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Identificação
Identificação
«Muito se tem falado das coincidências de que a vida é feita, tecida e composta, mas
quase nada dos encontros que, dia por dia, vão acontecendo nela, e isso não obstante serem os
ditos encontros, quase sempre, os que a mesma vida orientam e determinam, embora, em defesa
daquela percepção parcial das contingências vitais, fosse possível argumentar que um encontro é,
no seu mais rigoroso sentido, uma coincidência, o que não significa, claro está, que todas as
coincidências tenham que ser encontros.» SARAMAGO, J. (1997:221)
Envolto pela neblina de uma qualquer manhã, revejo-me, revejo aquele vulto de
menino gelado. Sim, sim…, havia um “carrinho de bebé”, eu estava sentado num
“cavalo de pau”, um dia... num cais também, enquanto o navio partia para Sul, sempre
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frutos colhidos no Outono;
Adriano Aires
Formação MAABE 2010/2011
para Sul... Tinha quatro anos e regressava ao útero da minha vida, ao segredo dos rios e
do horizonte que ficava mais longe, deixava Lisboa e partia para (LUA)anda, para
Angola... para Sul e ainda mais para Sul, para a cidade do mar (Moçâmedes) e do
deserto (Namibe = enorme).
Ao sair do porto o cheiro do vento perdia-se naquele verde salino das primeiras
montanhas, naqueles verdes mais enegrecidos dos cerros mais longínquos. Mas na ténue
separação, física, ainda havia a segurança do que via, não estava ainda entregue à
turvação do mar, com fundo azul, onde navegavam outros navios.
Quem sou?
Socorro-me de um poema de Píndaro 2 para responder a esta questão que me
assombra,3 sou “sombra de um sonho”.
Os versos dizem:
- «Efémeros! Que somos nós? Que não somos?
Sombra de um sonho é o homem!».
A resposta é quase automática, instintiva, nem sombra, nem sonho. De ser,
provavelmente, o contraste das duas e que me indica uma espécie de luminosidade
sempre inacabada, nunca inteiramente realizada, espelho...
«... Existo sem que o saiba e morrerei sem que o queira. Sou o intervalo entre o que sou
e o que não sou, entre o que o sonho e o que vida fez de mim, a média abstracta e carnal
entre as coisas que não são nada, sendo eu nada também» PESSOA, F. in VIANA, A.
M. C. (1985: 205)
IDENTIFICAÇÃO
Nome: Fernando Adriano Aires Fernandes
2
Píndaro (cerca de 518-444 a.C.) in FERREIRA, J. R. (1994)
3
causar assombro a; maravilhar; ficar maravilhado; espantar-se; cobrir-se de sombra.
Adriano Aires
Formação MAABE 2010/2011
Filiação: Fernando Gonçalves Fernandes (Ser-se assim belo quando chove, quando
há vento e quando neva, ser-se assim misterioso e constante diante de todas as luzes,
mesmo quando partiste em Dezembro último) e de Maria Amália Aires Fernandes
(Princesa-mulher, viúva no coração e nas mãos e nos passos, a paixão numa mão, o
amor e o fogo na outra, como pássaro que luta com o sorriso na asa, o vento desvendado
nas janelas, abertas, as mãos entrelaçadas nas minhas).
"Escribirmos para ser lo que somos o para ser aquello que no somos. En uno o en outro
caso, nos buscamos a nosotros mismos. Y si tenemos la suerte de encontrarnos-señal de
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O seu nome científico provem de uma expressão latina – Rosmarinus officinalis -, que quer dizer:
“Orvalho do Mar”.
Adriano Aires
Formação MAABE 2010/2011
creación-descubririmos que somos un desconocido. Siempre el outro, siempre él,
inseparable, ajeno, com tu cara y la mía, tú siempre conmigo y siempre solo" Octavio
Paz (1989:14)
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Cadmo, segundo a lenda grega, era irmão de Europa, a bela filha de Agénor, rei de Tir que foi raptada e
posteriormente transportada ao dorso por Zeus, metamorfoseado em touro branco. Cadmo procurou
Europa, e encontrou o mundo, a quem deu fundamentos, civilização e porvir.
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A vaca é a dúvida, a perplexidade, a indecisão, o receio, a suspeita ou a objecção.
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O Dragão simboliza a luta interior que resultava da relutância em aceitar novas perspectivas ou, até
mesmo, modificar posturas que se haviam cimentado ao longo de longos anos de prática Pedagógica.
Adriano Aires
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nova e tenra, a tal que, repetidamente, evoco como o lugar eleito para refractar e
reflectir a imagem invertida de lugares distantes como que repercutidos na água, dando
a ilusão de próxima.
Então, os olhos deslavados, castanhos... os meus, absorveram tudo: aquele
instante. As vozes pertenciam exclusivamente a alguém:
- À Sónia Catarina - pela amizade que construímos sem soluços, nem lágrimas,
nem promessas… por tudo o que partilhamos e pelo maior dos abraços: o sorriso.
- À Célia - pela cumplicidade, pelas palavras que não dissemos mas que
soubemos compreender em cada um de nós. Lembras-te?
- À Isabel, à Elisabete, ao Vítor, ao Rui, ao Celestino, à Conceição, à Teresa, à
Inês, à Fernanda, à Maria do Carmo…
Adriano Aires
Formação MAABE 2010/2011
Subi uma espécie de degrau, nas encostas, suportado por um muro, onde os
cavalos e os homens resfriados e fatigados se transfiguram em plantas trepadoras,
cujos caules se enrolam em hélice à volta de um suporte ou em movimentos
circulatórios da água que, ao cair numa cavidade profunda, segue a sua evolução
enquanto corre como um rio.
Por isso, queria, com a mão, a mão toda, levá-la até ao coração, ao lugar
mais central e, num gesto súbito, momentâneo, guardá-los a todos lá dentro – ao pai
que partiu em Dezembro, aos filhos, aos alunos, à mulher, à mãe, aos colegas, às
Coordenadoras Regionais, aos Formadores - na casa da memória, em cada uma das
divisões, sem palavras, sem memoriar, mas prolongando a cumplicidade de olhares
comuns por oposição aos próprios, para deixar entrar o ar e a luz.
Adriano Aires