deus, como o Pai e o Filho, e por isso ele também é o autor da
graça. É absolutamente necessário que ele também nos conceda a
sua graça ou então nenhuma pessoa poderia ser salva. O Espírito
de Deus opera a nossa salvação de muitos modos, pois assim como
aqueles que vão para o céu deverão contemplar o Pai e o Filho
assim também contemplarão o Espírito Santo. O Pai nos escolhe,
nos dá Cristo, o céu e coisas semelhantes. O Filho cumpre a lei por
nós, nos livra da maldição da lei, oferece o seu corpo para suportar
as nossas dores e nos apresenta como justificados aos olhos de
Deus. A graça do Pai é mostrada no céu e na terra; a graça do Filho
é mostrada na terra e na cruz; e a graça do Espírito deve ser
mostrada em nossas almas e em nossos corpos antes de
chegarmos ao céu.
Pergunta: Mas alguns podem dizer: Onde está a graça
salvífica do Espírito?
Resposta: Em muitas coisas.
A graça salvífica do Espírito pode ser vista ao nos conquistar e
nos fazer seus, ao fazer de nós a sua casa e habitação, de modo
que, embora o Pai e o Filho tenham gloriosamente realizado atos
graciosos para a nossa salvação, contudo o Espírito é o primeiro a
agir em nós para nos salvar (1 Coríntios 3:16, 6:19; Efésios 2:21-
22). Assim, Cristo, quando estava para partir deste mundo, disse
que enviaria não o Pai, mas o Espírito e que ele estaria conosco
para sempre: “Quando eu for, enviarei, o Espírito da verdade, o
Consolador” (João 14:16; 16:7, 13).
Quando o Espírito Santo vem e faz a sua habitação em nós,
então ele opera de muitas maneiras para nossa salvação eterna:
1. Ele nos salva das trevas da nossa ignorância ao iluminar os
olhos do nosso entendimento, por isso ele é chamado de “o Espírito
de revelação”, porque ele dá vista aos nossos olhos cegos e, assim,
nos livra daquela escuridão que nos afogaria nas profundezas do
inferno (Efésios 1:17-19).
2. É ele que nos convence da malignidade da nossa
incredulidade e que nos mostra a necessidade de cremos em Cristo.
Se ele não nos convencesse disso, nós pereceríamos em nossos
pecados (João 16:9).
3. Ele é o dedo de Deus pelo qual o Diabo é expulso e a graça
toma o seu lugar. É pelo poder do Espírito que somos salvos de
sermos lançados no inferno (Lucas 11:20-22).
4. É ele quem opera a fé em nossos corações, sem a qual
nem a graça do Pai e nem a graça do Filho poderiam nos salvar:
“Quem não crer será condenado” (Marcos 16:16; Romanos 15:13).
5. É por meio dele que nascemos de novo. Aquele que não
nascer de novo não poder ver e nem herdar o reino dos céus (João
3:3-7).
6. É ele quem estabelece o seu reino em nosso coração e, por
meio disso, mantém o Diabo afastado depois que ele é expulso dali.
Se o Espírito Santo não reina no coração de alguém, então não
importa quem seja, ele está sujeito a ser horrivelmente possuído
pelo Diabo (Mateus 12:43-45; Lucas 11:24-25).
7. É pelo Espírito que vemos a beleza de Cristo. E, se não
tivéssemos visto a beleza dele, nunca o teríamos desejado, antes
certamente passaríamos toda a nossa vida negligenciando-o e, por
fim, pereceríamos (João 16:14; 1 Coríntios 2:9-13; Isaías 53:1-2).
8. É pelo Espírito que somos auxiliados a louvar a Deus de
modo aceitável a ele. Mas sem a ajuda dele é impossível que Deus
nos ouça para nossa salvação (Romanos 8:26; Efésios 6:18; 1
Coríntios 14:15).
9. É pelo bendito Espírito Santo que o amor de Deus é
derramado em nossos corações para que eles sejam direcionados
ao amor de Deus (Romanos 5:5; 2 Tessalonicenses 2:13).
10. É pelo bendito Espírito Santo que somos conduzidos dos
caminhos da carne para os caminhos da vida e é por ele que nosso
corpo mortal e a nossa alma imortal são vivificados para o serviço a
Deus (Gálatas 5:18, 25; Romanos 8:11).
11. É pelo bom Espírito que preservamos a semente de Deus,
que inicialmente foi plantada em nós pela Palavra de Deus, sem a
qual somos passíveis da pior condenação (1 João 3:9; 1 Pedro 1:23;
2 Timóteo 1:14).
12. É pelo bom Espírito que recebemos ajuda e luz para
resistirmos contra toda a sabedoria e astúcia do mundo, que se
apresenta em suas mais malditas sofisticações para anular a
simplicidade que há em Cristo (Mateus 10:19-20; Marcos 13:11;
Lucas 12:11-12).
13. É pelo bom Espírito que as nossas graças são mantidas
em vida e vigor. Ele sustenta a fé, a esperança, o amor, um espírito
de oração e todas as demais graças (2 Coríntios 4:13; Romanos
15:13; 2 Timóteo 1:7; Efésios 6:18; Tito 3:5).
14. É pelo bom Espírito que somos selados para o dia da
redenção (Efésios 1:14).
15. É pelo bom Espírito que somos capacitados a esperar com
paciência até que venha a redenção da possessão adquirida
(Gálatas 5:5).
Todas essas coisas são tão necessárias para a nossa
salvação que nenhuma delas pode faltar e nenhuma delas pode ser
alcançada por qualquer outro meio, senão através do bendito
Espírito Santo.
Desse modo eu mostrei em poucas palavras a graça do
Espírito e como ele opera para a salvação da alma. E, de fato,
senhores, é necessário que entendam claramente essas coisas — a
graça do Pai, a graça do Filho e a graça do Espírito Santo; pois não
é a graça de um, mas de todos três, que os salva.
A graça do Pai não salva um homem à parte da graça do
Filho; nem o Pai e o Filho salvam alguém à parte da graça do
Espírito; pois assim como o Pai ama, o Filho deve morrer e o
Espírito deve santificar ou então nenhuma alma será salva.
Alguns pensam que o amor do Pai, sem o sangue do Filho, os
salvará, mas estão enganados pois “sem derramamento de sangue
não há remissão” (Hebreus 9:22).
Outros pensam que o amor do Pai e o sangue do Filho os
salvarão à parte da santificação do Espírito de Deus, mas também
estão enganados pois “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse
tal não é dele” e “sem santidade ninguém verá o Senhor” (Romanos
8:9; Hebreus 12:14).
Outros pensam que a santidade do Espírito é suficiente por si
mesma, mas eles (se é que a possuem) também estão enganados
pois é necessariamente a graça do Pai, a graça do Filho e a graça
do Espírito, para que sejam salvos.
Portanto, é verdade que o Pai, o Filho e o Espírito juntamente
concedam a sua graça para a salvação de um pecador, mas
também é verdade que eles concedem essa graça de modos
diferentes. O Pai nos designa para o céu, o Filho redime do pecado
e da morte e o Espírito nos faz aptos para o céu, não por nos eleger,
pois essa é a obra do Pai; nem por morrer por nós, pois essa é a
obra do Filho, mas por nos revelar a Cristo, por aplicá-lo às nossas
almas, por derramar o amor de Deus em nossos corações, por
santificar as nossas almas e pela sua habitação em nós, que é o
penhor de nossa herança celestial (Efésios 1:14).
Pergunta 3

Quem são os Salvos pela Graça?


Agora, desejo mostrar a você quem são aqueles que serão salvos
pela graça. Mas primeiro mostrarei quem não será salvo por ela.
Quem Não São os Salvos

1. Não são salvos aqueles que são justos em si mesmos e


não sentem necessidade de um médico. Cristo disse: “Os sãos não
necessitam de médico... eu não vim chamar os justos, mas, sim, os
pecadores ao arrependimento” (Marcos 2:17). Também não são
salvos os ricos, como está escrito: “Encheu de bens os famintos, e
despediu vazios os ricos” (Lucas 1:53). Quando digo que os justos e
os ricos não são salvos não quero afirmar que estão totalmente
excluídos da salvação, pois Paulo era assim; mas o que quero dizer
é que pessoas como eles não podem ser salvas sem que antes
sejam despertadas para ver que necessitam ser salvas pela graça.
2. A graça de Deus não salva aquele que cometeu o pecado
imperdoável. Já não há mais nada que possa ser feito por tal
pessoa, senão apenas “uma certa expectação horrível de juízo, e
ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hebreus 10:26-
27).
3. O pecador que persistir em sua impenitência e
incredulidade até o fim será condenado (Lucas 13:3, 5; Romanos
2:2-5; Marcos 16:15-16).
4. Aquele pecador cuja mente foi cegada pelo deus deste
século, de modo que a gloriosa luz do Evangelho de Cristo, que é a
imagem de Deus, não resplandece sobre ele, está perdido e será
condenado (2 Coríntios 4:3-4).
5. O pecador que faz da religião uma capa para a sua
iniquidade é um hipócrita e, se continuar assim, certamente será
condenado (Salmos 125:5; Isaías 33:14; Mateus 24:50-51).
6. Em suma, todo pecador que perseverar em sua maldade
não herdará o reino dos céus. “Não sabeis que os injustos não hão
de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os
idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas,
nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os
maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus...
Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas
vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (1 Coríntios
6:9-12; Efésios 5:5-6).
Quem São os Salvos

Pergunta: Mas que tipo de pecadores serão salvos?


Resposta: Todos aqueles que o Espírito de Deus trouxer ao
Pai por meio de Jesus Cristo. Somente esses e ninguém mais pode
ser salvo, pois, se fosse de outro modo, pecadores poderiam ser
salvos sem o Pai, ou sem o Filho, ou sem o Espírito.
Entretanto, em tudo o que tenho dito até agora, eu não tenho
sugerido nem mesmo minimamente que qualquer pecador seja
rejeitado porque seus pecados são naturalmente muito grandes.
Cristo Jesus veio ao mundo para salvar até mesmo o principal dos
pecadores. Portanto, não é o tamanho dos pecados cometidos, mas
continuar nesses pecados é o que realmente condena o pecador
(Contudo, ao dizer isso eu não me refiro àquele que pecou contra o
Espírito Santo). As seguintes coisas evidenciam que não é o
tamanho do pecado que exclui o pecador:
1. As palavras que antecedem o nosso texto citam certos tipos
de pecadores que foram salvos pela graça, a saber, aqueles que
estavam mortos em delitos e pecados, aqueles que viviam
envolvidos em prática pecaminosas e andavam “segundo o curso
deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito
que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza
filhos da ira, como os outros também” (Efésios 2:2-3).
2. Isso fica evidente também quando lemos nas Escrituras que
a vontade revelada de Deus é que muitos pecadores sejam salvos.
A Palavra de Deus registra a salvação de grandes pecadores cujos
nomes e pecados são mencionados para nosso encorajamento.
Podemos citar alguns deles:
(1.) Você pode ler sobre Manassés, que foi idólatra, feiticeiro,
perseguidor e se rebelou contra a palavra de Deus enviada a ele
através dos profetas e, ainda assim, esse homem foi salvo (2
Crônicas 33:2-13; 2 Reis 21:16).
(2.) Você pode ler sobre Maria Madalena, em quem havia sete
demônios; sua condição era terrível, mas ela foi salva (Lucas 8.2;
João 20).
(3.) Você pode ler sobre o homem que estava possuído por
uma legião de demônios. Quão terrível era a sua condição! Não
obstante, por graça, ele foi salvo (Marcos 5:1-10).
(4.) Você pode ler sobre aqueles que assassinaram o Senhor
Jesus e sobre como foram convertidos e salvos (Atos 2:23).
(5.) Você pode ler sobre como os exorcistas tentaram invocar
o nome de Cristo e foram salvos pela graça (Atos 19:13).
(6.) Você pode ler sobre Saulo, o perseguidor, e sobre como
ele foi salvo pela graça (Atos 9:15).
Objeção: Você diz: “Mas eu sou um desviado”.
Resposta: O mesmo aconteceu com Noé e, ainda assim, ele
encontrou graça aos olhos do Senhor (Gênesis 9:21-22). Assim
também foi com Ló e Deus o salvou pela graça (Gênesis 19:35; 2
Pedro 2:7-9). Davi também se desviou, mas, pela graça, ele foi
perdoado de suas iniquidades (2 Samuel 12:7-13). Salomão
cometeu alguns dos maiores desvios e, no entanto, a sua alma foi
salva pela graça (Salmos 89:28-34). Pedro desviou-se terrivelmente,
contudo, ele foi salvo pela graça (Mateus 26,69-74; Marcos 16:7;
Atos 15:7-11). Além disso, para ser ainda mais encorajado, leia
Jeremias 3, 33:25-26, 51:5; Ezequiel 36:25 e Oséias 14:1-4 —
Então examine a si mesmo e se maravilhe com as riquezas da
graça de Deus.
Pergunta: Mas, como descobriremos quais pecadores devem
ser salvos? Pois, parece que nem todos os pecadores serão salvos.
Além do mais, os exemplos que você citou não esclarecem essa
questão, pois tanto existem grandes pecadores que são
condenados quanto grandes pecadores que são salvos, exceto
aqueles que cometeram o pecado imperdoável.
Resposta: É verdade que há grandes pecadores salvos e
outros, condenados. Mas aqui está a resposta à essa pergunta:
Aqueles que forem eficazmente chamados serão salvos. Aqueles
que crerem no Filho de Deus serão salvos. Aqueles que forem
santificados e preservados em Cristo serão salvos. Aqueles que
diariamente tomarem a sua cruz e seguirem a Cristo serão salvos.
Posso resumir tudo isso citando as seguintes passagens das
Escrituras: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo” (Marcos
16:16; Atos 16:31). “Se com a tua boca confessares ao Senhor
Jesus e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os
mortos serás salvo” (Romanos 10:9). Se você for justificado pelo
sangue de Cristo, então você será salvo (Romanos 5:9). Se você for
reconciliado com Deus pela morte do seu Filho, então você será
salvo pela vida dele (Romanos 5:10). “E acontecerá que todo aquele
que invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos 2:21).
Veja ainda essas outras passagens das Escrituras: “Deus
salvará ao humilde” (Jó 22:29). “Tu livrarás o povo aflito” (Salmos
18:27). “Salvará os filhos do necessitado” (Salmos 72:4). “Salvará as
almas dos necessitados” (Salmos 72:13). “Ó Deus meu, salva o teu
servo, que em ti confia” (Salmos 86:2). “Ele cumprirá o desejo dos
que o temem; ouvirá o seu clamor e os salvará” (Salmos 145:19).
Mas, pecador, se realmente você deseja ser salvo, tenha
cuidado com estas quatro coisas:
1. Tenha cuidado para não adiar o arrependimento. Esses
adiamentos são perigosos e condenáveis. São perigosos porque
endurecem o coração e são condenáveis porque a tendência deles
é fazer você resistir ao tempo da graça (Salmos 95:7; Hebreus 3-
12).
2. Cuidado em descansar nas palavras do Evangelho mesmo
que você esteja destituído do espírito e do poder dele; pois o
Evangelho que vem apenas em palavra não salva ninguém, porque
o reino de Deus, ou o Evangelho que salva, não consiste em
palavras, mas em poder (1 Tessalonicenses 1:4-6; 1 Coríntios 4:19).
3. Cuidado para não ter apenas uma profissão de fé vazia, e
uma vida que provoca a Deus; pois essa é a maneira de fazer com
que ele o rejeite em sua ira.
4. Cuidado para que o seu interior e o seu exterior sejam
iguais e que ambos sejam conformados à graciosa Palavra de Deus.
Esforce-se para ser como os seres viventes sobre os quais
podemos ler no livro do profeta Ezequiel, cuja aparência e eles
mesmos eram como uma só coisa (Ezequiel 10:22).
Eu o adverti quanto a todas essas coisas para que você não
se contente enquanto o seu coração estiver destituído do poder e do
Espírito de Deus, pois sem ele você jamais será um participante da
graça do Pai ou do Filho e, consequentemente, a sua alma não será
salva.
Pergunta 4

Quais as Características daqueles que


são os Salvos pela Graça?
Para respondermos essa pergunta, é necessário que seja dada a
vocês alguma demonstração da verdade dessa doutrina, a saber,
que os salvos são salvos pela graça.
O que foi dito anteriormente demonstrou essa verdade; por
isso, primeiramente farei um breve resumo do que já foi dito e então
darei mais algumas provas sobre a verdade de que os homens são
salvos pela graça.
1. As Escrituras testificam que isso é verdade porque Deus os
escolheu para salvação antes de terem feito o bem (Romanos 9:11).
2. Cristo foi designado para ser seu Salvador antes da
fundação do mundo (Efésios 1:4; 1 Pedro 1:19-21).
3. Todas as coisas que contribuem e promovem a salvação
também estavam em Cristo para serem comunicadas, na plenitude
dos tempos, para aqueles que serão salvos (Efésios 1:3-4; 2
Timóteo 1:9; Efésios 1:10, 3:8-11; Romanos 8:30).
Outra evidência de que os salvos são salvos pela graça é o
fato de que a salvação deles foi arquitetada por Deus — Pai, Filho e
Espírito — e consumada, como já foi explicado, por um dos três, a
saber: o Filho do Pai (João 1:29; Isaías 48:16).
Se tivesse acontecido um acordo no céu acerca da salvação
dos pecadores na terra e, ainda assim, o resultado desse acordo
fosse que deveríamos ser salvos por nossas próprias boas obras,
então não teria sido de um apóstolo ou de um anjo que teríamos
ouvido dizer: “Pela graça sois salvos”. Mas quando um conselho foi
realizado na eternidade acerca da salvação dos pecadores no
tempo e quando o resultado desse conselho foi que o Pai, o Filho e
o Espírito Santo deveriam realizar a obra dessa salvação, então isso
é graça, isso naturalmente é graça, uma graça rica e livre. Essa é
uma graça que jamais teria sido concebida pela mente humana.
Repito, jamais a mente humana teria concebido tal graça, pois quem
poderia imaginar que havia um Salvador no seio do Pai ou que o Pai
o daria para ser o Salvador dos homens, visto que já havia se
recusado a dá-lo como Salvador para os anjos (Hebreus 2:16-17)?
Também fica evidente que a salvação é pela graça pelo fato
de o Filho ter tomado sobre si a obra de nossa salvação. Se alguma
vez pudéssemos ter pensado que o Pai enviaria seu Filho para ser o
Salvador, então também poderíamos ter pensando, e com razão,
que ele nunca assumiria essa obra completamente para si mesmo
— especialmente aquela parte dessa obra de salvação que era
terrível, devastadora e espantosa! Quem alguma vez poderia
imaginar que o Senhor Jesus teria feito a si mesmo tão pobre a
ponto de comparecer diante de Deus vestido nos trapos imundos de
nossas transgressões e de se sujeitar à maldição e à morte que
eram devidas aos nossos pecados? Entretanto, foi exatamente isso
que ele fez para nos salvar pela graça.
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual
nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da
fundação do mundo, para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para
filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o
beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua
graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem
temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas,
segundo as riquezas da sua graça (Efésios 1:3-7).
E, por fim, quando consideramos os termos e as condições
sobre os quais essa salvação foi realizada para os que são salvos,
fica evidente mais uma vez que somos salvos pela graça.
1. As coisas que imediatamente dizem respeito à nossa
justificação e salvação nos são oferecidas e dadas gratuitamente e
nós somos ordenados a recebê-las pela fé. Pecador, abrace essa
salvação. Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho,
a sua justiça, o seu Espírito e o reino dos céus (João 3:16; Romanos
5:17; 2 Coríntios 1:21-22; Lucas 12:32).
2. Ele também dá o arrependimento, a fé, uma consolação
eterna e uma boa esperança por meio de sua graça (Atos 5:30-31;
Filipenses 1:29; 2 Tessalonicenses 2:16).
3. Ele dá o perdão e continua a nos conceder sua graça para
nos impedir de afundar no inferno e, assim, temos mais graça do
que pecados, os quais, de outro modo, nos fariam afundar ali (Atos
5:31; Provérbios 3:34; João 4:6; 1 Pedro 5:5).
4. Ele fez todas essas coisas em nosso favor por meio de um
Pacto da Graça. Nós o chamamos de Pacto da Graça porque ele é
posto em oposição ao Pacto de Obras e porque ele foi estabelecido
conosco mediante as obras de Cristo, fundado em seu sangue,
estabelecido sobre melhores promessas feitas a ele e a nós por
intermédio dele: “Porque todas quantas promessas há de Deus, são
nele sim, e por ele o Amém, para glória de Deus por nós” (2
Coríntios 1:20).
Quem é o Homem a quem Deus Concede essa
Graça

Agora, a fim de dar mais alguns esclarecimentos,


consideremos quem é o homem a quem o Pai, o Filho e o Espírito
concedem essa graça:
1. Ele é um inimigo de Deus. Por natureza, ele é um inimigo
de Deus em seu entendimento. “Porquanto a inclinação da carne é
inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em
verdade, o pode ser” (Romanos 8:7; Colossenses 1:21).
2. Ele é um escravo do pecado. O estado do homem era tão
depravado que ele não somente estava persuadido a pecar
frequentemente contra Deus, mas bebia o pecado como água. E
essa corrupção residia em sua própria natureza, maculando todas
as faculdades da sua alma e membros do seu corpo. Portanto, ele
estava alienado de Deus e era um inimigo dele no seu próprio
coração. Era esse o estado do homem para quem o Senhor olhou
com graça (Jó 14:3) e então abriu seu coração e o encaminhou não
ao seu juízo, mas à sua misericórdia.
3. Ele está em aliança com a morte e com o pecado. Além
disso, o homem, pelo seu pecado, não somente se entregou para
ser um escravo do diabo, mas, ao continuar em seus pecados,
também afrontou a Deus, fez uma aliança com a morte e um acordo
com o inferno. E, depois de tudo isso, Deus ainda olhar com
misericórdia para esse homem e lhe conceder as riquezas da graça
é algo que deve nos deixar maravilhados (Isaías 28:16-18).
Veja onde foi que Deus encontrou os judeus quando olhou
para eles com misericórdia a fim de salvá-lo. Deus diz:
E, quanto ao teu nascimento, no dia em que nasceste não te
foi cortado o umbigo, nem foste lavada com água para te
limpar; nem tampouco foste esfregada com sal, nem envolta
em faixas. Não se apiedou de ti olho algum, para te fazer
alguma coisa disto, compadecendo-se de ti; antes foste
lançada em pleno campo, pelo nojo da tua pessoa, no dia em
que nasceste. E, passando eu junto de ti, vi-te a revolver-te
no teu sangue, e disse-te: Ainda que estejas no teu sangue,
vive; sim, disse-te: Ainda que estejas no teu sangue, vive. Eu
te fiz multiplicar como o renovo do campo, e cresceste, e te
engrandeces-te, e chegaste à grande formosura; avultaram
os sei-os, e cresceu o teu cabelo; mas estavas nua e
descoberta. E, passando eu junto de ti, vi-te, e eis que o teu
tempo era tempo de amores; e estendi sobre ti a aba do meu
manto, e cobri a tua nudez; e dei-te juramento, e entrei em
aliança contigo, diz o Senhor DEUS, e tu ficaste sendo minha
(Ezequiel 16:4-8).
Pecador, leia o restante do capítulo 16 de Ezequiel. Tudo ali
reflete a graça de Deus, cada palavra daquele capítulo cheira a
graça.
Como Deus Vem Até o Homem e Como o Homem
Vai Até Deus

Entretanto, antes de concluirmos esta parte, façamos as


seguintes observações: Como Deus vem até o homem e como o
homem, por sua vez, vai até a Deus por ocasião de sua conversão.
Como Deus Vem Até o Homem

Em primeiro lugar, como Deus vem até o homem. Deus vem


até o homem enquanto ele está em seus pecados e em seu sangue.
Deus vem até o homem nesse triste momento e não quando ele
está no auge de seu fervor e zelo, mas em suas horas de maior
frieza e apatia espiritual. Deus vem até ele em indizível doçura,
misericórdia, piedade e amor; e não para executar vingança, mas
ele vem com súplicas e mansamente roga ao pecador que se
reconcilie com ele (2 Coríntios 5:19-20).
Os homens esperam que aquele que comete uma ofensa seja
o primeiro a procurar a paz, porém, pecador, entre Deus e o homem
não é assim. Nós não amamos a Deus e nem o escolhemos, mas foi
“Deus” quem “estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não
lhes imputando os seus pecados”. Deus é o primeiro que busca a
paz. Ele pede que seus ministros que roguem e supliquem no lugar
de Cristo: “Como se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos, pois, da
parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus”. Ó pecador, você
não atenderá a esse chamado? Deus Pai e o seu Filho Jesus Cristo
estão ambos à porta do seu coração implorando que você se
reconcilie com eles e prometendo que, se você os atender, eles
perdoarão todos os seus pecados. Que maravilhosa graça!
Ver um príncipe implorar a um mendigo que receba uma
esmola seria algo estranho; ver um rei implorar a um traidor que
aceite a sua misericórdia seria uma visão ainda mais estranha; mas
ver Deus implorar a um pecador e ouvir Cristo dizer: “Estou à porta
e bato” de todo coração e com o céu cheio de graça para dar àquele
que abrir — é uma visão tão surpreendente que deslumbra os olhos
dos anjos. O que você diz agora, pecador? Esse Deus não é rico em
misericórdia? Ele não tem um grande amor pelos pecadores? Além
disso, para que você não tenha motivos para duvidar, está aqui
também a declaração que Deus fez sobre o seu Cristo: “Àquele que
não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que nele
fôssemos feitos justiça de Deus”. Se Deus tivesse que deixar de
fazer qualquer coisa, então a primeira coisa que ele teria deixado de
fazer seria entregar seu Filho para ser sacrificado; mas, livremente,
ele o “entregou por nós”, se ele fez isso, então “como nos não dará
também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32).
Mas isso não é tudo. Deus não apenas roga que você se
reconcilie com ele, mas, para seu encorajamento, ele lhe falou de
promessas muito grandes e preciosas, Deus “se interpôs com
juramento; para que por duas coisas imutáveis, nas quais é
impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os
que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta”
(Hebreus 6:18-19; Isaías 1:18, 55:6-7; Jeremias 51:5).
Como o Homem Vai Até Deus

Veremos agora como é que esses pecadores vão até Deus.


Iniciaremos pelo primeiro dia em que ele começa a lidar com as
suas almas até ao momento em que eles serão levados para o céu.
1. Geralmente Deus começa a tratar com os pecadores
quando lhes convence de seus pecados através de sua Palavra, e
então os pecadores começam a se comportar de modo estranho!
Eles odeiam ter suas consciências tocadas e não gostam de refletir
sobre o que têm sido, o que são no momento ou o que será deles
no futuro. Eles consideram que pensamentos como esses são
inapropriados, dolorosos e prejudiciais; por isso, Deus diz a respeito
deles: “Não quiseram escutar, deram-me o ombro rebelde e
ensurdeceram os seus ouvidos para que não ouvissem” (Zacarias
7:11). Eles se interessam por qualquer coisa que não seja a Palavra:
um bar, um bordel, uma casa de jogos, esportes, prazeres, sono, o
mundo — e tudo isso buscando evitar o poder da Palavra de Deus.
2. Quando Deus se aproxima deles e começa a conceder
convicção às suas consciências — embora essa convicção seja o
primeiro passo para a fé e o arrependimento e, consequentemente,
para a vida eterna — que tentativas eles fazem para esquecê-las e
se livrarem delas! E, embora, agora comecem a ver que precisam
ser transformados, ainda assim, passar a pensar em como evitarão
a conversão imediata. Eles usam como desculpa o fato de que
ainda são muito jovens para se converterem e tentam adiar a sua
conversão para dali a sete anos, quando forem mais velhos ou
quando estiverem em um leito de enfermidade. Como o homem é
inimigo de sua própria salvação! Estou persuadido de que muitas
vezes Deus visitou alguns de vocês com a sua Palavra e inflamou
suas consciências, e então vocês jogaram água sobre elas tão
depressa quanto ele, pela Palavra, lançava fogo.
Cristão, o que teria sido de você, se Deus tivesse aceitado a
sua negação como resposta e tivesse dito: “Então, levarei a palavra
da salvação a outro que a ouvirá”?
— Pecador, converta-se, Deus diz.
— Senhor, eu não consigo, diz o pecador.
— Converta-se ou você será condenado, Deus diz.
— Eu tentarei, diz o pecador.
— Converta-se e você será salvo, diz Deus.
— Eu não consigo deixar os meus deleites, diz o pecador,
meus pecados são muito prazerosos.
Quão grande graça há em Deus para ele que se importe com
o pecador! Como é grande a paciência divina para com um
miserável pecador! E se Deus dissesse agora: “Então, fique com os
seus pecados e com os seus prazeres, e que eles sejam a sua
porção e o único céu e felicidade que você conhecerá”?
3. Mas, Deus vem outra vez e mostra ao pecador a
necessidade de que ele se converta imediatamente, de uma vez por
todas. Ele faz com que o pecador fique tão intensamente convicto
disso, que já não consegue adiar sua conversão. Entretanto, o
pecador ainda tem uma centelha de inimizade contra Deus. E, caso
ele veja a necessidade de se converter agora, então ele deixará um
pecado por outro, os grandes pelos pequenos, os muitos pelos
poucos ou todos por um — e para por aí. E, talvez, suas convicções
nem o levem a fazer isso. Pois, então, ele se voltará da profanação
para a lei de Moisés e, assim, continuará enquanto Deus o deixar
apegado à bondade própria que ele supõe possuir. Ele se torna um
grande defensor do cumprimento da lei; agora, ele será um bom
vizinho, pagará a cada homem o que lhe é devido, abandonará seus
palavrões, o bar, os jogos e os seus prazeres carnais. Ele lerá,
orará, falará das Escrituras e será um homem muito envolvido com
a religião. Ele desejará agradar a Deus e corrigir todas as ofensas
que cometeu contra ele e, então, fará orações, promessas, votos e
muitas outras ações semelhantes, buscando persuadir a si mesmo
de que agora ele precisa ser justo para chegar até o céu e também
passa a imaginar que serve a Deus tanto quanto qualquer outro
homem o serve.
Porém, ele faz tudo isso enquanto permanece tão ignorante
de Cristo como o banco em que ele se senta e não está mais perto
do céu do que o fariseu cego; ele apenas chegará ao inferno mais
limpo do que o restante dos seus conhecidos. “Há uma geração que
é pura aos seus próprios olhos, mas que nunca foi lavada da sua
imundícia” (Provérbios 30:12).
Deus não poderia abandonar esse pecador e expulsá-lo de
diante da sua presença, não deveria entrega-lo a si mesmo, iludido
e caído em sua justiça própria, pelo fato de que ele “confia nela e
comete iniquidade”?[3] Mas a graça sustentadora preserva esse
pecador. É verdade, como eu já disse, que essa conversão do
pecador ainda é uma “conversão” sem Cristo; mas,
4. Deus ainda continuará lidando com esse pecador em sua
misericórdia e lhe mostrará a insuficiência de suas obras, a nulidade
da observância de seus deveres e a imundícia da sua justiça (Isaías
28:20, 64:6). Digo isso a respeito do pecador cuja salvação da alma
é graciosamente pretendida e operada por Deus; pois ele precisará
ser despojado de tudo diante da luz do Evangelho.
Tal pecador verá a vaidade de tudo e verá também que a
justiça pessoal de Jesus Cristo é a única que foi designada por
Deus para salvar o pecador da condenação que ele merecia por
seus pecados. Mas o pecador, ao ver e sentir a sua própria
nulidade, cai em uma espécie de desespero; pois embora ele
possua uma opinião tão boa sobre si mesmo a ponto de presumir
ilusoriamente que é salvo, contudo, ele não possui uma boa opinião
sobre a graça de Deus manifesta na justiça de Cristo e, portanto, ele
conclui que, se a salvação é somente pela graça de Deus e pela
justiça de Cristo, e se toda a justiça de um homem é totalmente
rejeitada no que diz respeito à justificação de sua pessoa diante
Deus, então ele está rejeitado.
O motivo desse quebrantamento de coração é a visão que
Deus lhe deu — uma visão da imundícia de seu melhor
desempenho. A percepção anterior das suas imoralidades o
angustiou de alguma forma e o fez se dedicar à prática de boas
obras para aliviar a sua consciência — a sua motivação para isso
estava nele mesmo e ele se apegava a isso. Mas Deus o faz cair e
agora ele vê que mesmo as suas melhores obras evaporam como o
orvalho da manhã, ou voam como um pássaro, ou são como o joio
que, ao ser peneirado, é lançado fora pelo vento e como a fumaça
que se desfaz após sair de uma chaminé (Oséias 9:11, 13:3). Além
disso, essa revelação da inutilidade da sua justiça própria também
traz consigo mais uma descoberta da maldade do seu coração, de
suas hipocrisias, de seu orgulho, de sua incredulidade, da sua
dureza, de que ele está morto e em desacordo com todo o
Evangelho e com a obediência requerida na Nova Aliança, os quais
passam a ser considerados por ele como grandes pedras sobre os
seus ombros que o afundam ainda mais em dúvidas e temores de
condenação.
Ordene-o agora a receber a Cristo e ele responde que não
pode, ele não ousa. Pergunte-lhe por que não pode, ele responderá
que não tem fé e nem esperança em seu coração. Diga-lhe que a
graça é oferecida livremente e ele dirá que seu coração não pode
recebê-la. Além disso, ele não encontra, como pensa, qualquer
disposição graciosa em sua alma e, portanto, conclui que não é um
participante da misericórdia de Deus nem do sangue de Cristo e,
assim, não ousa crer. Por isso, como eu disse, seu coração afunda,
ele morre em seus pensamentos, duvida, se desespera e conclui
que nunca será salvo.
5. Mas o Deus de toda a graça não o deixa nessa angústia, ao
contrário, agora ele se aproxima dele mais do que nunca e envia-lhe
o Espírito de adoção, o bendito Consolador, para lhe dizer: “Deus é
amor” e, por isso, não rejeita os quebrantados de coração. O
Espírito Santo pede que ele clame e ore por uma evidência da
misericórdia de Deus para com a sua alma, ele diz: “Porventura,
você será guardado no dia da ira do Senhor”. Assim, o pecador
recebe algum encorajamento, mas não pode obter mais do que
aquilo que tende a uma mera probabilidade, a qual é completamente
destruída pela próxima dúvida que surge em seu coração. Então a
alma é deixada novamente em seu estado anterior ou em pior
sofrimento, ela se queixa e se lamenta acerca de sua miserabilidade
e é atormentada com mil temores da morte, pois ela não ouve uma
palavra do céu, talvez, por muitas semanas seguidas. Por
conseguinte, a incredulidade começa a operar e remove o espírito
de oração e a inclinação para ouvir a Palavra. O Diabo se alegra
com isso e diz que todas as orações que ela fez, todos os sermões
que ouviu, todos os livros que leu e todas as companhias piedosas
que teve, finalmente, se levantarão em julgamento contra a alma e,
consequentemente, ela está condenada e já pode começar a
escolher um lugar no inferno.
A alma, assim desanimada, pensa em fazer o que lhe foi
ensinado e com pensamentos pavorosos começa a desfalecer
quando ora ou ouve a Palavra. Porém, quando toda a esperança
parece ter desaparecido e a alma conclui que morrerá e então será
condenada, de repente, o Espírito de Deus vem novamente e lhe
comunica uma boa palavra de Deus que a alma jamais havia
pensado anteriormente, uma palavra de Deus que tranquiliza a
alma, faz com que a incredulidade seja dissipada, encoraja a
esperança em Deus novamente. Talvez o Espírito conceda à alma
alguma visão de Cristo e da sua obra bendita em favor dos
pecadores. Porém, assim que as coisas dessa vida começam a
preocupar o seu coração, o pecador cede à incredulidade, questiona
a misericórdia de Deus e, novamente, teme ser condenado. Ele
também alimenta pensamentos severos sobre Deus e sobre Cristo,
passa a pensar que os encorajamentos passados foram ilusões ou
meros delírios. E por que agora Deus não lança esse pecador no
inferno por abusar assim da sua misericórdia e de sua graça? Não!
“Ele terá misericórdia de quem tiver misericórdia e terá compaixão
de quem tiver compaixão”, por isso, “bondade e misericórdia o
seguirão todos os dias da sua vida, para que habite na casa do
Senhor para sempre” (Salmos 23:6).
6. Depois de todas essas provocações, Deus vem até a alma
novamente, através de seu Espírito, e concede a graça que põe um
selo sobre ela e comunica o perdão para a consciência, ele
testemunha que os seus pecados estão perdoados gratuitamente
por causa do sangue de Cristo. E agora o pecador tem uma tal visão
da graça de Deus em Cristo que amavelmente derrete o seu
coração de com tanta alegria e consolo; agora a alma sabe o que é
se deleitar com as promessas; sabe também o que é comer e beber
a carne e o sangue de Jesus Cristo pela fé; ela é levada pelo poder
da graça de Deus a cair de joelhos e a agradecer a Deus pelo
perdão dos pecados e pela esperança de uma herança entre os que
são santificados pela fé que há em Cristo Jesus. Agora, ela desfruta
de calma e dos raios do sol; esta graça “lava os seus passos na
manteiga e da rocha lhe correm ribeiros de azeite” (Jó 29:6).
7. Porém, depois disso, talvez a alma volte a se esfriar, a
esquecer da graça que recebeu e venha a se tornar carnal e a se
inclinar novamente para o mundo; talvez ela venha a perder o
desejo e o deleite pelas coisas celestiais, entristeça o Espírito de
Deus e então retroceda lamentavelmente, abandone completamente
seus deveres ou então passe a praticar esses deveres por mera
formalidade e, por causa de tudo isso, torne-se uma vergonha para
o Evangelho, entristeça o coração dos que estão despertados e
profane o nome de Deus etc.
Mas o que Deus fará agora? Ele aproveitará essa
oportunidade para destruir o pecador? Não. Ele o deixará em paz
em sua apostasia? Não. Ele o entregará a si mesmo para que ele se
levante pela força de suas próprias graças agora enfraquecidas?
Não. Então o que Deus fará? Ora, ele buscará esse homem até o
encontrar, o tomará para si e o trará de volta para casa: “Porque
assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu, eu mesmo, procurarei pelas
minhas ovelhas, e as buscarei... Como o pastor busca o seu
rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas dispersas,
assim buscarei as minhas ovelhas; e livrá-las-ei de todos os lugares
por onde andam espalhadas... A perdida buscarei, e a desgarrada
tornarei a trazer, e a quebrada ligarei, e a enferma fortalecerei...”
(Ezequiel 34:11-16). Foi assim que Deus tratou o homem que
desceu de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de salteadores; e
também foi assim que ele lidou com o filho pródigo (Lucas 10:30-35;
15:20).
Não falarei detalhadamente sobre o modo como geralmente
Deus busca os desviados, a saber, se ele sempre faz com que
sintam como se seus ossos estivessem quebrados, como fez com
Davi; ou se ele fará com que vivam o resto de seus dias sob o peso
da culpa e, por causa disso, andem em trevas; ou se ele os matará
agora para que não sejam condenados no futuro, no dia do juízo,
como ele fez com os coríntios (1 Coríntios 11:30-32). Deus é sábio e
pode tornar amargas as coisas que o desviado ama. Ele pode fazer
com que eles sintam como se seus ossos estivessem quebrados e
então salvá-los; pode colocá-los no abismo mais profundo e escuro
e então salvá-los; pode matá-los nesta vida e ainda salvá-los. E
assim, novamente, a maravilhosa graça de Deus é manifestada, a
saber, que “Israel não é abandonado, nem Judá do seu Deus,
embora a sua terra tenha sido cheia de pecado contra o Santo de
Israel” (Jeremias 51:5).
8. Mas suponhamos que Deus não lide de nenhuma dessas
maneiras com o desviado, mas que o ilumine novamente e confirme
a remissão dos seus pecados uma segunda vez, dizendo: “Eu
sararei a sua infidelidade, eu voluntariamente os amarei”, o que a
alma fará agora? Certamente caminhará em humildade e santidade
em todos os seus dias e nunca mais voltará a se desviar? Isso pode
ou não acontecer. Ela não retrocederá enquanto o seu Deus a
guardar, pois embora os seus pecados sejam devidos a si mesma, a
sua permanência em pé vem de Deus bem como a sua restauração,
caso caia. Portanto, se Deus deixar o homem por um instante, ele
logo cairá novamente. Deus diz: “Porque o meu povo é inclinado a
desviar-se de mim”. Quantas vezes Davi se desviou assim como
Jeosafá e Pedro! (2 Samuel 11:24; 2 Crônicas 19:1-3, 20:1-5;
Mateus 26:69-71; Gálatas 2:11-13). Como está escrito: “Ora, tu te
prostituíste com muitos amantes; mas ainda assim, torna para mim,
diz o SENHOR” (Jeremias 3:1). Aqui está a graça! Quantas vezes a
alma retrocede, tais são as vezes que Deus a traz de novo — digo
isso a respeito da alma que será salva pela graça. Deus renova os
seus perdões e os multiplica. “Eis que tudo isto é obra de Deus,
duas e três vezes para com o homem” (Jó 33:29).
9. Entretanto, veja ainda mais graça. Falarei sobre as
vagueações do coração e sobre os erros diários. Refiro-me àquelas
fraquezas comuns que ocorrem até mesmo no melhor dos santos e
que estão presentes em suas melhores obras. Não que eu pretenda,
pois não posso, mencionar cada uma delas, isso seria uma tarefa
impossível. Os cristãos transgridem muitas vezes por incorrer em
pensamentos mundanos, impuros e vis sobre Deus, sobre Cristo e
sobre o Espírito bem como sobre a Palavra, os caminhos e as
ordenanças de Deus. Não posso afirmar com certeza, mas esses
erros podem ocorrer centenas de vezes por dia. Até onde sei, há
alguns santos que, antes de entrarem na vida, viveram o bastante
para precisarem de milhões de perdões de Deus por falhas como
essas. E todo perdão é um ato da graça realizado através da
redenção que há no sangue de Cristo.
Há dias em que pecamos contra o nosso irmão setenta vezes
sete, mas quantas vezes pecamos contra Deus hoje? Senhor, “quem
pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são
ocultos”, disse Davi. E também: “Se tu, Senhor, observares as
iniquidades, Senhor, quem subsistirá? Mas contigo está o perdão,
para que sejas temido” (Mateus 18:21-22; Salmos 19:12, 130:3-4).
Embora eu não possa descrever cada um desses maus
pensamentos, contudo mencionarei alguns deles. Às vezes, ele
questionam a própria existência de Deus ou insensatamente
cogitam sobre como ele veio a existir inicialmente; outras vezes,
questionam a verdade da sua Palavra e suspeitam da harmonia dela
porque seus corações cegos e suas cabeças estúpidas não
conseguem reconciliar algumas partes dela, assim, todas as
verdades fundamentais são, por vezes, passíveis de sua descrença
e ateísmo. Chegam a pensar se realmente existe alguém como
Cristo, algo como o dia do juízo ou se haverá um céu ou inferno — e
Deus perdoa tudo isso por sua graça. Mesmo que creiam nessas
coisas, eles ainda pecam por não terem pensamentos reverentes,
elevados e santos sobre elas, como deveriam. Eles pecam também
por terem pensamentos bons demais sobre si mesmos, sobre o
pecado e sobre o mundo. Permita-me dizer que muitas vezes
flertam com um pecado conhecido e não lamentam como deveriam
a respeito das fraquezas da carne. Muitas vezes, eles não se
arrependem das inclinações para a vaidade que encontram em seus
corações. Não direi que não se arrependem de modo algum, mas
que, quando o fazem, é de modo superficial. Ah, quantas vezes
Deus perdoa todas essas coisas através das riquezas da sua graça!
Eles pecam por não andarem de modo correspondente às
misericórdias recebidas. Eles são falhos em seus agradecimentos a
Deus por elas, mesmo quando sinceramente reconhecem quão
indignos são de recebê-las. Além disso, quão pouco da força que
Deus lhes deu é gasta para o louvor dele — porém, de todos esses
pecados, eles são salvos pela graça. Eles pecam em seu
desempenho mais zeloso e espiritual dos deveres; eles não oram,
não ouvem, não leem, não ofertam, não vêm à mesa do Senhor ou
observam outros santos compromissos de Deus, senão com muita
frieza, indiferença, distração, ignorância etc. Eles se esquecem de
Deus mesmo enquanto oram a ele; se esquecem de Cristo mesmo
enquanto estão à sua mesa; e se esquecem da sua Palavra mesmo
enquanto a leem.
Quantas vezes eles fazem promessas a Deus e depois as
quebram! Sim, ou se eles mantêm as promessas exteriormente, o
seu coração se enfurece ao cumpri-las. Como eles se esquivam da
cruz e não estão dispostos a entregar o pouco que têm pela causa
Deus, embora tudo o que lhes foi dado seja para glorificá-lo.
Todas estas coisas, e mil outras, habitam na carne do homem
e podem, a qualquer momento, se manifestar neles por meio de
muitas corrupções, pois é muito mais fácil para eles cortar sua
própria carne do que controlar esses impulsos do pecado que habita
neles. Essas corrupções e impulsos do pecado estão presentes em
todos os seus deveres — em uns mais do que em outros — e em
todas as suas ações à medida em que olham, pensam, ouvem ou
falam. E esses males estão presentes especialmente quando o
homem pretende fazer o bem, como Paulo diz: “Quando quero fazer
o bem, o mal está comigo”. E o próprio Deus se queixa que “toda a
imaginação dos pensamentos de seu coração era só má” e isso
“continuamente” (Romanos 7:21; Gênesis 6:5).
Logo, nos contaminamos continuamente com essas coisas em
cada uma de nossas ações — digo isso considerando o julgamento
da lei — misturando a iniquidade até mesmo com aquelas coisas
que santificamos ao Senhor: “Porque do interior do coração dos
homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações,
os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a
dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes
males procedem de dentro e contaminam o homem” (Marcos 7:21-
23). Ora, o que pode livrar a alma dessas coisas senão a graça?
“Pela graça sois salvos”.
Pergunta 5

Por que Deus Escolheu Salvar pela


Graça em Vez de por Qualquer Outro
Meio?
Qual a razão que levou Deus a determinar e escolher salvar pela
graça em vez de por qualquer outro meio?
Em primeiro lugar. Visto que há pecado no mundo, Deus nos
salva pela graça porque não pode nos salvar de outra forma. O
pecado e a transgressão não podem ser removidos, senão pela
graça de Deus por meio de Cristo. O pecado é a transgressão da lei
de Deus, que é perfeitamente justa. A justiça infinita não pode ser
satisfeita com a recompensa que o homem possa fazer, pois, se
pudesse, o próprio Cristo Jesus não precisaria ter morrido. Além
disso, quando o homem pecou e se corrompeu, todos os seus atos
passaram a ser os de um homem imundo; pior ainda, os seus
melhores atos também são contaminados por suas mãos, logo,
esses atos não podem ser uma recompensa pelo pecado. Afirmar
que Deus salva o homem contaminado por causa do desempenho
contaminado de seus deveres — pois assim o são todas obras das
suas mãos — é o mesmo que dizer que Deus aceita um ato
pecaminoso como recompensa e satisfação por outro (Ageu 2:14).
Mas Deus sempre declarou como ele abomina os sacrifícios
imperfeitos, portanto de modo algum podemos ser salvos do
pecado, senão pela graça (Romanos 3:24).
Em segundo lugar. Afirmar que podemos ser salvos por
qualquer outro meio que não seja pela graça de Deus é ir contra a
sua sabedoria e prudência, as quais são grandemente manifestadas
para com aqueles que ele salvou pela graça (Efésios 1:5-8). Sua
sabedoria e sua prudência não descobriram outro meio para nos
salvar, portanto, ele escolhe nos salvar pela graça.
Em terceiro lugar. Nós devemos ser salvos pela graça, pois de
outro modo Deus seria mutável em seus decretos, visto que ele
determinou que seríamos salvos pela graça antes da fundação do
mundo. Portanto ele não nos salva nem escolhe nos salvar por
qualquer outro modo, a não ser pela graça (Efésios 1:3-4, 3:8-11;
Romanos 9:23).
Em quarto lugar. Se o homem fosse salvo por qualquer outro
meio que não pela graça, Deus seria frustrado em seu desígnio de
destruir a arrogância da criatura; porém, esse propósito divino não
pode ser frustrado ou impedido, portanto, ele não salvará o homem
por nenhum outro meio que não seja pela graça. Ele planejou que
nenhuma carne se glorie em sua presença e, por isso, ele rejeita as
obras das criaturas. “Não vem das obras, para que ninguém se
glorie”. “Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das
obras? Não; mas pela lei da fé” (Efésios 2:8-9; Romanos 3:24-28).
Em quinto lugar. Deus ordenou que sejamos salvos pela graça
para que ele tenha o louvor e a glória da nossa salvação e para que
sejamos “o louvor da glória da sua graça, na qual ele nos fez
agradáveis a si no Amado” (Efésios 1:6). Deus não perderá o seu
louvor nem dará sua glória a outro, por isso, Deus escolhe salvar os
pecadores somente pela sua graça.
Em sexto lugar. Deus determinou e escolhe nos salvar pela
graça, pois, mesmo que houvesse outro meio para isso, a graça
ainda seria o meio mais seguro e o que mais daria segurança à
alma. “Portanto, é pela fé para que seja segundo a graça, a fim de
que a promessa[4] seja firme a toda a posteridade” (Romanos 4:16).
Nenhum outro meio seria firme. Isso é evidente em Adão, nos
judeus, e nos anjos caídos, pois eles deixados a caminhar em outro
caminho que não o da graça e vemos claramente o que aconteceu
com eles em tão pouco tempo.
Ser salvo pela graça supõe que Deus tomou a salvação das
nossas almas em suas próprias mãos e se responsabilizou
pessoalmente por isso. Tenha certeza de que a nossa salvação está
mais segura nas mãos de Deus do que nas nossas. Por isso a
salvação é chamada de a salvação do Senhor, a salvação de Deus
e a salvação que pertence a Deus.
Quando a nossa salvação está nas mãos de Deus, ele mesmo
está empenhado em realizá-la para nós.
1. A misericórdia de Deus está comprometida em nosso favor
(Romanos 9:15).
2. A sabedoria de Deus está comprometida conosco (Efésios
1:7-8).
3. O poder de Deus está comprometido conosco (1 Pedro 1:3-
5).
4. A justiça de Deus está comprometida conosco (Romanos
3:24-25).
5. A santidade de Deus está comprometida conosco (Salmos
89:30-35).
6. O cuidado de Deus está comprometido conosco e o seu
olhar vigilante está continuamente sobre nós para nos fazer bem (1
Pedro 5:7; Isaías 27:1-3).
A graça pode nos conduzir ao favor de Deus mesmo quando
estamos em nosso sangue (Ezequiel 16:7-8). A graça pode nos
tornar filhos de Deus, mesmo que por natureza sejamos inimigos de
Deus (Romanos 9:25-26). A graça pode transformar em povo de
Deus aqueles que não eram assim (1 Pedro 2:9-10). A graça não
confiará a nossa salvação às nossas próprias mãos: “Eis que ele
não confia nos seus santos” (Jó 15:15). A graça pode perdoar a
nossa impiedade, pode nos justificar com a justiça de Cristo, pode
colocar o espírito de Jesus Cristo em nós, pode nos ajudar a
levantar quando caímos, pode nos sarar quando estamos feridos,
pode multiplicar os perdões tanto quanto nós, pela nossa fraqueza,
multiplicamos as transgressões.
A graça e a misericórdia são eternas. Elas estão firmes para
sempre. São o deleite de Deus. Elas se alegram contra a
condenação. E, portanto, esse é o modo mais seguro e firme de
salvação e, por isso, Deus escolheu nos salvar pela sua graça e
misericórdia ao invés de por qualquer outro modo (Isaías 43:25;
Romanos 3:24-25; Isaías 44:2, 4; Salmos 37:23; Lucas 10:33-34;
Isaías 55:7-8; Salmos 136, 89:2; Malaquias 3:18; Tiago 2:13).
Em sétimo lugar. Devemos ser salvos pela graça de Deus,
caso contrário ele não cumpriria a sua vontade. Os que são salvos
são predestinados “para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si
mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da
glória de sua graça” (Efésios 1:5,6).
1. Mas se é da sua vontade que os homens sejam salvos pela
graça, então pensar em outro modo é ir contra a vontade de Deus.
Portanto, aqueles que buscam estabelecer a sua justiça própria
incorrem em rebeldia e insubmissão contra a justiça de Deus, ou
seja, eles se opõem à justiça que ele quis que fosse o único meio
através do qual somos salvos pela graça (Romanos 10:3).
2. Se é da vontade de Deus que os homens sejam salvos pela
graça, então é a sua vontade que os homens sejam salvos pela fé
no Cristo que é o meio pelo qual a graça é comunicada a nós,
portanto, aqueles que buscaram ser justificados de outro modo
falharam e pereceram sem a salvação que Deus pela sua graça dá
aos homens (Romanos 9:31-33).
3. Deus não anula a fé e a promessa de modo algum;
portanto, portanto aquilo que provém da justiça da lei é excluído:
“Porque, se a herança provém da lei, já não provém da promessa;
mas Deus pela promessa a deu gratuitamente a Abraão” (Romanos
4:14; Gálatas 3:18).
4. Deus não deseja que os homens sejam salvos por suas
próprias capacidades naturais. Mas todas as obras da lei que os
homens fazem a fim de serem salvos por elas são obras
provenientes das capacidades naturais dos homens e, são,
portanto, chamadas de obra da carne, e Deus não deseja que os
homens sejam salvos por elas de maneira alguma, mas somente
pela sua graça (Romanos 4:1; Gálatas 3:1-3; Filipenses 3:3).
Em oitavo lugar. Nós devemos ser salvos pela graça, ou então
os principais pilares e fundamentos da salvação não apenas são
abalados, mas destruídos, a saber, a eleição, a Nova Aliança, Cristo
e a glória de Deus, contudo, esses jamais serão abalados, portanto,
nós devemos ser salvos pela graça.
1. Quanto eleição, realizada pela graça divina em favor dos
homens, Deus a propôs como algo seguro e certo; portanto os
homens devem ser salvos em virtude da eleição da graça (Romanos
9:11; 2 Timóteo 2:19).
2. O Pacto da Graça permanecerá firme: “Irmãos, como
homem falo; se a aliança de um homem for confirmada,[5] ninguém a
anula nem a acrescenta”, logo, o homem deve ser salvo em virtude
do Pacto da Graça (Gálatas 3:15).
3. Cristo, que é o dom da graça de Deus para o mundo,
permanecerá firme, porque ele é um fundamento seguro, “o mesmo
ontem, hoje e para sempre”. Portanto, os homens devem ser salvos
pela graça através da redenção que há em Cristo Jesus (Isaías
28:16; Hebreus 13:8).
4. A glória de Deus também deve permanecer, a saber, a
glória da sua graça, pois ele não a dará a outrem e, portanto, os
homens deverão ser salvos da ira vindoura a fim de que, através da
salvação deles, a glória da graça de Deus seja louvada.
Em nono lugar. Não pode haver mais do que uma vontade que
determine nossa salvação, e essa nunca será a vontade do homem,
mas a de Deus. Portanto, o homem deve ser salvo pela graça (João
1:13; Romanos 9:16).
Em décimo lugar. Só pode haver uma única justiça que
salvará o pecador, e essa nunca será a justiça dos homens, mas a
de Cristo. Portanto, os homens devem ser salvos pela graça de
Cristo, que imputa a sua justiça a quem ele quer.
Em décimo primeiro lugar. Só pode haver um pacto pelo qual
os homens devem ser salvos, e esse nunca será o Pacto da Lei,
devido à fraqueza e inutilidade dele. Portanto, os homens devem ser
salvos pelo Pacto da Graça, através do qual Deus será
misericordioso para com as nossas injustiças e dos nossos pecados
e iniquidades não se lembrará mais (Hebreus 8:6-13).
Aplicações e Conclusão
A Primeira Aplicação

Implicações da Salvação pela Graça

Em primeiro lugar. A salvação do pecador é pela graça de Deus?


Então aqui você vê a razão pela qual Deus não leva em
consideração as virtudes pessoais dos homens que Deus os traz
para a glória. Eu disse “virtudes pessoais”? Como eles podem ter
quaisquer virtudes pessoais sendo inimigos de Deus por suas más
obras? Na verdade, quando comparados uns com os outros, os
homens parecem melhores do que outros, por natureza, mas diante
de Deus eles são todos iguais — mortos em ofensas e pecados.
Os homens são salvos pela graça? Então aqui você vê o que
causa a conversão pelos filhos dos homens, pois nenhum se
converte pelas suas boas obras e nem é rejeitado pelas suas más
obras, entretanto muitos são convertidos a Deus conforme a graça
se agrada em trazê-los.
1. Ninguém é aceito pelas suas boas obras, pois, se assim
fosse, não seriam salvos pela graça, mas pelas obras. No que diz
respeito à causa da salvação, obras e graça são opostas uma à
outra, como já tenho mostrado. Se alguém é salvo pelas obras,
então não o é pela graça; se é pela graça, então não o é pelas
obras (Romanos 11). É evidente que ninguém é recebido por Deus
devido às suas boas obras e isso não apenas porque Deus declara
o seu repúdio à suposição de tal coisa, mas também porque ele tem
rejeitado as pessoas que, em qualquer momento, tentaram ser
justificadas e aceitas por ele com base em suas próprias boas
obras.
2. Os homens não são rejeitados pelas suas más ações. Isso
é evidente pelo caso de Manassés, dos assassinos do nosso
Senhor Jesus Cristo, dos homens sobre quem lemos em Atos 19 e
de muitos outros cujos pecados eram tão terríveis quanto os
pecados do pior dos homens (2 Crônicas 33:2, 13; Atos 2:23, 41;
19:19).
No que se refere à salvação de um pecador, a graça diz
respeito principalmente ao propósito de Deus. Portanto, a graça
justifica livremente através da redenção que há em Jesus Cristo
todos aqueles em quem ela opera. Ao ouvir a notícia que Saulo
havia se convertido, Ananias de Damasco trouxe ao Senhor Jesus
Cristo uma terrível acusação contra ele: “Senhor, a muitos ouvi
acerca deste homem, quantos males tem feito aos teus santos em
Jerusalém; e aqui tem poder dos principais dos sacerdotes para
prender a todos os que invocam o teu nome”. Mas o que lhe disse o
Senhor? “Vai, porque este é para mim um vaso escolhido” (Atos
9:13-15). A crueldade e as ofensas desse homem não impediram a
sua conversão porque ele era um vaso escolhido. As boas obras
dos homens não servem como argumentos para que Deus os
converta e nem as más obras dos homens são argumentos diante
dele para rejeitá-los, pois aqueles que vêm a Cristo são trazidos a
ele pelo Pai — é o Pai que nos leva a Cristo, e não as nossas obras,
sejam elas boas ou más. Além disso, Cristo também disse: “De
modo algum os lançarei fora” (João 6:37-44).
Em segundo lugar. A salvação do pecador é pela graça de
Deus? Então aqui você vê a razão pela qual alguns pecadores que,
por natureza, eram assustadoramente avessos à conversão são
levados a curvarem-se diante do Deus da sua salvação. A graça os
leva a agir assim porque ela os destinou exatamente para isso. Por
isso alguns dos gentios foram separados dentre os demais, isto é,
Deus lhes concedeu o arrependimento para a vida porque os havia
escolhido tanto por eleição como por chamado, por amor do nome
dele (Atos 11:18, 15:14). Assim, esses homens pagãos se tornaram
o povo de Deus. Eles não eram amados pelas suas obras, mas
foram amados pela graça de Deus: “Chamarei meu povo ao que não
era meu povo; e amada à que não era amada”.
Mas se as mentes deles são contrárias a Deus e a sua própria
conversão, ainda assim eles serão o povo em quem Deus
engrandecerá as riquezas da sua graça? Sim, pois no dia
determinado Deus exercerá seu poder e eles serão dispostos e
capazes de crer pela graça (Salmos 110:3; Romanos 9:25; Atos
18:27). Entretanto, será que a culpa e o fardo do pecado os mantêm
caídos a ponto de que eles não possam de forma alguma se
levantar? Não, pois Deus, pela sobreexcelente grandeza do seu
poder que manifestou em Cristo ao ressuscitá-lo dentre os mortos,
agirá em suas almas pelo Espírito da graça para fazê-los crer e
andar em seus caminhos (Efésios 1:18-20).
Paulo nos diz, na epístola aos Coríntios: “Pela graça de Deus
eu sou o que sou e a sua graça que me foi concedida não foi em
vão” (1 Coríntios 15:10). Este homem sempre guardava em sua
mente uma recordação viva do que ele havia sido por natureza e
também como ele havia praticado atos malignos. Além disso, Paulo
realmente concluiu em sua própria alma que se Deus não tivesse,
por sua graça inexplicável, posto um fim aos seus procedimentos
perversos, ele teria morrido em sua maldade. Por isso, ele atribui o
seu chamado e conversão à graça de Deus: “Mas, quando aprouve
a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me
chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim...” (Gálatas 1:15-
16). Ele também atribui à graça de Deus o seu chamado ao
apostolado, pois foi a graça que o converteu e concedeu dons e
autoridade para que pudesse ser um apóstolo e pregador do
Evangelho da graça de Deus.
Esse homem abençoado atribui tudo à graça de Deus.
1. Ele atribui o seu chamado à graça de Deus.
2. Ele atribui o seu apostolado à graça de Deus.
3. E todo o seu trabalho nesse chamado ele também atribui à
graça de Deus.
Deus escolheu salvar pela graça desde o princípio.
1. Noé achou graça diante do Senhor e, assim, foi convertido
e preservado do dilúvio (Gênesis 6:8).
2. Abraão achou graça diante do Senhor e, por isso, foi
chamado para fora da sua terra (Gênesis 12:1-2).
3. Moisés achou graça diante do Senhor e, portanto, ele não
foi riscado do livro de Deus (Êxodo 33.12, 17).
Não podemos imaginar que esses homens eram melhores do
que outros antes que a graça os alcançasse; pois, se assim fosse,
eles não teriam sido salvos pela graça e a graça não teria a primazia
e a glória na salvação deles. Mas, como Paulo diz sobre si mesmo e
sobre aqueles seus contemporâneos que também foram salvos pela
graça: “Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira
nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como
gregos, todos estão debaixo do pecado” (Romanos 3:9). O mesmo
pode ser dito a respeito daqueles que foram abençoados com a
salvação pela graça; pois isso é verdade com relação a todos os
homens em geral, com exceção somente de Jesus Cristo.
Em terceiro lugar. A salvação do pecador é pela graça de
Deus? Então, aqui você pode ver a razão pela qual um desviado
pode ser restaurado enquanto outro é deixado a perecer em sua
apostasia.
Houve graça para Ló, mas nenhuma para sua esposa; por
isso ela foi deixada em sua transgressão, mas Ló foi salvo. Houve
graça para Jacó, mas nenhuma para Esaú; por isso Esaú
permaneceu em sua apostasia, mas Jacó encontrou misericórdia.
Houve graça para Davi, mas nenhuma para Saul; por isso Davi
obteve misericórdia enquanto Saul pereceu em sua apostasia.
Houve graça para Pedro, mas nenhuma para Judas; por isso Judas
pereceu na sua apostasia enquanto Pedro foi salvo do seu pecado.
Esse texto não é bom para nenhum outro, senão para aqueles que
são eleitos pela graça: “Porque o pecado não terá domínio sobre
vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”
(Romanos 6:14).
Alguém pode dizer que um encontrou graça e o outro não,
porque um se arrependeu, mas o outro não. Bem, mas quem
concedeu o arrependimento para aquele que se arrependeu? O
Senhor se voltou e olhou para Pedro; ele não se voltou e olhou para
Judas. O Senhor disse a Pedro, antes de sua queda, que ele o
seguiria para o reino dos céus, e também avisou que ele o negaria;
entretanto Jesus também disse a Pedro que seu coração não
deveria se turbar, ou seja, desanimar totalmente, porque ele iria e
prepararia um lugar para ele e, então, voltaria e o levaria para si
mesmo (João 13:36-38, 14:1-3). Quão bendita é esta passagem da
Palavra de Deus: “Os passos de um homem bom são confirmados
pelo Senhor, e deleita-se no seu caminho. Ainda que caia, não ficará
prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão” (Salmos 37:23-
24).
A Segunda Aplicação

Consolo para Cristãos que Lutam Contra o


Pecado

A minha segunda aplicação é para aqueles que estão


desfalecendo em suas almas por perceberem a malignidade de
seus pecados.
Em primeiro lugar. Eles são salvos pela graça? Então, para
que possam acalmar a sua consciência culpada eles devem estudar
a doutrina da graça.
O grande propósito de Satanás é manter o pecador insensível
quanto aos seus pecados, e se Deus o faz sensível a eles, então
Satanás tenta ocultar e tirar de seus pensamentos a doce doutrina
da graça de Deus, que é a única cura para a consciência, pois “uma
eterna consolação e boa esperança” é dada “em graça” (1
Tessalonicenses 2:16). Então, como a consciência sobrecarregada
do pecador terá boas razões para se acalmar se ele não perceber a
graça de Deus?
Portanto, você deve estudar a doutrina da graça de Deus.
Suponha que você tenha uma doença que não pode ser curada,
exceto por determinados medicamentos. Nesse caso, o primeiro
passo para a sua cura é conhecer esses medicamentos. Estou certo
de que isso é verdade quanto ao caso em questão; o primeiro passo
para a cura de uma consciência ferida é conhecer a graça de Deus
que, especialmente, nos justifica e salva da maldição.
Um homem quando tem a sua consciência ferida inclina-se
naturalmente para as obras da lei e pensa que Deus deve ser
satisfeito por algo que o homem deve fazer, enquanto a Palavra diz:
“Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os
justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9:13).
Por isso, você deve estudar a graça de Deus. O apóstolo diz:
“Bom é que o coração se fortifique com graça”; indicando assim que
não há verdadeira firmeza na alma a não ser pelo conhecimento da
graça de Deus (Hebreus 13:9).
Eu afirmei que um homem, quando tem a sua consciência
ferida, inclina-se naturalmente para as obras da lei e que é por isso
que você deve ter muito cuidado para estudar a graça de Deus.
Estudá-la com esmero e não somente de forma teórica, mas
também de forma prática, a fim de distingui-la da lei: “Porque a lei foi
dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”
(João 1:17). Além de estudar a graça para aprender a distingui-la da
lei, você deve estudá-la para aprender a distingui-la daquelas coisas
que os homens, blasfemando, chamam de graça de Deus.
Há muitas coisas que os homens chamam de graça de Deus,
mas que, de fato, não o são.
1. A luz e o conhecimento que existem em cada homem.
2. A vontade natural que há no homem de ser salvo.
3. A capacidade natural que há no homem para fazer algo,
segundo suas próprias imaginações, com o objetivo de salvar-se.
Cito apenas essas três coisas, porém há muitas outras que
alguns chamarão de graça de Deus. Entretanto, lembre-se que a
graça de Deus é a sua boa vontade e seu grande amor pelos
pecadores em seu Filho Jesus Cristo; em cuja boa “vontade temos
sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma
vez” (Hebreus 10:10).
Quando você sentir o perfume da graça de Deus e conseguir
distingui-la daquilo que ela não é, então se esforce para fortalecer a
sua alma com o conhecimento abençoado da graça de Deus. Paulo
disse: “Fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus” (2 Timóteo 2:1).
Fortaleça o seu discernimento e entendimento; mas, especialmente,
se esforce para que tudo em sua consciência seja purificado das
obras mortas, para servir ao Deus vivo.
Em segundo lugar. E para estimular ainda mais essa
aplicação, considere como um homem obtém grande benefício por
conhecer e se fortalecer na graça de Deus.
1. Isso lhe concede alegria; pois aquele que conhece bem
essa graça, sabe que Deus está em paz com ele, porque crê em
Jesus Cristo, o qual, pela graça, provou a morte por todos: “Pelo
qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos
firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (Romanos
5:2). E que alegria ou que felicidade é essa? Alegrar-se na
esperança da glória de Deus e na esperança de deleitar-se nele
para sempre, com aquela glória eterna que ele possui.
2. Assim como isso lhe concede alegria e felicidade também
lhe faz muito frutífero em toda santidade e piedade: “Porque a graça
salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens,
ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências
mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e
piamente” (Tito 2:11-12). A graça de Deus tende tão naturalmente a
fazer frutífero aquele que a recebe, que tão logo ela surge na alma,
causa este fruto abençoado no coração e na vida: “Porque também
nós éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados,
servindo a várias concupiscências e deleites, vivendo em malícia e
inveja, odiosos, odiando-nos uns aos outros. Mas quando apareceu
a benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, para com os
homens...” — e então? — “Para que, sendo justificados pela sua
graça, sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da vida
eterna. Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que
os que creem em Deus procurem aplicar-se às boas obras” (Tito
3:3-8). Veja também o que Paulo diz aos colossenses: “Graças
damos a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, orando sempre
por vós, porquanto ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus, e do amor
que tendes para com todos os santos; por causa da esperança que
vos está reservada nos céus, da qual já antes ouvistes pela palavra
da verdade do evangelho, que já chegou a vós, como também está
em todo o mundo; e já vai frutificando, como também entre vós,
desde o dia em que ouvistes e conhecestes a graça de Deus em
verdade” (Colossenses 1:3-6).
3. O conhecimento e a força que provém da graça de Deus é
um antídoto soberano contra todos os enganos que existem ou
existirão no mundo. Por isso, Pedro, ao exortar os crentes a terem
cuidado para não se deixarem levar pelos erros dos ímpios e, desse
modo, decaírem da sua firmeza, acrescenta esta única exortação
como ajuda: “Antes crescei na graça e no conhecimento de nosso
Senhor e Salvador, Jesus Cristo” (2 Pedro 3:18).
(1.) Suponhamos que seja dito que a justiça do próprio homem
salva o pecador. Ora, nesse caso, respondemos que Deus “nos
salvou e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas
obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi
dada em Cristo Jesus...” (2 Timóteo 1:9).
(2.) Suponhamos que seja dito que pela doutrina da livre graça
nós não devemos entender que Deus estendeu o seu perdão
gratuito até onde nós temos pecado ou pecamos. Nós respondemos
que “onde o pecado abundou, superabundou a graça; para que,
assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse
pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”
(Romanos 5:20-21).
(3.) Suponhamos que seja objetado que essa é uma doutrina
que tende à licenciosidade e à lascívia. Então nossa resposta está
pronta: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que
a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para
o pecado, como viveremos ainda nele?”. A doutrina da livre graça,
quando crida, é a doutrina que mais mata o pecado no mundo
(Romanos 6:1-2).
(4.) Suponha que os homens tentem sobrecarregar a igreja de
Deus impondo cerimônias desnecessárias, como os falsos
apóstolos estimulavam a circuncisão no passado, dizendo: “Se não
fizerem essas coisas, vocês não poderão ser salvos”. A nossa
resposta é: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a
cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós
pudemos suportar? Mas cremos que seremos salvos pela graça do
Senhor Jesus Cristo, como eles também” (Atos 15:1, 10, 11).
Em terceiro lugar. Essa doutrina, “pela graça sois salvos”, é o
único remédio contra pensamentos de desespero diante da
percepção de nossa própria indignidade.
1. Você diz: Miserável homem que sou! Os meus pecados vão
me fazer afundar no inferno.
Resposta: Espere, homem; há um Deus no céu que é “o Deus
de toda a graça” (1 Pedro 5:10). Mas você não é o homem de todo
pecado. Se Deus é o Deus de toda a graça, então, se todos os
pecados no mundo fossem seus, ainda assim o Deus de toda a
graça poderia lhe perdoar ou então pareceria que o pecado em um
homem arrependido é mais forte para condenar do que a graça de
Deus o é para salvar.
2. Porém, os meus pecados são do pior tipo — blasfêmia,
adultério, avareza, assassinato etc.

Resposta: “Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos

homens”. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os

seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá


dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar”

(Mateus 12:31; Marcos 3:28; Isaías 55:7-8).


3. Mas eu tenho um coração obstinado e rebelde, um coração
que está longe de ser bom.
Resposta: Deus diz: “Ouvi-me, ó duros de coração, os que
estais longe da justiça. Faço chegar a minha justiça”, ou seja, a
justiça de Cristo, pela qual os pecadores de coração endurecido são
justificados, apesar de sua impiedade (Isaías 46:12-13; Filipenses
3:7-8; Apocalipse 4:5).
4. Mas eu tenho um coração duro como uma pedra.
Resposta: Deus diz: “E dar-vos-ei um coração novo e porei
dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração
de pedra e vos darei um coração de carne” (Ezequiel 36:26).
5. Mas eu sou tão cego; eu não consigo entender nada do
Evangelho.
Resposta: “E guiarei os cegos pelo caminho que nunca
conheceram, fá-los-ei caminhar pelas veredas que não conheceram;
tornarei as trevas em luz perante eles e as coisas tortas farei
direitas. Estas coisas lhes farei, e nunca os desampararei” (Isaías
42:16).
6. Contudo, o meu coração não é sensível aos sofrimentos e
ao sangue de Cristo.
Resposta: “Mas sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de
Jerusalém derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão
para mim, a quem traspassaram; e prantearão sobre ele, como
quem pranteia pelo filho unigênito; e chorarão amargamente por ele,
como se chora amargamente pelo primogênito” (Zacarias 12:10).
7. Embora eu perceba o que será de mim se não encontrar
Cristo, o meu espírito continua a correr atrás da vaidade, da loucura,
da imundícia e da maldade.
Resposta: “Então aspergirei água pura sobre vós e ficareis
purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos
ídolos vos purificarei” (Ezequiel 36:25).
8. Mas eu não consigo crer em Cristo.
Resposta: Mas Deus prometeu fazer você crer: “Mas deixarei
no meio de ti um povo humilde e pobre; e eles confiarão no nome do
Senhor”. “Uma raiz em Jessé haverá, e naquele que se levantar
para reger os gentios, os gentios esperarão” (Sofonias 3:12;
Romanos 15:12).
9. Mas eu não consigo orar a Deus por misericórdia.
Resposta: Porém Deus tem graciosamente prometido um
espírito de oração: “Assim virão muitos povos e poderosas nações,
a buscar em Jerusalém ao Senhor dos Exércitos, e a suplicar o
favor do Senhor”. “Ela invocará o meu nome e eu a ouvirei; direi: É
meu povo; e ela dirá: O Senhor é o meu Deus” (Zacarias 8:22,
12:10, 13:9).
10. Mas eu não consigo me arrepender.
Resposta: “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao
qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro. Deus com a sua
destra o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o
arrependimento e a remissão dos pecados” (Atos 5:30-31).
Assim eu poderia continuar, pois a Bíblia Sagrada está cheia
dessa graça de Deus. Ah, as palavras, “Eu quero” e “tu farás” são a
linguagem de um Deus gracioso; são promessas nas quais o nosso
Deus se comprometeu a fazer pelos pobres pecadores o que eles
jamais poderiam fazer por si mesmos.
A Terceira Aplicação

Os Salvos Devem Promover a Graça de Deus

Eles são salvos pela graça? Então, que os cristãos se


esforcem para fazer a graça de Deus avançar. Em primeiro lugar, no
coração. Em segundo lugar, na vida.
EM PRIMEIRO LUGAR. No coração; e isso deve ser feito
desta forma:
Em primeiro lugar, creia na misericórdia de Deus por meio de
Jesus Cristo e, assim, promova a graça de Deus; quero dizer, seja
ousado de coração, seja corajoso para confiar, pois há uma
suficiência na graça de Deus. Abraão magnificou a graça de Deus
quando “não atentou para o seu próprio corpo já amortecido, pois
era já de quase cem anos, nem tampouco para o amortecimento do
ventre de Sara. E não duvidou da promessa de Deus por
incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus”
(Romanos 4:19-20).
Em segundo lugar, faça a graça avançar dedicando mais dos
seus pensamentos a elas. Tenha sempre bons e grandes
pensamentos sobre a graça de Deus. Pensamentos superficiais e
mesquinhos sobre a graça são um grande desprezo por ela. E para
lhe ajudar nesse assunto, considere o seguinte:
1. A graça é comparada a um mar: “Tu lançarás todos os seus
pecados nas profundezas do mar” (Miquéias 7:19). Um mar nunca
pode ser preenchido pelo que é lançado nele.
2. A graça é comparada a uma fonte aberta: “Naquele dia
haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os habitantes
de Jerusalém para purificação do pecado e da imundícia”. Uma
fonte nunca pode secar (Zacarias 13:1).
3. O salmista diz a respeito da graça e misericórdia de Deus
que elas “duram para sempre”. Ele faz essa afirmação vinte e seis
vezes em um único salmo. Certamente ele conhecia muito sobre a
graça (Salmos 136).
4. Paulo diz que o Deus de toda graça pode fazer mais do que
“nós pedimos ou pensamos” (Efésios 3:20).
5. Portanto, você deve pensar sobre a graça de Deus de
acordo com o que a Palavra de Deus diz.
Em terceiro lugar, venha ousadamente ao trono da graça
através de uma oração confiante; pois este também é um meio para
magnificar a graça de Deus. Esta é a exortação do apóstolo:
“Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que
possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos
ajudados em tempo oportuno” (Hebreus 4:16). Contemple um pouco
dessa graça e maravilhe-se.
Nos maravilhamos enquanto falamos da graça de Deus e
agora chegamos ao seu trono, como Jó diz, “ao seu tribunal” e eis
que ele “é um trono de graça”. Quando um Deus de graça está
sobre um trono de graça e um pobre pecador está ali e implora por
graça, e faz isso em nome de um Cristo gracioso, com a ajuda do
Espírito de graça, o que mais poderia acontecer, senão que o
pecador alcance misericórdia e graça para socorrê-lo em tempo de
necessidade? Mas não se esqueça da exortação: “Cheguemos,
pois, com confiança”. De fato, temos a tendência de esquecer dessa
exortação; pensamos que, por sermos pecadores tão abomináveis,
não devemos ter a presunção de nos achegar com confiança ao
trono da graça; mas, somos convocados a fazer isso e quebrar esse
mandamento é algo tão mau quanto quebrar qualquer outro.
Você pode me perguntar: O que é chegar com confiança? Eu
respondo:
1. É chegar com certeza: “Cheguemo-nos com verdadeiro
coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da
má consciência, e o corpo lavado com água limpa” (Hebreus 10:22).
2. É chegar com ousadia e com frequência: “De tarde e de
manhã e ao meio-dia orarei” (Salmos 55:17). Costumamos
considerar ousados aqueles mendigos que vêm muitas vezes bater
à nossa porta.
3. Chegar com confiança é pedir grandes coisas ao orarmos.
É um mendigo corajoso aquele que não apenas pede, mas também
escolhe aquilo que pede.
4. Chegar com confiança é pedir pelos outros e por nós
mesmos, é clamar por misericórdia e graça por todos os santos de
Deus debaixo do céu como também por nós mesmos: “Orando
sempre com toda a oração e súplica no Espírito por todos os santos”
(Efésios 6:18).
5. Chegar com confiança é vir e não esperar por um “não”. Foi
assim que Jacó veio ao trono da graça — “Não te deixarei ir se não
me abençoares” (Gênesis 32:26).
6. Chegar com confiança é rogar pelas promessas de Deus,
tanto em forma de justiça como de misericórdia, e ter certeza que
Deus nos dará — porque ele o disse — tudo o que pedirmos em
nome do seu Filho.
Em quarto lugar, se esforce fazer avançar a graça de Deus no
seu coração admirando, louvando e bendizendo a Deus em secreto.
Deus requer isso: “Aquele que oferece o sacrifício de louvor me
glorificará”. “Portanto, ofereçamos sempre por ele [Jesus Cristo] a
Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o
seu nome” (Salmos 50:23; Hebreus 13:15).
EM SEGUNDO LUGAR, na vida. Assim como devemos
avançar essa graça em nossos corações assim também devemos
fazer em nossa vida. quanto ao nosso comportamento, devemos
adornar a doutrina de Deus, nosso Salvador, em tudo. O apóstolo
diz algo muito importante: “Somente deveis portar-vos dignamente
conforme o evangelho de Cristo”, que é o Evangelho da graça de
Deus (Filipenses 1:27). Deus espera que em toda nossa vida haja
um perfume abençoado do Evangelho ou que em nossa vida
cotidiana a graça do Evangelho de Deus seja pregada àqueles que
convivem conosco.
O Evangelho nos mostra que Deus se inclinou e
condescendeu maravilhosamente para o nosso bem; e fazer o bem
é inclinar-se e condescender em favor dos outros.
O Evangelho nos mostra que houve abundância de piedade,
amor e compaixão em Deus para conosco; e, portanto, devemos ser
cheios de piedade, amor e compaixão para com os outros.
O Evangelho nos mostra que em Deus há uma grande
vontade de fazer o bem aos outros.
O Evangelho nos mostra que Deus age para conosco de
acordo com a sua verdade e fidelidade e, assim, devemos ser em
todas as nossas ações.
Pelo Evangelho, Deus declara que nos perdoa dez mil talentos
e nós também devemos perdoar ao nosso irmão os cem dinheiros.[6]
E agora, antes de concluir esta aplicação, permita-me fazer
algumas considerações para comover o seu coração a dedicar-se a
essa obra tão boa e feliz.
Considerações para Comover o Coração

Em primeiro lugar. Considere que Deus o salvou pela sua


graça. Cristão, Deus o salvou, você escapou da boca do leão, você
está livre da ira vindoura; então busque promover a graça que o
salva, no seu coração e na sua vida.
Em segundo lugar. Considere que Deus deixou milhões de
outras pessoas permanecerem em seus pecados naquele dia em
que o salvou pela sua graça; passou por milhões e escolheu você.
Talvez centenas ou milhares de pessoas ouviram a mesma
pregação da Palavra que você, mas ele o escolheu. Considerações
dessa natureza afetaram muito a Davi e Deus quer que elas o
afetem e faça a graça dele crescer em sua vida e em sua conduta
(Salmos 78:67-72; Deuteronômio 7:7).
Em terceiro lugar. Considere que talvez a maioria daqueles
que Deus recusou naquele dia em que o chamou pela sua graça
eram muito melhores em sua conduta do que você — eu era um
blasfemo, um perseguidor, uma pessoa perversa, mas eu alcancei
misericórdia! Ah, isso deve comover o seu coração e motivá-lo a
promover essa graça de Deus (1 Timóteo 1:14-15).
Em quanto lugar. Talvez, no dia de sua conversão, você era
muito mais indisciplinado do que muitos. Você era como um touro
indomado e não acostumado ao jugo, mas foi resgatado por mãos
fortes. Você não queria ser guiado, por isso, o Senhor Jesus
precisou tomá-lo sobre os seus ombros para conduzi-lo à casa do
seu Pai. Isso deve comover o seu coração a promover a graça de
Deus (Lucas 15:1-6).
Em quinto lugar. Pode ser que muitos tenham se ofendido com
Deus por causa da sua conversão e salvação, e por ele haver sido
gracioso para com você, como quando o filho mais velho ficou
ofendido por seu pai matar o bezerro cevado para seu irmão.
Contudo, isso não impediu a graça de Deus e nem fez com que ele
diminuísse o amor dele por sua alma. Isso deve fazer você buscar o
progresso da graça de Deus no seu coração e na sua vida (Lucas
15:21-32).
Em sexto lugar. Considere que Deus lhe concedeu apenas um
pouco de tempo para realizar essa obra, os poucos dias de vida que
ainda lhe resta, para que você faça essa boa obra entre os
pecadores e depois você receberá aquela recompensa que a graça
também lhe dará pelo seu trabalho e para a sua alegria eterna.
Em sétimo lugar. Que você também medite nisso em seu
coração: cada homem mostra sujeição ao deus a quem serve —
ainda que esse deus não seja outro senão o Diabo e as suas
concupiscências. E você, ó homem salvo pelo Senhor, não se
sujeitará muito mais ao Pai dos espíritos, para viver? (Hebreus 12:9)
Infelizmente, há homens que buscam a sua própria maldição e
vivem assim até ao fim. Eles servem aquele “deus” (Satanás) com
alegria e prazer, apesar de que ele finalmente os mergulhará no
abismo eterno da morte e os atormentará nas chamas ardentes do
inferno. Mas o seu Deus é o Deus da salvação e a ele, o seu
Senhor, pertencem os livramentos da morte. Você não servirá a ele
com alegria pelo gozo de todas as coisas boas, visto que é por ele
que você será abençoado para sempre?
Objeção: Isso é o que me mata: eu não consigo honrar a
Deus. O meu coração é tão miserável, tão morto e
desesperadamente perverso... eu não consigo.
Resposta: O você quer dizer com “não consigo”?
1. Se você quer dizer que não tem força para fazê-lo, você
disse uma inverdade, pois “maior é o que está em vós do que o que
está no mundo” (1 João 4:4).
2. Se você quer dizer que não tem vontade, então isso
também é uma inverdade; pois cada cristão, quando em seu perfeito
juízo, é um homem disposto pois Deus assim o fez no dia do seu
poder (Salmos 110:3).
3. Se você quer dizer que tem falta de sabedoria, então isso é
culpa sua: “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a
Deus, que a todos dá liberalmente e o não lança em rosto, e ser-lhe-
á dada” (Tiago 1:5).
Objeção: Eu não consigo fazer as coisas que desejo.
Resposta: O mesmo aconteceu com o melhor dos santos no
passado: “Com efeito o querer está em mim, mas não consigo
realizar o bem... Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o
Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que
não façais o que quereis” (Romanos 7:18; Gálatas 5:17).
E aqui está realmente uma grande revelação da verdade de
que “pela graça sois salvos”, pois os filhos de Deus enquanto
permanecerem aqui, apesar da sua conversão a Deus e salvação
por Cristo, são tão débeis e fracos por causa do corpo de morte que
ainda permanece neles, que se o pecado que está na melhor das
suas obras fosse considerado, de acordo com o teor de um pacto de
obras, eles veriam que é impossível entrar na glória. Mas porque eu
falo assim? É impossível que aqueles que são salvos pela graça
sejam condenados pelas suas fraquezas, “porque não estão sob a
lei”. Eles são feitos participantes, pela graça de Deus, da morte e do
sangue do Filho de Deus, que vive para sempre para interceder por
eles à destra do Pai. Essa intercessão é tão bem-sucedida para com
o Pai que remove a iniquidade que está misturada até mesmos com
nossas ações mais santas e nos apresenta santos, irrepreensíveis e
inculpáveis aos seus olhos.
Ao Pai, por Cristo Jesus, com a ajuda do bendito Espírito
Santo da graça, sejam dados louvores, ações de graças, glória e
domínio, por todos os seus santos, agora e para sempre. Amém.
A editora O Estandarte de Cristo é fruto de um trabalho
que começou a ser idealizado por volta do início de
2013, por William e Camila Rebeca, com o propósito
principal de publicar traduções de autores bíblicos fiéis.
Fizemos as primeiras publicações no dia 2 de dezembro
de 2013 (publicação de 4 eBooks). De lá para cá já são
quase 7 anos e centenas de traduções de autores
bíblicos fiéis, sobre diversos temas da fé cristã.

Somos uma editora de fé cristã batista reformada e


confessional. Estamos firmemente comprometidos
com as verdades bíblicas fielmente expostas na
Confissão de Fé Batista de 1689.

OEstandarteDeCristo.com
Conheça outros livros publicados pela editora
O Estandarte de Cristo

A Confissão de Fé Batista de 1689 + Catecismo


Puritano compilado por C.H. Spurgeon
❝ Nós precisamos de um estandarte pela causa da verdade; pode ser que esse
pequeno volume ajude a causa do glorioso Evangelho, testemunhando
claramente quais são as suas principais doutrinas… Aqui os membros mais
jovens da nossa igreja terão um Corpo de Teologia, que servirá como uma
pequena bússola, e por meio de provas bíblicas, estarão prontos para dar a razão
da esperança que há neles… Apeguem-se fortemente à Palavra de Deus que
está aqui mapeada para vocês. ❞ — C.H. Spurgeon, 1855
A Interpretação das Escrituras
A.W. Pink

❝ Dificilmente encontraremos um “tratado sobre hermenêutica”, tão bíblico e


completo, tão profundo e ao mesmo tempo tão prático, como diz o próprio autor:
Nestes capítulos temos nos esforçado para colocar diante de nossos leitores as
regras que temos usado há muito tempo em nosso próprio estudo da Palavra;
elas foram projetadas mais especialmente para os jovens pregadores. Nós não
poupamos esforços para torná-los tão lúcidos e completos quanto possível,
colocando em suas mãos esses princípios de exegese que nos foram de grande
proveito. ❞
Os Distintivos da Teologia Pactual Batista
Pascal Denault
❝ Pascal Denault merece muitos agradecimentos por seu trabalho ao pesquisar e
descrever as nuances da teologia do pacto da Inglaterra no século XVII. Ele
mostrou fatores significantes que contribuíram para as diferenças entre o
pensamento e a prática dos presbiterianos e batistas particulares, descrevendo
categorias teológicas em termos fáceis e acessíveis. ❞ — James M. Renihan,
Ph.D. Deão e professor de teologia histórica Institute of Reformed Baptist Studies
A Falha Fatal da Teologia por Trás do Batismo
Infantil
Jeffrey Johnson
❝ Jeffrey Johnson produziu uma interação minuciosa, vigorosa e impressionante
com a teologia pactual, enquanto usada como apoio para o batismo infantil. Ele
expôs uma análise detalhada de cada parte do sistema, aprovou o que era
biblicamente fundamentado, desafiou o que é indefensavelmente inventado e
ofereceu alternativas convincentes para cada parte do sistema que ele desafiou. ❞
— Tom J. Nettles, Ph.D. Professor de teologia histórica Southern Baptist
Theological Seminary
Um Guia para a Oração Fervorosa
A.W. Pink
❝ A oração particular é o teste de nossa sinceridade, o indicador de nossa
espiritualidade, o principal meio de crescimento na graça. A oração particular é a
única coisa, acima de todas as demais, que Satanás busca impedir, pois ele
bem sabe que, se ele puder ser bem sucedido neste ponto, o cristão falhará em
todos os outros... Por mais desesperado que seja o nosso caso, maior é nossa
necessidade de orar, se a graça em nós está fraca, a contínua negligência em
orar a fará ainda mais fraca, se nossas corrupções são fortes, a omissão em
orar as fará ainda mais fortes. ❞
Oração: Orando com o Espírito Santo e com o
Entendimento
John Bunyan
❝ A oração é uma ordenança de Deus que deve ser praticada tanto em público
quanto em particular. Além disso, é uma ordenança que conduz aqueles que
possuem o espírito de súplica para grande familiaridade com Deus, e também
possui efeitos tão notáveis que alcançam grandes coisas de Deus, tanto para a
pessoa que ora como para aqueles por quem ela ora. A oração abre o coração de
Deus e através dela a alma, mesmo quando vazia, é preenchida. Através da
oração o cristão também pode abrir seu coração a Deus como o faria com um
amigo, e obter um testemunho renovado de Sua amizade. ❞
Piedade Cristã: Os Frutos do Verdadeiro
Cristianismo
John Bunyan

Todo aquele que foi justificado pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo
encontrará aqui um excelente guia para que possa viver de modo agradável a
Deus. Este livro faz lembrar a magistral obra, A Prática da Piedade, do
piedosíssimo Lewis Bayly, por seu fervor e fidelidade bíblicos, e por sua
sobriedade e zelo piedoso de obedecer aos mandamentos do Senhor em todas
as áreas de nossas vidas e em todos os nossos relacionamentos. O autor nos
exorta à prática da verdadeira piedade cristã a partir de Tito 3:7-8.
O Homo como Sacerdote em seu Lar
Samuel Waldron
❝ A ideia de que um homem é sacerdote em seu lar se deriva naturalmente da
tese de que todo ministério cristão tem caráter sacerdotal. No entanto, esse
assunto confronta os homens com algumas das responsabilidades mais difíceis
que enfrentaremos. Quando cumprimos nosso dever e sentimos nosso pecado e
fraqueza nessa área, devemos constantemente nos lembrar da graça e das
promessas que Deus nos deu. Não podemos fazer progresso confiado em nossas
próprias forças. Somente cresceremos e assumiremos nossas responsabilidades
com a ajuda de Deus. ❞
A Doutrina da Trindade
John Owen
John Owen fez uma defesa magistral da grande doutrina bíblica da Santíssima
Trindade contra os socinianos. Dificilmente veremos hoje alguém que se
denomine um sociniano, mas não é tão raro assim encontrar alguém indouto e
inconstante que segue as pisadas deles e nega a verdade bíblica sobre a bendita
doutrina da Trindade, para sua própria perdição eterna (2Pe 3:16). Portanto a
refutação que Owen faz das principais objeções dos oponentes dessa doutrina
permanece útil também para os nossos dias. Sobretudo é proveitosa a exposição
fiel e profunda feita por ele sobre os principais textos bíblicos que revelam essa
verdade fundamental sobre o único e verdadeiro Deus: Pai, Filho e Espírito.
Os 5 Pontos do Calvinismo
C.H. Spurgeon
Nesta excelente coletânea de sermões Charles Spurgeon expõe o ensino bíblico
sobre aqueles que ficaram conhecidos como os 5 Pontos do Calvinismo: 1.
Depravação Total;2. Eleição Incondicional; 3. Expiação Limitada; 4. Graça
Irresistível; 5. Perseverança dos Santos. A capacidade ímpar com que Deus
dotou o pregador e a beleza e firmeza da verdade bíblica por ele tratada fazem
deste livro um recurso extremamente importante para todos aqueles que
desejam obter uma compreensão clara e robusta do ensino bíblico acerca da
soberania da graça divina na salvação dos homens.
Como Saltar em Segurança para a Eternidade
Lidiano Gama
❝ Com habilidade, o autor L.A. Gama desenvolveu a viagem de Greg Thopp
rumo à eternidade sempre ladeado pelas doutrinas que foram o fundamento e
alicerce não apenas dos batistas particulares (reformados), mas da própria
Reforma Protestante e do puritanismo inglês e norte-americano que se seguiu.
O livro é valioso para todos os cristãos, mas, sobretudo, é uma preciosa
contribuição para os batistas e uma excelente oportunidade para se examinar
cuidadosamente esse documento, a Confissão de Fé Batista de 1689. ❞ —
Marcus Paixão
Teologia Bíblica Batista Reformada
Fernando Angelim
❝ Estou convencido da extrema necessidade e urgência da igreja brasileira,
especialmente os batistas, recuperar um entendimento bíblico profundo e piedoso
sobre os pactos de Deus. E estou igualmente convencido de que este livro tem
muito a contribuir para esse fim. Escrito de maneira clara e didática, e sobretudo
bíblica, este livro se mostrará útil tanto para o pai de família que deseja conhecer
melhor sua Bíblia e guiar a sua família piedosamente quanto para aquele que foi
chamado a se “apresentar a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se
envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Timóteo 2:15). ❞ —
William Teixeira

[1]
Isaías 53:3.
[2]
Cf. Hebreus 10:29.
[3]
Ezequiel 33:13.
[4]
A promessa da herança eterna (Hebreus 9:14-16).
[5]
Confirmada pela morte do testador (Hebreus 9:16-17).
[6]
Mateus 18:23-35.

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