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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DO RIO GRANDE DO SUL

METODOLOGIA DA PESQUISA JURÍDICA

PROF. LUIZA MATTE

RESENHA CRÍTICA

“Razão e Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito Civil


Constitucional; Entre os véus de Themis e os paradoxos de Janus: a razão e o caos
no discurso jurídico, pela lente de Albert Camus”.

Maurício Brum Esteves

Turma 130
RESENHA CRÍTICA

LIVRO: “Razão e Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito Civil


Constitucional”. CAPÍTULO 1: “Entre os véus de Themis e os paradoxos de
Janus: a razão e o caos no discurso jurídico, pela lente de Albert Camus”.1

Trata-se de um ensaio escrito pelo Prof. Dr. Ricardo Aronne voltado ao


movimento Direito e Literatura, com enfoque em Albert Camus. A proposta do texto é
proporcionar o encontro entre o absurdo camuseano e o princípio da incerteza
incorporado à mecânica quântica, por Heisenberg, a fim de denunciar o paradigma
moderno científico que “vem corroendo as paredes dogmáticas das edificações do
Direito”2.

O fio condutor principal do ensaio, Albert Camus, nasceu em Mondovi, em


07 de novembro de 1913 e morreu em Villeblevin, em 04 de janeiro de 1960. Escritor e
filósofo argelino-francês, Albert Camus viveu sob o signo da guerra, fome e miséria,
elementos que, aliados ao sol, são os pilares que orientaram o desenvolvimento do seu
pensamento. Sua tese de doutoramento foi em Santo Agostinho, mas sua saúde lhe
impediu de se tornar um professor. Uma forte crise de tuberculose se abateu sobre ele
nesta época. Suas obras principais são: O Estrangeiro, Calígula, Avesso e o Direito, A
Queda e O Mito de Sísifo.

Os fios condutores secundários deste ensaio que representam o discurso


jurídico são: Janus e Themis. “Em Roma, Janus era o Senhor das Muitas Portas, das
Partidas e das Chegadas. O deus que representava o Alfa do Início. O Começo. Também
representa Ómega do Final. Por ser o ponto de junção entre o passado e o futuro,
representava também o presente. A contemporaneidade. Não por acaso, em As
Metamorfoses, Ovídio (43ac-17dc) o denominava Caos.”3

Janus possui quatro faces. Uma voltada para o alfa, outra para o ômega, uma
para dentro e outra para fora. Representava o Caos. Em contrapartida, Themis, que
representa a Ordem, a Justiça e a retidão, como se não bastasse possuir dois olhos,

1
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
2
Idem. P. 21.
3
Idem P. 24.
apenas, este são vendados.

A metáfora de Themis e Janus representam Ordem e Caos. A despeito,


“Caos e Ordem são gêmeos modernos”4. São ideias difundidas pelo paradigma da
modernidade que é o triunfo da razão como ordenadora do mundo. É o projeto da
verdade absoluta, da pureza, da ordem, da certeza que são tão caras ao Direito que estão
representadas na figura de Themis, e é apresentada no texto quando trata da
racionalidade.

“No templo moderno de Themis, não há adoração possível para


Janus. Como a deificação ocorre pelo discurso, não há signos
remissíveis a incerteza e sua simples referencia já é suficiente
para marginalização. Quem não crê na divindade da norma ou
referencia, como dogma e certeza, portanto fé, “autopetrifica-
se”, no altar Iluminista dos Deuses da Razão, que centralizou o
olhar cartesiano dos fiéis no templo (sem ídolos?) da Scientia.”5

Direito. Literatura. Racionalidade. Themis. Janus. Palavras que descrevem o


desenrolar do ensaio que possui seu âmago na crítica do paradigma moderno que
fundou todo o discurso jurídico que é embasado nas ideias de Verdade, Certeza, Pureza,
Ordem, Progresso, Absurdo? Este é o ponto de encontro do homem concreto e
revoltado6 de Camus com o Direito, pois inebriado pelo hermético paradigma moderno
o direito se vê deitado nos braços de Janus (Incerteza e Caos), mas sonhando com
Themis (Ordem). Absurdo?

Os paradoxos e incertezas do mundo, que são denunciados pelo estrangeiro7


e revoltado8 homem de Albert Camus é o ponto de encontro entre um “direito
vampirizado pelo discurso moderno”, então absurdo, e a necessidade de se moldar um
discurso jurídico moldado não para bestas, vampiros ou deuses, mas para homens,
irregulares, mortais e limitados por natureza.

4
BAUMAN, Zygmunt, Modernidade Ambivalência, tradução Marcus Penchel. – Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1999,
5
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 24.
6
CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro. – 4º ed. - Editora Record,
1999.
7
CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro. – 28º ed. - Editora Record, 2007.

8
CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro. – 4º ed. - Editora Record,
1999.
Revela-se, deste modo, um horizonte de incertezas que o direito se afastava,
na pretenciosa e ingênua tentativa de ordem e progresso. Todavia, como alertava
Canaris, “num paradoxo aparente em que as humanísticas são pródigas: o formalismo e
o positivismo, tantas vezes preconizadas em nome da segurança do Direito acabam por
surgir como importantes factores de insegurança.”9

O autor, com forte acento transdisciplinar, dialoga com o Direito na medida


em que se afasta dele. “A única verdade possível é a obstinação desesperada de manter o
absurdo enquanto lucidez; por mais amarga e irremediável que esta possa ser. Até aqui
tratava-se de saber se a vida deveria ter um sentido para ser vivida. A partir daqui, pelo
contrário, impõe-se-nos que ela será vivida até melhor por não ter sentido (...) viver é
fazer viver o absurdo. (O Mito de Sísifo).”10

O autor busca a quebra de um paradigma moderno, que os avanços


científicos descortinou limitado às necessidade hodiernas do Direito e busca um diálogo
com a transdisciplinariedade. Traz ao diálogo a incerteza, irregularidade, possibilidade,
ambiguidade. A final, quem teria coragem de falar de pureza à essa mestiça terra
brasileira?

“Se os deuses estão a jogar dados com a existência, segundo


Camus estamos vivendo a longa rodada de Janus. Themis não
joga há muito. Deverá demorar ainda muito mais para voltar a
lançar os dados.”11

Como disse o autor, estamos vivendo a longa rodada de Janus. Incerteza.


Themis irá demorar a jogar novamente. A consciência diminui a dor. A consciência do
absurdo torna a vida mais bela. A consciência da desordem e do Caos proporcionará ao
Direito um diálogo com a vida na sua atual acepção: incerta e indeterminável.

Ricardo Aronne prefere não concluir. Afirma que “concluir importa em


findar. Reduzir. Dar o resultado. Isso não cabe em Camus.” 12 Oferece um epílogo
geograficamente posicionado no texto após o referencia bibliográfico e encerra

9
Canaris, Claus Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Tradução
de A. Menezes Cordeiro. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 2008. P. XXIV
10
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 32.
11
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 32.
12
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 30.
proporcionando uma das mais belas passagens da obra de Camus, a final deve-se
descrever mais e conceituar menos.

“Caminhamos ao encontro do amor e do desejo. Não buscamos


lições, nem a amarga filosofia que se exige da grandeza. Além
do sol, dos beijos e dos perfumes selvagens, tudo o mais nos
parece fútil. Quanto a mim, não procuro estar sozinho nesse
lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles que amava, e
discernia em seus traços o claro sorriso que neles tomava a face
do amor. Deixo a outros a ordem e a medida. Domina-me por
completo a grande libertinagem da natureza e do mar.
Nunca conseguira arrepender-me verdadeiramente de nada.
Assaltaram-me as lembranças de uma vida que já não me
pertencia, mas onde encontrara as mais pobres e as mais tenazes
das minhas alegrias: cheiros de verão, o bairro que eu amava,
um certo céu de entardecer, o riso e os vestidos de Marie.
Respondi que nunca se muda de vida; que, em todo o caso, todas
se equivaliam, e que a minha, aqui, não me desagradava em
absoluto.
- Não, não consigo acreditar. Tenho certeza de que já lhe
ocorreu desejar uma outra vida.
Respondi-lhe que naturalmente, mas que isso era tão importante
quando desejar ser rico, nadar muito de pressa ou ter uma boca
mais bem feita. Era da mesma ordem. Mas ele me deteve e quis
saber como eu imaginava essa outra vida.
Então gritei:
-Uma vida na qual me pudesse lembrar desta vida.
Também me sinto pronto a reviver tudo. Como se esta grande
cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperanças,
diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu me abria
pela primeira vez à tenra indiferença do mundo. Por senti-lo tão
parecido comigo, tão fraternal, enfim, senti que fora feliz e que
ainda o era.” (O Estrangeiro).13

BIBLIOGRAFIA

ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-

13
ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito-civil-constitucional –
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 35.
constitucional – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

BAUMAN, Zygmunt, Modernidade Ambivalência, tradução Marcus Penchel. – Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999,

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro e São
Paulo: Ediitora Record, 2008.

_____________. O Estrangeiro. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro. – 28º ed. - Editora
Record, 2007.

______________. O Homem Revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro. – 4º ed. -


Editora Record, 1999.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do


Direito. 4 ed. Trad. Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

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