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NUNO MATEUS – ARX ARQUITECTOS -- Aprendizagem do Arquitecto

A arquitectura enquanto evidência do espírito de uma época, carece hoje de um conjunto de valores partilháveis, estruturantes da
cultura de um tempo.
Deixou de se poder referenciar a uma matriz unificada. Não significa nem representa o mesmo para todos, reflete antes principios de
universos particulares de algum modo restrictos.

Neste contexto, a preparação escolar de um arquitecto, por ensino do ofício, embora vital, deixou de ser suficiente, por fomentar uma
produção alienada da (porventura lenta) evolução da estruturação social e proliferação de matrizes de referência.

O ensino de arquitectura, entre nós, tem optado genericamente por dois modelos distintos:
O primeiro consiste na falta de ministração de um modelo, ou metodologia de eleição, numa atitude demagogicamente atenta à
multiplicidade dos tempos actuais. Trata-se de uma pedagogia demitida, económica do ponto de vista da docência, que deixa
essencialmente os alunos ao liberal abandono.

O segundo é o ensino do ofício, que tem como base um modelo fixo. Com evidentes vantagens sobre o primeiro, permite articular uma
metodologia que regula o acesso ao aprofundar de questões internas da disciplina. A inviolabilidade do modelo eleito torna-se contudo
fundamental para garantir o anterior, conferindo-lhe valores de uma falsamente generalizável dimensão universal.

O arquitecto entra então na profissão, para um contexto muito distinto daquele em que é preparado.

Isolado num universo específico, de objectos arquitectónicos seleccionados, apresenta-se (ao exterior) como um criador/inventor de
contextos.
Numa esfera muito distinta situa-se o cliente, não raramente portador de universos diferenciados, constituídos por acumulação de
imagens a apartir de uma paisagem visível.

A fractura entre estes dois universos parece separar o arquitecto e o cliente de uma distância inalcançável.

A resposta mais acomodada (e frequente) a esta condição consiste no reparar dessa fractura, numa “harmoniosa” fusão das duas
partes, em que o arquitecto se transforma numa extensão do cliente. Uma atitude essencialmente ilustrativa e acrítica, que reinvidica a
utilidade social imediata.

Por contraste, aparece a prática que resiste em oposição a esta apróximação. O arquitecto veste o cliente de um papel de aberração
cultural, numa espécie de mal necessário e desenvolve a sua actividade de uma forma estanque. Sem o assumir, investe-se como
produtor de objectos insulares, que remetem essencialmente a um universo (o seu) pré-definido de objectos de genética comum, ainda
que de e para contextos diversos.

Trabalhar fora desta geometria operativa abre um inquietante e incomensurável vazio.


Responder a situações sempre distintas requer a construção não de um modelo novo de cada vez, mas de um modelo híbrido,
suficientemente permeável e mutável, que possa albergar em si tanto de memória (experiência), como de específico e de novo
(experimentação).
Precisa-se de um modelo que estabeleça pontos de ligação sobre as fracturas, mas que as assuma como necessárias para a evolução
deste binómio arquitecto-sociedade.

O acto de projecto actual começa por ter que identificar a nova condição de lugar, que já não é simplificável ou redutível às dimensões
tangíveis do estritamente físico ou geográfico. É um universo legível, específico, não circunscrito e dinâmico (em transformação). É
fragmento, referenciável a outros.

A produção do objecto arquitectónico deixou de ser suficiente. Cabe também agora ao arquitecto preparar a sua validade.
Mais do que alertar para os perigos, é o dever da escola preparar este caminho.

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