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Nietzsche (1844- 1900) defende a idéia de que a alma atual passa por

quatro movimentos justapostos. Essa idéia é claramente aceita por Deleuze


(1925- 1995), um filó sofo francês que dedicou parte do seu trabalho a analisar e
interpretar filó sofos modernos, entre os quais Nietzsche está presente.
Antes de entrar nesses quatro movimentos, é necessá rio entender
brevemente o que estava acontecendo antes deles. Lembrando sempre que a
cultura aqui analisada nã o é geral, e sim eurocêntrica ou clá ssica, sendo assim, a
primeira época a vermos é o mundo grego, antes das idéias de Platã o (grande
negaçã o).
Nesse mundo grego, a idéia de divindades eram completamente terrenas,
sendo impossível a um ser da época pensar em um outro plano que nã o o nosso.
Outra característica importante para o entendimento do texto a seguir, é que,
nesse mundo, havia um pensamento extremamente diferente do atual a respeito
da morte. O grego antigo nã o fugia da morte, a enfrentava de tal modo e com tal
intimidade que fazia com que vencer a dor e a morte aumentasse sua vitalidade.
Com as constantes crises e novos pensamentos, houve a idéia que levou a
criaçã o de um novo mundo, a esse, criado por Platã o, foi dado o nome de grande
negaçã o. Negaçã o aqui é a negaçã o a vida para uma vida melhor. Nesse primeiro
momento, essa vida melhor é chamada de “mundo das idéias”. Esse mundo das
idéias, tã o conhecido e comentado atualmente, mais de 2300 anos apó s seu
surgimento, nada mais é do que um mundo onde estariam as coisas “perfeitas”,
todas as coisas do nosso mundo, chamado de “mundo sensível”, seriam portanto
có pias imperfeitas desse mundo.
Essa idéia é criticada por Deleuze e, da mesma forma, por seu
contemporâ neo William Burrough que usa o inglês (sua língua natal), bem como
conteú dos gramaticais inerentes à vá rios idiomas, para explicar sua critica.
Burrough diz que é preciso eliminar o uso de artigos definidos (O; A; OS; AS) bem
como o uso da palavra “ou”. O que ele quer dizer é que nã o existe um mundo
ideal onde está presente A sabedoria, O certo, O errado, muito pelo contrá rio,
existem diversas sabedorias e diversas maneiras de se ver algo como certo e
errado. Da mesma maneira, ele pede que se elimine a palavra “ou” pois acredita
que as coisas nã o sã o necessariamente de um jeito OU de outro, elas podem
simplesmente serem de um jeito E de outro.
A sociedade grega pensava diferente, dessa forma, o mundo das idéias
estava cada vez mais consolidado e encontrou-se com o cristianismo. Levando
essas idéias, o cristianismo surge com a idéia de um mundo superior onde estaria
deus e pra onde iriam as pessoas que fosse boas em vida. Em alguns séculos,
acredito que por ser algo a se atingir, e um paraíso é uma coisa bem interessante,
o cristianismo estava extremamente forte, era agora a versã o popular do
platonismo. Mais tarde o cristianismo passou a dividir seu espaço, perdendo a
maioria dele, com a ciência.
Segundo Deleuze, embora a teoria de Platã o tenha sido amplamente
aceita, ele nã o venceu pois nã o houve estabilidade de forças, até mesmo o
contrá rio.
Tudo isso acabou por levar, no começo do século VII a um movimento
chamado por Nietzsche de “grande reaçã o”, onde Deus “perdeu seu lugar” para o
homem. Isso quer dizer que o centro das coisas deixou de ser Deus. O paraíso, os
valores superiores da igreja, perderam forças por causa de uma concorrência
com novos valores, como o individualismo.
O grande desejo de alcance parou de ser o paraíso e passou a ser o
progresso, uma aposta no futuro ainda na terra. Mesmo com a idéia de sofrer no
presente para alcançar algo maior no futuro, esse futuro já nã o era tã o distante.
Sendo assim, percebe-se que há uma certa “tendência”, mesmo que nã o fosse
necessariamente seguida, a buscar a sua realizaçã o cada vez mais no presente.
Nessa época o homem passou a ter maior consciência dos fenô menos e
das estruturas da natureza, e isso quer dizer que o homem deixou de pensar
tanto em um outro plano e passou a perceber o que acontece no seu plano. Essa
mudança, aparentemente sutil, foi uma mudança de paradigmas extremamente
importante.
Essa consciência era tã o importante que as pessoas que tinham esse
conhecimento eram aquelas que levavam sua opiniã o à s pessoas e eram ouvidas.
No século XIX essa capacidade de ter sua opiniã o levada em consideraçã o ganhou
o termo “influência”, ou seja, “soprar para dentro”. A grande reaçã o foi o
momento onde o homem se interiorizou, portanto, conseguir “soprar pra dentro”
de alguém a sua opiniã o era algo que representava “poder” diante daqueles
indivíduos.
Ainda no pró prio século XIX, surgiu a necessidade de uma
“desinteriorizaçã o”, as pessoas passaram de escrever apenas em seus pró prios
diá rios e passaram a precisar falar para alguém. Esse novo movimento é
chamado por Nietzsche de “Mobilidade Passiva”. O homem já nã o estava tã o
direcionado ao homem, havia uma descrença na humanidade, uma “fuga do eu”.
Essa descrença ocorria de duas formas, a primeira era o pensamento, de
certa forma coletivo, de que o homem havia fracassado, um murmú rio de
lamentaçõ es, a outra era de que já nã o havia esperança. Isso tudo ocasionou o
crescimento do mundo interior (psicoló gico) e as pessoas se desconectaram, nã o
totalmente, do mundo supra-sensível.
A essa fase foi criado o termo “neonarcisismo”, que era o narcisismo que
ocorria na época, a necessidade de autocontemplaçã o, de receber elogios e etc.
Isso tudo, de certa forma é um tanto quanto perigoso pois as pessoas tinham uma
relaçã o direta com o poder, enquanto umas acreditavam nã o serem capazes de
fazer nada, outras acreditavam ter o poder de tudo. Tanto uma crença quanto a
outra beira extremos e isso faz delas perigosas.
Nessa época a subjetividade estava voltada para o interno, diferente dos
antigos que acreditavam que ela era produzida pelo externo. Foi uma época de
muitas doenças mas também de um começo para a saú de. Nesse momentos sã o
criados termos como “depressivo” e "hiperativo". É desse momento também a
busca pelo prazer a qualquer custo, para isso, as pessoas se drogavam (com
remédios), o que faz dessa sociedade uma sociedade “hipocondríaca”.
Com tudo isso, é normal perceber que o ser humano da época acabou por
se voltar para fora, o capitalismo, já forte, ajuda a reforçar essa virada. O homem
tornou-se um ser bidimensional, o que é perceptível em pessoas extremamente
consumistas. Havia a necessidade de ser magro para que as pessoas pudessem
“ver-se e ver aos outros por dentro”.
Esse momento foi extremamente desgastante e aflitivo para a histó ria
pois era praticamente um jogo entre esperança de salvaçã o terrena e cansaço. É
nesse momento que se percebe uma certa tendência à atividade.
No período onde os seres humanos passaram a ser representaçõ es de
seus bens materiais, e nã o o contrario, as pessoas sã o vistas como cifrõ es,
índices, contas, etc. Tudo isso ocasionou em um agrupamento, ou seja, de
divíduos, pois já nã o eram indivíduos, principalmente em necessidades
bioló gicas, é a chamada bioidentidade. É importante deixar claro que essa
reduçã o dos indivíduos como fatores bioló gicos nã o deixam de produzir política,
as pessoas continuam a exercer sua influência.
Atualmente, cada vez mais pessoas tem uma fé inabalá vel na ciência,
embora como em qualquer seguimentos, ela acerte e erre. Porém, é importante
ressaltar que os movimentos nã o ocorrem sozinhos, cada um desses movimentos
está ocorrendo simultaneamente nas sociedades e em cada indivíduo, pois, nas
palavras do pró prio Nietzsche “As convicçõ es sã o inimigas mais perigosas da
verdade do que a mentira”.

Perguntas e Reflexõ es:

1)O texto me fez refletir sobre uma pergunta a qual acredito que nã o terei uma
resposta certa, a nã o ser que encontre alguém que nasceu “a dez mil anos atrá s”.
O comportamento humano, que as vezes me parece tã o previsível e possível de
mapear, seria tã o incerto a ponto de, estudando minuciosamente cada processo
necessá rio para chegarmos onde estamos, nã o seria capaz prever como será ou
pelo menos como se dará o pró ximo movimento? Sei que o assunto já foi diversas
vezes discutido em aula, porém, certas coisas sã o tã o atemporais que, embora
nã o acredite nela, parecem constituir uma “natureza humana”. Certas coisas que
foram ditas sobre as pessoas há 2000 anos ainda vigoram.

2) Refletindo sobre certo e errado, um conceito que sempre acreditei nã o existir,


descobri que eles existem e sã o extremamente fortes. Algumas pessoas tem
idéias fantá sticas, porém, por lançarem-na da maneira errada ou na época
errada, nã o sã o ouvidas. Outras pessoas tem idéias totalmente arcaicas mas sã o
capazes de saber onde essas coisas devem ser ditas. A relaçã o disso com o texto é
que, conforme as açõ es de um grupo estejam mais relacionadas com um certo
movimento naquele determinado momento, certas opiniõ es serã o mais certas ou
erradas. Sendo assim, certo e errado nã o sã o conceitos que nã o existem, mas sim
conceitos relativos.

3) Se o psicoló gico é algo criado que só passou a fazer sentido em um


determinado momento, qual a pró xima coisa a ser criada? O que estamos criando
e somos incapazes de perceber? Seriam esses movimentos direcionados a
energias, que sempre existiram e hoje estã o cada vez mais fortes a pró xima
ciência? Como esse movimento de mobilidade ativa que está emergindo
influencia nessa ciência? O que está acontecendo e simplesmente nã o vemos?

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