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Eu tava me preparando prá assistir Kick-Ass - Quebrando Tudo nos multiplexes, mas quando o

vampiro purpurinado estreou, chutaram a bunda do filme de Matthew Vaughan depois de


apenas uma semana e meia em cartaz.

Aí eu assisti ao filme (duas vezes) numa versão baixada pela web que o amigo do meu filho
emprestou. Semana passada, conferi na telona do Teatro do Parque, ao módico preço de R$
1,00. Ok, minha vingança foi servida num saco de pipocas frias no Teatro do Parque! Chupa,
multiplex!!!!

Gostei muito do filme, assim como tinha gostado da HQ. A adaptação é redondinha, capta bem
o espírito do quadrinho, mesmo com as alterações impostas pela mudança de linguagem – e
os finais diferentes, claro, até por conta do atraso da HQ lá nos USA. Na verdade, gostei mais
do final do filme.

Eu me diverti muito. Mesmo da terceira vez, quando já sabia a história de trás prá frente.

Apesar de ter gostado, não acho que é uma obra-prima, um filme revolucionário, uma HQ
contestadora e blá blá blá, conforme as resenhas que li por aí nas revistas semanais e webs. Há
uma mensagem por trás de tudo, que muita gente nem percebe. É a clássica “qual a sua
contribuição para fazer uma sociedade melhor?”, que fica clara na cena em que Dave
presencia um homem sendo espancado e outra pessoa observa tudo pela janela de casa, mas
nada faz - nem ligar para a polícia.

Super-heróis de verdade existem nos EUA. Quer dizer, de verdade no sentido em que pessoas
comuns vestem roupas ridículas, criam um nome sonoro e saem pelas ruas combatendo
crimes e realizando ações sociais. Alguns até são bem vistos pela população pelo bom exemplo
que dão. Para conhecê-los, basta acessar o site oficial. Não é a Liga da Justiça e eu não os
chamaria se precisasse de ajuda, mas eles existem.

Kick-Ass pode ser definido, grosso modo, como apenas um libelo a favor da participação do
cidadão na sociedade. Você pode a mesma coisa sem precisar usar uma roupa colante e um
codinome esdrúxulo, claro. Mas do mesmo jeito que a obra de Alan Moore, Millar nos mostra
que esse idealismo não acontece sem reação – e mostra o quão frágil é o conceito por trás dos
homens de roupa colante.

Quando li a HQ, a primeira coisa que me veio à mente foi uma história do personagem
Starbrand (no Brasil, Estigma – A Marca da Estrela), que fez parte do Novo Universo proposto
pela Marvel nos anos 90, onde os super-heróis tradicionais da editora só existiam mesmo nos
quadrinhos e outros foram criados por um misterioso “evento branco”, que deu poderes a
algumas pessoas comuns (alguém aí falou “Heroes”?). A diferença é que a abordagem era mais
realista – por exemplo, um dos relutantes heróis era velocista e precisava comer muito para
poder compensar a energia que perdia constantemente. Numa cena de ação, ele arranca o
dedo de um soldado ao tomar-lhe a arma em supervelocidade.

Starbrand contava a história de um jovem mecânico sem muitas perspectivas na vida, que
morava numa cidadezinha norte-americana. O típico loser. Num belo dia, ele dá de cara com
um homem idoso que lhe repassa uma marca em forma de estrela. Com a marca “tatuada” em
sua mão, ele descobre que ganhou poderes como voar, invulnerabilidade e manipulação de
energia. Graças a um amigo nerd, ele termina criando uma fantasia e sai para “combater o
crime”.

Na fase escrita por John Byrne, o herói visita uma convenção de quadrinhos em Pittsburgh. É lá
que rola um diálogo primoroso entre Byrne e o personagem com relação à suspensão de
descrença. Resumidamente, o que o quadrinista fala é:

“O conceito de super-herói só se mantém há tanto tempo porque existe um acordo, um


contrato, entre leitor e escritor: é a famosa suspensão de descrença. Só assim podemos
acreditar que um homem fantasiado pode combater o crime sem ter sua identidade secreta
descoberta pelo vilão, como aconteceria na vida real. Por exemplo: você (se dirigindo à
Starbrand) é alto, deve ter um metro e noventa. Sua máscara esconde a maior parte do seu
rosto, mas dá prá ver que debaixo dela você tem um nariz considerável; também dá prá ver a
cor dos seus olhos e suas sobrancelhas, que mostram que você é loiro. Você tem atuado no
combate ao crime na cidade e nas redondezas, o que sugere que sua base de operações é aqui
por perto. Ora, se eu fosse um poderoso rei do crime, rico e cheio de influências e você
estivesse atrapalhando minhas operações, causando prejuízos, era só fazer o que eu fiz agora.
De posse desses dados, bastava ativar minha fonte no departamento de trânsito e catalogar
todos os homens que se enquadrassem nessa descrição. Mesmo que fossem mil, eu, com meu
poderoso império do crime, iria checar um por um e, por fim, descobrir quem você é. Daí, num
piscar de olhos, eu destruiria você e seus entes queridos.”

Em seguida, o velho que deu o poder a Dave aparece na convenção e exige a marca de volta.
Acontece uma luta e Pittisburgh é totalmente dizimada por uma explosão de energia, matando
toda a população – sim, John Byrne morreu lá em Pittisburgh, nos anos 90, você não sabia?

Simples, né? É o que acontece em Kick-Ass. O coitado do Dave e o todo confiante Big Daddy
caem numa das armadilhas mais clichês dos quadrinhos de super-heróis e se dão mal. Quer
apostar que na vida real seria do mesmo jeito? Bastava eu, o Super-Bruno, começar a
incomodar qualquer senador da república ficha-suja e pouco tempo depois partiria dessa prá
melhor. Isso acontece também em Dark Knight, em Watchmen. Mas dificilmente acontece nos
quadrinhos regulares da Marvel e DC.

Por isso, se estava pensando em gastar suas economias num uniforme colorido para varar a
madrugada combatendo criminosos chinfrins, assista Kick-Ass antes e veja o que pode
acontecer com você. Na vida real, super-heróis perdem totalmente a graça.

Mas, por fim, essa mensagem em Kick-Ass é apenas prá HQ posar de intelectualóide. A
verdadeira intenção é divertir – assim como o filme. Violento? Sim, e muito. Debochado? Prá
cacete! Iconoclasta? Também! Revolucionário? Ah, vai pastar!

Kick-Ass é uma boa sessão da tarde censura 18 anos.

P.S.: Só tenho medo da continuação. Certos filmes só deveriam ficar no primeiro (né,
Highlander?)

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