Você está na página 1de 32

Índice

Editorial
Composição e sistemática ............................................. 3
Por William Saad Hossne

Dúvidas
A CONEP responde ...................................................... 6
Por William Saad Hossne

Depoimento
A trajetória do CEP do Instituto Fernandes Figueira .......... 11
Por Márcia Cassimiro e Juan Llerena Jr.

Entrevista
José Eduardo de Siqueira ............................................. 15
Por Andrea Doré

Giovanni Berlinguer .................................................... 18


Por Andrea Doré

Em debate
O caminho da aproximação .......................................... 20
Por Paulo Henrique de Castro e Faria

A linguagem como veículo da Ética ..................................... 23


Por Alejandra Rotania

Autonomia para todos ................................................ 24


Por Marco Segre

“Carta a uma jovem cientista” ...................................... 25


Por Maria Leda de Resende Dantas

Livros
Publicações em destaque ............................................ 26

Opinião
Pesquisa médica e tecnológia ....................................... 28
Por Jacob Kligerman
Editorial

Composição e sistemática
Por William Saad Hossne

D
William Saad Hossne
e acordo com o item VIII da ção são de competência da institui- é professor, médico,
Resolução n.º 196/96, do ção; contudo, deve incluir a partici- pesquisador, membro
do Conselho Nacional
CNS, a Comissão Nacional de Éti- pação de profissionais das áreas da de Saúde (CNS) e
coordenador da
ca em Pesquisa (CONEP) é uma saúde, das ciências exatas, sociais e Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa
“instância colegiada, de natureza humanas, incluindo, por exemplo, (CONEP).
consultiva, deliberativa, normativa, juristas, teólogos, sociólogos, filóso-
educativa, independente, vinculada fos, bioeticistas e, pelo menos, um
ao Conselho Nacional de Saúde”. membro da sociedade, este repre-
A Comissão tem composição multi sentando os usuários da instituição.
e transdisciplinar, é composta por 13 Muito embora a composição de cada
(treze) membros titulares e seus res- CEP seja definida a critério da insti-
pectivos suplentes (item VIII.1), sen- tuição, pelo menos a metade dos
do 5 (cinco) deles personalidades membros deve ser de pessoas com
destacadas no campo da ética na pes- experiências em pesquisa, eleitos
quisa e na saúde e 8 (oito) persona- pelos seus países. Considera-se, por-
lidades nos campos teológico, jurí- tanto, que os CEPs têm legitimida-
dico e outros, assegurando-se que de e credenciais suficientes para a
pelo menos 1 (um) seja da área da adequada e criteriosa indicação de
gestão da saúde – no caso, indicado nomes para compor a CONEP.
pelo Departamento de Ciência e Em 10 de julho de 2003, a
Tecnologia em Saúde do Ministério CONEP solicitou a todos os CEPs
da Saúde (DECIT). as devidas indicações, acompanha-
Os mandatos dos membros da das de currículo do indicado, com
CONEP são de 4 anos, e a cada 2 prazo de recebimento até 22 de
anos expiram os mandatos de 6 ou agosto desse mesmo ano. Foram
7 membros. Em setembro de 2003 recebidas indicações de 192 nomes,
expirou o mandato de 7 membros dentre as seguintes áreas: adminis-
titulares e 8 membros suplentes (um tração de empresas, advocacia, as-
a mais, por falecimento). A seleção sistência social, biologia, biome-
dos membros titulares e suplentes é dicina, bioquímica, ciências contá-
atribuição exclusiva do Conselho Na- beis, ciências sociais, comunicação
cional de Saúde. Para a seleção, de social, educação física, enfermagem,
acordo com o disposto no item engenharia civil, engenharia elétri-
VIII.2 da Resolução n.º 196/96, ca, farmácia, filosofia, teologia, físi-
cada Comitê de Ética em Pesquisa ca, fisioterapia, fonoaudiologia, his-
(CEP), devidamente registrado, tória natural, lingüística, magistério,
pode indicar duas personalidades matemática, medicina, nutrição,
que preencham as características re- odontologia, psicologia, proces-
feridas (item VIII.1). samento de dados, sociologia e Cadernos
Assinale-se que os CEPs são zootecnia, incluindo representação de Ética em 3
colegiados cuja organização e cria- dos usuários. Pesquisa


Em seguida, o Conselho Nacio- quadrem no perfil já referido; e saúde ou com destacada atuação no
nal de Saúde designou uma comis- b) deve ser assegurada a multi- campo das ciências humanas e so-
são especial para proceder à análise disciplinaridade na composição. ciais. É interessante assinalar ainda
preliminar das indicações. Com base Assim, foram escolhidos por sor- que o sistema CONEP/CEP con-
em tais subsídios, o CNS, de acor- teio apenas nomes de personalida- ta com aproximadamente 400 co-
do com as normas da Resolução n.º des indicadas pelos CEPs dentro das mitês institucionais. São cerca de
196/96, indicou 4 membros titula- áreas específicas. Ao final, a com- 5.000 pessoas de diferentes áreas par-
res (um médico, um farmacêutico/ posição da CONEP ficou a seguin- ticipando diretamente do processo
farmacólogo, um teólogo/filósofo e te: membros titulares – cinco médi- de avaliação dos projetos de pesqui-
um sociólogo, este representante dos cos (38%), um jurista, um sociólogo sa envolvendo seres humanos.
usuários) e 5 membros suplentes (representante dos usuários), um fi- Quando se analisa a composição
(um médico, um filósofo, um teólo- lósofo/teólogo, um farmacêutico/ dos CEPs segundo a profissão ou a
go/filósofo, um assistente social e farmacólogo, um odontólogo, um área de formação dos membros,
um matemático, este representante enfermeiro, um psicólogo e um bió- verifica-se que o maior número é de
dos usuários). Os outros membros logo. Membros suplentes – cinco médicos, constituindo, porém, me-
foram escolhidos por sorteio, obe- médicos (dentre estes, um médico/ nos da metade (31% dos membros);
decendo estritamente à relação de advogado e um médico veterinário), os demais são personalidades das
nomes encaminhados pelos CEPs. um matemático (representante dos áreas de ciências humanas e sociais
Para assegurar a multi e a trans- usuários), um assistente social, um e outros profissionais da saúde, o que
disciplinaridade da composição, o geógrafo, um auxiliar de enferma- assegura a multidisciplinaridade,
sorteio se processou dentro de áreas gem (representante dos usuários), como ocorre também na CONEP.
específicas ou de acordo com a for- um estaticista, um teólogo/filósofo, De acordo com a Resolução n.º
mação profissional e acadêmica dos um lingüista/filósofo e um teólogo. 196/96, tanto a CONEP como
indicados, respeitando-se a represen- Vale enfatizar que os novos mem- os CEPs podem contar com as-
tação dos usuários. O processo do bros, sejam os de indicação direta, sessoria ad hoc sempre que neces-
sorteio é orientado conforme duas sejam os escolhidos por sorteio, fi- sário. Nesse sentido, estão regis-
diretrizes básicas: guravam nas listas de personalida- trados na CONEP os nomes de
a) só podem ser incluídos no- des consideradas como destacadas 330 especialistas que atuam como
mes indicados por CEPs que se en- no campo da ética na pesquisa e na assessores ad hoc.

Cadernos
4 de Ética em
Pesquisa
Coordenador:
Composição atual da CONEP William Saad Hossne
Titulares
Sueli Gandolfi Dallari – Jurista, Co- Estratégicos (SCTIE). Representante Franciscano – Universidade Federal
ordenadora do Curso de Especializa- dos Gestores Federais em Saúde. de São Paulo/UNIFESP, Membro do
ção em Direito Sanitário da Faculda- Alejandra Rotania – Socióloga, Repre- CEP da UNIFESP.
de de Saúde Pública da USP. sentante dos Usuários e integrante *Pedro Luiz Rosalen – Farmacêuti-
Marco Segre – Médico – Prof. de do Centro Ser Mulher. co, Doutor em Farmacologia/
Medicina Legal e Ética Médica da Fa- *William Saad Hossne – Médico, Pro- UNICAMP, pós-doutorado em
culdade de Medicina da USP, Mem- fessor Emérito de Cirurgia e de Bioética Cariologia – Universidade de
bro da Comissão de Bioética do da Faculdade de Medicina de Botucatu/ Rochester (EUA), Professor Livre-Do-
HCFMUSP. UNESP – Professor “honoris causa” pela cente e Titular de Farmacologia da Fa-
César Pinheiro Jacoby – Médico e UnB, Fundador da Sociedade Brasileira culdade de Odontologia de Piracicaba
Geneticista. Membro do Dep. de Ci- de Bioética, Conselheiro do Conselho – UNICAMP, Membro da Comissão
ência e Tecnologia (Decit), da Secre- Nacional de Saúde. de Odontologia da CAPES, Membro
taria de Ciência, Tecnologia e Insumos *Anacleto Luiz Gapski – Sacerdote do CEP/UNIMEP.
Teresinha Röhrig Zanchi – Odontó- Professora Livre Docente, Enfermeira, *João Luciano de Quevedo – Psiquia-
loga, Professora aposentada da Uni- Membro do CEP do Hospital Israelita tra; doutorado em Ciências Biológi-
versidade Federal de Santa Maria/ Albert Einstein. cas – Bioquímica. Professor Titular
RS – Coordenadora das Ações de *Nilza Maria Diniz – Bióloga, mes- de Psiquiatria da Universidade do Ex-
Saúde e Diretora de Saúde Básica trado em Genética pela FMRP/USP e tremo Sul Catarinense. Coordenador
do Município de Canoas/RS, Mem- doutorado pela FMRP/Washington do CEP da Universidade do Extremo
bro do CEP da UFSM. State University – USA. Professora Ad- Sul Catarinense.
Wladimir Queiroz – Médico Infec. – junta da Univ. Estadual de Londrina nas *Iara Coelho Zito Guerriero – Psi-
Inst. de Infectologia Emílio Ribas/SP, disciplinas de Genética e Bioética em cóloga – mestrado em Psicologia Clí-
Professor da Faculdade de Ciências cursos de graduação e no curso de nica pela PUC/SP, Doutoranda da Fa-
Médicas de Santos, Coordenador do especialização em Bioética. Coordena- culdade de Saúde Pública – USP, Co-
CEP do IIER. dora do CEP da UEL – Londrina, Coor- ordenadora do CEP da Secretaria Mu-
*Sonia Maria de Oliveira Barros – denadora do CEP da UEL – Paraná. nicipal de Saúde – São Paulo.
Suplentes
*Fermin Roland Schram – Lingüis- da SCTI/MS, Presidente da Socieda- São Camilo, Pesquisador do Núcleo
ta – mestrado em Semiologia pela de de Bioética de Brasília. de Bioética da Instituição e Coorde-
EHESS/Paris, doutorado em Saúde Jorge Beloqui – Matemático, Profes- nador do CEP do Centro Universitário
Pública pela ENSP, pós-doutorado em sor da USP, Rep. dos Usuários, Mem- São Camilo – São Paulo.
Bioética pela Universidade do Chile, bro do Grupo de Incentivo à Vida – GIV. *Yolanda Avena Pires – Diplomada
Professor da ENSP/Fundação Eliane Eliza de Souza Azevedo – Mé- em Literatura, Fundadora da Casa
Oswaldo Cruz – RJ, Ex-Coordenador dica Geneticista, Professora Titular de do Candango/Brasília e da Comis-
do CEP da instituição. Bioética da Universidade Estadual de são dos Direitos Humanos no Movi-
Sônia Vieira – Estaticista, Professo- Feira de Santana – BA, Coordenadora mento Feminino pela Anistia da Liga
ra da Unicastelo – São Paulo. do CEP da UEFS/BA. Brasileira de Defesa dos Direitos Hu-
Edvaldo Dias Carvalho – Médico e *Christian de Paul Barchifontaine – manos e do Grupo Ação Social
Advogado – Representante dos Sacerdote Camiliano, Enfermeiro, Mes- (GAS), dentre outros. Membro do
Gestores, indicado pelo Departamen- tre em Administração Hospitalar e da CEP do Centro de Pesquisas Gonça-
to de Ciência e Tecnologia em Saúde Saúde, Reitor do Centro Universitário lo Moniz/FIOCRUZ – BA.
Helmut Tropmair – Geógrafo, Mem- Moradores do Conjunto Itatiaia, Mem- Doutor em Endocrinologia pela
bro do CEP do Instituto de Urologia e bro do CEP do Hospital de Urgências UNIFESP, Professor do curso de pós-
Nefrologia de Rio Claro/SP. de Goiânia – GO. graduação em Ciências da Saúde do
Rubens Augusto Brazil Silvado – *Marcos Fábio Gadelha Rocha – Hospital Heliópolis, Membro do CEP
Médico Cirurgião, Professor da Fa- Médico Veterinário, Professor de Far- do Hospital Heliópolis.
culdade de Medicina de Marília/SP, macologia da Universidade Estadual do Leonard Martin – Padre Redento-
Coordenador do CEP da Faculdade de Ceará, mestrado e doutorado em Far- rista, Doutor em Teologia Moral,
Medicina de Marília. macologia (UFC) e pós-doutorado na Professor Titular de Ética e Profes-
*Francisco Pereira da Silva – Re- Universidade de Virginia – EUA, Pes- sor de Bioética na Universidade Es-
presentante dos Usuários – Auxiliar quisador do Programa Produtividade tadual do Ceará, Professor de Teo-
de Enfermagem, Conselheiro Muni- em Pesquisa, do CNPq, Membro do logia Moral e de Bioética no Institu-
cipal de Saúde, Membro da Comis- CEP da UEC. to Teológico – Pastoral do Ceará,
são de Farmácia do Município de *Odilon Victor Porto Denardin – Membro do CEP da UFCE e Coor-
Goiânia, Membro da Associação dos Médico Especialista em Endocrinologia, denador do CEP da UEC. Cadernos
Legenda: * Escolhidos em 04/09/03 e 02/10/03 Fonte: Secretaria–Executiva/CONEP de Ética em 5
Membros indicados
Membros sorteados
Pesquisa
Dúvidas

A CONEP responde

spaço reservado A consulta No anexo II da Resolução n.º

E às dúvidas de
Considerando a exigência da
ANVISA de que estudos de
391/99 (guia para protocolo e
relatório técnico de estudo de
pesquisadores e bioequivalência são necessários biodisponibilidade ou de bioequi-
membros dos CEPs, para a aprovação de novas mar- valência) consta:
cas (ou genéricos) de um mesmo 9.1- Princípios básicos – devem
esta seção apresenta, medicamento, qual seria o posi- seguir as resoluções vigentes do
a cada edição, cionamento ético que os CEPs Conselho Nacional de Saúde –
deveriam adotar diante da reali- MS, que regulamentam as normas
observações e
zação de estudos de bioequi- de pesquisa em seres humanos.
encaminhamentos valência em sujeitos normais da 9.2- Parecer do Comitê de Éti-
indicados segundo a faixa etária pediátrica, uma vez ca em Pesquisa (CEP) creden-
que muitos medicamentos ciado na Comissão Nacional de
Resolução n.º 196. (antiinflamatórios, antitérmicos, Ética em Pesquisa (CONEP), do
antieméticos, antibióticos, etc.) CNS/MS.
são indicados, às vezes, exclusi- Conclui-se, pois, que não há
vamente ou predominantemen- nenhuma dúvida quanto à exigên-
te para essa faixa etária? cia de se cumprir o disposto nas
Considerações Resoluções da CONEP, em par-
Os estudos de biodisponibi- ticular, no caso, o disposto na
lidade e de bioequivalência exigi- Resolução n.º 196/96, que deve,
dos pela ANVISA estão disciplina- pois, nortear a análise, pelo CEP,
dos na Resolução n.º 391/99, da dos estudos de biodisponibilidade
qual se destacam os seguintes itens: e de bioequivalência.
1- Critérios para provas de Em outras palavras, o “posicio-
biodisponibilidade de medicamen- namento ético que os CEPS de-
tos em geral. vem adotar” é o mesmo que deve
4.3.1- j- O projeto de Pes- ser seguido na análise de qualquer
quisa, o Protocolo Experimental projeto de pesquisa envolvendo
e o Termo de Consentimento Li- seres humanos, destacando-se,
vre e Esclarecido devem ser sub- em particular, o estipulado no
metidos a um Comitê de Ética em item III. 3-j:
Pesquisa (CEP) credenciado na III.3 - A pesquisa em qualquer
Comissão Nacional de Ética em área do conhecimento, envolven-
Pesquisa (CONEP), do Conse- do seres humanos, deverá obser-
lho Nacional de Saúde. var as seguintes exigências:
2- Critérios para provas de j) ser desenvolvida preferencial-
bioequivalência de medicamentos mente em indivíduos com autono-
Cadernos genéricos. mia plena. Indivíduos ou grupos
6 de Ética em 5.1- Repete-se o teor do vulneráveis não devem ser sujei-
Pesquisa item 4.3.1 - j. tos de pesquisa quando a infor-
mação desejada possa ser obti- namentos específicos ou à influ- A consulta
da através de sujeitos com plena ência de autoridade, especial- Como devemos considerar os
autonomia, a menos que a in- mente estudantes, militares, “relatos de casos”, ou seja, quan-
vestigação possa trazer benefí- empregados, presidiários, inter- do o profissional, depois do tra-
cios diretos aos vulneráveis. Nes- nos em centros de readaptação, tamento de um paciente (especial-
tes casos, o direito dos indivídu- casas-abrigo, asilos, associações mente em psicoterapia), tendo en-
os ou grupos que queiram par- religiosas e semelhantes, assegu- contrado aspectos relevantes para
ticipar da pesquisa deve ser as- rando-lhes a inteira liberdade de a comunicação científica, por aca-
segurado, desde que seja garan- participar ou não da pesquisa, so resolve relatá-los em congresso
tida a proteção à sua vulnerabi- sem quaisquer represálias; ou revista? Supondo o sigilo e as
lidade e incapacidade legalmen- c) nos casos em que seja im- precauções contra os malefícios,
te definida. possível registrar o consentimen- tal relato pode ser feito sem passar
IV. 3- a, b, c da Resolução n.º to livre e esclarecido, tal fato deve pelo CEP? Como passá-lo pelo
196/96: ser devidamente documentado, CEP se não é projeto de pesquisa?
IV.3 - Nos casos em que haja com explicação das causas da im- Deve ser colhida a autorização do
qualquer restrição à liberdade ou possibilidade e parecer do Comi- paciente? E, no caso de paciente já
ao esclarecimento necessários tê de Ética em Pesquisa. falecido, colhe-se a autorização da
para o adequado consentimento, Vale lembrar, ainda, os itens família ou do responsável legal?
deve-se ainda observar: IV.2 - a, b, c da Resolução n.º Bastaria a revisão e a aceitação do
a) em pesquisas envolvendo 251/97: CEP? O Comitê de Ética em Pes-
crianças e adolescentes, portado- IV.2 - Inclusão na pesquisa de quisa revisaria um comunicado
res de perturbação ou doença sujeitos sadios: com a justificativa para a necessi-
mental e sujeitos em situação de a) Justificar a necessidade de sua dade de relato de caso ou o pró-
substancial diminuição em suas inclusão no projeto de pesquisa. prio relato?
capacidades de consentimento, Analisar criticamente os riscos Alcino Eduardo Bonella
deverá haver justificação clara da envolvidos. (Coordenador do CEP da UFU)
escolha dos sujeitos da pesquisa, b) Descrever as formas de re- Considerações
especificada no protocolo, apro- crutamento, não devendo haver si- No tocante aos relatos de casos
vada pelo Comitê de Ética em tuação de dependência. clínicos, há várias condicionantes
Pesquisa, e cumprir as exigênci- c) No caso de drogas com ação que devem ser levadas em conta,
as do consentimento livre e es- psicofarmacológica, analisar criti- tendo em vista que, muitas vezes,
clarecido, através dos represen- camente os riscos de se criar de- é tênue a linha divisória entre o
tantes legais dos referidos sujei- pendência. mero registro médico e a “pes-
tos, sem suspensão do direito de Parecer quisa”. A Resolução n.º 196/96
informação do indivíduo, no li- O CEP deve, pois, analisar os (no item II.1) define pesquisa
mite de sua capacidade; projetos à luz da Resolução n.º como “classe de atividades cujo
b) a liberdade do consenti- 196/96 (itens destacados, em objetivo é desenvolver ou contribuir
mento deverá ser particularmen- particular). para o conhecimento generalizável.
te garantida para aqueles sujei- Dr. William Saad Hossne O conhecimento generalizável con- Cadernos
tos que, embora adultos e capa- Coordenador da CONEP siste em teorias, relações ou princí- de Ética em 7
zes, estejam expostos a condicio- pios ou no acúmulo de informações Pesquisa


sobre as quais estão baseados, que registrar a ocorrência de raridade
possam ser corroborados por métodos nosológica ou de um evento ad-
científicos aceitos de observação e verso não descrito com o uso de
inferência”. terapêutica consagrada e/ou con-
A Resolução n.º 196/96 (no vencional. Entre essas duas pontas
item III.2) estipula também que pode haver extensa gama de varia-
“todo procedimento (grifo nosso) bilidade; o fator determinante é a
de qualquer natureza envolvendo implicação em procedimento (de
o ser humano, cuja aceitação não qualquer natureza).
esteja ainda consagrada na lite- Por isso não se pode, a priori,
ratura científica, será considera- afirmar a dispensa de apresen-
do como pesquisa e, portanto, deve- tação ao CEP, mesmo porque a
rá obedecer às diretrizes da presen- apresentação ao CEP não obje-
te Resolução”. E prossegue: “os tiva dificultar as atividades cien-
procedimentos referidos incluem, tíficas, pelo contrário, busca
entre outros, os de natureza instru- estimulá-las sob a égide da ética
mental, ambiental, nutricional, e da proteção do ser humano.
educacional, sociológica, econômi- Por outro lado, a resolução de-
ca, física, psíquica ou biológica, se- fine os Comitês de Ética em
jam eles farmacológicos, clínicos ou Pesquisa como “colegiados inter-
cirúrgicos e de finalidade preven- disciplinares e independentes, com
tiva, diagnóstica ou terapêutica”. múnus público”, de caráter con-
Com essa disposição objetivou- sultivo, deliberativo e educativo,
se não inibir qualquer ação ou ati- criados para defender os interes-
tude criativa nova, mas, ao mes- ses dos sujeitos da pesquisa em
mo tempo, buscou-se configurá- sua integridade e dignidade (gri-
la como projeto de pesquisa. As- fo nosso) e para contribuir no
sim, por exemplo, o cirurgião que desenvolvimento da pesquisa
pretenda propor novo procedimen- dentro de padrões éticos. O do-
to cirúrgico, ainda não consagra- cumento dedica todo um capí-
do na literatura, deve tratar a ques- tulo aos Comitês de Ética em
tão sob a forma de projeto de pes- Pesquisa, enfatizando sua auto-
quisa, isto é, deverá apresentar os nomia e independência de qual-
subsídios científicos, médicos e ex- quer injunção, e confere plenos
perimentais que fundamentem sua poderes aos CEPs para atuarem
proposta. A apresentação de ca- tanto no sentido consultivo quan-
sos (os primeiros) poderá ser fei- to deliberativo e/ou educativo.
ta; contudo, como parte do proje- De igual forma, dá aos CEPs a
Cadernos to e após a aprovação do mesmo. co-responsabilidade pelos aspec-
8 de Ética em Em outra ponta, o médico pre- tos éticos dos projetos por eles
Pesquisa tende com o relato de caso apenas aprovados.
Dentre as atribuições do CEP n.º 196/96, em particular no ca- a instituições clínicas, a serviços ou
está a de “revisar todos os protocolos pítulo IV) a necessidade de ob- entidades de assistência, particu-
de pesquisa envolvendo seres huma- tenção do consentimento do su- lares ou públicas, pertencem à ins-
nos, cabendo-lhe a responsabilida- jeito da pesquisa. tituição em questão e não aos pro-
de primária pelas decisões sobre a No capítulo XIII, de publici- fissionais que nela trabalham sob
ética da pesquisa a ser desenvolvi- dade e trabalhos científicos, o vínculo empregatício ou por con-
da na instituição (grifo nosso), de Código de Ética Médica se atém trato”. Os pacientes, neste caso,
modo a garantir e resguardar a mais à questão da publicidade, não estão vinculados ao profis-
integridade e os direitos dos volun- assunto que mereceu atenção es- sional, mas à instituição.
tários participantes nas referidas pecial consubstanciado na Reso- Parecer
pesquisas”. Essas considerações lução do CFM n.º 1.701, de 25 1. A resposta à consulta só
são feitas no sentido mais genéri- de setembro de 2003. Há que se pode ser dada em caráter decisório
co do que específico, no caso em destacar o artigo 10, que dispõe: após análise de cada situação, para
tela, para apontar que o CEP tem “nos trabalhos e eventos científicos poder melhor caracterizá-la fren-
autonomia e responsabilidade para em que a exposição de figura de pa- te às disposições da Resolução n.º
equacionar cada situação. ciente for imprescindível, o médico 196/96;
O CEP tem poderes e liberda- deverá obter prévia autorização ex- 2. Em primeira instância, a
de de atuação, com a correspon- pressa do mesmo ou de seu repre- meu ver, esta análise (bem como
dente responsabilidade. A autono- sentante legal”. a decisão) cabe ao CEP;
mia e a liberdade devem ser exer- Vinculam-se à questão da apre- 3. Considerando a linha tê-
citadas pelo CEP sobretudo em sentação de caso clínico a proble- nue de separação entre “registro
situações de dúvida dos próprios mática do segredo médico e a uti- médico” e “pesquisa” e conside-
pesquisadores. lização do prontuário médico. Em rando que cada situação deve ser
Evidentemente, cabe à CONEP pareceres jurídicos do CREMESP, analisada de per si, em face das
participar do processo decisório, por exemplo, fica claro que o mé- dúvidas, meu parecer vai no sen-
assessorando, orientando, dirimin- dico é responsável e guardião de tido de que a apresentação (ou o
do dúvidas ou analisando situações prontuário médico, sobre o qual o relatório de caso), por segurança
omissas. Contudo, é bom ressaltar paciente tem direitos e que devem ética, deveria ser encaminhada
que a Resolução n.º 196/96 não é ser respeitados. sempre ao CEP;
um código, nem peça cartorial – é Assim, ainda que não se trate 4. Assim o CEP, diante do
um documento elaborado para o de pesquisa, a utilização de da- caso de consulta e com suas carac-
exercício da bioética, sem amarras dos do prontuário deve obede- terísticas próprias, poderá decidir;
e sem camisa-de-força. cer a tais diretrizes, resguardan- 5. Dessa forma, a instituição
Levando a questão suscitada do-se os direitos do paciente, sua toma conhecimento do que será
pela consulta para o campo da confidencialidade e privacidade. publicado ou apresentado, o pes-
ética médica (como ato médico), Vale acrescentar, ainda, que de quisador terá a devida cobertura
há que se analisar as disposições acordo com parecer (consulta e o CEP poderá avaliar adequa-
do Código de Ética Médica, no 1575-15/85): “os arquivos ou fi- damente o resguardo dos direitos
que se refere ao tópico “Pesqui- chários clínicos de pacientes inter- do paciente ou sujeito. Cadernos
sa Médica”. O artigo 123 esta- nados em hospitais ou dos pacien- Não há prejuízo, pelo contrá- de Ética em 9
belece (assim como a Resolução tes relacionados de alguma forma rio, só vantagens decorrentes do Pesquisa


envio ao CEP, partindo aprio- Comissão de Divulgação de Assun- Conclusão
risticamente que se trata de pro- tos Médicos (CODAME) dos Con- Recomenda-se sempre o enca-
cedimento vinculado direta ou selhos Regionais de Medicina, vi- minhamento do caso ao CEP, para
indiretamente à pesquisa. sando enquadrar o anúncio den- a devida avaliação, em face de sua
Além do mais, a análise de tais tro dos dispositivos legais é éticos”. competência e responsabilidade.
situações cria mecanismos para Da mesma forma, em vista de Cada situação deve ser analisada
melhor conhecimento dos aspec- todas as considerações, em frente às disposições bioéticas da
tos éticos envolvidos, bem como suma, meu parecer é no sentido Resolução n.º 196/96 e comple-
assegura a observância de precei- de que o pesquisador ou o mé- mentares.
tos éticos na instituição. dico deve sempre encaminhar a Dessa forma, haverá a de-
Até em casos de mera propa- sua proposta ao CEP, ao qual, vida cobertura, do ponto de vista
ganda, a Resolução do CFM n.º dentro de sua competência e ético, ao paciente, ao pesquisador
1.701/2003, em seu artigo 4.º, com a devida responsabilidade, e à própria instituição.
dispõe: “Art. 4.º – Sempre que em caberá a avaliação e a orienta- Dr. William Saad Hossne
dúvida, o médico deve consultar a ção (se for o caso). Coordenador da CONEP

COMUNICADO

Com muito pesar, comunicamos o falecimento do Padre Leonard Martin, ocorrido


na noite de 16 de março de 2004, em Fortaleza (CE). Nosso sentimento é de grande
tristeza pela perda da companhia de um ser humano maravilhoso e de um colaborador
competente, tendo sempre demonstrado interesse e disponibilidade na promoção dos
Direitos Humanos e na defesa da Ética na pesquisa científica. Participou da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde, num primeiro perío-
do de agosto de 1997 a agosto de 2003, tendo sido novamente escolhido em setem-
bro de 2003. Dentre outras atividades, atuou como membro do Conselho Editorial
dos Cadernos de Ética em Pesquisa. Sua falta será, sem dúvida, sentida por todos aqueles
que conviveram com ele na CONEP. Seu corpo foi velado na Igreja de São Raimundo/
Centro Comunitário São Tiago, emFortaleza, e posteriormente transferido para a Ir-
landa, sua terra natal.

Correspondência: Padre Alano


Comunidade Redentorista – Rua Ubajara 2222 – Parque Albano/Caucaia
61645-250 – Fortaleza/CE
E-mail: alanng@secrel.com.br
Cadernos
10 de Ética em Prof. William Saad Hossne,
Pesquisa Coordenador da CONEP, e equipe
Depoimento

A trajetória do CEP do Instituto


Fernandes Figueira
Por Márcia Cassimiro e Juan Llerena Jr.

O
Márcia Cassimiro é
Comitê de Ética em Pesqui- sociedade civil, uma vez que é pos- professora e
sa (CEP) do Instituto sível divulgar, consultar e acom- secretária-executiva
do CEP do IFF.
Fernandes Figueira (IFF), deno- panhar se determinado projeto foi
Juan Llerena Jr. é
minado CEP-IFF, foi instituído aprovado ou não pelo CEP. médico geneticista e
coordenador do CEP
pelo Ato da Direção n.o 013/97- Essa parceria traduz maior trans- do IFF.
GD, em 22 de julho de 1997, foi parência aos trabalhos desenvolvi-
aprovado e registrado pela Comis- dos pelo CEP-IFF, além de agilizar
são Nacional de Ética em Pesqui- o trâmite entre as partes envolvi-
sa (CONEP), em 25 de agosto das no envio e no recebimento de
de 1997, e em 30 de abril de 2003 informações de cada pesquisador.
obteve renovação e aprovação de Para o CEP-IFF tem sido muito
seu registro pela CONEP. O interessante estimular a participa-
CEP-IFF está credenciado para ção dos pesquisadores da unidade
análise de projetos de pesquisa no acesso ao SISNEP. O CEP-
envolvendo seres humanos no IFF engendra esforços para atuar
Office for Human Research numa instância de diálogo perma-
Protections (NIH/USA). nente, pois o diálogo é um dos
Desde fevereiro de 2002, o princípios fundamentais para a
CEP-IFF vem incorporando busca de um consenso mínimo.
suas contribuições ao Sistema O papel didático do CEP-IFF
Nacional de Informação sobre sobre as pesquisas, de uma ma-
Ética em Pesquisa Envolvendo neira geral – realizadas na insti-
Seres Humanos (SISNEP): http:/ tuição e envolvendo pesquisas clí-
/dtr2002.saude.gov.br/sisnep/. A nicas em seres humanos –, foi in-
tabela 1 exemplifica a utilização discutível e se aperfeiçoou com a
dessa ferramenta tanto pelos CEPs implantação do SISNEP. Não nos
quanto pelos pesquisadores e pela foi suficiente atenuar os conflitos,
Tabela 1

SISNEP – Instituto Fernandes Figueira (IFF)


Total de projetos por grupo
Grupos Número total de projetos Percentual
Grupo I 25 14,46%
Grupo II 1 0,57%
Grupo III 147 84,97%
Cadernos
Total 173 100% de Ética em 11
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz Pesquisa


muitas vezes mais voltados a ques- uma boa contribuição para os
tões administrativas, de fluxogra- que desejam desenvolver pesqui-
ma, do que propriamente a infra- sas envolvendo seres humanos.
ções éticas. Entretanto, a tolerân- Trata-se de uma publicação ele-
cia e o diálogo foram suficientes trônica que permite identificar
para minimizar tais dificuldades. os procedimentos necessários à
Apesar da escassez de recursos fi- aprovação e ao desenvolvimen-
nanceiros, promovemos reuniões to dessas pesquisas. Além des-
e discussões internas que trataram sas, o guia apresenta recomen-
de temas relacionados à Bioética. dações para se obter a aprova-
O colegiado participa de coorde- ção de projetos, materiais e equi-
nações e organizações de cursos, pamentos de pesquisa, para se
seminários, congressos, especial- realizar a remessa de material bio-
mente os realizados na cidade do lógico humano ao exterior e para
Rio de Janeiro. se conseguir o monitoramento de
Além desses eventos, promo- eventos adversos, bem como ad-
vemos atividades internas junto quirir legislação atualizada sobre
aos residentes das áreas de Me- o assunto.
dicina e Enfermagem e junto aos A experiência positiva do CEP-
alunos dos cursos de especializa- IFF na instituição tem sido bas-
ção, mestrado e doutorado. tante gratificante em diversos as-
Aproveitamos, inclusive, as datas pectos. Dentre eles destacamos a
simbólicas (Dia do Assistente So- melhoria dos projetos apresenta-
cial, Dia do Psicólogo, Dia do dos, a participação ativa da pós-
Enfermeiro e Dia do Médico) graduação (origem do maior nú-
para divulgar o trabalho do comi- mero de projetos registrados e
tê, apresentar a Bioética e discu- analisados) e a conscientização da
tir a importância da Resolução n.º importância do CEP/IFF como
196/96, do CNS, atribuindo des- “abalizador ético” da prática clí-
taque às diversas diretrizes éticas nica em pesquisa, especialmente
internacionais. De igual forma, com respeito a novos procedimen-
evidenciamos a importância de tos propedêuticos.
submeter à apreciação ética os O coordenador e a secretária-
estudos de aplicações de questio- executiva ficam diariamente à dis-
nários e a relevância da utilização posição de pesquisadores e sujei-
de banco de dados e das revisões tos de pesquisa. Os atendimen-
de prontuários e entrevistas. tos são previamente agendados
Outra ferramenta que mere- (por e-mail, pessoalmente ou
Cadernos ce destaque em nossas apresen- por telefone) e objetivam, espe-
12 de Ética em tações é o guia eletrônico cialmente, a orientação da cor-
Pesquisa (www.saude.gov.br/decit), reta apresentação dos protoco-
los de pesquisa, com entrega de Com relação à agenda contínua alunos, usuários, representantes
materiais instrucionais e educa- do CEP-IFF, são realizadas reu- da sociedade civil organizada e os
tivos. Em especial, esse suporte niões ordinárias (mensalmente), diversos segmentos sociais.
procura elucidar possíveis dúvi- das quais participam todos os mem- Um saldo positivo para o CEP
das relacionadas à adequação dos bros do comitê, e mini-reuniões foi a aprovação do Edital n.º 200/
protocolos para análise pelo regulares (semanalmente), que não 2003, do Ministério da Saúde/
CEP, também recebendo recla- exigem a presença de todos do UNESCO, referente ao Projeto de
mações e tentando encontrar so- colegiado. As reuniões extraordi- Fortalecimento Institucional dos
luções para os diferentes dilemas nárias apresentam freqüência de Comitês de Ética em Pesquisa,
menos complexos. titulares com mais de 75% de seus uma parceria com a Secretaria-
Garantir o funcionamento do membros. O colegiado é compos- Executiva da Comissão Nacional
CEP em local específico requer in- to por profissionais das áreas da de Ética em Pesquisa, no âmbito
vestimento contínuo. É de funda- saúde, das ciências exatas, sociais do Projeto de Cooperação Técni-
mental importância contemplar de e humanas, representantes da so- ca 914/BRA/2000 (UNESCO).
antemão o orçamento para manter ciedade civil organizada e por um O tema central desse projeto será
o CEP bem equipado. A justificati- representante dos usuários da ins- desenvolver discussões voltadas
va para tal empenho baseia-se na tituição. O regimento interno foi para os conflitos éticos envolvendo
agilidade necessária. Uma vez ca- elaborado e vigora desde 1999. a prática médica contemporânea em
dastrado um projeto para análise – Em 1998, elaboramos – com um hospital público de referência
contemplando as datas-limite im- base na experiência cotidiana do terciária para doenças de alta com-
postas pela Resolução n.º 196/96, CEP-IFF – um formulário mo- plexidade de assistência clínica e tra-
para entrega dos resultados das aná- delo de acompanhamento dos tamento, como, por exemplo, o
lises e fim das pendências – é feito projetos aprovados, o qual deno- manejo das malformações congê-
o encaminhamento para um pare- minamos Formulário de Acompa- nitas detectadas no pré-natal. Ao
cer ad-hoc e assim por diante. É uma nhamento Ético (FAE). (Os término do seminário será realiza-
agilidade adquirida. CEPs que tiverem interesse em do um curso de capacitação para
A complexidade do trinômio en- adquiri-lo podem solicitar o envio CEPs e deverá ser redigido um
sino-pesquisa-assistência requer um por e-mail). No FAE procuramos documento, que poderá servir
esforço de trabalho conjunto para agregar todas as exigências da como um agente facilitador para
o encontro, o intercâmbio e a troca Resolução n.º 196/96. discussões envolvendo patologias
entre os CEPs, a CONEP, a Agên- A relação institucional com a complexas dependentes de alta
cia Nacional de Vigilância Sanitária CONEP é o reconhecimento de tecnologia.
(ANVISA), os gestores, os alunos muita confiança para o bom an- É fundamental que avancemos
de iniciação científica, os damento do CEP-IFF. Entretan- no contexto internacional, a par-
mestrandos, os doutorandos, os to, são necessários programas de tir da América Latina, com a pro-
especializandos, os pesquisadores e educação continuada para os posta de discussão de uma
os usuários. Há que se empreen- membros do comitê e reforços na bioética de intervenção com
der um processo de reconhecimento formação em bioética e ética apli- enfoque periférico às questões
da legitimidade dos valores presen- cada à pesquisa envolvendo seres tradicionais, assegurando às ca- Cadernos
tes nas diretrizes e nas normas para humanos, adequada para futuros madas mais vulneráveis da popu- de Ética em 13
pesquisas com seres humanos. membros de comitês, gestores, lação global os benefícios do Pesquisa


desenvolvimento científico e derações morais e as opções mé- cautela os métodos científicos uti-
tecnológico, sem que tenhamos dicas devem ser exaustiva e fran- lizados nas pesquisas, especialmen-
que nos omitir ou flexibilizar as camente discutidas. Deve-se evi- te porque a relação entre o
normas de pesquisa brasileiras. As tar confundir o que é tecnicamen- pesquisado e o pesquisador perma-
fronteiras entre as populações do te possível com o que é moralmen- nece assimétrica. Por isso, são fun-
terceiro mundo e as do primeiro te admissível. damentais a consolidação e a
estão a milhas de distância. A ques- Por fim, depois de transcorridos integração dos Comitês de Ética
tão não é saber apenas a quem as seis anos de implantação da Reso- em Pesquisa em todo o País.
pesquisas e suas aplicações irão be- lução n.º 196/96, de inúmeras e
neficiar. É imprescindível assegu- recentes revisões da Declaração de Comitê de Ética em Pesquisa
rar aos povos do terceiro mundo Helsinque e da complementação com Seres Humanos – CEP/
os benefícios de um saber que os de diversas normas para pesquisas IFF/FIOCRUZ
libertaria do flagelo de doenças em seres humanos, fica evidente cepiff@iff.fiocruz.br
parasitárias debilitantes. As consi- que é fundamental mensurar com http://www.iff.fiocruz.br

Cadernos
14 de Ética em
Pesquisa
Entrevista

José Eduardo de Siqueira


Por Andrea Doré

Andrea Doré é
omo vice- No seu discurso durante o 6.º permeados, embebidos, necessa-

C presidente da
Congresso Mundial de Bioética,
o senhor falou da necessidade
riamente, de uma profunda refle-
xão ética. O braço da ciência avan-
jornalista, doutora em
História e professora
da Universidade
Federal do Paraná
(UFPR).
Sociedade Brasileira de do comportamento ético na çou muito, de tal maneira que,
Bioética, ele foi um condução de uma pesquisa. Na hoje, pode transformar a nature-
sua opinião, qual a importância za extra-humana e a natureza hu-
dos responsáveis pela da reflexão ética durante a reali- mana. Por exemplo, estamos pro-
organização do 6.º zação de experimentos envolven- duzindo a cada trinta anos um
do seres humanos? Por que os deserto do tamanho da Arábia
Congresso Mundial.
pesquisadores devem estar aten- Saudita. Estamos derrubando
Nesta entrevista, ele tos a tal questão? matas num período de três déca-
nos fala um pouco A ciência do século XIX e do das e criando um espaço que ocu-
início do século XX tinha a carac- paria um território quase do ta-
sobre suas terística de não produzir grandes manho da Índia. Por este e ou-
impressões acerca transformações ou transforma- tros exemplos, ressalto que é pre-
dos avanços que a ções definitivas na natureza huma- ciso haver uma reflexão, como diz
na e na natureza extra-humana. Edgar Morin, sobre a terra pá-
Bioética obteve no Existe um marco, que aconteceu tria. Isto aqui, o planeta Terra, é
Brasil e dos grandes na metade do século XX, com o a nossa casa, é a nossa habitação
desenvolvimento da bomba atô- comum. Morin diz uma coisa
desafios que
mica, a partir do qual o homem muito forte. Ele alerta que preci-
despontarão no futuro. ganhou condições de produzir um samos ser irmãos, não porque
Preocupado com os artefato com um poder de des- vamos ter uma salvação eterna,
truição extraordinário. Nós esta- mas porque estamos perdidos. Já
abusos cometidos, ele
mos vivenciando agora um outro existe tecnicamente a possibilida-
faz um alerta sobre o momento histórico. Trata-se de de de se fazer a clonagem huma-
compromisso dos uma segunda bomba, eu diria, na reprodutiva, ou seja, de fazer-
uma bomba genética, que trouxe mos um outro ser humano a par-
pesquisadores com a consigo a possibilidade de trans- tir da herança genética de outro.
ciência e com o futuro formar de maneira definitiva a es- A situação nos exige um estado
da humanidade. De pécie humana. Por que fiz esse de alerta. Um grande filósofo cha-
raciocínio? Porque se houve um mado Hans Jonas, que reconstruiu
igual forma, ele chama momento no qual a reflexão ética a ética da responsabilidade, dizia
a atenção para o e a atenção ética sobre a pesquisa que fazer ciência sem uma refle-
poderiam ser alguma coisa, ainda xão ética, fazer ciência sem saber
espaço importante que
que pequena, não significativa, o passo, a conseqüência, aonde se
o nosso País passa a esse momento já não existe mais. vai chegar, pode redundar num
ocupar nas discussões Agora, estamos vivendo um mo- prejuízo sério. Acredito que sua voz
mento em que a ciência e os pro- nos chama a atenção para algo es- Cadernos
sobre Bioética em nível jetos de produção científica, os sencial que terá impacto na vida de Ética em 15
internacional. protocolos de pesquisa, devem ser das gerações que virão. Pesquisa


Vamos falar um pouco sobre a número enorme de pessoas, des-
forma como o controle ético se de representantes de instituições
organiza no Brasil, por meio dos até entidades de representação dos
CEPs inseridos nas instituições usuários, todas trabalhando para
de pesquisa. O senhor acha que garantir a idoneidade das pesqui-
o trabalho realizado atualmente, sas envolvendo seres humanos,
em nosso País, tem tido êxito? particularmente na área médica.
É preciso, neste ponto, resga- Eu vivo no ensino médico desde
tarmos um pouco a história. Nós 1970 e percebo uma mudança
aprovamos uma resolução em dramática. Eu me lembro que,
1988, que foi a primeira surgida quando era estudante de Medici-
no sentido de estabelecer normas na, meu professor dizia: o proto-
de pesquisa em seres humanos. colo é este, o projeto é este, que
Foi uma resolução bastante ele fazia na sua sala, sozinho. Nós,
satisfatória, só que não foi cum- estudantes, apenas cumpríamos
prida. Por quê? Porque foi uma aquilo e achávamos que estávamos
decisão elaborada num nível su- fazendo uma coisa correta. Inicial-
perior e simplesmente apresenta- mente, os médicos tiveram certa
da às bases, ou seja, para as uni- dificuldade em assimilar que um
versidades, onde são feitas as pes- projeto de pesquisa elaborado por
quisas. Talvez por conta do con- eles poderia sofrer algum tipo de
texto, ela acabou não sendo aca- análise, de reflexão, algum tipo de
tada. Já a Resolução n.º 196/96 reparo. Mas eu já percebo que, in-
teve uma trajetória diversa. Inú- discutivelmente, hoje há uma per-
meros centros foram convocados cepção diferente.
e se manifestaram. Houve reu- E qual é o desafio que se
niões em todos os lugares, e isso apresenta para os defensores
fez com que a comunidade aca- da Bioética no Brasil? Há
dêmica ajudasse a construir uma grandes interesses e pressões
proposta. Claro que com a sábia envolvidos neste processo, na
coordenação de pessoas que fize- opinião do senhor?
ram a resolução, que é, sem dú- Os Comitês de Ética em Pes-
vida, um marco na história. Sem- quisa das instituições e a Comis-
pre que falo dessa resolução, eu são Nacional de Ética em Pesqui-
cito o nome do professor William sa (CONEP) exercem um traba-
Saad Hossne, que presidiu o pro- lho extraordinariamente eficaz, fa-
cesso todo. E como isso está se vorável, inclusive, ao crescimento
passando hoje? Na minha opinião, da pesquisa. Isso representa uma
Cadernos tudo está indo muito bem. Nós coisa curiosa. A educação médica
16 de Ética em temos mais de 300 CEPs espa- é de um modelo cartesiano. Existe
Pesquisa lhados pelo País, envolvendo um uma relação assimétrica entre o
médico e o paciente, uma coisa outras normas de pesquisa que não menos, de aplicação a lon-
vertical, de cima para baixo, e os aquelas, digamos assim, do “cal- guíssimo prazo?
médicos estão passando a aceitar do ético” ao qual estamos acos- Eu já acho que o tema central
uma nova maneira de agir. O pro- tumados. Eles estão querendo es- do Congresso [Bioética, Poder e
cesso tende a se horizontalizar, tabelecer pesquisas com “duplo Injustiça] foi uma vitória. Isso é
tendo como centro o ser huma- standard”, ou seja, é como se dis- uma coisa que fala da nossa reali-
no. Acho, portanto, que estamos séssemos que há seres humanos dade. Eu percebo também que
no caminho certo. Mas, é claro, de diferentes categorias. Em sín- houve uma tônica muito forte re-
ainda existem áreas que impõem tese, a proposta lançada pelos lacionada às questões de fronteira,
alguma resistência, porque não americanos é que algumas pesqui- genômicas, dentre outras. Acho
compreendem as transformações. sas possam ser realizadas em de- que isso talvez não seja nosso pro-
Por exemplo, alguns sociólogos terminadas áreas e em outras não. blema. Por outro lado, consegui-
entendem que não podem se sub- Esse talvez seja um embate muito mos – e isto é mérito do Brasil –
meter, primeiro porque conside- difícil, pois uma força política e estabelecer uma linha de reflexão,
ram que a Resolução n.º 196/96 econômica significativa está envol- que é a bioética voltada para a in-
foi feita por médicos para funcio- vida. Mas eu penso que, entre nós, justiça, um grande avanço. Penso
nar na área biológica. Não, abso- no Brasil, já existe uma reação que a marca desse congresso é in-
lutamente. Ela alcança e protege serena de conversar e demonstrar delével: o número de inscritos su-
o ser humano, não o ser humano que estamos maduros, que existe perou todas as perspectivas, o grau
biológico, apenas. Então, é claro um amadurecimento ético sobre de interação entre as pessoas foi
que há problemas, mas nós avan- a questão, que não aceitamos que maravilhoso e a presença de latino-
çamos e, se olharmos para a reali- venha alguém dizer “pesquisa se americanos aqui foi muito grande.
dade latino-americana, mesmo faz assim” ou “vocês estão equi- Para o nosso País, foi um cenário
para países que começaram a re- vocados”. Não, nós temos ama- importante para colocarmos temas
flexão em bioética antes do Brasil, durecimento e condições de con- polêmicos em debate. Ganhando
como a Argentina e a Colômbia, versar em plano de igualdade com visibilidade da forma que ganha-
podemos ver que não há uma es- qualquer entidade internacional mos, vamos poder colocar agora,
trutura organizacional em pesqui- que faça pesquisa. na mesa de negociação dos próxi-
sa como a nossa. O nosso desafio Qual a sua avaliação sobre o mos congressos, uma temática que
atual é enfrentar a pressão dos 6.º Congresso, no qual se fa- interesse mais aos países em desen-
Estados Unidos, um país hege- lou sobre temas que podem ser volvimento do que para os chama-
mônico que pretende estabelecer considerados utópicos ou, ao dos países centrais.

Cadernos
de Ética em 17
Pesquisa
Entrevista

Giovanni Berlinguer
Por Andrea Doré

Andrea Doré é
eus interesses são Quais os benefícios e os ris- Saúde (OMS), dentre suas priori-
jornalista, doutora em
História e professora
da Universidade
Federal do Paraná
(UFPR).
S amplos e incluem
desde os problemas
cos da fármaco-genética, que
hoje podemos identificar de
dades, se preocupem com o
desequilíbrio que pode ser deter-
forma mais clara? minado pela fármaco-genética.
clínicos ligados aos locais Se for possível personalizar os Em sua conferência no 6.º
remédios com base na constitui- Congresso Mundial, o senhor
de trabalho até a
ção genética de uma pessoa, isso falou da bioética cotidiana.
Bioética. Em meio aos pode ser um progresso notável. Como ela se manifesta?
extremos, Berlinguer Ao mesmo tempo, estão em jogo Isso significa não se ocupar ape-
aspectos ligados aos hábitos, à nas com a bioética de fronteira,
passeia pela Epidemio-
constituição fisiopatológica e, em que é aquela que diz respeito aos
logia, pelos estudos último caso, inclusive ao compor- últimos progressos da ciência, da
demográficos e pelas tamento. Assim, as variáveis são Biomedicina, mas preocupar-se
muitíssimas, e duvido que em pou- também com o que ocorre todos
histórias da Medicina e
co tempo se chegará a conhecer os dias a todos os cidadãos do
das patologias. Ele foi todas elas, a fazer algum remédio mundo. Preocupar-se com o nas-
deputado na Itália de mais adaptado. Acrescento ainda cimento, o adoecimento, a mor-
que a idéia de se trabalhar apenas a te, o sofrimento, as relações com
1972 até 1983, quando
partir dos genes, esquecendo as ou- outros seres humanos, com ou-
foi eleito senador. tras características dos indivíduos, tras espécies de seres vivos. Isto
Berlinguer é autor de esquecendo a complexidade das é, dar igual atenção às escolhas
relações entre os genes, pode pro- morais que são feitas pelos gover-
quase 40 livros e de
vocar ilusões. Dou um outro exem- nos, pelas pessoas, pelas organi-
outras 200 publicações. plo. Nos anos 90, houve uma zações internacionais, a fim de
Alguns dos seus traba- grande esperança envolvendo a combater as muitíssimas injustiças
terapia gênica, que prometia cu- que existem no mundo e que es-
lhos já foram traduzidos
rar as doenças substituindo um tão crescendo.
no nosso País, como “A gene doente por um gene são. Du- Dentre os especialistas existe
Ética da Saúde” e “La rante 10 anos, registraram-se ape- a opinião majoritária de que
nas um ou dois casos de sucesso não podemos falar de uma éti-
mercê finale Saggio sulla
e centenas de efeitos adversos, in- ca para os países desenvolvidos
compravendita di parti clusive a morte de pessoas que e de outra para os menos de-
del corpo umano”, em participaram de experiências des- senvolvidos. No entanto, seria
se gênero. Isso deve nos induzir à correto dizer que há determi-
colaboração com Volnei
prudência. Finalmente, penso que nados temas éticos que são
Garrafa. Reconhecido será difícil que essas terapias se- prioritários para certos países e
internacionalmente, ele jam acessíveis a todos, pois serão para outros não?
de altíssimo custo. Inclusive, es- A idéia de fazer duas éticas, uma
esteve presente no 6.º
Cadernos pero que as indústrias e sobretudo para os países ricos e outra para os
18 de Ética em Congresso Mundial de os países, seus Ministérios da Saú- países que são pobres ou estão em
Pesquisa Bioética. de e a Organização Mundial da desenvolvimento, na verdade já foi
aplicada. Já houve, inclusive, fa- No 6.º Congresso de Bioética passo à frente na bioética, uma
tos precisos, sobretudo a tentati- assistiu-se a vários debates, com tentativa de deixar o especialismo
va (na experimentação humana) a participação de especialistas e e envolver os grandes temas do gê-
de usar um “standard” de segu- também de estudantes, envol- nero humano. Não devemos te-
rança, um “standard” de garan- vendo diversos temas gerais e mer a polêmica. Volnei Garrafa fa-
tias diferentes para países ricos e alguns de fronteira. Quais foram lava da bioética dura, de interven-
países pobres. Isso é absoluta- os grandes avanços percebidos? ção, eu falei de uma bioética ativa.
mente inaceitável, porque a vida Penso que no congresso houve A sociedade é cheia de temas que
de uma pessoa, seja ela qual for, uma mudança substancial. Logo no suscitam polêmicas. É preciso evi-
vale tanto quanto a de outra. Por primeiro dia, nas conferências de tar que a bioética seja subordinada
outro lado, pode haver uma con- Salomon Benastsar, de Volnei Gar- à política. Esse é um risco grave.
centração de idéias bioéticas so- rafa e na minha, os temas da Mas hoje há uma forte tendência
bre determinados temas como, bioética cotidiana foram colocados em se despolitizar a moral, e isso
por exemplo, sobre a pobreza, a com energia. E também nas me- também deve ser combatido, não
fome e a violência, que têm um sas redondas, nos comitês, esses se evitando enfrentar problemas
peso maior em algumas nações e temas estiveram muito presentes. políticos quando possuem grandes
menor em outras. Isso pode representar um grande implicações morais.

Cadernos
de Ética em 19
Pesquisa
Em debate

O caminho da aproximação
Por Paulo Henrique de Castro e Faria

Paulo Henrique de
Castro e Faria é
jornalista e ex-
professor alfabetizador
de adultos no Distrito
Federal.
A dificuldade de se adequar a
linguagem científica à rea-
lidade das pessoas que atuam
nhecimento da realidade cotidia-
na dos indivíduos participantes
e de suas comunidades, obser-
como voluntárias em pesquisas vando sempre as características
é preocupação e tema recorren- socioculturais de inserção. A
te de debates, reuniões e encon- expectativa é de que, ao fim,
tros de especialistas em bioética essa aproximação resulte em
no Brasil. Pesquisadores e mem- maior confiança e entendimen-
bros de Comitês de Ética em to mútuos.
Pesquisa (CEPs) e da Comissão A dificuldade em se estabelecer
Nacional de Ética em Pesquisa este nível de sinergia é corrente em
(CONEP) se debruçam sobre várias situações. Há pesquisadores
protocolos, rotinas e experiên- que enfrentam problemas em se
cias bem-sucedidas em diversos fazer entender, mas há casos de
campos do conhecimento, como comunicação adequada entre es-
a Educação, a Antropologia e até tes profissionais e os voluntários
a Lingüística, buscando subsí- com os quais se irá trabalhar. Para
dios e soluções para a necessi- os membros da Comissão, o mé-
dade de preparar textos e repas- todo é simples: estabelecer uma re-
sar informações de maneira mais lação horizontal por meio da qual
transparente e simplificada aos se busque a compreensão dos li-
sujeitos de pesquisa. mites de um e do outro. No en-
Grande parte da dificuldade tanto, apesar dos esforços, ainda
de comunicação do pesquisador há muito que se avançar. “Essa co-
com o sujeito de pesquisa é atri- municação tem melhorado muito
buída, pelos próprios especia- desde a Resolução n.º 196/96,
listas, ao abismo cultural esta- mas ainda se percebe uma dificul-
belecido entre um “detentor do dade grande de comunicação,
conhecimento” (confundido principalmente quando na pesqui-
com o próprio saber) e as pes- sa se trabalha com um grupo mais
soas envolvidas nos experimen- vulnerável”, argumenta Artur
tos, indivíduos da população Custodio de Souza, coordenador
que, na maioria dos casos, es- nacional do Movimento de Rein-
tão em situação de vulnera- tegração das Pessoas Atingidas pela
bilidade econômica e social. Para Hanseníase (MORHAN) e conse-
a CONEP e os CEPs, cabe aos lheiro do CNS, como representan-
cientistas e pesquisadores diri- te dos usuários do Sistema Único
mir tal diferença traduzindo as de Saúde (SUS).
Cadernos informações segundo o nível de De acordo com ele, o esclare-
20 de Ética em entendimento da população. cimento envolve uma situação
Pesquisa Esse processo se daria pelo co- específica que deve ser avaliada
como um ato de comunicação CEPs estabelecer um caráter de
que aproxima o pesquisador do educação do pesquisador com
meio cultural do sujeito, à luz da relação à ética em pesquisa e, em
afetividade e da receptividade do especial, ao contato e ao respei-
usuário no serviço, dentre outros to com o indivíduo.
fatores. Peculiaridades como a Por outro lado, “a assinatura
doença, a história pessoal, os so- de um TCLE não garante a nin-
nhos de vida frustrados e as per- guém que a linguagem do pes-
das “ambientam” o sujeito a uma quisador foi entendida e que o
situação de vulnerabilidade, mui- indivíduo está ciente da respon-
tas vezes não compreendida pelo sabilidade e dos riscos que assu-
pesquisador, criando situações de me ao participar da pesquisa”,
desrespeito ao voluntário. argumenta Volnei Garrafa, co-
Com isso, buscar compreen- ordenador do Núcleo de Estu-
der o “mundo” do sujeito e usar dos e Pesquisas em Bioética da
exemplos do seu cotidiano tor- Universidade de Brasília (UnB)
nam-se um imperativo. “Sei de e presidente da Sociedade Bra-
pessoas que abandonaram a pes- sileira de Bioética (SBB). Para
quisa por detalhes que, embora ele, “os TCLE são indispensá-
pequenos, são fundamentais veis, mas para os aptos e res-
quando envolvem principalmente ponsáveis. Porém, tais atributos
indivíduos carentes”, argumen- são privilégios de uma parcela
ta Custodio de Souza. “Em um reduzida da nossa população,
caso, o pesquisador orientou a que geralmente goza de uma
pessoa a tomar o medicamento condição econômica e sociocul-
com leite, e ela não tinha leite tural favorável e não participa
em casa. Já em outra situação, como voluntária em pesquisas”,
uma adolescente engravidou pois desmistifica.
o medicamento da pesquisa di- A possibilidade de que a falta
minuía o efeito do contraceptivo de comunicação seja usada
oral que ela tomava. A informa- como mecanismo de pressão e
ção não foi dada à adolescente de manipulação dos interesses
porque o pesquisador não con- dos usuários é tema de alerta por
siderou que a moça tivesse uma parte de Garrafa. “Principalmen-
vida sexual ativa”, explica. te porque, em média, 90% dos
Segundo ele, a Resolução n.º sujeitos de pesquisa são usuários
196/96 prevê os itens de infor- do SUS e são pobres. Diante da
mação que devem constar no proposta de assinar um termo de
Termo de Consentimento Livre compromisso em troca de uma Cadernos
e Esclarecido (TCLE). Todavia, vaga em um hospital concorri- de Ética em 21
segundo sua opinião, cabe aos do, você acha que uma pessoa Pesquisa


doente e desassistida pensaria zam os sujeitos como seres hu- das e questionamentos. No fim,
duas vezes? Uma pessoa como manos. Uma delas é conduzida os pesquisadores saem do audi-
essa não é autônoma, é vulnerá- por José Roberto Goldim, biólo- tório. As pessoas que não quise-
vel! Ela é coagida por uma situ- go, membro fundador do Pro- rem participar da pesquisa po-
ação social”, assevera o presi- grama de Atenção aos Problemas dem ir embora. Os que se mos-
dente da SBB. de Bioética do Hospital de Clíni- trarem interessados permanecem
Erros na tentativa de fazer a co- cas de Porto Alegre (HCPA) e no local.
municação fluir entre pesquisa- ex-presidente do CEP da Univer- Para Goldim, esse é um meio
dores e voluntários são correntes sidade Federal do Rio Grande do de demonstrar respeito aos se-
e, infelizmente, alguns são irre- Sul (UFRGS). res humanos. Ele afirma que
versíveis, principalmente devido O método é simples. Ele con- essa é uma condição primária,
a interpretações equivocadas. siste em reunir num auditório os anterior mesmo às preocupações
Um exemplo disso é citado pelo interessados em participar dos com a linguagem no trato com
conselheiro Artur Custodio, que experimentos. Depois que todos os sujeitos de pesquisas, sobre-
cita o caso de uma usuária de estão reunidos, os pesquisado- tudo com relação aos povos in-
talidomida que guardou a sobra res ministram uma aula coletiva dígenas e aos indivíduos em si-
de um medicamento, após uma com a melhor didática possível, tuação de vulnerabilidade. “Mui-
pesquisa, pois entendeu que a sem deixar de abordar todos os tos exemplos de experimentos
droga era abortiva. Ao engra- aspectos envolvidos. Cada pes- abusivos envolvendo índios de-
vidar, a jovem fez uso da droga soa interessada em contribuir re- monstram que os pesquisadores
para perder o feto. O resultado cebe orientações sobre seu pa- não os trataram como pessoas.
foi o nascimento de uma criança pel, as responsabilidades dos es- Em alguns casos, os cientistas não
sem braços e pernas. tudiosos, os riscos a que podem permitiam que os indivíduos opi-
Em meio aos desafios, pode- estar expostos, bem como os be- nassem sobre a sua participação;
mos encontrar boas experiências nefícios esperados. Logo depois em outros, os profissionais faziam
em curso, que são estímulos à começa uma sessão de pergun- intervenções que não seriam acei-
criatividade e à adoção de práti- tas e respostas, com tempo deli- tas em outros grupos popula-
cas éticas nas pesquisas e valori- mitado, para que não haja dúvi- cionais”, finaliza.

Cadernos
22 de Ética em
Pesquisa
A linguagem como veículo da Ética
Por Alejandra Rotania

Alejandra Rotania é
regulação ética das pesqui- madas ciências da vida ou afins. Isso, sem dúvida, representa
A sas envolvendo seres hu-
manos configurou-se, nacional e
A análise sistemática e continua-
da de protocolos de pesquisas en-
um desafio de aprendizagem
para os pesquisadores (que é,
representante dos
usuários da CONEP e
integrante do Centro
de Estudos e Ação da
Mulher Urbana e
internacionalmente, sobre a com- volvendo seres humanos, sobre- na realidade, o desafio da divul- Rural Ser Mulher (RJ).

preensão da vulnerabilidade so- tudo do Termo de Consentimen- gação e da popularização cien-


cial e cultural dos sujeitos de pes- to Livre e Esclarecido (TCLE), é tífica) e um esforço de se des-
quisas e da necessidade de sua veículo fundamental da ação ética locarem, simbolicamente, do
proteção. Vulnerabilidades so- em pesquisa e ponto de encontro lugar que ocupam, como espe-
ciais e culturais são conceitos que entre a ciência e a sociedade. Ela cialistas, para se colocar no lu-
remetem, grosso modo, à neces- revela que a linguagem utilizada gar do outro, que ele mesmo
sidade de compreender social e pelos pesquisadores peca, geral- pode ser, em qualquer momen-
politicamente as diferenças que mente, por excessivo tecnicismo, to, quando se tratar de outro
existem entre a população em ter- tornando-se praticamente ininte- campo do saber.
mos de nível de escolaridade, gê- ligível para a maioria das pessoas A linguagem do TCLE deve
nero, raça/etnia, classe social, e, mais ainda, para os indivíduos ter por objetivo a verdadeira co-
dentre muitas outras. De igual que pertencem à chamada popu- municação entre os agentes pro-
forma, remetem a uma exposi- lação vulnerável. dutores do conhecimento (pes-
ção maior e à fragilidade destas O TCLE, que consiste prati- quisadores e voluntários), pro-
pessoas perante situações possí- camente numa transcrição resu- piciando a fluidez do texto, a
veis que significam relações de mida da linguagem relativa aos simplicidade, a clareza e a abor-
poder. Como, por exemplo, en- aspectos fundamentais do proje- dagem didática das informações
tre aquele que “sabe” e aquele to, é evidentemente inadequado necessárias ao pleno consenti-
que “não sabe”. e inadvertidamente uma expres- mento do sujeito de pesquisa,
Evidentemente que a linguagem são da falta de ética nas relações assim como o exercício dos seus
científica, na sua universalidade e entre os agentes da produção do direitos humanos fundamentais.
em seu rigor, não é compreendi- conhecimento. O sentido do es- Do contrário, a comunicação
da por leigos nem por aqueles que tudo a ser empreendido, seus ob- não será possível, e os riscos e a
não têm familiaridade com deter- jetivos, sua metodologia, o pro- vulnerabilidade aumentarão em
minados e variados universos cesso e os procedimentos, seus detrimento dos resultados do
lingüísticos próprios de cada área riscos e benefícios – além de to- próprio estudo, da legitimidade
do saber. Muito menos será com- dos os outros requisitos que de- moral dos pesquisadores e dos
preendida por setores da popula- vem ser respeitados no TCLE – processos democráticos que
ção desigualmente colocados pe- devem ser explicados de forma embasam a ética em pesquisa
rante o saber científico das cha- clara, didática e compreensível. envolvendo seres humanos.

Cadernos
de Ética em 23
Pesquisa


Autonomia para todos
Por Marco Segre

Marco Segre é
juiz na decisão de um tribunal?
médico, professor de
Medicina Legal e
Bioética da Faculdade
de Medicina da USP e
membro da CONEP.
A linguagem científica é, às ve-
zes, difícil de ser entendida.
Até mesmo para os cientistas,
Consideramos como direito
humano fundamental o direito de
quando eles não estão afeitos ao a pessoa poder decidir sobre
“jargão” de cada especialidade. questões relacionadas com sua
Lembro-me de, há meses, ter opi- vida e sua saúde. Essa reflexão
nado sobre um projeto de pesquisa tem mais peso se tivermos em
na CONEP (da qual tenho a hon- conta a falta de informação de
ra de fazer parte) em cujo “ple- grande parte da população
no” Termo de Consentimento Li- quanto às questões de saúde. É
vre e Esclarecido (TCLE) se soli- necessário, ainda, levarmos em
citava autorização das mães ges- conta a pobreza da extraordiná-
tantes para a retirada de células ria maioria dos brasileiros que se
de seus embriões com a finalida- dispõe a correr riscos como su-
de de diagnóstico de aneuploidia, jeitos de pesquisa em troca de
que se trata de uma aberração ge- um pouco de atenção e, mesmo,
nética que pode ser auferida nos de atendimento médico que lhe
oócitos fecundados.
seria inacessível financeiramen-
Ora, tratando-se de pesquisa
te. Outro fator preocupante é a
em seres humanos, é indesculpá-
necessidade de que recebam a
vel a utilização desse “biologuês”
devida atenção com a finalidade
(ou “genetiquês”) para obtermos
de não sujeitá-los à voracidade
a autorização de uma pessoa para
de indústrias farmacêuticas, de-
um determinado procedimento.
sejosas de lançar drogas no mer-
Como se pretende pensar em au-
tonomia do sujeito de pesquisa se cado, e de “pesquisadores” re-
não lhe damos condições de en- giamente remunerados que “não
tender a nossa proposta?! querem” olhar para o dano que
Há anos escrevi, juntamente podem produzir.
com Cláudio Cohen, um artigo É por isso que os Comitês de
sobre o “bilingüismo” médico- Ética em Pesquisa (CEPs) pre-
legal. É necessário que o médi- cisam estar extremamente aten-
co legista saiba exprimir situa- tos e ser rigorosos em sua atua-
ções técnicas (por exemplo, a ção. Graças a eles que temos alia-
descrição de uma necropsia) em dos para impedir que os cidadãos,
linguagem compreensível para os individualmente, e a sociedade,
juristas. Caso contrário, de que como um todo, sejam prejudi-
adiantará o laudo de uma perí- cados em nome de um suposto
Cadernos cia que não possa subsidiar um progresso da ciência.
24 de Ética em
Pesquisa
“Carta a uma jovem cientista”
Por Maria Leda de Resende Dantas

Maria Leda de
primeira coisa, antes mesmo comunicado. É claro que as lingua- cômica, se não fosse trágica – do
A da comunicação sobre o tra-
balho a ser realizado com o parceiro-
gens oral e escrita são fundamen-
tais! Entretanto, a linguagem cor-
pesquisador capaz de acreditar
que o paciente é que não conse-
Resende Dantas é
coordenadora da
Comissão Intersetorial
de Recursos Humanos
pelo Conselho
cliente, é a condição sine qua non de poral chega antes, o olhar diz mais, gue compreender o que ele diz, Nacional de Saúde e
conselheira do CNS.
que o pesquisador tenha atingido um o saber ouvir e o ouvir fraternal são quando, na realidade, é o pesqui-
grau de maturidade que ele se reco- a base em que se funda o diálogo. sador que não é capaz de se co-
nheça parte da espécie humana, sem Quantos pesquisadores estão dispos- municar e de se fazer entender.
nenhuma virtude ou direito particu- tos a aprender a ouvir? Só lhes inte- Minha paixão por palavras eu re-
lar. Este óbvio, entretanto, está lon- ressa pensar no texto, na fala. conheço desde o segundo ano pri-
ge de vigorar entre todos os mor- Acho necessário que o pesqui- mário, antes de saber que havia um
tais. Há os casos hilários de pessoas sador compreenda que ele tem de tesouro que se chama dicionário. Eu
que, mesmo ocupando lugar de pro- ser bilíngüe se quiser fazer pesqui- ficava junto de minha mãe, pedindo
eminência na política, nas artes, na sa com seres humanos. Uma lín- que ela me falasse palavras. Puxa vida!
religião e na ciência permanecem gua é o código hermético, conci- Eu levitava de contentamento ou-
em estágio de crônico “infanto- so, conceitual, da comunidade cien- vindo aqueles sons e sabendo que,
narcisismo”: acreditam, mesmo tífica. Melhor dizendo, daquela se eu os emitisse, os outros me en-
sem nenhum indício de comprova- paróquia científica restrita, pois um tenderiam e que, se qualquer um
ção, que são superiores aos seus se- expoente de outro ramo das ciên- emitisse aquele som, eu saberia o que
melhantes, os humanos. cias se veria idiotizado numa outra pensar. Mas nem todo mundo tem
Ora, um pesquisador, por mais paróquia que não a sua, ouvindo dependência físico-química de pala-
esperto que seja, tendo essa mio- conceitos e jargões restritos. vras. Há os que se contentam com
pia ontológica, não conseguirá um O cientista teria que ser capaz poucas e aquelas de uso exclusivo,
grau de comunicação adequado de traduzir para a linguagem co- seja de sua gang, seja de sua equipe
com aqueles com quem irá traba- loquial aqueles conceitos de seu ou comunidade de fé. Para esses,
lhar. Há profissionais de saúde ca- grupo para alguém de outro gru- aprender a língua de seus coope-
pazes de se dirigir a um “usuário”, po. Atento ao perigo do “tradu- radores-pesquisandos nem chega a
um “paciente”, um “cliente”, sem tor-traidor”, o pesquisador pre- ser um tesão. Mas eu imagino que,
declinar seu nome, sem encontrar- cisa ter consciência da diferença se começassem a ouvir o que o povo
se com ele dentro de um olhar entre a sua fala e o real a que ela diz, eles ficariam maravilhados.
selante de reciprocidade. Como tal se refere. Sem esse distancia- Vocabulário não garante comu-
profissional conhecerá, nesse pa- mento, sem essa capacidade de nicação. Se fosse assim, bastaria
ciente desconhecido, os sinais encarar sua fala como um fato decorar uns dicionários e pronto!
novidadeiros, advindos da expe- concreto do mundo objetivo – que O encontro fantástico de um ser
riência sob observação e controle? precisa ser encarado como algo a com o outro, a empatia, se dá pela
Reduzindo essa questão imensa da ser avaliado, a ser aperfeiçoado, entonação da voz e por sua mo-
relação “eu e tu”, tão buberiana, ao mesmo que o pesquisador não dulação (ai! Os que gritam em
campo restrito do fazer-se entender esteja naquele nível elementar de nossos ouvidos e os que falam
por um sujeito da pesquisa, eu diria egocentrismo que eu batizei de como ventríloquos). Dá-se a co-
que quanto mais igualitária for a re- “infanto-narcísico” –, ele não terá municação pelo gesto, pelo chei- Cadernos
lação mais facilmente os signos se- capacidade de se comunicar. O ro, pelo jeito de se vestir, pelo to- de Ética em 25
rão decodificados pelo que recebe o perigo reside na situação – muito que da mão e do olhar. Pesquisa


Livros

Publicações em destaque

Bioética: Poder e Injustiça bater os vários aspectos dessa


Organizado por Volnei Garrafa e nova abordagem do modo de
Leo Pessini, respectivamente, pre- pensar e fazer ciência utilizando
sidente e vice-presidente da Socie- uma mescla de conceitos de fi-
dade Brasileira de Bioética, o livro losofia, trabalhos científicos, prá-
remete ao tema do VI Congresso ticas profissionais e experiências
Mundial de Bioética, realizado em dos sujeitos de pesquisa. Esses
Brasília, entre 30 de outubro e 3 de são alguns objetivos do livro
novembro de 2002. Esta publica- “Ética, Ciência e Saúde – De-
ção reúne, ao todo, quarenta e cin- safios da Bioética” (183 páginas,
co textos de autoridades brasileiras Editora Vozes, 2001). Organi-
e internacionais da área de bioética, zado por Marisa Palácios, André
cujo conteúdo suscitou importan- Martins e Olinto A. Pegoraro, o
tes e esclarecedores debates duran- texto apresenta diversos pontos
te o evento. Encontro este que – de discussão sobre a aplicação
por sua temática, sua qualidade e do exercício da ética no campo
sua assistência – marcou a história da Saúde, além de abrir espaço
da bioética brasileira e mundial, para reflexões sobre a prática
com a presença de 1.352 congres- médica, as pesquisas que envol-
sistas, procedentes de 62 países, o vem seres humanos e o investi-
maior de todos até hoje realizado. mento de recursos no campo da
Publicado pela Edições Loyola (São ciência.
Paulo, 2003, 522 páginas), o texto Os 13 artigos que formam o
do livro foi dividido, de forma di- livro – prefaciado por Leonardo
dática, em sete grandes eixos Boff e organizado por profissio-
temáticos. São eles: 1) bioética, nais vinculados ao Núcleo de Es-
poder e injustiça; 2) genética, tudos de Saúde Coletiva (NESC)
clonagem, células-tronco, embriões da Universidade Federal do Rio
e ética; 3) bioética e pesquisa com de Janeiro (UFRJ) – são o resul-
seres humanos; 4) bioética feminista tado de uma coletânea prepara-
e maternidade/paternidade; 5) da a partir de material produzido
bioética e final de vida; 6) pluralismo pelo Simpósio Ética em Saúde,
moral e fundamentação religiosa; e que aconteceu no Conselho Re-
7) ética profissional, dignidade hu- gional de Medicina do Estado do
mana, consentimento e biodireito. Rio de Janeiro em maio de 1998.
O encontro contou com o apoio
Ética, Ciência e Saúde – Desa- do NESC da UFRJ e também do
fios da Bioética Comitê de Ética em Pesquisa e
Cadernos Discutir a Bioética de forma do Departamento de Medicina
26 de Ética em plural e dinâmica, sempre apre- Preventiva da Faculdade de Me-
Pesquisa sentando temas polêmicos. De- dicina da mesma escola.
Bioética e Biorrisco – Aborda- temas que suscitam permanentes enfatiza o papel e o espaço da
gem Transdisciplinar debates, como a saúde reprodutiva, Bioética no contexto das desigual-
Os doutores Silvio Valle e José a genética e a clonagem. dades sociais latino-americanas,
Luiz Teles são os organizadores des- sendo que o foco central foi a vi-
ta obra, distribuída pela Editora A Vida dos Direitos Humanos são atribuída aos fatores deter-
Interciência (418 páginas). O livro – Bioética Médica minantes e condicionantes do pro-
aborda diferentes temas de interes- Ao longo de 503 páginas, o autor cesso saúde-doença.
se para o campo da ciência e da Ricardo Henry Marques promove
pesquisa, como o desenvolvimento um debate sobre conceitos e práti- Bioética. Uma Aproximação
de plantas transgênicas, a clonagem cas que o levam a defender a máxi- O livro de Joaquim Clotet
humana, a bioinsegurança e a ética ma de que a ciência protege a vida (Edipucrs, Porto Alegre, 2003, 246
em Saúde Coletiva. e a vida protege a ciência. O traba- páginas) reúne alguns de seus tra-
lho, produzido pela Editora Sergio balhos (capítulos, artigos e editori-
Bioética: O Que É, Como se Faz A. Fabris, lança ainda luz sobre ais) já publicados em livros, revistas
A trajetória da Medicina Cien- questões como a manutenção e a e jornais do País e do exterior. Esta
tífica pelos séculos é apenas um valorização dos Direitos Humanos é uma amostra da trajetória do au-
dos aspectos abordados neste tex- num contexto como o nosso. tor como docente, pesquisador e co-
to escrito por Fernando Lolas e laborador em Bioética. Alguns dos
distribuído pela Editora Loyola Bioética e Saúde Pública conteúdos aqui compilados fazem
(104 páginas). O autor ainda ofe- Os pesquisadores Paulo Antônio parte de programas em cursos, au-
rece ao leitor, de forma didática de Carvalho Fortes e Elma Lourdes las e palestras proferidas em diver-
e embasada, amplo material de Campos Pavone Zoboli reúnem, sas instituições de ensino, tais como:
leitura sobre os avanços tec- neste trabalho, 13 reflexões de Pontifícia Universidade Católica do
nológicos e as relações com o bioeticistas e profissionais da saúde Rio Grande do Sul, Universidade Fe-
mundo da ciência atualmente. brasileiros. A coletânea, publicada deral do Rio Grande do Sul, Uni-
Dentre as propostas apresentadas, pela Editora Loyola (167 páginas), versidade Federal da Bahia, Univer-
destaca-se a necessidade de valo- aborda a importância de se propor sidade Católica de Salvador, Univer-
rizar o diálogo como forma e con- uma agenda temática e programá- sidade de Brasília, Universidade de
dição fundamental em busca de tica para a Bioética neste início do Buenos Aires e Universidade Na-
um consenso mínimo em torno de século XXI. Esta publicação cional de La Plata, dentre outras.

Cadernos
de Ética em 27
Pesquisa
Opinião

Pesquisa médica e tecnológia


Por Jacob Kligerman

Jacob Kligerman é
uando se considera a pes- E um conflito de ordem jurídica pode
ex-diretor do Instituto
Nacional de Câncer
(INCA) Q quisa clínica, afora aqueles
relativos aos sujeitos da pesquisa, ao
se instalar com a indústria quando
essa autonomia é requerida de estu-
método científico e aos resultados, dos elaborados no próprio Instituto.
pelo menos três aspectos devem ser A questão da divulgação dos da-
observados: o financiamento do dos torna-se relevante por conta de
projeto, o conflito de interesses e as dois fatores. Primeiro, quando essa
autonomias do pesquisador e da ins- divulgação, por intempestiva, resulte
tituição. No Brasil, esses aspectos, na comercialização prematura de
embora ainda incipientes, vêm pro- um produto que, no caso de medi-
gressivamente ganhando terreno, camentos, terá 20% de chances –
dada a preocupação dos pesquisa- durante até 25 anos – de ser retira-
dores e dos administradores em dis- do do mercado ou de provocar efei-
por de informações sobre a autofi- tos adversos ainda não relatados.
nanciabilidade da pesquisa e sobre Isso quando eles não contribuem
o impacto que os projetos causam efetivamente para um aumento sig-
no orçamento institucional. nificativo dos resultados já conhe-
É inexistente ou minimamente se- cidos de tratamentos estabelecidos.
guida no Brasil a praxe de bem es- Aumento este observado em ape-
tabelecer e explicitar a relação do nas 15% dos novos medicamentos
investigador como consultor (ou aprovados pela Food and Drug
mesmo pesquisador) responsável Administration (FDA), de 1989 a
por um projeto de pesquisa finan- 2000. Segundo, pela necessidade de
ciado pela indústria farmacêutica ou que todos os estudos sejam regis-
de equipamentos. Internamente em trados e de que seus resultados,
uma instituição também pode se quando adequadamente divulgados,
manifestar um conflito entre o in- possam ser orientadores de uma in-
teresse do pesquisador e a disponi- corporação responsável.
bilidade financeira institucional, si- Dado que novos produtos cus-
tuação emblemática da bioética da tam muitas vezes mais do que os
aplicação de recursos, que em saú- existentes, já se propôs que, quan-
de são e serão sempre finitos. do o número de indivíduos que lu-
O que também pode ocorrer pela cram com o lançamento de um
autonomia que se busca para garantir novo insumo médico-hospitalar for
a posse e o uso dos dados resultan- maior do que o número de doentes
tes da pesquisa. No Instituto Nacio- que dele se beneficiam, há de se
nal de Câncer, por exemplo, isso verificar se as fronteiras da ética fo-
vem sendo totalmente obtido nos ram quebradas.
estudos de fase II, ficando pendente A aprovação de novos medica-
Cadernos
28 de Ética em da autorização do agente financiador mentos sem resultados superiores
Pesquisa nos estudos internacionais de fase III. aos daqueles em uso pressiona os
serviços públicos, as operadoras de confirmada por estudos adequados, exercício profissional em serviços
saúde e os próprios doentes. E os bem como sua segurança, que – isolados do ambiente hospitalar.
preços são muitas vezes maiores do ao contrário do esperado – parece Tal fato é resultado da dinâmica
que os dos medicamentos existen- desfavorável. Porém, pode ser que de um mercado que, com relação
tes. Preços estes que não se justifi- o seu uso combinado possa melho- à indústria farmacêutica, em 1997,
cam, uma vez que os novos medi- rar os resultados de esquemas só nos Estados Unidos, empregou
camentos são geralmente equivalen- terapêuticos existentes. 270.000 pessoas e vendeu US$
tes em eficácia e segurança àqueles Há também de se ressaltar que 87,1 bilhões. Com a ênfase de que,
de utilização já padronizada. a incorporação é mais rápida quan- naquele mesmo ano, 1.300 firmas
A semelhança na atividade tera- do se trata de medicamentos e nem de biotecnologia empregaram
pêutica faz com que qualquer ava- sempre se dá uniformemente, va- 110.000 indivíduos e geraram US$
liação farmacoeconômica torne-se riando de velocidade entre proce- 9,3 bilhões em vendas.
praticamente irrelevante. Exemplos dimentos cirúrgicos. Como exem- Obviamente, resultados por lá são
que vêm se tornando clássicos se plo, em menos de dois anos a computados como a poupança de
impõem dentre outros apontados colecistectomia laparoscópica foi mais de US$ 9 bilhões anuais por
por Garattini e Bertele: faz-se difí- amplamente disseminada, substitu- conta do desenvolvimento do lítio
cil explicar por que o preço do Tore- indo a colecistectomia. Contudo, como terapêutica da depressão. De
mifeno é mais do dobro do preço isso se fez com muitas complica- igual forma, US$ 333 milhões, tam-
do Tamoxifeno. Isso ocorre porque ções e riscos desnecessários. Apro- bém anuais, são calculados graças
um ciclo de Temozolamida custa ximadamente 14 anos depois de di- à prevenção de fraturas costais de
350 vezes mais do que um ciclo de vulgados os resultados do primeiro mulheres em pós-menopausa. Po-
Procarbazina, a despeito de haver estudo que concluiu que o tratamen- demos ressaltar, ainda, os US$ 166
sérias dúvidas sobre a eficácia de to cirúrgico conservador de mulhe- milhões ao ano que os US$ 56 mi-
ambos como terapêutica de glio- res com carcinoma mamário é su- lhões investidos em pesquisa trou-
blastoma e de astrocitoma. Outro ficiente, entre 40% e 60% dos casos xeram com o alcance de 91% da
motivo para o fato é apontado por- elegíveis ainda estavam sendo tra- taxa de cura do câncer de testículo.
que a menor toxicidade cardíaca da tados com mastectomia radical. Os números citados mostram a
doxorrubicina lipossomal não é lem- Porém, na prática também se ve- necessidade de altos investimentos
brada em favor da epirrubicina, rifica que o inverso se dá: resulta- em pesquisa, de magnitude muitas
igualmente menos cardiotóxica do dos de pesquisas que não se confir- vezes maior do que os resultados
que a doxorrubicina – isso sem le- maram, mas que foram precoce- medidos em termos financeiros, o
var em consideração que a cardio- mente divulgados e acriticamente in- que também aponta para a razão
toxicidade deste último antracíclico corporados, persistem em aplicação do envolvimento bioético de que se
não representa um fator limitante por alguns profissionais. Isso cer- revestem a pesquisa e a incorpora-
do seu uso. tamente se observa pela diferente ção tecnológica.
Segundo esses mesmos autores, velocidade com que a dissemina- A adoção e a disseminação do uso
nos últimos anos a oncologia pas- ção dos resultados finais se faz en- de novos procedimentos, sejam eles
sou a dispor de uma série de subs- tre os diversos centros médico-hos- ligados a novos medicamentos e
tâncias terapêuticas realmente pitalares, tanto por pouca ênfase – equipamentos ou a novas maneiras
Cadernos
novas, os anticorpos monoclonais. ou mesmo falta da divulgação de de se indicar produtos já existentes, de Ética em 29
Todavia, sua eficácia ainda não está resultados negativos – como pelo requerem o balizamento dos resul- Pesquisa


tados práticos, rotineiros, dessa apli- dessa análise poderiam ser pilares nidade que se impõe a necessi-
cação. Essa é a razão pela qual, a de sustentação técnico-científica dade de a incorporação tecno-
partir dos anos 90, tem-se buscado dos conselhos profissionais, das so- lógica fazer-se tanto sob os prin-
estabelecer parâmetros que refor- ciedades de especialidades e, prin- cípios da beneficência e da não-
çam que cada decisão médica deve cipalmente, dos hospitais de ensi- maleficência do código hipo-
se basear no conhecimento e no re- no e pesquisa. crático como sob a égide da eqüi-
conhecimento da literatura especia- Uma coisa é certa: a pesquisa dade, que garante a justiça do
lizada. Isso significa também que e a incorporação tecnológica têm acesso a esses avanços.
regras foram formalmente estabe- de ser éticas, e a sua condição
lecidas para que os médicos pos- científica, embora imprescindível,
sam interpretar adequadamente os não é suficiente para atestar a sua
Artigo publicado na Revista Brasileira
resultados da pesquisa clínica. eticidade. E é para garantir que
de Cancerologia – volume 49, n.° 1, jan/
No Brasil, a busca da evidência os avanços trazidos pela ciência fev/mar de 2003. Copyright © 1996-2003
desses resultados e a divulgação beneficiem efetivamente a huma- INCA – Ministério da Saúde.

Cadernos
30 de Ética em
Pesquisa
Expediente
ISSN 1677-4272
CNS Cadernos de Ética em Pesquisa –
Secretária-executiva: Eliane Aparecida Cruz Nº 13 – Março de 2004 – Publica-
CONEP ção da Comissão Nacional de Ética
Coordenador: William Saad Hossne em Pesquisa – Conselho Nacional de
Secretária-executiva: Corina Bontempo de Freitas Saúde – CNS/MS

Conselho Editorial
William Saad Hossne
INTEGRANTES DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA Corina Bontempo de Freitas
Conforme Resolução n.0 246, do CNS, de 03/07/97
Alejandra Rotania
Leonard Michael Martin
Titulares Suplentes Francisco das Chagas Lima e Silva
Alejandra Rotania, Anacleto Luiz Jorge Beloqui, Christian de Paul
Gapski, César Pinheiro Jacoby, Iara Barchifontaine, Edvaldo Dias Carvalho Participação
Coelho Zito Guerriero, João Luciano Junior, Leonard Michael Martin, Abrasco – Associação Brasileira de
de Quevedo, Marco Segre, Nilza Odilon Victor Porto Denardin, Sônia Pós Graduação em Saúde Coletiva.
Maria Diniz, Pedro Luiz Rosalen, Vieira, Marcos Fábio Gadelha Rocha, Coordenação Nacional de DST/
Sônia Maria Oliveira de Barros, Sueli Yolanda Avena Pires de Souza, Aids do Ministério da Saúde.
Gandolfi Dallari, Teresinha Röhrig Francisco Pereira da Silva, Fermin UNDCP – Programa das Nações
Zanchi, William Saad Hossne e Roland Schramm, Helmut Tropmair, Unidas Para o Controle Internacio-
Wladimir Queiroz. Eliane Elisa de Souza Azevedo e nal de Drogas.
Rubens Augusto Brasil Silvado. OPAS/OMS – Organização Pan-
Americana da Saúde/Organização
Mundial da Saúde.

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Conselho Nacional de Edição


Saúde/Ministério da Saúde – Paulo Henrique de Souza
Esplanada dos Ministérios – Bloco G – sala 421S Consultoria Técnica
Corina Bontempo de Freitas
CEP 70058-900 – Brasília - DF
Redação
Fone (61) 315-2951 / Fax: (61) 226-6453 Andrea Doré
e-mail: conep@saude.gov.br Paulo Henrique de Castro e Faria
Copidesque e revisão
Todos os artigos podem ser reproduzidos integralmente, desde Paulo Henrique de Castro e Faria
que a fonte seja citada. Os textos publicados são de responsabi-
lidade de seus autores. Ilustrações
Lui Rodrigues
Diagramação
Dual Design Gráfico
CONEP na internet: Fotolito e Impressão

http://conselho.saude.gov.br Gráfica Relevo Ltda


Tiragem
7.000 exemplares

Você também pode gostar