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Queridos irmãos e irmãs:
Hoje gostaria de falar-vos da beata Ângela de Foligno, uma grande mística que
viveu no século XIII. Normalmente, as pessoas fascinam-se pelos momentos
culminantes da experiência da união que ela alcançou com Deus, mas talvez
percebam pouco os seus primeiros passos, a sua conversão e o longo caminho
que a conduziu do ponto de partida, o "grande temor ao inferno", até à sua
meta, a união total com a Trindade. A primeira parte da vida de Ângela não é
certamente a de uma fervente discípula do Senhor. Nascida em 1248, de uma
família abastada, ficou órfã de pai e foi educada pela sua mãe de forma
superficial. Foi introduzida muito cedo nos ambientes mundanos da cidade de
Foligno, onde conheceu um homem com quem se casou aos 20 anos e teve
filhos. A sua vida era despreocupada, até ao ponto de se permitir tirar o sarro
dos chamados "penitentes" – muito difundidos naquela época –, isto é,
daqueles que, para seguir Cristo, vendiam os seus bens e viviam em oração,
em jejum, no serviço à Igreja e na caridade.
Ângela sente o dever de ter de dar algo a Deus para reparar os seus pecados,
mas lentamente compreende que não tem nada para dar-lhe; pelo contrário, é
"nada" diante d'Ele; compreende que não será a sua vontade que dará amor a
Deus, porque esta só pode dar-lhe o seu "nada", o "não amor". Como ela
mesma dirá: somente "o amor verdadeiro e puro, que vem de Deus, está na
alma e faz que esta reconheça os seus próprios defeitos e a bondade divina
(...). Este amor leva a alma a Cristo e ela compreende com segurança que não
se pode verificar nem haver engano algum. Junto a este amor não se pode
misturar nada do mundo" (Ibid., p. 124-125). Abrir-se sozinha e totalmente ao
amor de Deus, que tem a máxima expressão em Cristo: "Ó meu Deus – reza –,
torna-me digna de conhecer o altíssimo mistério, que o teu ardentíssimo e
inefável amor realizou, junto ao amor da Trindade, ou seja, o altíssimo mistério
da tua santíssima Encarnação por nós (...). Ó amor incompreensível! Para além
deste amor, que fez que o meu Deus se fizesse Homem para tornar-me Deus,
não há amor maior" (Ibid., p. 295). Contudo, o coração de Ângela carrega
sempre as feridas do pecado; inclusive depois de uma confissão bem feita, ela
encontrava-se perdoada e ainda com o coração destruído pelo pecado; livre e
condicionada pelo passado; absolvida, mas necessitada de penitência. E
também a acompanha o pensamento do inferno, porque quanto mais a alma
progride no caminho da perfeição cristã, mais se convencerá não somente de
ser "indigna", mas de merecer o inferno.
Queridos irmãos e irmãs, a vida da Beata Ângela começa com uma existência
mundana, bastante afastada de Deus. Mas depois ela encontrou-se com a
figura de São Francisco e, finalmente, o encontro com Cristo Crucificado
desperta a alma à presença de Deus, pelo facto de que só com Deus a vida
chega a ser verdadeira vida, porque chega a ser, na dor pelo pecado, amor e
alegria. É assim que a Beata Ângela nos fala hoje. Hoje estamos todos em
perigo de viver como se Deus não existisse: Ele parece muito longe da vida
actual. Mas Deus tem mil maneiras – para cada um a sua – de fazer-Se
presente na alma, de mostrar que existe, que me conhece e ama. E a Beata
Ângela quer deixar-nos atentos a estes sinais com os quais o Senhor nos toca
a alma, atentos à presença de Deus, para aprender, assim, o caminho com
Deus e rumo a Deus, na comunhão com Cristo Crucificado. Oremos ao Senhor
para que nos torne atentos aos sinais da sua presença, que nos ensine a viver
realmente. Obrigado.