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DISSERTAÇÃO
DO RIO A MARICÁ:
ESTRATÉGIA E EXPERIÊNCIA
DO ÊXODO URBANO
NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro
Julho/2005
2
DO RIO A MARICÁ:
ESTRATÉGIA E EXPERIÊNCIA
DO ÊXODO URBANO
NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................6
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................9
2. O FENÔMENO URBANO.....................................................................................43
5. CONCLUSÕES.......................................................................................................113
6
6. BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................128
7- NOTAS.....................................................................................................................134
ANEXO.........................................................................................................................137
Resumo
Abstract
This study analyses the urban exodus phenomenon from the city of Rio de
Janeiro’s migrants to the municipal district of Maricá. We intend to verify, through the
migration experience of a family, in what way they manage a life’s strategy and how
this movement (re)constructs concepts and categories about the main current
discussions, as life’s quality, violence, progress and territorial development. Thus, we
pursue the selected experience of one family from Rio de Janeiro, middle class, which
moved to Maricá, carrying their own impressions and expectations. The results show, in
spite of could not legitimate social and statistically a “collective” movement of urban
exodus, a particular collection of meanings for the research field about internal
migrations, specifically in Rio de Janeiro State. Since the official data and other
sources, a series of suspicious pointed to the last decades, of political and economical
opening in Brazil, the rural exodus may be “reverted” its direction, going beyond a
simple “stagnation”. This is an important information for the academic reflection about
the rural aspects and for the proposal work of public politics, especially when the “Rio
de Janeiro State’s defuse” raised as a relevant issue. Primarily, we contextualize the
municipal district of Maricá in Rio de Janeiro State, its specifications, its history and
perspectives. In the second chapter, we enter the urban phenomenon, to frame the
subject in the urban x rural controversy. In the third, we analyse the symbolic meaning
that involves the construction of modern myths around the urbanity and how several
territorial identities are produced. In the fourth chapter, we explore the core of the
question, analyzing and questioning the migration of the interviewed family as a
strategic route of life and formation of a legitimized discourse.
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Introdução
turismo e, em alguns casos, pela extração do petróleo (royalties), que tem enriquecido
as finanças e aquecido as economias locais. Rio das Ostras, por exemplo, que retém boa
parte os royalties do petróleo, ainda se beneficia com atrativos naturais, praias
acessíveis, festivais de música, shows diversos e festas anuais, fazendo o turismo legar
20% à sua receita total. Com tantos atrativos, o último concurso público organizado pela
prefeitura recepcionou mais de sessenta mil candidatos de várias cidades do Estado do
Rio e também do Brasil (ressaltando que a cidade abriga em torno de quarenta e cinco
mil habitantes).
A facilidade de comunicação, possível com a construção da ponte Rio-Niterói,
reforçou o peso relativo da metrópole sobre a Região dos Lagos - o que acarretou
importantes mudanças na estruturação do espaço, como a redução e o abandono de
atividades tradicionais da indústria de transformação, como as salinas e a produção
agropecuária. Clima excepcional, natureza extremamente atrativa, o lazer semanal e o
turismo das "praias de banho" são estimulados desde a década de 1940, quando à região
chegavam ricos aventureiros da cidade do Rio, praticantes de esportes náuticos. Com o
passar do tempo, a região se consolida como local de atração turística para cariocas,
mineiros e paulistas, principalmente para instalação de casas de praia, de clubes
náuticos, de diversões noturnas, de hotéis e restaurantes, de serviços comerciais e de
abastecimento. Pode-se afirmar que a inauguração da ponte Rio-Niterói, em 1973, deu
início à fase atual de turismo de massa.
A prosperidade socioeconômica de algumas cidades da Região dos Lagos tem
refletido em movimentos migratórios, atraindo famílias de vários lugares do estado e do
país. Para conter a "invasão", prefeitos têm instalado barreiras em rodoviárias e
estradas, criando patrulhas que fiscalizam as construções de barracos em via pública ou
nas periferias: não apresentado o título de propriedade ou de identidade, a família é
enviada para a assistência social, que depois se encarrega de "devolver" a família à
cidade de origem. A situação se agrava quando se estimula o loteamento das áreas
rurais, geralmente a troco de favorecimentos políticos em época eleitoral, levando o
espaço físico ao processo de favelização.
Muitos residentes da cidade do Rio, especialmente os aposentados, transformam
casas de veraneio em residência fixa. Na década de 1990, enquanto o município do Rio
teve 0,74% de taxa média de crescimento populacional, Maricá despontou com 5,70%.
Os nove municípios fluminenses que recebem royalties do petróleo têm proposta de
conter o êxodo em direção à região: trata-se de promover assistência social e financeira
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Aspectos socioeconômicos
O jogo de forças políticas no Estado do Rio aponta para um cenário que delimita
sentidos contrários de incursão desenvolvimentista. Enquanto na capital, é notável a
preponderância de uma política voltada para a formação de cidade global, cosmopolita,
como centro financeiro ou estação turística internacional, nas últimas décadas o interior
do estado vem sendo tratado como pólo de produção industrial: pólo metal-mecânico,
na Região do Médio Paraíba; pólo gás-químico, na Baixada Fluminense; pólo de moda,
em Nova Friburgo, Valença, Petrópolis e Cabo Frio; pólo automotivo, em Resende,
Porto Real e Quatis; pólo turístico, no Vale do Café e na Região dos Lagos.
O governo do estado trabalha com a estratégia de atração de empresas, como a
Gerdau (US$ 300 milhões), a CSA - Thyssen/CVRD (US$ 3 bilhões), a Peugeot-
Citroën (US$ 50 milhões), a Michelin (US$ 98 milhões), entre outras, trazendo o
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As grandes oportunidades de trabalho não estão mais na capital, e sim no interior. São resultados
práticos que dissiparam o preconceito. Significa que estamos conseguindo equilibrar o processo de
desenvolvimento.
Durante muito tempo diziam que o Estado do Rio sofria de um mal chamado macrocefalia. A
cabeça, a capital, seus arredores, com a população crescendo cada vez mais e ao mesmo tempo
também concentrando os problemas. O nosso governo começou a inverter esse processo,
caminhando com o desenvolvimento econômico e humano em direção ao interior, mas
preservando o meio ambiente.
do êxodo urbano? Que direções uma economia regional, partindo dessa potencialidade
ainda pouco aproveitada, poderia tomar, a fim de que o desenvolvimento social alcance
o maior número possível de habitantes de uma região? Indagaremos também se o
turismo rural não seria a "ponte" para o indivíduo considerar a possibilidade de passar a
viver no local onde outrora praticava tão-somente o turismo. Enquanto pratica o lazer, o
turista necessariamente toma contato com o “outro”, com o que lhe é diverso, ou
"adverso", realizando informalmente seu trabalho de campo. Desse contato, dessas
percepções singelas, surgirão suas concepções acerca da vantagem ou não de passar a
habitar aquele local. Situação diferente daquela em que o indivíduo, sem ter
conhecimento sobre o local, se faz a mesma indagação.
No estudo sobre comunidade de pescadores artesanais no litoral sul do Rio
(Parati), Campos (1992) analisa as transformações advindas na região, resultante de um
conflito entre tradição e modernidade, e como a idéia do turismo se interpõe na
construção de um projeto de produção e desenvolvimento social local. O espaço em
transformação criaria uma nova síntese, não planejada, de combinações variadas, onde
as formas tradicionais de produção e de economia passam a conviver diretamente com
as novas demandas sociais do mercado de trabalho:
Descentralidades:
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O estudo do êxodo urbano suscita análise maior sobre como o território se dispõe
espacial, social e historicamente. É aceito, com certa pacificação na sociologia, que as
cidades-capitais são expressão direta da disposição espacial-geográfica do sistema
capitalista. A "coincidência" entre a capital e o capital denota etimologia reveladora da
característica que possui o processo de acumulação capitalista, ao longo da história.
Simultaneamente a uma divisão social do trabalho é possível se pensar numa divisão
social do espaço (BERMAN, 1988).
Para permanecer em expansão, a Revolução Industrial teve que providenciar um
amplo ambiente científico e mercadológico voltado para a especialização. A
simultaneidade das descobertas científicas, das viagens marítimas e da evolução do
próprio pensamento humano, como reflexo de um impulso libertário (revoluções
burguesas), faz a sociedade sofrer de progressiva diferenciação: antes, a influência da
horizontalidade indiferenciada do mundo mítico, primitivo; depois, e a partir de então, o
processo de emancipação das "trevas" - que se consolida com a consciência da
modernidade (HORKHEIMER, 1976). Durante a consolidação do mundo moderno,
importante fator acompanhou o surgimento dessas novas tecnologias emancipadoras: o
aumento demográfico passou a permitir que se fizessem as mais variadas equações na
organização do mercado e da vida social, como um todo, expandindo a complexidade de
suas estruturas até graus nunca imaginados inicialmente (consolidando-se
historicamente na necessidade de cruzamento e análise de dados em sistemas de
informática). Sintoma bem evidente desse percurso social é a chamada burocracia
(WEBER, 1967). Quando ela se manifesta como objeto sociológico, já se encontra
reconhecida como algo inevitável, sistemático, um "mal necessário", uma estrutura.
Ordenar socialmente grandes números populacionais (crescentes) sobre um território
(constante), adaptando-os às regras de mercado, com a devida separação dos indivíduos
por classes econômicas, requereu controle hierárquico complexo que somente foi
legitimado e “pacificado” com o estabelecimento do Estado de Direito e a legitimização
da “democracia” capitalista. Até hoje é sofrida a tentativa de se compatibilizar a lei
(direito) com seus resultados esperados, com sua aplicação e efetiva exeqüibilidade - o
que resulta no distanciamento histórico entre discurso e prática (VELHO, 1994).
A visão frankfurtiana - muitos dirão romântica - da ascensão do capitalismo não
pode deixar de citar a dialética (HORKHEIMER, 1990) que existe entre mito e razão,
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A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a
contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor,
nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra
'desleixo' - palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como
'saudade' e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de
que 'não vale a pena...’.
venceu esta guerra) foram condições fundamentais que reordenaram o novo pensamento
econômico.
Após a abertura política dos anos oitenta, o Brasil viveu a abertura econômica,
quando a sociedade civil flexibiliza a legislação que “protegia” a indústria nacional (e as
estatais). No bojo teórico do tema “globalização”, essa abertura modificou internamente
a paisagem socioeconômica do território; além disso, impôs que o Estado brasileiro
revisse suas estruturas, a partir do movimento das “reformas”. Os níveis inflacionários
passam a ser controlados sob pressão cambial, elevando-se os juros básicos, reduzindo-
se gastos públicos essenciais e privatizando boa parte das estatais. No plano
socioeconômico, recessão e desemprego em massa foram os sintomas mais visíveis ao
longo desse período (SANTOS, 1993).
Entretanto, tais mudanças não se fizeram de forma plenamente pacífica. Pressões
políticas, lobbies, greves, questionamentos jurídicos surgiram para fomentar o debate
social acerca da guinada neoliberal. Questões como soberania nacional e cláusulas
pétreas são postas em pauta para debate social.
Visivelmente se percebe o confronto entre dois discursos: aquele que propõe uma
reformulação do que seja nacional, e o quanto o “nacional” é necessário; outro, que
afirma a importância estratégica de se preservar a dimensão da máquina do Estado -
expressão de conquistas sociais históricas. O discurso do modelo vencedor - o
neoliberal - propunha o raciocínio de que em se alargando o circuito de concorrência,
para âmbito internacional, os preços haveriam de cair naturalmente. O custo imediato
desse programa foi o comprometimento da indústria nacional que, sem tecnologia
suficiente, não pôde acompanhar o processo de concorrência (reduzindo custos para
melhor adequação de preços no mercado). A alta sistemática da moeda americana e dos
juros domésticos tem emperrado a participação da indústria brasileira no mercado
neoliberal.
A inserção dos municípios como entes federativos autônomos, mais livres para se
auto-regularem, surgiu no momento de abertura política (com a Constituição Federal de
1988), mas não tiveram fôlego financeiro para enfrentar a abertura econômica que
sobreveio, logo em seguida. Com o processo federativo, os municípios sentiram o
reflexo direto das demandas federais: viveram a mesma passagem do Estado à sua fase
“gerencial”. As mesmas preocupações e semelhantes questionamentos passaram a
circundar as órbitas do âmbito municipal. É nesse contexto que se insere a narrativa
supracitada: o discurso desenvolvimentista vem atingindo os municípios e gerando a
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...É covardia. Ela [as Casas Bahia] chega dando formas de pagamento irrecusáveis. Dez, vinte,
trinta prestações... O comércio local não tem condições de fazer a mesma coisa. Sabe o que vai
acontecer? Mais desemprego. Mais desocupados. Mais assalto e violência...
Nosso município estará completando, neste 26 de maio, 189 anos de emancipação pólítico-
administrativa, isto é, deixou de ser paróquia de Maricá para se transformar em Vila, através de
um alvará assinado naquele dia do ano de 1814. Desmembrava-se, assim, o nosso território dos
termos das cidades do Rio de Janeiro e Cabo Frio. Privilegiado pela natureza, cercado pelo mar,
pelas montanhas e por um sistema lagunar, até hoje os administradores que por aqui passaram não
se deram conta de que com um pouco de boa vontade, coragem, competência e sobretudo visão do
futuro, Maricá poderia estar hoje 50 anos na frente dos demais municípios que formam
geograficamente a legendária e, por que não dizer, famosa Região dos Lagos. Ao contrário dos
demais, Maricá está regredindo. É com tristeza que nesse dia de festas façamos tal afirmação
quando o mais interessante seria escrever destacando conquistas que até agora não chegaram.
Maricá cresce sim, negativamente. Sua população
aumenta a cada dia com famílias inteiras fugindo da violência urbana na Capital.Com isso,
crescem os loteamentos e a cidade infelizmente está sendo favelizada com a cumplicidade do
Poder Público. O nível de alerta está aceso... [grifo meu].
As belezas naturais e o progresso fizeram de Maricá o município mais cobiçado da Região dos
Lagos, onde o crescimento vem respeitando a natureza. Obras de modernização do governo
Ricardo Queiroz têm contribuído para dar ao município a certeza de que o turista virá a ser a
principal fonte de capacitação de recursos nos próximos anos. Com a colaboração do estado,
duplicando a Rodovia Amaral Peixoto e sem pedágio, Maricá ficou mais próximo da capital, Rio
de Janeiro, deixando de ser uma cidade-dormitório, para se transformar numa cidade-residência.
Maricá hoje é uma das preferidas entre as cidades turísticas fluminenses, com seus 45 quilômetros
de litoral, lindas praias e um complexo lacustre interligado onde as montanhas e áreas verdes se
confundem e conferem o município, todo o ano, um clima diversificado, permanecendo agradável.
Uma simples leitura, mesmo superficial, irá perceber nesse texto a presença de
apoio político ao prefeito, ressaltando a bravura da cidade, e o precioso ambiente
natural, que desponta como nova alternativa de turismo. Nele também se explicita a
passagem de sua funcionalidade: deixando de ser cidade-dormitório, para se transformar
numa cidade-residência. O editorial expõe a cidade de Maricá, como a distribuir peça
publicitária do município em pontos-chave na cidade do Rio. Entretanto, nada do que se
diz ali contém alguma forma de propaganda enganosa, já que a imprensa
(principalmente o espaço do editorial) obviamente possui maior independência e
liberdade de expressão, e por trás de uma narrativa caricata ou exagerada, os elementos
subjetivos da descrição revelam “fundo de verdade” ou verossimilhança: a não ser
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2. O fenômeno urbano
(ARENDT, 2002).
Se urbanização é processo de beneficiamento manifestado historicamente,
urbanismo será um modo de vida (WIRTH, 1987). Aquela, um modus operandi; este, o
modus vivendi.
Ainda segundo Wirth (1987), o modo de vida urbano é descrito sociologicamente
como consistindo na substituição de contatos primários por secundários, no
enfraquecimento de laços de parentesco e no declínio do significado social de família,
no desaparecimento da vizinhança e na corrosão da base tradicional da solidariedade
social. Mesmo que sua visão crítica sobre o modus vivendi urbano reflita naturalmente a
condição pessoal de pastor protestante, sua caracterização sobre esse modo de vida não
se encontra distante da maioria das análises sobre o tema; a questão urbana, como crise,
manifesta-se como a própria crítica: na dificuldade de se materializarem os direitos do
cidadão, ou de se ver aplicada a cidadania, reside a trama da urbanização.
A ecologia também tem feito esse papel, de sinalizar às forças urbanizatórias que
determinadas linhas de projeto urbano podem resultar em mais prejuízo que
melhoramento: daí a necessidade de se reverem os graus de tolerância do homem frente
às imposições tecnológicas. Da mesma forma que produtos alimentícios (matéria-prima
processada industrialmente) comportam um limite de tolerância para a ação de
elementos químicos industriais no organismo humano (como, por exemplo, a gordura
hidrogenada), a organização coletiva urbana (o meio natural processado
industrialmente) necessitará de controle de seu caráter tóxico, sob pena de esse caráter
desfigurar a essência da produção original.
Quando a sociedade começa a se organizar, por exemplo, para criar mecanismos
híbridos (sociais e comunitários) de organização, ela pode recepcionar a figura do
policiamento comunitário, unindo a necessidade da presença da cidadania (pólis de
policiamento) e de formas de contatos primários (comunitários); ou seja, é preferível
aos moradores do quarteirão de um bairro que eles conheçam a pessoa dos policiais que
por ali circulam, e vice-e-versa: entende-se vantajoso à segurança pública do local que
os policiais conheçam seus moradores, para que se tenha algum controle sobre possíveis
conflitos e sinistros. Outras formas de comunitarização semelhantes também são
cogitadas, como o programa governamental médico da família, sempre se considerando
a propriedade de se aproximarem os serviços básicos da população, mas sob uma forma
híbrida, em que se preveja a instituição social articulada com dispositivos comunitários.
A comunitarização do social se prestaria a amenizar o rigor deste último, inibindo seus
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“efeitos colaterais”. Na migração para uma cidade média - onde esses elementos ainda
permanecem mais ou menos equilibrados, sem a sobreponência de um sobre o outro -
não estaria a família migrante buscando realizar, como estratégia, uma nova perspectiva
de vida? Se a família, em seu trajeto de êxodo urbano, constrói e combina esses
elementos de comunitarização, não estaria a sociedade, independentemente da boa
vontade política, livre para “recortar” o território segundo suas necessidades básicas?
O modus vivendi urbano não está confinado a uma região geográfica específica,
como no caso das grandes cidades, das capitais e das metrópoles. Ele foi construído a
partir desses lugares, porém, como paradigma, se estende ao longo do território; se é
duvidoso que o projeto urbanizatório, em sua face propriamente dita, de “isolamento
total do meio natural”, alcance o mais distante dos municípios de interior, na mais
reclusa ruralidade, é certo que tais regiões são sistematicamente alcançadas pelos mass
media. A televisão e o rádio, por exemplo, adentram-se com relativa facilidade,
transmitindo, não apenas informação, mas a formação de um pensamento
essencialmente urbano (idéias, padrões, concepções): o que abre espaço para lançar a
possível tese de como a violência poderia estar invadindo o espaço rural.
Definir o espaço rural como urbanizável traz a mesma orientação paradigmática
que define os países do chamado Terceiro Mundo como países em desenvolvimento
(não haveria país subdesenvolvido, assim como não existiria espaço propriamente
rural). Dessa forma, a mítica da urbanização alcança a forma “autoritária” do
pensamento racional: uma vez que ela se torna irresistível eixo de atração, em torno do
qual a sociedade vai se dispor, e de forma “natural”, “espontânea” (HORKHEIMER,
1990). Questionar a propriedade do processo de urbanização é propor que se reveja a
legitimidade do sistema macroeconômico: questionamento reprimido à base do
pensamento racional violento que não pode prever modelo alternativo a si próprio.
Se o urbanismo se estabelece em tais lugares, e neles tem sua excelência de ser,
sua força não se restringe a limites físicos ou geográficos, mas se articula socialmente
com a totalidade territorial, tamanha a extensão de seu raio de influência. É assim que,
por exemplo, o Centro-Oeste brasileiro pôde recepcionar o agrobusiness - agricultura de
alto investimento, destinada à exportação. Com base nesse movimento de expansão, a
linha americana de sociologia rural (MENDRAS, 1969) afirmará o território como
espaço efetiva e naturalmente urbanizável, como urbanização potencial, enquanto a
escola francesa conceberá os espaços urbano e rural como autônomos e independentes.
Nessa linha de estudo do urbanismo (WIRTH, 1987), são propostos os seguintes
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referentes:
a)Quantidade de população;
b)Densidade de população;
c)Heterogeneidade de habitantes e vida grupal, que podem ser formuladas com
base na observação e pesquisa.
a)Quantidade de população
serviços aquilo que eles, reunidos, podem fazer (como no caso do mutirão),
não se descartando a hipótese do sistema de troca primitivo (escambo), das
cooperativas, etc.
No interior, enquanto era possível uma só pessoa acumular várias
"funções", como no caso da rezadeira, que cultivava ervas, aplicava
ungüentos e com orações dirigia verdadeiros tratamentos terapêuticos de
cura; além dos serviços costumeiros, os laços sociais podiam, dessa forma,
ser realizados, equilibrando as redes de sociabilidade, como um todo, e
fazendo estabelecer formas simples, mas eficazes de integração social. Ao
contrário, no espaço urbano, o superficialismo, o anonimato e o aspecto
transitório das relações ressaltam o caráter de anomia proposto por Durkheim
(1999), quando explica as várias formas de “desestruturação social” que
atuam numa sociedade emancipada tecnologicamente.
De 1940 a 1980, no intervalo de algumas décadas, o quantum
populacional da relação urbano-rural, no Brasil, inverteu-se: 30% dos
brasileiros viviam nas cidades, enquanto o meio rural absorvia 70% da
população; no início da década de 80, as cidades passaram a comportar 70%
da população, enquanto o meio rural era habitado por 30%. A qualidade de
vida14, obviamente, por mais subjetivo que possa ser seu conceito,
acompanhou a evolução do inchaço urbano, mas de forma inversamente
proporcional: à medida que o espaço urbanizado se densifica, aumentando-se
a população, diminui a oferta dessa qualidade, ou esta não acompanha o
crescimento daquele espaço.
b) Densidade de população
Conforme Darwin salientou para a flora e a fauna e conforme Durkheim notou no caso
das sociedades humanas, um aumento numérico para uma área constante (isto é, um
crescimento de densidade), tende a produzir diferenciação e especialização, pois
somente dessa forma é que a área poderá suportar o aumento numérico. A densidade,
pois, reforça o efeito que os números exercem sobre a diversificação dos homens e de
suas atividades e sobre o aumento da complexidade da estrutura social.
Durkheim (1999) chama atenção, ainda sobre o fator demográfico, para o que
denominou densidade moral: a proximidade física entre os homens aumentaria suas
relações sociais, que se intensificam e se diversificam, resultando em maior capacidade
civilizatória. À medida que aumenta o número de cidadãos de uma mesma cidade,
circunscrito sempre a um espaço físico constante, aumentam as relações entre si e,
paradoxalmente, eles devem se organizar de forma tal que determinado distanciamento
seja mantido - base do individualismo. Quanto mais cresce a quantidade de relações,
mais estas se tornam complexas, e se acirra o modus vivendi individualista. Num
ambiente desses, é bastante compreensível o boom da linguagem virtual, que opera sem
as limitações do espaço físico; assim como, do conflito social, expresso pela violência,
pode ser feita a leitura de que a falta de espaço certamente o estimularia. A criação dos
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Isto produziu uma atmosfera tensa, em que os indivíduos mais fracos eram suprimidos e aqueles
de naturezas mais fortes eram incitados a pôr-se à prova de maneira mais apaixonada. É
precisamente por isso que florescem em Atenas o que deve ser chamado, sem ser exatamente
definido, de 'o caráter humano geral' no desenvolvimento intelectual de nossa espécie.
1.Aspecto material
As estruturas que dão a sustentação da economia, os meios de produção,
a hierarquia das classes sociais, etc;
2.Aspecto organizacional
As estruturas comprometidas diretamente com a ordem pública e a
organização coletiva, as instituições sociais, as relações entre indivíduos;
3. Aspecto simbólico
Conjunto de comportamentos, idéias e atitudes individuais e coletivas, a
visão de mundo, etc.
O fenômeno urbano, sem dúvida, pode ser considerado um dos objetos mais
inquietantes e difíceis de serem apreendidos cientificamente. Há mais complicadores
que facilitadores, e poderemos considerar variadas formas de percepção e perspectivas.
Por exemplo: pode-se afirmar que a população brasileira - sua grande parte (80%) - se
encontre efetivamente urbanizada? Ou seria mais apropriado se dizer que efetivamente
urbanizado é o território (físico) brasileiro, e não sua população? Outrossim, estes
seriam dados suficientes para se classificar o Brasil como um país urbano?
Dos aspectos elencados, o simbólico apresenta-se preponderante no recorte que
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Entretanto, essas novas lógicas acabam reforçando o papel das áreas centrais das
cidades globais: quanto mais globalizada a economia, maior importância tem a área
central, e quanto maior, mais poderosa e competitiva for a região central, mais
competitiva e poderosa (global) será a cidade. A diluição de tais centralidades não
ocorre, entretanto, sem o acirramento do conflito das forças centrípetas e centrífugas,
ora centralizando o poder tecnológico, financeiro, econômico, no “ponto central”, ora
permitindo movimentos de descentralização.
Na relação da cidade do Rio com o estado, dá-se o mesmo: o poderio tecnológico,
cultural, jurídico do centro do estado explicará, em grande parte, a questão do interesse
de alguns setores cariocas apoiarem a desfusão, desfazendo-se do peso (sobrecarga) das
noventa e uma cidades restantes. A figura do progresso que se vincula à urbanização
permanece ativa, mesmo que o projeto urbanizatório tenha se emancipado de seu
propósito inicial, que era o de se universalizar materialmente.
A área central do município do Rio de Janeiro corresponde ao seu centro
histórico, desenvolvido desde o século XVI até o XIX, renovando-se ao longo do século
XX. Segundo a Professora Lilian Fessler Vaz15, o desenvolvimento dessa centralidade
se deu em pelo menos três fases:
A centralidade numa cidade grande como o Rio de Janeiro pode ser observada a
partir de planos concêntricos: há um centro emissor e receptor de cultura, de finanças,
de idéias, etc. que delimita o espaço urbano, no município, mas a própria cidade é
centro do estado - unidade administrativa mais conhecida como capital. A disposição
geográfica moderna de capital como o centro, o locus principal do território, reflete a
“evolução” do próprio sistema capitalista, que entendeu apropriada a concentração das
funções de controle jurídico-administrativo, de pólo econômico-financeiro, de estação
de emissão-recepção de cultura e repositório tecnológico.
O capital, para se concentrar, impôs concentrações complementares: da
população, dos meios de produção, dos recursos financeiros, das unidades
administrativas principais, da terra. Funcionaliza-se o território, erigindo aqueles pontos
historicamente dotados de centralidade como a cabeça do território (capital) e relegando
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o espaço restante como o “resto do corpo” (as áreas rurais, por exemplo, em função do
êxodo rural, forneciam “braços” para o trabalho físico ordenado racionalmente pela
capital).
Conforme Queiroz (1978):
O camponês traz à cidade os produtos que consome; por sua vez adquire na cidade produtos desta.
Porém, esta complementação econômica se subordina a uma dominação política: a cidade age
como um poder central [grifo meu], existindo no povoado ou no grupo de vizinhança um
representante dela, que pode ser um citadino ali integrado ou um camponês que adquiriu
conhecimentos citadinos ou, mesmo, líderes camponeses para tanto habilitados.
Esse processo de interiorização é uma resposta ao crime organizado que tem fincado suas bases no
interior. Levamos para lá a presença do Estado, pois além da Justiça Federal, seguem a Polícia
Federal e a Receita Federal.
flexibilização das leis de uso do solo..." As cidades passam a ser administradas como
grandes empresas (empreendimentos), expressando as novas orientações da
administração pública de um estado gerencial. O neoliberalismo retira a função de bem-
estar do Estado (wellfare state), reconfigurando-o como agente regulador: ele apenas
trata de ordenar a lógica da administração, deixando a lógica do mercado a cargo do
próprio sistema privado.
Para dar moldura a esse novo papel do Estado, as cidades vêm sofrendo
intervenções urbanas sob a forma dos chamados Planos Estratégicos das Cidades. Os
PECs têm o objetivo de redinamizar a economia local, propondo-se forma participativa
na elaboração dos planos. Os planos estratégicos para a cidade do Rio, nas últimas
décadas, inspiraram-se nos PECs desenvolvidos para a cidade de Barcelona, ao sul da
Europa, que já sediou as Olimpíadas (em 2002), usando de marketing para captar
investimentos que resultaram em grandes transformações na dinâmica produtiva e infra-
estrutura urbana daquela cidade (telecomunicação, saneamento, transportes, lazer,
hotéis, empresas de turismo). Entretanto, o "modelo Barcelona" de ordenamento urbano
deixou a cidade refém das grandes empresas, relegando ao poder público considerável
custo social. Barcelona, assim como o Rio, integra o CIDEU - Centro Iberoamericano
de Desenvolvimento Estratégico Urbano: associação entre cidades que tem por objetivo
impulsionar as cidades-membro à realização de planos estratégicos urbanos, como
instrumento de ordenamento futuro das cidades.
A construção de uma imagem para o Rio - cidade encantadora, encantos mil,
cidade maravilhosa - passa por um padrão de intervenção urbanística, que é de
"natureza simbólica... recriada a imagem da cidade, transformando o imaginário social,
para conduzir a uma nova percepção capaz de colocar a cidade no circuito das capitais
do turismo internacional... torna-se um produto a ser vendido e deixa de ser um espaço
de política e construção da cidadania. A lógica da cidadania é substituída pela lógica do
mercado" (AMÊNDOLA, 1998).
Em julho de 2001, o parlamento federal brasileiro aprova o Estatuto das Cidades
(Lei No 10.257), que é o conjunto normativo de regras que buscam materializar o
direito à cidade (LEFEBVRE, 1969): direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e
ao lazer, para as presentes e futuras gerações - conforme dita a própria instância legal.
Tal regramento é regulamentação do ditame maior da Constituição Federal que, logo em
seu artigo primeiro, enquadra cidadania no rol dos princípios fundamentais, ao lado de
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corroboram parte de seus epítetos nacionais e internacionais; é inegável que ela possui
contornos específicos de um resort, como é o caso de Miami (EUA), sempre se valendo
dos ingredientes de sol, praia e diversão. Esta imagem construída opera a favor de uma
forte correnteza: o mito da ecologia, que arrasta todos os discursos em prol da
unanimidade politicamente correta. Mesmo urbanizado, o município do Rio de Janeiro
mantém intacta certa característica rural, pelo entorno de encostas, morros, praias e
lagoas; esta ruralidade residual, quando se relaciona com as orientações urbanizatórias,
criando cultura e identidade próprias, põe a cidade no ranking das mais “completas”,
posto que nesse espaço a convivência social se dê com muita diversidade de
pensamentos e “tipos” humanos habitantes de uma terra onde a natureza ainda resiste às
forças civilizatórias que envelheceram a Europa. O fascínio do turista, principalmente o
estrangeiro, estará sempre vinculado à própria história, que um dia revelou ao velho
mundo as belezas e riquezas do novo; eis a recorrência do mito edênico, consagrado nas
bandeiras de colonização do cristianismo.
Entretanto, a mancha da violência urbana, que afasta da cidade os caracteres de
“paraíso”, somente é neutralizada simbolicamente, sob forma de publicidade massiva
direta ou indireta (como no caso das novelas for export). O noticiário, em todo o
mundo, registrando a “realidade”, assemelha-se a uma contrapublicidade, revelando ao
mundo do turismo como o “paraíso” vem sendo sistematicamente atacado e tomado
pelos anjos caídos do tráfico de drogas e do terrorismo. Do processamento de todas
essas forças - e nunca esquecendo o interesse do capital - resultará o conjunto de
características mais ou menos compatíveis que compõem a imagem “acabada” da
cidade.
De 1763 a 1960, como capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro recebeu status
administrativo especial e era a mais rica do país. Juntando-se a isso o pródigo patrocínio
federal, pode-se afirmar que o município era capaz de assegurar a seus residentes infra-
estrutura bem desenvolvida e serviços sociais de alta qualidade (saúde, educação,
moradia, segurança pública).
Em 1975, porém, o Rio perde seu status especial de Estado da Guanabara, e se
inicia a década “perdida" - anos oitenta - período de estagnação da economia, com a
escalada da pobreza e do crime, com a deteriorização dos serviços públicos. Nos anos
noventa, aberta a economia às orientações neoliberais e sem a abundância de verbas
federais, o governo municipal é pressionado a desempenhar o papel de promotor do
crescimento econômico na cidade e no apoio ao governo estadual, no que tange à
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Por força das limitações de espaço, a imprensa tem se referido à violência urbana
com reportagens sintéticas, sem o tratamento analítico adequado para uma questão bem
complexa. Contudo, se a mídia contribui para o “encantamento” da cidade, ela também
serve de fonte documental, quando apresenta, por exemplo, como elemento de
desencantamento, o depoimento da pensionista Valdira (O Globo 13.04.03 pg. 19),
ainda assustada com a "bala perdida" que invadiu seu apartamento, na Glória:
É muita sorte eu estar viva. Poderia ter morrido de repente. Tenho vontade de ir embora para bem
longe e só voltar quando essa vergonha acabar.
afirmou ter sido humilhado e querer voltar para a Paraíba (O DIA 23.04.03 pg. 11).
Há muitos relatos orais de moradores do Rio interessados em se mudar da cidade,
rumo a um município menos “violento". Os depoimentos supracitados se referem à
motivação dada pela violência física propriamente dita, apenas para ilustrar uma
situação extremada, quando o morador, acuado pela violência ou vítima da mesma,
decide deixar a cidade. A pesquisa em tela, entretanto, deseja considerar a totalidade do
fenômeno violência como um conjunto estrutural, onde o fato criminoso é apenas a
parte mais visível.
Não será difícil de aceitarmos que a cidade do Rio tenha vivido seu “clímax” de
encantamento no período pós-Segunda Guerra Mundial até meados da década de setenta
(época do “milagre econômico”). Ela reunia condições favoráveis: capital do Brasil,
consolida-se como pólo dinamizador de cultura, com o surgimento da bossa nova, por
exemplo; na política, reflete a experiência democrática intervalada pelos governos
militares (1945-1964). O espectro da violência urbana, nesse período, pode ser
considerado apenas modesto ensaio, se comparado com o impacto dos anos noventa. O
banditismo se expressava na figura do “malandro”; a prática da violência limitava-se, de
forma geral, a guetos e horários pré-estabelecidos. Aos poucos, porém, o narcotráfico se
instala na maioria das favelas, financiado pela rota internacional, e estimulado por uma
rede de consumo de classe média. Outros “nós” urbanos também passaram a se
consolidar, como a questão dos transportes coletivos, do saneamento básico, da saúde,
da moradia. Os investimentos em estruturas básicas não acompanharam o crescimento
expressivo da população - e talvez seja esta lacuna a responsável pela idéia de que a
imagem de uma cidade possa ser construída artificialmente, sem qualquer
fundamentação real.
Apesar desse processo de desencantamento, autoridades munícipes reiteram sua
disposição em manter o tratamento clássico para a cidade: reencantá-la, tratando
problemas crônicos com “frentes de intervenção” que não resolvem a questão por muito
tempo.
Sendo o objeto do atual estudo dificultado pela falta de distanciamento, como
quer a boa linha metodológica - pois aqui se trata de tema extremamente atual e
próximo ao sujeito-pesquisador - entende-se a importância dos relatos via-imprensa
como fontes primárias mais imediatas que o próprio IBGE (2000), que registra
estancamento do êxodo rural - o que nos faz indagar sobre a possibilidade de uma
inversão (ou reversão), através do êxodo urbano.
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Da mesma forma como torna o campo dependente da cidadela [a burguesia] torna os países
bárbaros e semibárbaros dependentes dos civilizados, os povos agrários dependentes dos povos
burgueses, o Oriente dependente do Ocidente.
Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. Vinde!
Desçamos! Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros.
Iahweh os dispersou dali por toda a face da Terra, e eles cessaram de construir a cidade.
só o que lhe interessa é o resultado final: quer que o terreno esteja livre na manhã seguinte, para
que o novo projeto seja iniciado. Isso é um estilo de maldade caracteristicamente moderno:
indireto, impessoal, mediado por complexas organizações e funções institucionais .
A parte de Fausto que nos cabe recortar, para o estudo do mito da cidade grande,
em sua relação ontológica com as “cidades menores”, observa o momento em que
Fausto supervisiona o trabalho mefistofélico e percebe que
toda a região em seu redor se renova e toda uma nova sociedade é criada à sua imagem. Apenas
uma pequena porção de terra da crosta permanece como era antes. Esta é ocupada por Filano e
Báucia, um velho e simpático casal que aí está há tempo sem conta. Eles têm um pequeno chalé
sobre as dunas, uma capela com um pequeno sino, um jardim repleto de tílias e oferecem ajuda e
hospitalidade a marinheiros náufragos e sonhadores .
Não resta outra saída para Fausto e Mefistófoles, senão a extinção desse foco de
resistência; o projeto moderno civilizatório almeja a onipresença do paradigma racional,
e não seria uma cidade pequena, símbolo do passado “primitivo” recente e, portanto,
risco de “retrocesso”, que os impediria. A Revolução Industrial redesenha o mundo
a ser qualidade de vida precisa se alimentar dos variados conceitos elencados, não sendo
necessariamente um somatório de todos eles, mas, sob certa maneira, uma resultante de
todas as considerações.
Dois mitos se aglutinam: o da cidade grande e o da qualidade de vida. Desde a
Revolução Industrial, a construção de grandes cidades está sistematicamente
identificada com a busca de qualidade de vida. Mais tarde, quando o habitante da capital
já se encontra capaz de fazer uma leitura sobre o local em que vive, inicia o
questionamento sobre se deve ou não permanecer nela vivendo, e realiza o
deslocamento de significados em torno do que possa ser realmente qualitativo. Pode-se
entender, nesse exercício reflexivo, a construção visível de uma antinomia entre
qualidade e quantidade; enquanto no espaço urbano, as indústrias são capazes de
produzir e oferecer mercadorias, em escala obviamente industrial, o espaço rural
geralmente manifesta tendências contrárias, de produção artesanal, onde ao valor do
produto agrega-se a aura do pequeno produtor (KONDER, 1988), que obviamente não
pode ser quantificada, mas qualificada. Ao contrário, se não é difícil de se constatar o
aspecto “quantificável” das cidades, a “qualidade” desses produtos e serviços à
disposição deve ser posta sob constante dúvida. A família interessada em buscar uma
região mais rural do estado, como no caso em tela, entende que na cidade acolhida
(Maricá) poderá se aproveitar, não da fartura de opções industriais, mas de opções
alternativas, que são em menor número, mas “de qualidade”. Quantidade e qualidade
parecem, então, se comportar sob razão inversa.
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Ao longo da presente pesquisa, foi realizada entrevista com uma família que
possui o perfil prenunciado - que denomino migrante - para compor quadro qualitativo
sobre a experiência de migração do Rio de Janeiro para Maricá. Preocupou-se aqui, não
em se estabelecer tratamento estatístico-legitimizador, mas em se conferir material de
pesquisa adquirido pela experiência da família, sob forma de narrativa. Considerando
que durante a entrevista, outras questões foram surgindo (abertas e extensas), calcula-se
em 120 a quantidade média de perguntas. O uso de iniciais, como técnica de
identificação, resulta de acordo firmado entre as partes, com o único interesse de se
preservar a intimidade e a segurança profissional dos entrevistados.
As perguntas foram divididas em três blocos:
Em fins do século XVI, o padre José de Anchieta esteve à beira dessa lagoa, onde
teria realizado "milagre", fazendo aparecer muitos peixes. Atualmente, corre no
Vaticano (Roma) o processo de canonização de Anchieta, com o objetivo de torná-lo
oficialmente um santo. Em certa altura do calçadão da lagoa, observa-se o local onde
outrora fora erguida estátua em homenagem ao padre - que infelizmente foi roubada.
Restam apenas o bloco de cimento com pichação de spray e a placa de inauguração,
laureada com nomes de políticos locais.
À beira da lagoa, crianças brincam no escorrega e nos balanços, enquanto
adolescentes arriscam um jogo de vôlei, mais adiante. O clima de descontração é
permeado por uma bela paisagem ao fundo, com direito a pôr-do-sol e à visão da Pedra
do Elefante - formação montanhosa bem conhecida na cidade, que pertence ao distrito
de Itaipuaçu. A informalidade do ambiente natural foi escolhida propositalmente para
estimular a espontaneidade da entrevista.
primária, no bairro da Tijuca, Zona Norte. S. distribuiu seu currículo pelas escolas de
Maricá, visando ao emprego de professora. Na primeira metade do ano de 2004, S.
abriu pequeno comércio de artesanatos, no OFF SHOPPING de Maricá - atividade que
não vingou. J. e N. são o filho e a filha, respectivamente, 16 e 10 anos. J. circula de
bicicleta pelos locais mais "movimentados" da cidade e afirma que onde morava, no
Rio, não conseguia andar de bicicleta, devido ao trânsito de veículos e à violência. É
visível que J. e N. perderam peso (emagreceram) desde que chegaram à cidade - fato
por mim mesmo observado25 e confirmado pelos pais.
A família procede do bairro carioca de Madureira. Em Maricá, alugam uma casa
no bairro de Pedreiras - a duzentos metros do terminal rodoviário - que faz fronteira
com o Centro da cidade. No bairro de Araçatiba, em quarteirão próximo à lagoa, a
família possui um terreno, onde espera construir a residência definitiva. Muito antes do
dia da entrevista, em conversa informal, H. explica que, onde morava, no Rio, havia
"toque de recolher" às 21:00h, comunicado pelos "bandidos da área"; "a partir dessa
hora, não se via mais ninguém na rua" - afirmou H., espontaneamente, sem que
qualquer pergunta lhe fosse dirigida. S. aproveita para complementar a fala do marido,
explicando que "aqui andamos até meia-noite, sem preocupação alguma". J. aproveita
para ilustrar o "sentimento de segurança" que encontrou em Maricá, dizendo que vai "às
compras" e pode deixar "encostada" sua bicicleta na parede, ao lado do mercado: "Nas
primeiras vezes, achei que ia sair do mercado e não encontrar mais a bicicleta. Mas,
paguei pra ver. Uma vez esqueci a bicicleta na beira da lagoa e só voltei no dia seguinte,
perguntei ao moço do trailler, ele tinha guardado ela pra mim. É mole?" A família
parece iniciar, como enfoque da conversa, o tema da violência urbana.
Ao ser indagado sobre o tema religião, H. revela que é membro de loja maçônica
e segue na tentativa de explicar a doutrina. Segundo H., não se trata de religião (como o
cristianismo, o budismo, o islamismo, etc.), mas de uma "linha doutrinária presente em
vários momentos cruciais de nossa história". H. e S. fazem questão de ressaltar que
"preservam os dias santos católicos" e não possuem "qualquer forma de preconceito em
relação a outros movimentos religiosos".
H. e S. parecem ter gostos semelhantes quanto ao "tipo" de música: MPB e samba.
H. conta que nas horas vagas compõe letras de música e que tem um amigo, no Rio, que
é parceiro musical do Zeca Pagodinho. O casal aponta apenas o funk como "estilo
intragável", "que não desce". Nesse momento, N., a filha, ensaia pequena coreografia,
demonstrando certa afinidade com esse “estilo” - influência da escola, segundo os pais.
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"Ela só faz isso para nos afrontar", revela H., em meio a uma descontraída gargalhada.
Quanto ao hábito de leitura, H. diz não possuir tempo para ler, senão a matéria
específica e dirigida do Direito Previdenciário. Quando lhe sobra tempo, H. aproveita
para ler jornais, sempre atento às análises e reportagens de área jurídica, os órgãos
públicos, o governo federal, etc. S. e os filhos confessam não possuir o hábito de ler;
desculpam-se, explicando que chegaram há "pouco tempo na cidade" e, antes de
desenvolverem o hábito da leitura, precisariam "conhecer a galera de Maricá", ditando,
desta forma, sua escala de prioridades. A falta de tempo, entretanto, não impede J. e N.
de verem televisão. Nos fins de semana, pegam fitas de vídeo e cartuchos de jogos
eletrônicos. Ao serem indagados, J. e N. revelam que ficaram surpresos em encontrar
"videolocadoras aqui, em Maricá", pois achavam que a cidade não lhes proporcionaria
este tipo de lazer. S., a mãe, intervém para dizer que seus filhos temiam ficar isolados
na cidade, pois os amigos da escola, no Rio, alertavam que "a vida no interior iria ser
um verdadeiro tédio". S. aproveita para lembrar que J., em um ano e meio vivendo em
Maricá, perdera 10kg, porque "aqui ele anda de bicicleta, caminha, pode fazer
compras... nem precisa de academia..." (Risos). Retornado o tema, indagando-se sobre a
qualidade da programação televisiva, de um modo geral, H. não mede palavras para
criticá-la com rigor. Afirma que o ideal seria instalar uma tv a cabo - instalação que
depende de melhoria no orçamento financeiro da família. S. e H. acreditam em “boa
educação” para os filhos e discordam da idéia de censura prévia. Entretanto, S. ressalta
a necessidade da melhor adequação de horários: novelas, por exemplo, passariam "cenas
inapropriadas para um horário em que as crianças ainda estão na sala, aguardando o
jantar".
No quesito da auto-imagem, H. se imagina desbravador. Deixar a residência no
Rio, para "se aventurar em outra cidade" é a imagem que amigos e familiares faziam de
H. - briga que ele resolveu "comprar", formulando contra-argumentos. Depois que
fizeram a mudança para Maricá, esses amigos e familiares passaram a tratar H. como
um "aventureiro... quase inconseqüente". Houve quem chegasse ao ponto de classificar
tal mudança como "ato de fuga da realidade". Para eles, a realidade é a vida na capital,
com seus problemas e riscos diários. "Viver sob o perigo de balas perdidas" ou
"estressado nos engarrafamentos do rush" seriam "coisas naturais", pelo que
naturalmente "a população tem de passar, pois o governo não consegue resolver".
Portanto, vigora o discurso de que solucionar tais problemas seja papel do governo,
enquanto o papel da sociedade civil seria o de reclamar, "fazer valer os direitos".
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Quanto a familiares e amigos, perante sua opinião, S. é enfática ao revelar que sua
imagem sempre foi a de questionadora - o que explica a baixa resistência em aceitarem
sua mudança de vida. O fato de a transferência para Maricá ter envolvido crianças
agrava a imagem negativa: segundo H., se tal mudança fosse realizada apenas por
"adultos solteiros, sem compromissos ou vínculos maiores", não causaria esse impacto.
Já a nova vizinhança - H. e S. fazem questão de anunciar que têm um ótimo
relacionamento com ela - reconhece a atitude da família migrante, uma vez que
acreditam ser a violência no Rio e, secundariamente, o custo de vida, motivos
suficientes para a realização da "aventura". Essa nova rede de sociabilidade - que inclui
os colegas de escola de J. e N. - demonstrava inicialmente, nos primeiros meses da
família migrante em Maricá, "considerável hospitalidade", conforme aponta S.,
lembrando que na vila onde moravam, no Rio, durante anos, se conheceu três vizinhos,
“foi muito”. Passado esse estágio inicial de migração, porém, "certas características da
natureza humana, como a bisbilhotice da vida alheia, logo deram sinal de existência". H.
vê a fofoca como "algo natural", mas não "eterno", no ser humano, e por isso releva o
fato: “no Rio, nas portarias de prédio, na rua, em todo lugar, haverá o mesmo problema,
com a diferença de que nesses lugares o processo não fica tão visível quanto numa
cidade menor". Além disso, confirma H., se esse problema existe em todo lugar, "ao
menos aqueles problemas mais graves, como a violência e o estresse, ainda são
regionalizados, e nessa região [Maricá] tenho encontrado muita diferença". Sobre a
imagem que fazem de familiares e amigos que vivem no Rio, H. e S. são categóricos em
classificá-los como acomodados, "pessoas que vivem reclamando de tudo, mas não se
mexem", "criam um monte de desculpas para não tomarem uma atitude como a nossa".
Quanto aos novos amigos, H. e S. os observam como "gente menos estressada,
acolhedora, mas de um nível intelectual e cultural limitado". Para H. e S., apesar de
Maricá não estar isolada do mundo - na Era Global tudo se conecta - é facilmente
notado que "a falta de teatros, cinemas, shows, bibliotecas" não equipa a população com
o "mesmo grau de cultura" de quem vive no Rio: dificuldade que deve ser transcendida
e realidade que pode ser adaptada, não impedindo qualquer forma de bons
relacionamentos. H. espera que, em futuro próximo, adquirindo automóvel, possa levar
a família para “passeios culturais” pelo Rio: “porque essa é a função daquela cidade” -
atesta.
Quando anunciado o novo tema do questionário - a política - H. se revira na
cadeira, coça o queixo e ensaia um riso de ironia, dando sinal de que se trata de assunto
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polêmico, não pacífico e bastante risível. H. não revela detalhes de sua participação na
política, mas confessa ter votado em Lula, nas últimas eleições. Perguntado sobre a
expectativa que faz desse governo, H. reconhece que "ele [o Presidente da República]
prometeu muitas coisas na campanha, impossível de serem realizadas em cinco anos".
S. faz análise sobre a questão: "qualquer candidato que assumisse o posto não cumpriria
as promessas eleitorais... mesmo porque ele já encontra lá a 'máquina' toda pronta para
imobilizá-lo. Mesmo que desejasse aplicar as mudanças que sempre propagandeou, não
conseguiria, pois se encontra 'engessado'". H. aproveita para tecer curiosa comparação,
citando a relação que o Papa tem com seus cardeais, no Vaticano: de limitação imposta
pelo poder, agravada pela influência da hierarquia política e da burocracia. H. e S.
fazem o coro dos realistas, quando anunciam sua postura em relação aos "políticos",
pois, "não se deve esperar nada de um político... assim, o que vier é lucro". O casal diz
simpatizar-se com alguns movimentos sociais, como o Solidariedade (do Betinho), o
Basta! (contra a violência urbana) e outros, especialmente aqueles que levantam a
bandeira da ecologia e dos direitos humanos. São igualmente simpáticos ao MST, posto
que reivindicam "uma causa legítima". Para S., o Brasil não avançou social e
historicamente devido à falta de "reforma agrária de verdade, como se deu em vários
países do Primeiro Mundo". H. acha interessante o MST incluir, em sua pauta, a
"convocação do homem urbano desempregado ou subempregado para integrar o
movimento", pois ele conhece casos de pessoas que estão melhor de vida hoje, no MST
- que forneceria "maior assistência e estrutura que o próprio governo". O único ponto
programático dos sem-terra de que H. e S. discordam é a tática do confronto - estratégia
desenvolvida pelo movimento, ao longo dos anos.
Outra questão que empolga a família é quanto à vida na cidade de Maricá.
Interessante notar que H. e S. realizam, inconscientemente e sem método, um trabalho
de campo antropológico, desde o início da entrevista, elaborando comparação entre
"aqui e lá", "antes e depois", "como era a vida e como é agora". Parecem ter a
preocupação de a todo momento testar a legitimidade de sua atitude, avaliando se os
pontos positivos estão superando os negativos, na intenção óbvia de uma resultante
positiva. H. e S. reconhecem que nos grandes centros urbanos - em especial, no Rio de
Janeiro - a vida é excessivamente impessoal, permeada por conflitos sociais que geram
violência. Ambos estão de acordo com o fato de esta violência constituir-se não apenas
de um surto, mas como componente estrutural, quer dizer, morar na cidade do Rio
traduz-se em, antes de tudo, viver sob estruturas violentas que reproduzem a violência;
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não tem "nada contra o shopping. Mas, é que o lugar dele é no Rio... quando der
saudades, a gente vai ao Rio, mas volta... e o lugar de andar tranqüilo pelas praças ou
dormir sem escutar rajadas de AR-15 é aqui...”
H. espera que até o fim de 2005 possa "comprar um carrinho, à vista", mas
ressalta que "isso não faz falta". O veículo serviria para deslocamentos maiores até
outras localidades, como as cidades vizinhas da Região dos Lagos (Rio das Ostras,
Cabo Frio, Araruama, etc.) ou mesmo na própria cidade de Maricá, em regiões de difícil
acesso, onde o transporte é mais rarefeito, como os bairros Espraiado (circuito de
cachoeiras), Bambuí (próximo à praia) e Ponta Negra. S. lembra que "a família
emagreceu de tanto andar a pé e carregar compras" e que, no Rio, "o médico acaba
receitando caminhadas diárias, impossíveis de serem feitas numa avenida comum".
Ao término da entrevista, H. e S. se afinam no discurso sobre qualidade de vida.
Filosofam que não buscam "enriquecer na vida", mas "ter uma vida rica em qualidade".
Chegam a arriscar um conceito sobre qualidade de vida: poder dispensar mais tempo
para a família, a leitura, a boa alimentação e o lazer das coisas simples. H. vai contra o
tratamento relativizante da “falsa” antropologia, ao dizer que "estas são coisas que
valem para todo mundo". Indagada sobre o perigo de se absolutizarem ou
universalizarem questões "subjetivas", S. responde pragmaticamente que há "excessos
de teoria sobre o assunto" e que "na prática, no dia-a-dia, as pessoas precisam mesmo é
das coisas simples...” Os parentes e amigos que ficaram no Rio costumam identificar
"qualidade de vida" com "conforto", que é sinônimo de "ar-condicionado", "andar de
automóvel", "comer em restaurantes", por exemplo. H. lembra que também gosta de
conforto: mas para ele, conforto é "viver com segurança e tranqüilidade". Assim, a
família migrante do êxodo urbano para Maricá, em seu percurso de vida, acaba
realizando desnaturalização e (re)construção de conceitos como qualidade de vida,
violência e conforto.
Já é possível observar hoje um movimento de saída dos grandes centros em busca de cidades
menores que ofereçam uma melhor qualidade de vida. Essa migração está ocorrendo
principalmente por parte de uma população mais abastada [grifo meu], com melhores condições, e
portanto com uma maior mobilidade que, de posse das “novas tecnologias”, abre mão de morar em
um grande centro e se muda para uma cidade que na hierarquia das cidades é mais baixa que a sua
de origem.
Mas, por que se acredita que as novas tecnologias são um fator importante? A resposta é simples,
com as novas tecnologias é possível encurtar distâncias, é possível ter acesso a tudo que se deixou
para trás na cidade grande sem grandes dificuldades. Com a nova realidade, o lugar já não importa
mais, não traz nenhuma imposição, basta que o local esteja eletronicamente interconectado. O
lugar de trabalho, por exemplo, pode ser a residência. Isto é, pode voltar a ser a casa, como já
aconteceu no passado, antes da Revolução Industrial. E essa transformação simples já está
acontecendo em muitos lares.
nos grandes centros. Indústrias de médio porte têm migrado para o interior, em busca de
mão-de-obra mais barata, redução de custos e incentivos oferecidos pelo estado.
Pesquisa encomendada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) revelou que
20% das 700 maiores empresas do país têm planos para transferir suas matrizes e filiais
para outros estados fora do eixo Rio-São Paulo. Segundo Arbache (2004), professor da
UnB, salários para vagas que exigem menor qualificação diferem em 15% da
remuneração da capital, mas desde 1981, essa diferença vem caindo: processo contínuo
de homogeneização dos salários. E mesmo quando o salário é mais baixo - conforme
Arbache - a folga no orçamento de quem foge dos grandes centros é maior. No caso
específico do Estado do Rio, dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados), órgão do Ministério do Trabalho, confirmam o potencial econômico
das cidades que formam o novo ciclo do ouro do turismo. A descentralização não é
somente do capital, mas das próprias agências de qualificação profissional, como o
Senai e o Senac, que têm unidades espalhadas pelo interior. Dados da Firjan (Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro) atestam que a capital (Rio) deteve US$ 6,7 bilhões dos
US$ 17,5 bilhões dos investimentos industriais, em 2004. No ano 2000, o Estado do Rio
sediou 223 eventos nacionais e internacionais, atraindo em torno de 370 mil turistas,
somente para o circuito de convenções; no mesmo período, o setor turístico
movimentou US$ 360 milhões. O presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa
Vieira, afirmou, na época, que “todo o drama do nosso estado foi em função da
concentração econômica no município do Rio e do esvaziamento do interior”,
anunciando que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi acionada para identificar as
potencialidades “naturais" do Estado do Rio.
Se há dúvidas quanto ao movimento migratório humano (são os urbanos que
buscam as cidades médias, ou os interioranos que são retidos por um “sistema de
dique”, em seu percurso até a capital?), os dados acima confirmam explicitamente que
empresas de médio e grande porte tomam o sentido da interiorização: o que serve de
elemento de atração para o migrante. Portanto, além de uma força de repulsão
(centrífuga), o migrante sofre a força de atração (centrípeta) dessas cidades médias que
recepcionam o capital, criando oferta de empregos.
Na fala dos entrevistados, por diversos momentos, entende-se a preocupação do
chefe de família em realizar a passagem de um modus operandi para outro, no âmbito
profissional. H. já reside em Maricá, mas continua se deslocando diariamente para o
Rio, em seu escritório de advocacia. Espera, contudo, que no prazo de um ano possa
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tripé sirva para sustentar a "cadeira-estratégia", podemos dizer que a qualidade de vida
é quem se sentará sobre ela. Na dimensão e no equilíbrio desses fatores residiria uma
busca estratégica, mas também, um peculiar exercício de crítica desenhado pelo
migrante. O desenho que a família traça no território deixa visíveis os elementos
indiciários de um discurso crítico: a grande força que é gerada quando um espaço causa
repulsa e determina reformulação geral de vida.
Segurança é o quesito mais recorrente. Como conceito, atualmente ele se estende
a outras áreas, como a segurança alimentar ou a segurança previdenciária29, invocando
a carga de complexidade natural que envolve esse tema. Se atentarmos para o fato de
que o narcotráfico, no mundo inteiro, movimenta uma economia da ordem de US$ 1,5
trilhões (superando o PIB do Canadá), entenderemos que a criminalidade articulou vasta
e complexa rede, com ramificações em todas as áreas institucionais e regiões:
engenharia empresarial que só perderia para a movimentação econômica do petróleo. A
dificuldade com que o poder público tem de lidar, nesse caso específico, revela
contradições, como a de que em grande parte das comunidades carentes o poder do
tráfico (que se usou chamar de paralelo) promove os serviços públicos mais básicos,
aproveitando-se da ausência do Estado; é sabido que no entorno de favelas, no Rio,
especialmente próximo a quadras de escolas de samba, não ocorrem furtos ou assaltos,
como em outras áreas (o território, por pertencer a determinada “quadrilha”, está
“seguro”). Conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, do Rio de Janeiro, de
1985 a 1991, houve 70.061 homicídios no município, enquanto a Guerra do Vietnã
matou 56 mil americanos. Evangelista (2003), professor do Departamento de Geografia
da UFF, identifica o narcotráfico como “extensão” (continuidade) do jogo do bicho, em
sua pesquisa O Rio de Janeiro: violência, jogo do bicho e narcotráfico segundo uma
interpretação. São dados que a família reconhece, pela simples observação e por meio
da própria vivência na capital.
Mesmo se dando o tratamento relativizador, que justifica o recorde de sinistros na
capital como reflexo do porte de cidade grande, para a família entrevistada a
“relatividade” encontrada em Maricá lhe é suficiente. E não será correto dizer que o
número de sinistros seja proporcional ao número de habitantes, como numa tentativa de
encontrar determinada função matemática ainda oculta. Porém, as análises mostram que
num adensamento populacional gigante, como no caso das regiões metropolitanas, as
probabilidades de violência são muito maiores: porque a concentração humana traz em
si violência - a violação do direito de o cidadão usufruir o “espaço físico” necessário a
99
seu ir e vir, sem o qual serão “vítimas” da elevada densidade moral prevista em
Durkheim (1998).
Na fala da família entrevistada nota-se a preocupação com o problema do
narcotráfico no Rio de Janeiro e "suas balas perdidas". H. e S. manifestam esperança de
que "essa praga" não se adentre por Maricá, embora o casal já tenha presenciado, no
carnaval, cenas de jovens se drogando: "eram de fora... os daqui não devem ser muitos...
a prefeitura e a polícia têm que preservar o espírito de tranqüilidade de Maricá". O casal
reconhece que em Maricá, a questão da “centralidade” pode se repetir; é no centro dessa
cidade que os “vícios” urbanos se manifestam. Daí, sua preocupação em montar a
própria residência no bairro de Araçatiba, que é “próximo ao centro, mas diferente do
centro” - conforme uma de suas falas. H. tece a seguinte simulação: se tivesse que
residir, com o mesmo distanciamento, próximo à avenida Rio Branco, na cidade do Rio,
teria que morar no bairro da Praça Onze, ou em outra “periferia”. Esta perspectiva
arranjada pela família somente foi possível numa cidade média, onde o movimento de
urbanização ainda não se sobrepõe ao território.
Magalhães (2003) vai buscar no mundo clássico interessante percepção a respeito
das cidades30. Segundo ele, "o mundo clássico sabia que os lugares são regidos por
divindades, os genius loci, que determinam as condições sobre as quais as cidades se
desenvolvem". Da mesma forma que Weber se utilizou de um genius capita, para
elaborar sua tese do "espírito do capitalismo", o pesquisador irá dizer que a violência
urbana é resultante do "divórcio entre a cidade e o espírito do lugar". Esse litígio seria
responsável pela disseminação da violência no Rio - cidade construída e consagrada, ao
longo da história, como lócus de cordialidade. A paisagem carioca, generosamente
ofertada pela natureza, não poderia dissociar-se desse espírito e conter os altos índices
demográficos - sob pena de irritar o genius loci e atrair a ira das divindades, eis uma
tese possível.
O êxodo urbano permitiu à família um ritmo não-violento de vida, conforme sua
fala, durante a entrevista. Uma outra forma possível de se visualizar a violência talvez
seja a da velocidade com que se operam as atividades cotidianas, além, é claro, da forma
explícita das "falsas blitzes e balas perdidas pela cidade". Numa análise histórica e
panorâmica da atualidade, encontramos o capitalismo em sua fase neoliberal,
hegemômico, que impõe alto grau de concorrência: do trabalhador exige-se incessante
busca pela requalificação. Os meios de comunicação, na era do computador, trabalham
em tempo real, com celulares interligados e cyberconferências - dispensando muitas
100
como liberdade ou realidade - o que não impede que uma família tente construir sua
própria definição, para efeito operacional.
Roche (1990) vai enfatizar a dimensão cultural da qualidade de vida, envolvendo
meio ambiente e desenvolvimento. Coimbra (1985) parte da conceituação etimológica.
Muitos autores já se debruçaram sobre o desafio de definir o que seja qualidade de vida
e não há sinal de pacificidade em torno do tema. Por enquanto, a exemplo da família
entrevistada, esse conceito está sendo construído por exclusão: apreende-se o que é
qualidade de vida excluindo-se tudo aquilo que dela não faça parte. É como se conhecer
tudo o que desqualifica a vida, sem saber exatamente a referência "absoluta" que a
qualifique em definitivo. Esse objeto de busca vai se definindo à medida que as
“desqualificações” vão sendo dispensadas.
Para se obter visão mais ampla de como as cidades de Maricá e do Rio de Janeiro
se interagem, através da história do estado, é preciso que se entenda primeiramente sua
relação como sendo antiga. Em Esaú e Jacó, romance de Machado de Assis, a
personagem Santos é nascida em Maricá, pobre, e muda-se para o Rio, “por ocasião da
febre das ações (1855)”, onde ele parece ter revelado “grandes qualidades para ganhar
dinheiro depressa”. Santos oferece emprego a João de Melo: um “lugar de escrivão do
cível em Maricá”. Mesmo que Esaú e Jacó conste como obra ficcional, não se pode
descartar o fato de que tal ficção auxilia na compreensão da realidade proposta, sem a
qual o caráter de verossimilhança se perde e o impacto da narrativa não vinga. Apesar
do reconhecido aspecto rural do município (ANEXO 1) - e quanto mais na metade do
século XIX - compreende-se a preocupação de enquadrá-lo oficialmente como urbano,
dado o interesse institucional, já referido, pela concepção de espaço urbano como
moderno, evoluído. Observa-se, ainda, que a presença de um cartório, em Maricá, nos
idos de 1855, pontua o início da descentralização do sistema jurídico no estado do Rio.
104
A proximidade que Maricá tem com o Rio explica, em grande parte, seu
relacionamento histórico; ela já foi considerada como partícipe do grupo das cidades
metropolitanas (como Rio, Niterói e São Gonçalo) até 2002, quando passou a constar
como pertencente à Região dos Lagos. Tal peculiaridade aponta sua localização como
“de fronteira”, expressando-se com o caráter duplo de pertencer, na prática, aos dois
ambientes - característica que lhe abriria vantagem sobre outros municípios.
A cidade do Rio de Janeiro acumula considerável carga simbólica, que une um
generoso ambiente natural, relativa e minimamente conservado, e o histórico de capital
federal, além de agregar a “vocação” de circuito cultural. Na verdade, na chamada
cultura carioca pode existir o conjunto de todas essas características, naturais, sociais e
históricas, que acabam compondo perfil de rica complexidade; ao mesmo tempo em que
se cria o discurso da unanimidade em torno das “maravilhas” do Rio, constrói-se a
roupagem mítica que transcende a mera superposição de fatos e dados empíricos, quer
dizer, o mito da cidade grande (e da “cidade maravilhosa”) inicia-se com a
racionalidade dos fundamentos pacíficos (a cidade tem áreas rurais, praias, shows,
teatros, etc.) até chegar aos motivos publicitários (simbólicos), quando ela passa a
possuir muito mais que essas coisas: há na cidade um mana, uma aura, um genius
(HORKHEIMER, 1990). O fetiche que Marx descobriu na mercadoria se estende ao
espaço “cidade”, pois esta imagem é vendida como roteiro turístico internacional,
configurando-se, portanto, como uma das principais e mais rentáveis mercadorias da
época contemporânea.
Já a apropriação de Maricá como cidade estratégica ocorre em pleno movimento
social realizado por indivíduos; não há propaganda oficial que explicite as vantagens de
o morador do Rio optar pelo êxodo para Maricá. Esse silêncio aparente se reporta ao
caráter de invisibilidade do movimento que, aos poucos, oferece sinais cada vez mais
nítidos de existência e evolução. Pela mídia, é possível percebê-lo nas entrelinhas; em
105
transcende as próprias condições que serviram na sua criação; ela não é privilégio de
apenas quem vive em cidades, mas, por exemplo, deve alcançar o mais isolado dos
homens que resiste no espaço rural mais distante. Se o projeto urbanizatório alcança a
totalidade do espaço territorial, quer fisicamente (materialmente) ou simbolicamente
(por meio de mass media), cidadania é conceito que lhe acompanha o percurso. Quando
se diz que o cidadão não conhece a plenitude de seus direitos, está-se querendo mostrar
a resistência dele em aceitar a ação de uma força universal, inevitável, natural e
benevolente promovida pelo projeto civilizatório. Já se tentou experiência na
classificação de outras categorias como favelania (para indicar o espaço distinto da
favela) ou florestania (referindo-se às especificações dos “povos da floresta”), sem se
obter o êxito universalista, entretanto, de subjugação do termo cidadania. O conceito de
cidade como espaço onde se travam debates e discussões, onde se alimenta, se
concentra e se centraliza o progresso tecnológico, unido ao princípio da cidadania,
naturalizou-se com tal intensidade, que passou a fazer parte de todas as pautas
reivindicatórias modernas, desde a voz mais tradicionalista “de direita” até os
movimentos mais radicais “de esquerda”. A figura da cidadania acaba se transferindo
para o seleto grupo das categorias abstratas (como liberdade, independência, qualidade
de vida, etc.), passando a representar, sob a forma moderna, um espaço de “perfeição”
somente comparável aos tempos idílicos onde o mítico revela sua sobreponência.
Aplicar materialmente toda a cartilha dos direitos do cidadão é transportá-lo ao
“paraíso”, a começar pelos direitos mais básicos como, por exemplo, o alcance
totalizante, integral, do salário mínimo previsto na Constituição Federal para satisfazer
plenamente o cidadão brasileiro, ou o seu pleno direito à saúde, à educação, à moradia,
etc. A criação de um conceito jurídico pensado como dispositivo garantidor dos direitos
básicos do cidadão necessitou de fundamentos altamente racionais que,
paradoxalmente, reverteram-se ao aspecto principal do mítico. Assim, materializar os
direitos do cidadão - ou tornar o texto da lei plenamente exeqüível - torna-se um mito:
promessa de redenção, material fartamente utilizado em época eleitoral.
A estratégia do êxodo urbano subverte a lógica desse progresso. H. e S. sentem
com intensidade, pelas diversas vozes e falas de familiares, que estariam tomando a
direção contrária ao percurso “normal”. Sem estar devida e suficientemente apropriado
como fenômeno sociológico, o êxodo urbano não pode lhes oferecer a segurança do
recurso institucional; eles não estão embarcando num programa governamental, nem
não-governamental (ONG), mas assumindo o papel solitário de desbravadores -
109
5. Conclusões
rural aproxima o homem do ritmo do meio natural: o pequeno agricultor que se adapta
às condições climáticas, às estações do ano, à fertilidade da terra; as estradas
enlameadas, devido às chuvas, que determinam a demora da viagem para algum lugar; o
frio, que condiciona horários de sono e de se levantar, pois não havendo máquinas,
cimento, poluição, não encontra calor artificial que reduza a temperatura. Todos esses
fatores influem na personalidade do "tipo" rural e deveriam ser considerados
sociologicamente, no momento de se pensarem critérios para a conceituação do que é
urbano ou rural. Por estar carregado de significados, que escapam à simples densidade
populacional, o espaço urbano é melhor apreendido pelo fator “velocidade”; ele é
composto por diversos caracteres de um conjunto bem delineado de significados, de
forma que, em se estando no meio da Avenida Rio Branco, por exemplo, não se possa
ter dúvidas de que ali seja um espaço urbano. O tipo ideal weberiano aplicado à cidade
grande nos conduz a uma comparação entre esses dois espaços, demonstrando como se
exercitam as respectivas velocidades, e a razão de ser de seus ritmos. No caso de
Maricá, como cidade média, H. e S. esperam “organizar a vida, de modo que a gente
faça tudo a pé, economizando o tempo precioso”.
Porém, devem ser considerados igualmente os depoimentos da família
entrevistada, que apontam a ruralidade do município, percebida através de um método
subjetivo e comparativo35: quando o agente do êxodo urbano aplica trabalho de campo,
mesmo não sabendo ou desconhecendo que tal exercício traga esse nome
academicamente. Na verdade, a família entrevistada não se preocupou em classificar a
nova cidade residencial, mas se contentou em atribuir à mesma graus toleráveis de
urbanização (em contrapartida, os graus de urbanização do Rio não foram tolerados). A
observação acurada e a própria vivência no Rio de Janeiro foram seus instrumentos
usuais durante a concepção do plano de mudança para Maricá. "Por meio de leitura de
jornais e pela própria observação do dia-a-dia", como afirma H., numa de suas falas:
bagagem empírica que faz interface com a dimensão teórica da presente pesquisa,
resultando em maior densidade para o tema.
Em comparação com o Rio de Janeiro, Maricá é perfeitamente rural. Outra
questão que se deve levar em conta é que o município faz parte do interior do Estado,
mas também é litoral - um complicador (ou “enriquecedor”) da análise. Rio-Maricá
seria um conjunto de relações: capital-interior; interior-interior; espaço urbano-espaço
rural; e litoral-litoral.
Em segundo lugar, conclui-se que a prática do êxodo urbano traz, no seu bojo,
116
maior reside na violação dos direitos básicos de cidadania. A cidade do Rio de Janeiro
não responde plenamente à necessidade de materialização dos direitos do cidadão, em
outras palavras, não permite o exercício da completa cidadania. Essa conclusão se
sustenta pelos diversos momentos da fala da família. Se há um lugar onde a cidadania
deveria ser prontamente exeqüível, esse lugar não seria o espaço rural, mas a própria
cidade - unidade sociogeográfica que permitiu a construção etimológica do verbete que
se refere a cidadão. Paradoxalmente, não foi na cidade, em local especialmente urbano,
que a família encontrou maiores chances de exercer a cidadania.
Analisando o quadro político do estado do Rio, extrairemos também a conclusão
de que atualmente sua relação política com a capital denuncia litígio que expõe outra
galeria de projeções simbólicas. Na figura pessoal do prefeito do Rio (César Maia) e do
governo do estado (casal Garotinho), evidencia-se, pelos seus projetos divergentes, o
conflito que há entre interior e capital. Está visível - e isso consta também no relato da
família entrevistada - que não se trata de apenas atrito de personalidades, mas de
conflito histórico de forças e interesses. A posição privilegiada da capital vem sendo
sistematicamente questionada em sua superioridade. O turismo, que sempre esteve
atrelado à "cidade maravilhosa", descentraliza-se e vai surgir nos recantos que
historicamente tiveram outorga de “espaço de atraso”. A imagem da cidade do Rio, que
ultimamente vem sendo arranhada pela imprensa internacional, abre espaço para que
outras regiões almejem o posto de região com vocação "natural" para o turismo. O
início do século XXI, na capital do estado, é marcado por aumento de violência sobre o
turista; por outro lado, espaços alternativos como, por exemplo, as cidades litorâneas do
interior do Rio, servem para alargar o circuito clássico do turismo no Brasil: não
somente os litorais são munidos com características de meio ambiente prendado pela
generosidade da natureza. Os arranhões imputados à cidade auxiliam no processo de
desnaturalização daquilo que foi construído a partir de uma vocação.
Finalmente, devemos concluir que a experiência do êxodo urbano, na figura da
família entrevistada e do aporte teórico levantado, apresenta importantes hipóteses
acerca de como o território do estado do Rio de Janeiro vem mudando, nos últimos
vinte anos. O crescimento econômico do interior do estado - inegável - espelha a
desconcentração dos meios tecnológicos e de produção, historicamente adstritos ao
espaço da capital, onde se concentra a urbanização; para acompanhar esse trajeto do
capital, rumo ao interior, o poder público tem de descentralizar seus serviços, se deseja
dar conta das novas demandas (e principalmente a de controle urbanístico). Tal
118
perspectiva impõe que se pense numa possibilidade: é possível que esse duplo processo
se refira também ao capital? Descentralizar e desconcentrar a capital pode ser indício de
descentralização e desconcentração do capital? Haveria algo mais nessa relação que
simples coincidência etimológica? Estaríamos, pois, sugerindo com tal idéia uma
possível e pacífica distribuição de renda sobre dado território?
O período escolhido para a presente pesquisa é de vinte anos - as décadas de 80 e
90 -por estarmos considerando duas fases bem demarcadas, respectivamente: uma, de
abertura política; outra, de abertura econômica. Partimos do pressuposto de que esse
momento histórico compreenda período de maiores opções e de maior liberdade para o
trato do tema migração-mobilidade. Com a Constituição Federal de 1998, o Brasil se
municipalizou, oferecendo maior autonomia à unidade federativa "município". As
cidades consolidam o direito de eleger representantes, de receber transferências
financeiras do estado e da União, de gerir e gestar a própria economia e a administração
local; ao mesmo tempo, estímulo para a interiorização do processo urbanizatório. Os
estados aproveitam para estender a rede de urbanização, antes limitada às capitais, ao
restante do território, oferecendo diversos incentivos a empresas nacionais e
internacionais. Nesse caminho, abre-se justamente a possibilidade e a opção do êxodo
urbano.
Além disso, os estados têm a chance de mapear e controlar o crescimento urbano
em seus municípios interiores, com a vantagem de terem suas capitais como
experimentação original. Quer dizer, eles possuem material físico e humano para a
elaboração do crescimento sustentável, focalizando e corrigindo os pontos que se
prejudicaram na formação da qualidade de vida da população. Por exemplo, pesquisa
recente (ONU, 2000) revela que 40% dos latino-americanos moram em favelas ou
localidades precárias. Ciente de que os processos corriqueiros, provincianos, de
loteamentos irregulares, sem a consideração ecológica devida, causam a favelização
(horizontal ou vertical), o poder público teria à sua disposição outro conjunto de opções
de política urbana. Geralmente, o loteamento irregular surge na carona de promessas
eleitorais da política inconseqüente. Depois que as favelas se consolidam como
paisagem urbana (ou point turístico internacional), como no caso do programa carioca
favela-bairro, as correções tornam-se ainda mais complexas, de difícil tratamento.
A abertura econômica dos anos 90 surgiu sob influência de variadas
denominações (globalização, pós-modernidade, etc.) e marca o período da história em
que o sistema capitalista se mostra hegemômico (legitimizado após a disputa ideológica
119
vantagens; opta por viver em espaço menos urbanizado (ou mais ruralizado),
impulsionada por fatores de repulsão que encontram na cidade de origem, mantendo
distanciamento “estratégico”. Em Maricá, encontram os elementos que compõem seu
conceito para qualidade de vida: mais horas livres, em função da economia de tempo;
mais segurança; menos gastos e custos operacionais, etc. Esse movimento, portanto,
pode ser configurado como “êxodo” e como “urbano”. Tal iniciativa enseja mais que
simples estilo de vida ou modus vivendi, mas verdadeira estratégia de vida - um modus
operandi. A estratégia traduz-se em operacionalidade de sobrevivência, tanto material,
quanto de valores simbólicos e afetivos (não materiais). Como fenômeno sociológico,
essa experiência não atesta a legitimidade de um movimento coletivo, mas se presta a
valer como expressão desse movimento e como indicativo de tema a ser aprofundado
como reflexão acadêmica, mas também como ulterior proposição de intervenção
governamental sobre o território, a bem da qualidade de vida da população. Indícios
corroboram a “coincidência” entre essa experiência solitária e a valorização do interior
do estado do Rio, onde o poder público estadual fornece visível orientação para o
desenvolvimento, e o capital de empresas tem interesse por se instalar (o êxodo não é só
humano). Apesar da necessidade superveniente do recorte metodológico, não há como
se separarem as instâncias macro e micro, pois aqui se entendeu que o fenômeno do
êxodo urbano, embora ainda silencioso (ou invisível), pode estar afetando ou
preparando as bases para a configuração maior do território nacional, invertendo a
lógica centralizadora e concentradora dos e das capitais.
O crescente debate sobre o desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro revela
que existe considerável e imperiosa necessidade de se procurar a melhor visualização do
novo ambiente encontrado na região. Como anteriormente foi visto, não se pode negar
que o estado tenha crescido, e a motivação mais apresentada pelos analistas refere-se
aos royalties do petróleo. O impulso financeiro dos petrodólares é bastante evidente
(justifica, em parte, a colocação de 2o PIB do país), mas não elimina outra sorte de
considerações.
Nesse novo desenho que se vai traçando ao longo das últimas duas décadas,
entram influências do tempo histórico nacional (abertura política e federalização
municipal) e internacional (abertura econômica e neoliberalismo). Sob o referente
"globalização" circulam vários significados, sendo o mais importante entre eles a figura
da descentralidade, que consiste no tratamento operacional das estruturas sociais, a
partir de uma aplicação relativizante. A tecnologia assume papel de agente principal,
123
reúne as melhores condições para modificar o tecido social, intervindo no espaço como
atores sociais, e segundo a perspectiva deste trabalho. Consciente de que os períodos
históricos ofertam, cada um, seu principal agente de transformação (a burguesia, a partir
do século XVII; o proletário, a partir do século XIX), para o recorte específico desta
pesquisa sobre êxodo urbano, entende-se a propriedade da classe média. Ela é a classe
que dispõe - a um só tempo - de instrumentos técnicos, intelectuais e culturais que
poderiam melhor operacionalizar um projeto de êxodo urbano; não raro, é a classe que
possui casa de praia, de veraneio, ou sítio. Motorizada, ela costuma conhecer as rotas e
rodovias de acesso ao interior do estado do Rio. Socialmente, seria a classe mais
interessada em fugir às políticas econômicas que lhe vêm, sistematicamente, exaurindo
recursos. A classe média abriga o profissional liberal, capacitado a articular seu serviço
em outro lugar, fora da capital; e também o funcionário público que, muitas vezes, tem
chance de pedir transferência para o interior, em programas de permuta ou de
interiorização administrativa. Finalmente, trata-se da classe mais envolvida com as
formas de violência urbana, posto que - ao contrário da classe alta - ela não possui
meios de se aparelhar, contratando segurança privada, blindando carros e equipando a
casa com sistema de câmeras. A migração das classes C, D ou E para o interior
esbarraria num entrave histórico brasileiro - a Reforma Agrária. Ora, se o debate acerca
da Reforma Urbana vem (re)surgindo em pauta, ele não poderá ficar restrito a mudanças
estruturais do espaço urbano. Há que se sobrestar à discussão a mesma matemática da
reforma no campo: a busca de espaço físico (e não virtual) no meio urbano. E somente
haverá espaço neste meio se houver transferência de população para o interior.
A classe média que possui casas de veraneio ou de campo já tem naturalmente a
reserva desse espaço que lhe falta no ambiente de origem, na capital; possui meios de
transporte e recursos financeiros suficientes para gerir a "segunda" moradia.
Indagaremos, assim, se ela não reuniria condições favoráveis de articular e explorar sua
vida em tais ambientes alternativos. É uma questão operacional que, por enquanto,
subsiste sob especulação teórica.
125
6- Bibliografia
AMÊNDOLA, Mônica. Uma análise sobre a política urbana desenvolvida pelo plano
estratégico do Rio de Janeiro durante o governo César Maia (1993 a 1996) - tese de
monografia (UFF). Niterói, 1998.
126
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127
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(imprensa local).
Apertem os cintos - o progresso vai decolar. A HORA, No 169 (imprensa local).
132
Notas
1
DA MATTA, Roberto. O ofício de etnólogo ou como ter anthropological blues. In A Aventura Antropológica. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978.
2
CAMPOS, Maria de Freitas. Espaço, tempo e pessoa em Tarituba: a disputa pela terra e pela água. Tese de
Mestrado. Rio de Janeiro: UFRRJ,1992. “É um tempo em que se apresenta para o turista como de relaxamento em
relação à rotina anual e de compensação das tensões e que se estabelece cada vez mais para os moradores como de
reinvenção das suas possibilidades de produção, e de previsão econômica em relação ao resto do ano”.
3
Que, segundo ABRAMOVAY (2001), é resultado de “formas específicas de interação social, da capacidade dos
indivíduos, das empresas e das organizações locais em promover ligações dinâmicas, propícias a valorizar seus
conhecimentos, suas tradições e a confiança que foram capazes, historicamente, de construir”. A dimensão territorial é
mais abrangente e complexa que a tradicional dimensão “setorial” de mercado.
4
BREAMAEKER, François E. J. de (2003). Implicações dos movimentos migratórios nos municípios no período 1980-
1991. ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais).
5
A obra consagrada de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, será aplicada no trabalho, por se tratar de estudo
sobre a “gênese” da interiorização humana na América do Sul, na época da colonização européia.
6
SANTOS, José Vicente Tavares dos (1991). Cadernos de Sociologia - Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS.
7
Ainda até hoje é possível se ouvir, de moradores “antigos”, a referência ao “Centro de Maricá” como “Vila”.
8
Seria o esboço de uma idéia de urbanização?
9
O que gerou problemas fundiários, com loteamentos irregulares e crescimento desordenado da cidade.
10
Rio Rural: o Rio além do cartão postal (projeto especial do jornal O DIA. 10.07.2005). O projeto Rio Rural, que
recebe recursos do Banco Mundial, pretende implantar 40 mil hectares de agricultura sustentável, reduzir em 80% a
taxa de erosão e nível de sedimento dos rios, reabilitar 1.600 hectares de matas ciliares e florestas nativas, além do
investimento em capacitação e qualificação técnica.
11
Ministério do Turismo (Secretaria de Políticas de Turismo). Diretrizes para o desenvolvimento do turismo rural no
Brasil (2003-2007).
22
LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad Mario da Gama Kuri. Ed. UnB. Brasília, 1977.
13
Entretanto, as cidades são mais antigas que a urbanização propriamente dita.
14
Há meios objetivos de medi-la, com indicadores oficiais. Por exemplo: IDH, IQV, etc.
15
VAZ, Lílian Fessler. Modernidade e Moradia: habitação coletiva no Rio de Janeiro, sécs. XIX-XX. Rio de Janeiro:
Sete Letras, 2002.
17
www.stj.gov.br
18
Em 2004, inaugura-se a Cidade do Samba, estrategicamente estabelecida na zona portuária da Pça Mauá, onde
funcionarão as “fábricas de carnaval”, que servirão para profissionalizar os trabalhos de preparo dos desfiles, garantindo
produção de empregos. A chamada publicitária do governo refere-se ao carnaval como “atração permanente no Rio”.
18
JB ONLINE. Rio é da Cocaína. 13.10.2004.
19
Coincidência ou não, o número reflete praticamente a mesmo volume de turistas que transitam pela Ponte Rio-
Niterói, em véspera de carnaval ou feriadões.
20
A figura do “traficante”, no Rio de Janeiro, é antiga.
21
A favor de nossa tese, corrobora o ditado americano Time is money.
22
Entende-se o sucesso da linguagem virtual dos computadores: economia imperiosa de espaço.
23
Excetuando-se as “cidades planejadas”, como Brasília.
24
Sabemos que a urbanização pode se estender para o interior, por exemplo, na figura do agrobusiness. Havemos que
considerar também os movimentos de periferização, que são a extensão da órbita urbana para o meio rural.
25
Técnica da observação participante.
26
Nota-se aqui interessante incursão pelo uso do método na própria vida. O trabalho no escritório, no Rio, constitui o
objeto sobre o qual H. mantém distanciamento “estratégico”, assim como um pesquisador deve encontrar a “distância
ideal” para com seu objeto de pesquisa. Conclui-se que H., ao fazer de Maricá uma cidade-dormitório e manter com o
Rio uma relação de “observador-participante”, produz tratamento metodológico “inconsciente” de investigação, durante
a execução de sua “estratégia”.
27
Entende-se que a dificuldade, nesse caso, é considerável e justifica a “lacuna”, pois se trata de objeto atualíssimo e
muito próximo, quando a condição mais favorável (ou “ideal”) é a de maior distanciamento metodológico, tanto
espacial, quanto temporal.
28
O próximo passo do cidadão-antropólogo seria o de viver certo “estranhamento” em relação à sua “cultura urbana” e
um possível processo de “desencantamento”.
29
Em Portugal, Previdência Social é conhecida como Segurança Previdenciária. Segurança Alimentar é conceito
atualíssimo na atual gestão federal (governo Lula), sob o comando do programa Fome Zero. Nele se encontra
diversificado interesse na forma de produção de alimentos conexa ao tratamento de eqüidade social.
30
MAGALHÃES, Sérgio Ferraz . O reencontro do Rio. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Prourb-UFRJ,2003.
31
Percebe-se atualmente um “jogo” entre duas forças políticas antagônicas: a que pretende continuar valorizando a
“cidade maravilhosa” (César Maia) e a que busca se fortalecer politicamente, investindo no “interior” do estado (casal
Garotinho).
32
Com a instituição da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), as unidades federativas brasileiras têm de fazer o mesmo:
adequar as despesas do orçamento às possibilidades “objetivas” de apropriação. Como os governantes não podem mais
“gastar e passar o custo” para o governante seguinte, passam a governar com o “pouco” que têm. O plano individual do
êxodo urbano, realizado pela família, considera a mesma perspectiva enfrentada pelas unidades municipais
“emancipadas”: a vinculação necessária e proporcional de responsabilidade à medida da liberdade conquistada. Quanto
mais “liberdade” se tem, maior a “responsabilidade” de administrá-la.
33
Este auxílio imediato reforça a idéia de que esses “novos amigos” possuem know how no assunto de “adaptação de
migrantes”; para eles, o caso da família entrevistada não é novidade. Portanto, há precedentes do êxodo urbano em
Maricá, ou esses “amigos” não teriam como saber contemporizar os detalhes de uma adaptação: certamente que
conheceram outros casos de gente migrada.
34
VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias. 2ª e. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2005. “sermos
essencialmente rurais... um atributo que nada envolve de negativo, já que algumas das principais vantagens
competitivas do séc. XXI dependerão da força de economias rurais”.
35
Segundo Kuhn (1987): “...a ciência normal possui um mecanismo interno que assegura o relaxamento das restrições
que limitam a pesquisa, toda vez que o paradigma do qual derivam deixa de funcionar efetivamente... e a natureza da
pesquisa muda”.
36
Segundo Geertz (1989): “no estudo da cultura, os significantes não são sintomas ou conjuntos de sintomas, mas atos
simbólicos ou conjunto de atos simbólicos e o objetivo não é a terapia, mas a análise do discurso social”.
37
Com a ponte de concreto coincide uma “ponte simbólica” entre o espaço urbanizado (e urbanizador) da cidade do Rio
e Maricá.
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Anexo
Foto 1- Estação Ferroviária de Inoã, 1924. Acervo: Lino Carvalho. In: Lambraki, Alexandra (Org). Compêndios da
História de Marica. Cop. Editora e Gráfica LTDA, 2005.
Foto 2- Primeiros ônibus da Viação Nossa Senhora do Amparo, 1950. Acervo Família Caetano. In: Lambraki,
Alexandra (Org). Compêndios da História de Marica. Cop. Editora e Gráfica LTDA, 2005.
Foto 5- Monumento em Homenagem ao Pe. José de Anchieta. Maurício Martins de Oliveira, 2004.