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Rio de Janeiro
Maio/2013.
Live França de Carvalho
Rio de Janeiro
2013
C331 Carvalho, Live França de
As capelas do recôncavo da Guanabara e seus usos rituais no século
XVIII, 2013.
122 f.
Orientador: Beatriz Catão Cruz Santos
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Programa de Pós-Graduação em História Social, Rio de Janeiro, 2013.
1. Capelas – Rio de Janeiro (RJ). 2. Catolicismo. I. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em História. II.
Título.
CDD 262.72
Live França de Carvalho
________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Beatriz Catão Cruz Santos
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
________________________________________________________________
Prof.º Dr.º Anderson José Machado de Oliveira
(Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)
________________________________________________________________
Prof.º Dr.º Francisco José Silva Gomes
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
DEDICATÓRIA
ABSTRACT
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 9
1 CATOLICISMO EM SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA ........................................................ 15
1.1 A REGIÃO DO RECÔNCAVO DA GUANABARA ................................................................................... 15
1.1.1 O surgimento do Catolicismo no Recôncavo da Guanabara.................................................. 17
1.2 A ADAPTAÇÃO DA NORMA EM SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA: AS CAPELAS DO SÉCULO XVIII .... 20
1.2.1 As visitas pastorais ................................................................................................................. 33
1.2.1.1. “As Visitas Pastorais de Monsenhor Pizarro no ano de 1794”.......................................... 33
1.2.1.2. As visitas nos registros paroquiais de Santo Antônio de Jacutinga ................................... 40
2 AS CAPELAS DE SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA ............................................................. 50
2.1 PÚBLICO E PRIVADO NOS ESPAÇOS RELIGIOSOS DE SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA ....................... 50
2.2 BREVES APOSTÓLICOS: OS “ITENS JUSTIFICATIVOS” PARA A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO RELIGIOSO .. 60
2.2.1 Comprovar a identidade dos solicitantes ............................................................................... 60
2.2.2 Comprovar a nobreza dos solicitantes ................................................................................... 62
2.2.3 Comprovar a decência da capela ........................................................................................... 68
2.2.4 A permissão do benefício religioso ......................................................................................... 74
2.3 A DINÂMICA DO CATOLICISMO VIA BREVES APOSTÓLICOS: AS RELAÇÕES SOCIAIS NAS CAPELAS DE
SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA............................................................................................................. 76
3 OS USOS RITUAIS DAS CAPELAS DE SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA ....................... 79
3.1 BATISMO .......................................................................................................................................... 82
3.2 CASAMENTO .................................................................................................................................... 89
3.3 A MORTE .......................................................................................................................................... 96
3.3.1 A morte católica...................................................................................................................... 97
3.3.2 A “boa morte” em Santo Antônio de Jacutinga ................................................................... 102
CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 113
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 117
INTRODUÇÃO
No início houve certa dificuldade para localizar as fontes sobre a região, por se
tratar de um tema relativamente recente. A maioria das pesquisas desenvolvidas referia-
se aos séculos XIX e XX. Acreditava-se, inclusive, na inexistência de documentos que
fornecessem informações dos séculos anteriores. No mesmo período, a Cúria Diocesana
de Nova Iguaçu havia acabado de ser transferida para um novo local, o que dificultou a
localização de sua documentação. O primeiro contato que tivemos com os documentos
do Recôncavo da Guanabara setecentista se deu na Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro. Neste arquivo foi possível encontrar breves apostólicos de suas freguesias. A
monografia, apresentada ao final da graduação, dedicou-se à inserção da região no
Império português pelas práticas religiosas, discutindo a relação entre santos e devotos
que se criava por meio destas práticas. Durante esta pesquisa, foi possível refletir sobre
1
DEMETRIO, Denise Vieira. Famílias escravas no Recôncavo da Guanabara - séculos XVII e XVIII.
Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro. UFF, 2008; SOARES, Mariza de Carvalho;
BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara (séculos XVII-XIX). Rio de
Janeiro. Eduff, 2011.
10
a importância das capelas que, muitas vezes, davam nome as freguesias do Recôncavo
da Guanabara.
2
Faziam parte do território do Recôncavo da Guanabara as freguesias de São João de Trairaponga Santo
Antônio de Jacutinga, Nossa Senhora da Piedade de Magé, São Nicolau do Suruí, Nossa Senhora da
Piedade de Inhomirim, Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba, Nossa Senhora da
Conceição de Marapicu e Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu. Foram encontrados documentos sobre as
freguesias de Santo Antônio de Jacutinga, Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, Nossa Senhora do Pilar
do Iguaçu e Nossa Senhora da Conceição de Marapicu.
2
DEMETRIO, Denise Vieira. “A família escrava em Jacutinga, 1686-1721”. In: SOARES, Mariza de
Carvalho; BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara (séculos XVII-
XIX). Rio de Janeiro. Eduff, 2011. p.27
11
3
FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.
12
nos espaços religiosos. Esta dissertação compõe-se de três capítulos, cujos objetivos
indicaremos a seguir.
4
LONDOÑO, Fernando Torres (Org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997.
5
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p.280. Disponível em:
<http://www.ieb.usp.br>. Último acesso: 15/11/2012.
13
O terceiro e último capítulo, “Os usos rituais das capelas de Santo Antônio de
Jacutinga”, está voltado para alguns dos rituais desenvolvidos nestas capelas,
principalmente na igreja paroquial de Santo Antônio. Analisamos os rituais de batismo,
matrimônio e morte, referidos nos registros paroquiais da freguesia. Pretende-se, neste
capítulo, identificar os significados desses rituais para os agentes eclesiásticos e para os
leigos a partir da análise desses registros.
6
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
7
MARCILIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a História do Brasil”. In: Varia Historia, 2004.
1 CATOLICISMO EM SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA
séculos XVII, XVIII e XIX. Os autores chamaram atenção para a diversidade das
relações estabelecidas entre o Recôncavo e outras partes do império português e se
opuseram à concepção de região como um espaço isolado, determinado tão somente por
limites administrativos.5
5
SOARES, Mariza de Carvalho; BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão africana no Recôncavo da
Guanabara (séculos XVII-XIX). Rio de Janeiro. Eduff, 2011. p. 15.
6
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: A formação do Estado imperial. São Paulo. Hucitec,
2004. p.34-36.
7
VISCARDI, C. M. R. “História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas”. Lócus: revista de
História, 1997, v 3, n 1.
8
Com base nas informações de Monsenhor Pizarro, Nielson Rosa Bezerra afirmou que faziam parte do
território do Recôncavo da Guanabara as freguesias de São João de Trairaponga (1647), Santo Antônio da
Jacutinga (1657), Nossa Senhora da Piedade de Magé (1657), São Nicolau do Suruí (1683), Nossa
Senhora da Piedade de Inhomirim (1696), Nossa Senhora do Pilar (1717), Nossa Senhora da Guia de
Pacobaíba (1722), Nossa Senhora da Conceição de Marapicu (1737) e Nossa Senhora da Piedade do
Iguaçu (1759). BEZERRA, Nielson Rosa. “Escravidão, farinha e tráfico atlântico: um novo olhar sobre
as relações entre o Rio de Janeiro e Benguela ( 1790-1830)”. In: Fundação Biblioteca Nacional – MinC,
2010. Disponível em <http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/Nielson_Bezerra.pdf>. Último acesso em
novembro/2012. Disponíveis para análise, encontramos apenas documentos referentes às freguesias de
Santo Antônio de Jacutinga, Nossa Senhora do Pilar do Iguaçu, Nossa Senhora da Conceição de Marapicu
e Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu. Todas as freguesias, portanto, tinham denominações católicas.
17
9
DEMETRIO, Denise Vieira. “A família escrava em Jacutinga, 1686-1721”. In: SOARES, Mariza de
Carvalho; BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara (séculos XVII-
XIX). Rio de Janeiro. Eduff, 2011. p.27.
10
Segundo Ronaldo Vainfas, Santo Antônio ficou conhecido, principalmente, por duas virtudes. A
primeira estava relacionada ao poder taumatúrgico do santo, que teve em sua hagiografia o
reconhecimento de mais de 50 milagres. Segundo o autor, tal virtude contribuiu para a sua eleição, como
santo doméstico e cotidiano no mundo moderno. A outra virtude relacionava-se ao combate às “heresias”,
que foi essencial para a divulgação portuguesa de sua imagem na luta contra os holandeses calvinistas na
América portuguesa. Em sua hagiografia destaca-se o “imenso poder de recuperar coisas perdidas”. Santo
Antônio foi também o intercessor entre os homens e Deus que mais “emprestou o seu nome à toponímia
brasileira”. Acredita-se que a escolha do santo para nomear a freguesia de Jacutinga estivesse relacionada
ao interesse de converter a população indígena e, posteriormente, africana ao Catolicismo. Tal escolha
deu início à transformação do Recôncavo da Guanabara em um território católico. VAINFAS, Ronaldo.
“Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política”. In: Revista USP. São Paulo, n.57, p. 28-
37.
11
DEMETRIO, Denise Vieira. “A família escrava em Jacutinga, 1686-1721”. In: SOARES, Mariza de
Carvalho; BEZERRA, Nielson Rosa. Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara (séculos XVII-
XIX). Rio de Janeiro. Eduff, 2011.p.26.
18
Segundo José de Anchieta “sete ou oito frades brancos franceses [...] mandados
por Villegaignon, em 1560 ou 1561, fizeram entre os tamoios o seu estabelecimento e
ensinaram a alguns meninos do gentio, os quais traziam vestidos com seu hábito.”12 Os
primeiros relatos sobre o Recôncavo da Guanabara, portanto, demonstram a presença da
Ordem de São Bento na região.
Jorge Victor de Araújo Souza afirmou que, ao final do século XVI, os monges
de São Bento chegaram à América portuguesa “graças a uma reforma ocorrida em sua
Congregação e a deliberações na política filipina que visavam ao reequilíbrio dos
poderes eclesiásticos nos territórios do império português.”13 Este reequilíbrio dos
poderes eclesiásticos favoreceu o cumprimento da dimensão social do Catolicismo, que
aliava a intenção da Igreja de inserir-se em laços profanos à formação territorial. As
ordens religiosas possibilitaram a articulação entre a disseminação da fé católica e a
formação do império português, congregando o objetivo universalista14 do Catolicismo
à necessidade de adaptação da Igreja ao cenário colonial.
12
NIGRA, Dom Clemente Maria da Silva. "A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu".
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº7, Rio de janeiro,
1943. p. 257.
13
SOUZA, Jorge Victor de Araújo. “Poder local entre ora et labora: a casa beneditina nas tramas do Rio
de Janeiro seiscentista”. In: Tempo. Revista do Departamento de História da UFF. Rio de Janeiro, v. 32,
2012.p. 70.
14
Segundo Luiz Felipe Baêta Neves, o objetivo de universalidade do catolicismo envolvia integração e
unidade. Desta forma, para que a expansão ocidental fosse possível, eram necessárias as incorporações
territorial e espiritual, no intuito de alterar os territórios profanos e reencontrar as regiões afastadas física
e espiritualmente do projeto de Deus. NEVES, Luiz Felipe Baêta. O combate dos soldados de Cristo na
terra dos papagaios: colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1978.p..27.
15
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. "Evangelizar e Reinar: poder e relações sociais na prática
missionária do Rio de Janeiro colonial."In: Caminhos, vol. 4, no. 1, 2006.p.118.
16
Segundo João Fragoso, a Coroa, a partir da conquista de Ceuta, concedia postos administrativos ou
militares aos conquistadores. Desta forma, no Rio de Janeiro, a economia de plantations, típica do século
XVII, contribuiria para uma diferenciação das oportunidades econômicas dos coloniais. Detinham
maiores poderes locais aqueles que pertencessem “às melhores famílias da terra”, ou seja, aqueles que se
destacavam pelas suas posses, que incluíam fazendas e escravos. Essa elite senhorial e seus descendentes
carregavam um sentimento de conquistadores que os enquadrava numa posição econômica e socialmente
superior ao restante da população. Ao final do século XVIII, tornou-se comum, por meio do comércio,
19
documentos paroquiais do século XVIII foi comum encontrar registros referentes aos
batizados de escravos pertencentes aos religiosos de São Bento.
Dom Clemente Maria da Silva Nigra afirmou que “quase todo o terreno doado
pelas sesmarias de 5 de setembro de 1565 e de 16 de outubro de 1567 à Cristóvão
Monteiro passou a ser propriedade do mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro”.17
em 1591, Jorge Ferreira doou aos beneditinos uma ilha no rio Iguaçu e mais
300 braças sertão adentro. Sua filha, a marquesa Ferreira, esposa de
Cristóvão Monteiro, ouvidor da cidade entre 1568 e 1572, cavaleiro fidalgo
da Casa Real e também um dos conquistadores do Rio de Janeiro, doou, em
1596, meia légua de terras em Iguaçu com fazenda, roças, pomares e casas de
telhas.18
No primeiro momento, é possível identificar um interesse por parte da elite local
de contribuir para a permanência dos beneditinos na região. Portugueses, ou
descendentes seus, os senhores do Recôncavo identificavam-se com o Catolicismo19 e
manter os religiosos por perto era uma forma de não perder o vínculo com a religião. A
partir do século XVII, os beneditinos deixavam de depender destas doações e passavam
a compor parte significativa da elite da região. Neste período, o primeiro engenho da
Ordem, situado no Recôncavo da Guanabara, tornou-se a principal posse dos
beneditinos. Donos de escravos, os beneditinos transformaram-se em “senhores de
engenho”, desenvolvendo atividades econômicas diversas do objetivo missionário, mas
que garantiam a autonomia da Ordem em relação ao Padroado. Esta autonomia,
conquistada pelos beneditinos, não diminuiu o seu papel no desenvolvimento do
Catolicismo na região, pelo contrário, já que havia na fazenda da Ordem uma capela
erguida à Nossa Senhora do Rosário, que realizava batismos e sepultamentos, com a
devida licença do pároco da região.20
20
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
21
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p.280. Disponível em:
<http://www.ieb.usp.br>. Último acesso: 15/11/2012.
21
paredes próprias. [...] umas pequenas igrejas filiais das matrizes [...]”22. Considerando a
capela como um altar, pode-se sugerir que toda igreja teve ou foi uma capela.
Compreende-se que para a realização dos cultos religiosos havia a necessidade de um
sacerdote responsável pela administração dos rituais religiosos e de um altar
devidamente preparado de acordo com as normas da Igreja, erguido em nome de alguma
figura celestial, Cristo, a Virgem Maria ou um santo padroeiro.
22
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p.280. Disponível em:
<http://www.ieb.usp.br>. Último acesso: 15/11/2012.
23
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000. Fl.78.
22
24
LONDOÑO, Fernando Torres (org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997. p.52.
25
Segundo Denise Vieira Demetrio, habitavam nas margens dos rios Iguaçu e Meriti os índios jacutingas,
que chamavam a região de “Trairaponga”. Em 1503 foram levados quarenta escravos indígenas para
Portugal, dentre eles, mais da metade era de mulheres da aldeia Jacutinga. O trabalho de catequese dos
beneditinos em relação aos jacutingas foi apenas interrompido durante a guerra contra os portugueses,
resultando na morte ou na fuga dos indígenas. DEMETRIO, Denise Vieira. Famílias escravas no
Recôncavo da Guanabara - séculos XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro.
UFF, 2008.
26
FONSECA, Cláudia Damasceno. Freguesias e capelas: instituição e provimento de igrejas em Minas
Gerias. In: Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011.
23
É muito certo que o total de almas compreende mais de uma terceira parte;
porque ordinariamente os brancos, pardos solteiros e libertos, que tem que ser
apreendidos para soldados jamais se manifestam, antes procuram ocultar-se
quanto podem. Os senhores de escravos igualmente ocultam ao Rol, todos os
que têm subtraído, muitas vezes, uma boa parte deles e alguns até a metade
[...]29
27
Segundo Fânia Fridman, as capelas curadas eram aquelas que dependiam das “benesses de pé de altar”,
ou seja, que sobreviviam, sobretudo a partir de doações dos devotos. FRIDMAN, Fânia. “Freguesias do
Rio de Janeiro ao final do século XVIII”. In: Mneme Revista de Humanidades da UFRN. Natal:
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008. v.9.
28
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro - Notícias do Bispado do Rio de Janeiro no anno de
1687; ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no
ano de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
29
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.fl.78.
24
Logo que se tornavam paróquias, estes espaços religiosos deveriam ser mantidos
pelo padroado. Os vigários, compreendidos como funcionários da Coroa, eram
favorecidos por um privilégio vitalício.31 Em Santo Antônio de Jacutinga, a prática foi
diferente. Não há dados que comprovem tal compromisso por parte da Coroa, pelo
contrário, Monsenhor Pizarro afirmou que nem a fábrica, tampouco o pároco recebiam
qualquer auxílio real, conservando, ainda em 1794, párocos encomendados, mesmo
sendo de natureza colativa.32
Segundo José Pedro Paiva, a partir dos anos 1720 teve início um novo ciclo na
política joanina de nomeação episcopal. A escolha do episcopado passou a ser marcada
por um movimento de reforma religiosa, chamado “jacobeia”. Um dos princípios deste
movimento era “o propósito de fazer observar escrupulosamente os preceitos religiosos
do Catolicismo, tanto no nível do clero como entre os seculares e adequar os costumes
das populações à ética cristã”.35 Neste período, além de D. João V, Frei Gaspar da
Encarnação e o Cardeal João da Mota e Silva passaram a ter um papel decisivo na
escolha dos bispos. Segundo o autor, este movimento representou uma mudança
significativa na eleição do episcopado, já que a conduta do clero era um dos objetivos
principais da reforma religiosa. A escolha dos bispos subordinava-se, assim, a critérios
político-religiosos, que objetivavam a “renovação do corpo episcopal”, chamada pelo
autor de “clericalização dos bispos”.
34
LAGE, Lana. “As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil”. In: FLEITER,
Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011.p.148.
35
PAIVA, José Pedro. “D. Sebastião Monteiro da Vide e o Episcopado do Brasil em Tempo de
Renovação (1701-1750)”. In: Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e
Práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora
Unifesp. 2011. p.38-39.
26
36
PAIVA, José Pedro. “D. Sebastião Monteiro da Vide e o Episcopado do Brasil em Tempo de
Renovação (1701-1750)”. In: Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e
Práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora
Unifesp. 2011
37
Ibidem .p.55.
38
LAGE, Lana. “As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil”. In: FLEITER,
Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011.p.148.
27
Ainda que seja coisa muito pia e louvável edificarem-se capelas [...] se
segue a utilidade de haver nas grandes [...] lugares decentes, em que
comodamente se possa celebrar; como convém muito que se edifiquem
com tal consideração que, erigindo-se para ser casa de oração [...]
ordenamos e mandamos que, querendo algumas pessoas em nosso
Arcebispado fundar capela de novo, nos deem primeiro conta por petição
e achando nós por vistoria e informação, que mandaremos fazer, que o
lugar é decente e que se obrigam a fazê-la de pedra e cal.[...]41
A determinação das Constituições quanto à edificação de capelas objetivou
ordenar esta prática comum da população da América portuguesa. A ereção de capelas
foi incentivada pela legislação, mas deveria subordinar-se à aprovação da Igreja. Esta
medida contribuiria para controlar os usos abusivos dos templos religiosos pela
população, além de demonstrar a tentativa da Igreja de reafirmar-se como a detentora do
39
LAGE, Lana. “As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil”. In: FLEITER,
Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011. p.151.
40
FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp. 2011.
41
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título: XVII. Cláusula 692.
28
sagrado. Veremos que a função de vistoriar e informar a “decência”42 das capelas foi
delegada aos bispos ou aos visitadores previamente aprovados pelos primeiros.
42
Raphael Bluteau definiu decência como “honestidade exterior de certas pessoas e lugares”. Decente,
também compreendido como decorus, nos séculos XVII e XVIII, referia-se ao decoro, que deveria
observar a conveniência entre o ornato e a matéria. O critério de decência relacionava-se diretamente à
moral e, as capelas deveriam apresentar-se para os fiéis de modo a honrar Deus, a Virgem Maria e os
santos. Para tanto, a sua estrutura física, as imagens sagradas e os seus ornamentos precisavam estar bem
conservados para que preservassem na memória dos fiéis os exemplos de vida representados pelos santos.
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. Disponível em: <http://www.ieb.usp.br>;
HANSEN, João Adolfo; PÉCORA, Antônio Alcir Bernárdez. Glossário de categorias do século XVII.
43
LAVRIN, Asunción. Espiritualidad en el claustro novohispano del siglo XVII. Colonial Latin American
Review. New York, v.4, n.2, 1995.
29
44
VAINFAS, Ronaldo; SOUZA. Juliana Beatriz de. Brasil de Todos os Santos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2002. p.44-45.
45
Segundo Nilza Megale, na América portuguesa, a devoção ao santo Rosário foi trazida pelos
missionários e logo espalhou-se entre os escravos, que nele encontraram as orações mais simples: o Pai
Nosso e a Ave Maria. Segundo a autora, há duas versões para a escolha da santa como uma de suas
patronas. A primeira defende que a Senhora do Rosário já era padroeira dos escravos de procedência
banto, por ter seu culto incentivado pelos portugueses e pelos missionários, no intuito de convertê-los ao
Catolicismo. A segunda, afirma que a divulgação do culto à santa foi feita pelos dominicanos e
franciscanos que tinham grande penetração nos antigos engenhos. No caso de Santo Antônio de
Jacutinga, pode-se observar que o culto à santa foi incentivado pelos beneditinos, que realizavam, com a
licença do pároco, missas e, inclusive, alguns batismos em sua capela de engenho. MEGALE, Nilza
Botelho. 112 invocações da Virgem Maria o Brasil: história, folclore e iconografia.”Petrópolis: Vozes,
1986.
46
Nossa Senhora da Conceição foi a invocação da Virgem Maria mais encontrada na toponímia do
Recôncavo da Guanabara. Além de capelas erguidas em homenagem à santa, uma das freguesias também
recebeu o seu nome, Nossa Senhora da Conceição de Marapicu. Segundo Nilza Megale, Nossa Senhora
da Conceição tinha um grande número de devotos em Portugal, quando teve o seu culto oficializado por
D. João IV, em 1640. Seis anos depois, ele dedicou à Virgem o reino português. Em todo o império
português, tornou-se oficial e obrigatória a festa da Conceição de Maria. Segundo a autora, é comum
encontrar em toda a América portuguesa capelas e altares erguidos em homenagem à santa, que teve o seu
culto propagado, principalmente, pelos franciscanos. Nossa Senhora da Conceição foi a padroeira da
América portuguesa, até que cedeu o seu lugar a Nossa Senhora Aparecida, “que é uma antiga imagem da
Imaculada Conceição encontrada nas águas do rio Paraíba do Sul”. MEGALE, Nilza Botelho. 112
invocações da Virgem Maria o Brasil: história, folclore e iconografia.”Petrópolis: Vozes, 1986.
47
No Rio de Janeiro, D. Frei Antônio do Desterro Malheiros destacou-se pelo interesse de normatizar as
práticas católicas, sobretudo, no que concerne à organização dos assentos de batismo, casamento e óbito,
à ereção de paróquias e à instrução religiosa de seus diocesanos. Tal como D. Sebastião da Vide, D.
Antônio do Desterro também acumulou experiências anteriores em seu “currículo”. O religioso português
30
Senhora do Engenho da Cachoeira, ereta por Manoel Correa Vasques, foi concedida
pelo bispo Antônio de Guadalupe, podendo realizar sepultamentos. Para as demais
capelas, não há informações sobre a realização de batismos ou sepultamentos, embora
os registros da freguesia demonstrem batismos de escravos realizados na capela de
Nossa Senhora da Conceição de Sarapuí.48 Não consta em nenhuma das capelas a
realização de casamentos, estando este sacramento reservado apenas à igreja paroquial
de Santo Antônio de Jacutinga.
Por meio das Visitas Pastorais de Monsenhor Pizarro é possível ter acesso às
informações sobre as capelas que cumpriam ou não os pré-requisitos necessários para o
seu funcionamento, no que diz respeito ao patrimônio, ou seja, à disposição de objetos
sagrados. Segundo o visitador, as capelas de Nossa Senhora do Rosário, a de Nossa
Senhora do Engenho da Cachoeira, a de Nossa Senhora da Conceição do Pantanal e a de
Nossa Senhora da Madre de Deus apresentavam-se com muito “asseio e decência”. O
critério de decência estava relacionado à exigência das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia de que em cada capela houvesse
Cruzes, frontais, toalhas, cortinas, pedra d‟ara, sacras, panos para as mãos,
estantes ou almofadas, castiçais, alvas [...] cordões [...] cálices, patenas,
palas, sanguinhos, panos ou véus dos mesmos cálices, missais, galhetas,
caixas de hóstias e campainhas(...) tudo na quantidade, e qualidade será
conforme a possibilidade de cada uma das igrejas, mas haverá muito cuidado
que tudo seja limpo, são e decente e que se não celebre senão em cálices ao
menos de prata com patenas do mesmo. 49
Quanto aos objetos obrigatórios, pode-se identificar certa flexibilidade nas
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia no que se refere às freguesias menos
prósperas economicamente. O documento chamou atenção, sobretudo, ao estado de
conservação e à limpeza dos ornamentos das capelas, deixando a quantidade de objetos
em segundo plano. Além dos objetos, as imagens sagradas deveriam apresentar-se
limpas e conservadas para incentivar a devoção dos fiéis e honrar os donos da casa,
ingressou na Ordem de São Bento aos quinze anos, em 1710. Em 1724, tornou-se doutor em Teologia
pela Universidade de Coimbra. Antes de tornar-se bispo do Rio de Janeiro, em 1747, D. Antônio do
Desterro já havia sido bispo do Congo e Angola. Uma de suas pastorais dedicou-se aos sepultamentos de
escravos. O bispo ordenou que os senhores de escravos providenciassem sepulturas dignas aos cativos e
incentivassem a realização dos últimos sacramentos. O prelado teve “o mérito de renovar, por meio de
pastorais, salutares prescrições de seus antecessores e das Constituições da Bahia”. PAIVA, José Pedro.
“D. Sebastião Monteiro da Vide e o Episcopado do Brasil em Tempo de Renovação (1701-1750)”. In:
Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011. p.51.
48
Livro de batismos de escravos de Santo Antônio de Jacutinga (1790-1807).
49
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título: XVII. Cláusula 707.
31
a fábrica, tampouco o pároco recebiam qualquer quantia da Real Fazenda, pois mesmo
sendo de natureza colativa53, a igreja ainda funcionava com padres encomendados e,
portanto, temporários.
As oblações e ofertas são tudo aquilo que os fiéis cristãos oferecem a Deus,
Nosso Senhor e a seus santos nas igrejas para ornato e fábrica delas ou para
sustentação de seus ministros. Estas ofertas se frequentaram muito no início
da Igreja militante e foram muito encomendadas pelos santos padres. E posto
que sejam voluntárias e procedam da devoção dos fiéis, encomendamos
muito a nossos súditos [que] usem desta louvável devoção, porque com elas
se mostram reconhecidos a Deus, Nosso Senhor e a seus santos dos
benefícios e mercês que de sua divina mão e intercessão recebem. 55
A partir do trecho é notável o valor dado pelo documento às ofertas dos fiéis. A
prática foi incentivada pela Igreja por acreditar-se que as doações demonstravam o
reconhecimento da intercessão divina e da intermediação dos santos pelos fiéis. Ao
mesmo tempo, acredita-se que os fiéis reconheciam os códigos católicos ao oferecer
auxílio à manutenção das capelas. O documento também deixou claro que as ofertas
deveriam ser feitas nas próprias capelas e deveriam ficar sob a responsabilidade dos
párocos, que tinham o direito canônico de utilizá-las em seu favor “se as tais [...]
capelas [...] não tivessem alguma renda deputada para a fábrica.”56
53
Em uma capela colativa, os párocos, escolhidos por concurso, eram mantidos pela Fazenda Real.
FRIDMAN, Fânia. “Freguesias do Rio de Janeiro ao final do século XVIII”. In: Mneme Revista de
Humanidades da UFRN. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008. v.9.
54
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
55
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XXVII. Cláusula 431.
56
Ibidem. Cláusula 434.
33
57
BOXER, Charles R. A Igreja militante e a expansão ibérica (1440 - 1770). São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
58
FRIDMAN, Fânia. “Freguesias do Rio de Janeiro ao final do século XVIII”. In: Mneme Revista de
Humanidades da UFRN. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008. v.9.
34
59
LAGE, Lana. “As Constituições da Bahia e a Reforma Tridentina do Clero no Brasil”. In: FLEITER,
Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011. p.147.
60
Ibidem. p.153.
61
PEREIRA Juliana Torres Rodrigues. Bruxas e demônios no Arcebispado de Braga: Uma análise da
Visitação Inquisitorial de 1565. Dissertação (Mestrado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ, IH,
2012.
35
“movimentos heréticos”, a Igreja precisou separar o que era litúrgico do que não era,
argumentando que o progresso real da reforma apenas seria possível quando o “hábito
da observância paroquial uniforme”62 fosse realmente adotado. A construção de capelas
e os rituais desenvolvidos nestas deveriam seguir o mesmo padrão em todas as
paróquias, no intuito de uniformizar as práticas católicas da cristandade.
Conforme observou Charles Boxer, as igrejas deveriam ser dirigidas pelo clero
secular, “sob o controle direto, jurisdição, visitação e retificação dos bispos”, que se
submetiam à autoridade do Papa, como sucessor de São Pedro64 Os bispos eram os
responsáveis pela administração das igrejas, por serem os sucessores dos apóstolos.
Embora o trabalho missionário pioneiro no além-mar fosse de responsabilidade do clero
regular, os privilégios concedidos pela Santa Sé às ordens religiosas entraram em
conflito com as disposições do Concílio Tridentino, que teve como um dos principais
objetivos “fortalecer a autoridade do prelado diocesano em todas as fases da vida
religiosa e da disciplina eclesiástica no âmbito de sua jurisdição territorial.” 65 Desta
forma, o papel delegado anteriormente ao clero regular deveria voltar à responsabilidade
dos bispos, que inseridos no mundo, tinham a obrigação legítima da cura das almas e de
pregar a doutrina católica.
62
BOSSY, John. “The Counter-Reformation and the People of Catholic Europe”. In: Past & Present,
Oxford University Press, 1970, n 47. p. 62.
63
Compreende-se por Cristandade “um sistema de relações da Igreja e do Estado (ou qualquer outra
forma de poder político) numa determinada sociedade e cultura.” GOMES, Francisco José Silva. “A
Cristandade medieval entre o mito e a utopia”. In: TOPOI: Revista de História do Programa de Pós-
Graduação em História da UFRJ, vol. 5, 2002.
64
BOXER, Charles R. A Igreja Militante e a Expansão Ibérica: 1440-1770. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007. p.85.
65
Ibidem.
36
66
PEREIRA Juliana Torres Rodrigues. Bruxas e demônios no Arcebispado de Braga: Uma análise da
Visitação Inquisitorial de 1565. Dissertação (Mestrado em História Social). Rio de Janeiro: UFRJ, IH,
2012. p.51.
67
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Cláusulas 870 e 871.
37
José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo foi enviado à Coimbra em 1769, onde
diplomou-se em Cânones na Universidade de Coimbra. Em 1780 foi apresentado para a
6ª cadeira do Cabido do Rio de Janeiro, confirmado em 1781 e ocupou o lugar de
comissário do Santo Ofício em 1786. Em 1794 e 1799 foi visitador do Bispado do Rio
de Janeiro.71 Representando o bispo, D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo
Branco72, Monsenhor Pizarro realizou visitas aos templos religiosos, que incluíam o
68
NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê. A Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil 1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
69
Segundo Beatriz Catão Cruz Santos, o bispo de Guadalupe contribuiu para a transformação das práticas
religiosas do Rio de Janeiro setecentista. Nomeado bispo em 1723, o religioso foi o responsável por
implantar o modelo das visitas episcopais no Rio de Janeiro, visando a uma reforma dos costumes,
considerando que as visitas funcionavam como um instrumento de mediação entre os bispos e os fiéis.
Segundo a autora, Monsenhor Pizarro, ao produzir as suas Memórias do Bispado do Rio de Janeiro deu
prosseguimento aos escritos pastorais de Guadalupe. As Visitas Pastorais de Monsenhor Pizarro no ano
de 1794 podem ser compreendidas como um marco da influência do bispo no Catolicismo do Rio de
Janeiro durante o século XVIII. SANTOS, Beatriz Catão Cruz. “O Santo do Bispo”. In: Topoi. Rio de
Janeiro, v. 7. 2006. p. 300-330.
70
RUBERT, Arlindo apud NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê. A Mesa da Consciência e
Ordens e o clero secular no Brasil 1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. p.201.
71
GALDAMES, Francisco Javier Müller. Entre a cruz e a Coroa: a trajetória de Mons. Pizarro (1753-
1830). Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro. UFF. 2007.
72
Nascido em 1731, D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco foi o primeiro brasileiro a
assumir o episcopado fluminense. Iniciou os seus estudos no colégio dos jesuítas no Rio de Janeiro.
Formou-se em Cânones em 1756, na Universidade de Coimbra. Em 1754 foi ordenado sacerdote, eleito
deputado da Inquisição de Évora, em 1762 e inquisidor em Lisboa, no ano de 1769. Tornou-se bispo
coadjutor do Rio de Janeiro em 1773. Após a morte do bispo D. Fr. Antônio do Desterro, assumiu a
diocese do Rio de Janeiro, em 1774. Por motivos de saúde, não pôde visitar pessoalmente as igrejas do
bispado, mas enviou “habilíssimos e zelosos visitadores a todos os recantos de sua jurisdição e a breves
espaços, escolhendo os eclesiásticos mais instruídos e isentos de cobiça.” PAIVA, José Pedro. Os Bispos
de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006.
38
território do Recôncavo da Guanabara. Estas visitas são utilizadas como uma das
principais fontes para analisar a região.
73
SALES, Francisco Neto apud GALDAMES, Francisco Javier Müller. Entre a cruz e a Coroa: a
trajetória de Mons. Pizarro (1753-1830). Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro. UFF. 2007.
p.30.
74
HANSEN, João Adolfo; PÉCORA, Antônio Alcir Bernárdez. Glossário de categorias do século XVII.
39
75
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
76
Segundo Jorge Victor de Araújo Souza, em Portugal os mosteiros beneditinos “constituíram casas que
detinham poder local, por meio da administração de coutos e de influência política e jurídica.” Os
membros da ordem eram escolhidos com base em critérios, como a erudição dos religiosos, o nível de
riquezas ou o seu perfil social. SOUZA, Jorge Victor de Araújo. “Poder local entre ora et labora: a casa
beneditina nas tramas do Rio de Janeiro seiscentista”. In: Tempo. Revista do Departamento de História da
UFF. Rio de Janeiro, v. 32, 2012.p.71.
40
77
Ver páginas 12 e 13.
78
Ver página 24.
41
A partir dos dados apresentados, acredita-se que não tenha havido um padrão
predominante em relação ao intervalo entre as visitas, visto que entre os anos de 1764 e
79
Os livros de registros paroquiais utilizados nesta análise foram os de batismos, matrimônios e óbitos de
1686 à 1721, de batismos de 1764 à1796, 1790 à 1807, de matrimônios de 1795 à 1804 e de óbitos de
1785 à 1809. Disponíveis em: <https://www.familysearch.org/search/collection/list.> Último
acesso:04/2011.
42
1796 foi possível observar um aumento no número de visitas e, inclusive, casos de duas
visitas em um mesmo ano, enquanto em outros períodos, como no caso dos batismos
referentes aos anos de 1790 à 1807 não há qualquer registro destas fiscalizações.
Freguesia de Jacutinga [...] 1777.”81 Neste caso, como em alguns outros, o visitador,
que não foi possível identificar, adverte o pároco por meio desta pequena observação
sobre os acertos necessários nos registros fiscalizados por ele. Este tipo de ação
apareceu outras vezes durante a análise dos registros das visitas nos assentos paroquiais.
Numa visita realizada pelo visitador Mayrink, há a seguinte observação: “vistos em
visita, o padre pároco declare o dia em que nasceram os batizandos. Freguesia de
Jacutinga. Aos 22 de outubro de 1786.”82 Estes dois casos demonstram o hábito de
observância paroquial dos visitadores, defendido pelo Concílio de Trento. Era
necessário adequar os livros de assentos paroquiais ao padrão redefinido pelas
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. A maioria das observações nos
registros de batismo era positiva, ou seja, nas palavras dos próprios visitadores, estava
dentro da “forma que dispõe o sagrado Concílio Tridentino”.
Para a Vossa Majestade seja servido mandar que se vão fazendo [...] os
assentos até a alegada [...] visita a esta freguesia para [en]tão ser rubricado ou
de ter quem o rubrique grátis por[que] a fábrica é pobre.
E.R.M [...]84
81
Livro de batismos de Santo Antônio de Jacutinga. 1764-1796. fl.106v.
82
Idem fl.169v.
83
Idem. fl. 04.
84
Livro de batismos de Santo Antônio de Jacutinga. 1764-1796. fl.04.
44
Em três visitas à freguesia de Santo Antônio, nos anos de 1783, 1784 e 1786, o
visitador Manoel Henrique Mayrink85 realizou o sacramento da confirmação, ou seja,
crismou, os paroquianos da região. Esta ação chamou atenção, devido à sua raridade nos
registros analisados, tendo em vista que não há registros deste ritual nos outros livros
analisados.
85
Nascido no Rio de Janeiro. Serviu à Capelania da Candelária, em 1767, depois de egresso da
Companhia de Jesus. Formou-se em Cânones, em Coimbra. “Exerceu o lugar de Mestre de Cerimônias do
solo episcopal do Rio de Janeiro e com portaria de 1777 visitou as igrejas e comarcas do Norte, por cujo
serviço lhe foi conferido o reitorado do seminário de São Joaquim, pela portaria de 26 de abril de 1779”.
Segundo Monsenhor Pizarro, o religioso “regeu com prudência e muito acerto a mocidade confiada à sua
direção, fazendo-se utilíssimo aos jovens, ao público e ao bispado que abundou de sujeitos mui hábeis
para o serviço da Igreja.” Com portaria de 05 de julho de 1780 e de 04 de abril de 1784 voltou ao
exército das visitas, tanto das igrejas e comarcas do Norte, como do Recôncavo “[...] por novas portarias
de 1786 e 1790 continuou as visitas das igrejas do Recôncavo[...]”. ARAÚJO, José de Souza Azevedo
Pizarro e. Memorias historicas do Rio de Janeiro e das provincias annexas à jurisdicção do Vice-Rei do
Estado do Brasil, dedicadas a El-Rei Nosso Senhor D. João VI. Rio de Janeiro: Imprensa Régia. 1820.
Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/182898>. Último acesso: 08/09/2012.
45
86
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XXI. Cláusula 76.
87
Ibidem. Cláusula 81.
88
Livro de batismos de Santo Antônio de Jacutinga. 1764-1796.
46
observar que o sacramento da confirmação também pôde ser realizado na capela, que
receberá posteriormente elogios, de Monsenhor Pizarro, sobre a sua decência e asseio.89
A capela superou o número de crismados declarados da paróquia de Santo Antônio de
Jacutinga neste período. Em 1784, o próprio visitador Manoel Henrique Mayrink
crismou 20 paroquianos nesta mesma capela.90 Já no ano de 1786, o número de
crismados pelo visitador aumentou, na igreja de Santo Antônio de Jacutinga, para 285
pessoas, declaradas como brancas, forras e escravas.
89
Ver página 30.
90
Livro de batismos de Santo Antônio de Jacutinga. 1764-1796. fl. 150.
91
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título LXXIII. Cláusula 318.
92
Nasceu em Lisboa. Foi ordenado sacerdote na igreja do Mosteiro de Alcobaça, em 1671. Tornou-se
doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e por 12 anos lecionou Teologia nas casas da
congregação em Coimbra e em Évora. “Desempenhou os cargos de Qualificador da Inquisição e geral da
sua Congregação.” Foi sagrado bispo do Rio de Janeiro em 1702 e em 1704 visitou as igrejas da cidade e
do Recôncavo. Foi considerado “o mais santo dos bispos do Rio de Janeiro”, destacando-se pela intenção
de transformar o clero, tornando-o mais “instruído e piedoso” por meio de uma pastoral que exigia dos
ordenandos o estudo da Teologia moral. Foi o bispo anterior à D. Frei Antônio de Guadalupe e faleceu
em 1721, aos 83 anos. PAIVA, José Pedro. Os Bispos de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 2006.
47
óbito. “Vistos em visita. Decla[rar] os nomes dos maridos das viúvas e das mulheres
dos viúvos que faleceram para melhor clareza desses assentos [...] Freguesia de
Jacutinga aos 22 de setembro de 1789. Visitador [Mayrink].”93
Visto em visita, o reverendo vigário faça com a sua letra todos os assentos
nestes e nos mais livros da sua paróquia assim como está determinado na
Constituição [...] falando dos assentos dos batizados que deve entender-se e
aplicar-se a todos os demais que forem de igual natureza e públicos. [...]
Como tais, não deve consentir que outra pessoa sem autoridade, redito e fé
escreva coisa alguma neles. E assim o cumpra. Freguesia de Jacutinga. 21 de
março de 1795. Visitador Pizarro.94
93
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga. 1785-1807.
94
Idem. fl.64.
95
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XX. Cláusula. 70.
48
Nomeada freguesia desde o século XVII, Santo Antônio de Jacutinga teve suas
práticas religiosas, católicas, intensificadas a partir do século XVIII. O crescimento
96
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. “Clérigos e leigos”. In: Dicionário Temático do Ocidente
Medieval. Bauru: São Paulo, EDUSC, 2006. p.248.
97
Ibidem. p. 238..
98
A regra do celibato clerical foi aplicada rigorosamente a partir da Reforma gregoriana, no século XI.
Cf: BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. Edições 70, Lisboa: 1986; GOMES, Francisco José
Silva. “A Cristandade medieval entre o mito e a utopia”. In: TOPOI: Revista de História do Programa de
Pós-Graduação em História da UFRJ, vol. 5, 2002; LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude.
“Clérigos e leigos”. In: Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru: São Paulo, EDUSC, 2006;
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: As minorias na Idade Média. Rio de Janeiro. Jorge Zahar.
1993.
49
demográfico da região, possível graças à sua inserção nas rotas comerciais, coincidiu
com o período em que a tentativa de reforma católica ganhava espaço na realidade da
América portuguesa. Neste período, o desmembramento e a construção de novas
capelas foram amplamente defendidos pelos fiéis, que muitas vezes se deparavam com a
impossibilidade de acesso aos templos religiosos, e pelos bispos, pela possibilidade de
observar de perto o comportamento dos párocos, dos fiéis e enquadrar as práticas
religiosas às normas das Constituições. As visitas, realizadas pelos bispos ou por
enviados seus, cumpriram em Santo Antônio de Jacutinga o seu papel de
enquadramento religioso, utilizadas como um instrumento de comunicação do bispo
com os párocos e até mesmo com o restante da população do Recôncavo.
não apenas diante de altares aninhados junto às paredes internas dos templos
(espaço sagrado), mas também perante outros localizados fora deles,
instalados em cômodos especialmente preparados de residências particulares
de feitio diverso e ainda erguidos ao ar livre, em áreas descampadas. 2
A partir das informações sobre as capelas, disponibilizadas por Monsenhor
Pizarro, procuramos outras fontes sobre o assunto. No Arquivo da Cúria Diocesana de
Nova Iguaçu, foram encontrados apenas registros paroquiais de batismo, matrimônio e
óbito. Já no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, foi possível ter acesso a
poucos, mas significativos, breves apostólicos de oratórios privados e altares
privilegiados do Recôncavo da Guanabara setecentista. Antes de analisar esta
documentação, é necessário apresentá-la brevemente, considerando que a compreensão
sobre como foi produzida permite que reflitamos sobre as relações sociais existentes na
região.
1
Já mencionamos, no capítulo anterior, a toponímia das capelas de Santo Antônio de Jacutinga, segundo
Monsenhor Pizarro e os rituais que poderiam ser realizados nestes espaços religiosos. Ver páginas 16 e
17.
2
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.31.
51
7
Analisamos os breves apostólicos de notação 025, 146 e 158, mencionados na nota de rodapé anterior.
8
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. Disponível em: <http://www.ieb.usp.br>
p.750.
9
MOTT, Luiz. “Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello
e. (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.p.156.
10
Ibidem.
11
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.43.
53
Diz Cristóvão Mendes Leitão e sua mulher Páscoa Maciel da Costa que eles
alcançaram da Santa Sé e Apostólica um breve para poder celebrar missa no
oratório das casas de vivenda, que têm na freguesia de Santo Antônio de
Jacutinga, distrito desta cidade. [...] Sendo aceito por Vossa Excelência [...]
54
[...] concedas e permitas [...] licença aos mesmos exponentes para que eles e
cada um deles em particular possa fazer que nos oratórios privados existentes
nas casas de sua habitação na cidade e bispado do Rio de Janeiro [...] por
qualquer sacerdote secular, por ti aprovado, ou regular, com licença de seus
12
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Breve apostólico. 146. fl.02.
13
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.50.
14
NOVAIS, Fernando A. “Condições da privacidade na colônia”. In: SOUZA, Laura de Mello e. (org).
História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. p.15.
15
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.36.
55
16
ACMRJ. Breve Apostólico 146. fl.03.
17
CHARTIER, Roger. apud MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Casa, casamento e nome: fragmentos sobre
relações familiares e indivíduos. In: MATTOSO, José. História da vida privada em Portugal: a Idade
Moderna. Lisbon: Círculo de Leitores, 2011. p.130.
18
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Casa, casamento e nome: fragmentos sobre relações familiares e
indivíduos. In: MATTOSO, José. História da vida privada em Portugal: a Idade Moderna. Lisbon:
Círculo de Leitores, 2011. p.137.
56
Diz Francisco Antunes de Lima que no seu engenho [que] há pouco tempo
comprou [...] na fazenda de Nossa Senhora da Conceição [...] freguesia de
Santo Antônio de Jacutinga tem nesta uma capela pública e separada das
casas de vivenda [...] com [...] invocação da dita Senhora, cuja imagem se
acha colocada no altar da dita capela onde celebravam já os santos sacrifícios
da missa em que se não continuou depois, por falta de parâmetros e
ornamentos [...]21
Este caso refere-se a um pedido de reedificação de capela de engenho. O recém-
proprietário, Francisco Antunes de Lima, em 1757 encaminhou um pedido para
recuperar as funções, anteriormente atribuídas, da capela de sua fazenda no Saparuí. A
informação de que a capela era pública foi confirmada na documentação com
informações de que as missas celebradas neste espaço eram abertas “à vizinhança e aos
escravos”. Conforme indicado no documento, a capela foi impedida de funcionar por
20
MOTT, Luiz. “Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de
Mello e. (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.p.168.
21
ACMRJ. Breve apostólico 158. Fl. 04.
58
Monsenhor Pizarro dedicou uma boa parte de suas Visitas Pastorais para tratar
dessa capela. Em 1794, conforme já observamos no capítulo anterior, esta mesma
capela corria o risco de ser interditada, segundo o visitador, graças à falta de cuidado
dos seus proprietários anteriores. O autor afirmou que,
22
Ver página 30.
23
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
24
MOTT, Luiz. “Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de
Mello e. (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997.p.161.
59
25
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
26
Ibidem.
60
Dizem João de Veras Ferreira e sua mulher Ana Maria Nascentes, moradores
nesta cidade, que eles alcançaram um breve da Santa Sé Apostólica para
poderem ter oratório privado nas casas de vivenda da sua fazenda chamada
Posse, que tem no centro de Moquetá, na Freguesia de Santo Antônio de
Jacutinga [...] que se acha aceito [...] para lhe poder valer a graça [sendo]
necessário justificar as premissas [...]
Que os impetrantes são os mesmos que alcançaram a graça da Santa Sé [...]
para poderem ter oratório [...] nas casas de sua habitação que tem na sua
fazenda, na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga e não tem outra alguma
graça que ainda dure.
Que os moradores se [...] tratam [...] da nobreza e como tais não são
desmerecedores da graça que alcançaram.
Que os moradores têm seu oratório preparado de todo [...] com a maior
decência e asseio e todos os paramentos e [está] livre totalmente dos usos
domésticos.28
27
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.52.
28
ACMRJ. Breve Apostólico 025. fl.02.
61
Comecemos com uma pequena parte da carta escrita pelo Papa Bento XIV,29
encontrada anexada ao breve de pedido de missa do casal Cristóvão Mendes Leitão e
Páscoa Maciel da Costa.
29
Nascido em Bolonha, no ano de 1675, Prospero Lorenzo Lambertini foi Pontífice no período de 1740 a
1758. Conhecido pela sua erudição, Prospero Lambertini interessava-se por estudos relacionados à
retórica, à filosofia e à teologia. Aos dezenove anos, o religioso obtivera o título de Doutor em Teologia e
Direito Canônico e Civil. Durante a sua trajetória, foi consultor do Santo Ofício. Em 1708, foi nomeado
Promotor da fé, em 1712, Teólogo Cânone no Vaticano e assessor da Congregação dos Ritos, em 1713,
foi nomeado Bispo doméstico, em 1725, bispo titular de Theodosia. Em 1727, foi nomeado Bispo de
Ancona e cardeal, em 1728. Em 1731, foi transferido para o Arcebispado de Bolonha, para suceder a
Lorenzo Corsini, que se tornou o Papa Clemente XII. Com a morte de Clemente XII, após seis meses de
análise, Lambertini foi eleito e nomeado Papa Bento XIV, em homenagem ao seu patrono Bento XIII.
Considerado um Papa flexível em suas relações políticas, destacou-se pela sua capacidade de lidar com as
situações eclesiásticas que precisavam de reformas e com a comunicação com autoridades estrangeiras.
HEALY, Patrick. "Pope Benedict XIV." In: The Catholic Encyclopedia. Vol. 2. New York: Robert
Appleton Company,1907. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/02432a.htm>. Último
acesso: janeiro/2013.
30
ACMRJ. Breve Apostólico 146. fl.03.
62
31
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Casa, casamento e nome: fragmentos sobre relações familiares e
indivíduos. In: MATTOSO, José. História da vida privada em Portugal: a Idade Moderna. Lisboa:
Círculo de Leitores, 2011. p.137.
32
FRAGOSO, João. “A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio
de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. In: TOPOI: Revista de História do Programa de Pós-Graduação em
História da UFRJ, vol. 1, 2000.
63
Desde o século XVII, a nobreza portuguesa era definida pelo que “não fazia” e,
portanto, o fato de não se dedicar às atividades manuais se estabelecia como um critério
de distinção social. Esta alegação confirmava a nobreza dos solicitantes, visto que não
carregavam o estigma do defeito mecânico e, portanto, se encontravam numa posição
social superior aos forros e descendentes de escravos, principalmente.33
33
Cf: GUEDES, Roberto. “Ofícios mecânicos e mobilidade social: Rio de Janeiro e São Paulo (séculos
XII-XIX)”. In: TOPOI: Revista de História do Programa de Pós-Graduação em História da UFRJ, v. 7,
64
Jacinto Lobo Frazão, solteiro natural desta cidade [...] que vive da sua
lavoura, testemunha jurada aos santos evangelhos em que por sua mão direita
prometeu dizer verdade [...] sendo perguntado pelo conteúdo na petição do
justificante disse, que em razão de o conhecer [...] sabe que o próprio que
impetrou o breve que apresenta e que o dito breve é verdadeiro, [...] e mais
não disse e assinou, Eu, Estevão José da Silva Coimbra, ajudante da Câmara
Eclesiástica.35
Exceto pelo segundo caso, as duas outras testemunhas “viviam de sua lavoura”,
ou seja, poderiam ser senhores de engenho ou lavradores. Mesmo subordinados aos
senhores de engenho, os lavradores representavam um status superior ao de
2006; RIOS, Wilson de Oliveira. A Lei e o Estilo. A inserção dos ofícios mecânicos na sociedade
colonial.1690-1790. Niterói: UFF, 2000; SANTOS, Beatriz Catão Cruz. “Irmandades, oficiais mecânicos
e cidadania no Rio de Janeiro do século XVIII”. In: Varia Historia. 2010, vol.26, n.43, pp. 131-153.
34
O caso que apresentaremos trata-se de um breve apostólico da freguesia de Nossa Senhora da Piedade
do Iguaçu. Embora não se trate da freguesia analisada, acredita-se que o caso facilite a compreensão sobre
a produção de breves apostólicos no Recôncavo da Guanabara setecentista.
35
ACMRJ. Breve Apostólico 306. fl.04.
65
Para Luiz Mott, alguns leigos, “esnobes e elitistas”, pretendiam, por meio da
obtenção de um oratório privado, evitar o convívio com os fiéis de estratos inferiores.
De fato, estas permissões possibilitavam, conforme já mencionamos, a manutenção do
status de nobreza dos solicitantes, porém seria redutor considerar apenas este interesse
por parte dos leigos ao solicitar um oratório privado.
36
C.f.:FERLINI, Vera Lúcia Amaral. “A subordinação dos lavradores de cana aos senhores de engenho”.
Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 6, n.12, p. 151-168, 1986; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos
internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
37
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.67.
66
38
NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê. A Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil 1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
39
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XIX. Cláusula 694.
40
ACMRJ. Breve Apostólico 158.
67
41
ACMRJ. Breve Apostólico 158. fl. 05v.
68
42
ACMRJ. Breve Apostólico 158. fl. 05v.
69
43
ACMRJ. Breve Apostólico 158. fl.03.
44
Para maiores detalhes sobre o inventário da paróquia de Santo Antônio de Jacutinga, consultar
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
45
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008.
p.68.
70
sem comunicação alguma [...] para as mesmas casas. Tem ornamentos das
quatro cores de que [...] e tudo o mais necessário para a celebração da missa
como [...] do inventário que com esta vai assinado por mim. Tudo [...] na
verdade em cumprimento [...] de Vossa Excelentíssima Reverendíssima [...].
José de Souza Marmelo 46
O inventário do oratório em questão também não deixou a desejar quanto aos
ornamentos descritos, comprovando o seu objetivo de celebrar missas. O oratório
transformado em capela, de acordo com a documentação, foi devidamente preparado
para a liturgia eucarística. Enquanto na capela “pública” de Nossa Senhora da
Conceição constavam, além da imagem da santa, as de Santo Antônio e São Francisco,
na capela “privada” estavam dispostas as imagens de Santo Antônio e Sant‟Ana.
Esta intenção de preencher as capelas com imagens sagradas compõe uma das
exigências das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. O fragmento, que se
segue, demonstra com clareza a imposição da existência de imagens sagradas nas
capelas:
46
ACMRJ. Breve Apostólico 146. fl.10.
47
Sobre a construção do “miraculoso” cristão, consultar: LE GOFF, Jacques. O Maravilhoso no Ocidente
Medieval. In:O Imaginário Medieval. Editorial estampa. 1994.
71
ter, e também em procurar, que não haja nesta matéria abusos, superstições,
nem cousa alguma profana(...)48
O fragmento cita a “imitação à vida dos santos”, este objetivo deveria ser
incentivado pelo clero para que os fiéis alcançassem o modelo de cristão perfeito. Mas
para que a devoção dos fiéis fosse estimulada de maneira correta, as imagens não
deveriam ser desrespeitadas, devendo permanecer distantes do “fervor carnal e
obsceno”, já mencionado por Gilberto Freyre49. O receio da Igreja de que a intimidade
entre santos e devotos se tornasse frequente e, portanto, fora de seu controle era
demonstrado pelas visitas obrigatórias nas capelas, onde os bispos, ou visitadores
enviados por eles, atestavam as condições das imagens. Desta forma, conforme afirmou
o documento, os bispos estavam não apenas encarregados de visitar as capelas, mas
também de estimular a devoção da população por meio das imagens de santos,
conforme a determinação do Concílio Tridentino.
Segundo Sérgio Chahon, um altar deveria ser descrito a partir de suas partes
constituintes, o que sugere que a sua organização também estivesse carregada de
significado simbólico. Havia a preocupação de que as imagens utilizadas fossem bem
pintadas e conservadas a fim de não provocar o “riso dos fiéis”50.
48
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título: XVII. Cláusula 696.
49
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala; formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. São Paulo: Global Editora, 51º ed, 2006.
50
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Cláusula 701.
51
Cf: VAUCHEZ, André. “O santo”. in: LE GOFF, Jacques. O Homem medieval. Lisboa: Editorial
Presença, 1989;
72
Os atos de fala e atos corporais endereçados aos santos podem ser lidos como
oferendas a eles realizadas, em formas de preces, homenagens, gestos de
submissão e de carinho, a fim de manter uma boa relação com eles, de
estimulá-los a conceder aquilo que for pedido. Deve acontecer, portanto em
cada pedido uma certa sedução do santo, no sentido de torná-lo propenso a
conceder a graça demandada.53
Esta linguagem ritual, utilizada pelos fiéis para “conversar” com o santo,
envolvia orações e técnicas corporais, como ajoelhar, por exemplo, que tornavam o
pedido mais solene, principalmente quando feito em capelas quase sempre erguidas em
nome do santo homenageado.
52
MENEZES, Renata de Castro. A dinâmica do sagrado: rituais, sociabilidade e santidade num convento
do Rio de Janeiro. Relume Dumará, 2004. p.212.
53
Ibidem. p.209
54
RUBIN, Miri. Mother of God: A History of the Virgin Mary. London: Allen Lane. Yale University
Press. 2009.
55
LADEIRA, Elaine Amorim Pereira. “O imaginário devocional de Nossa Senhora da Conceição do
Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro”. In: Anais do XV encontro regional de História da ANPUH-
Rio, 2012.
73
dos motivos para a adoção desta nomenclatura para estes e outros espaços religiosos
erguidos na região.
56
ACMRJ. Breve Apostólico 146. fl.03.
57
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a ceia do Senhor: As Missas e a Vivência do Catolicismo na
Cidade do Rio de Janeiro e Arredores (1750-1820). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2008
p.69.
58
Ibidem.
59
NOLA, Alfonso di. “Sagrado/profano”. In: Enciclopédia Einaudi. Mythos/Logos – Sagrado/Profano.
v.12. 1987. p.109
74
Por fim, os pedidos, vias breves apostólicos poderiam ser aprovados pela
própria Cúria Romana ou pelos bispos. No breve de Cristóvão Mendes Leitão e
Páscoa Maciel da Costa a resposta final do prelado foi uma coletânea de todos os
itens justificativos apresentados pelos solicitantes para a obtenção do benefício
requerido. No breve do mesmo casal encontram-se as seguintes informações:
60
ACMRJ. Breve Apostólico 146. fl.15
61
Op.cit.p.54.
77
As paróquias eram espaços de reunião social que deveriam permitir a união dos
paroquianos, como filhos de Deus. Conforme dispuseram as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia “as igrejas são para se exercitar nelas atos de devoção e
62
MOTT, Luiz. “Cotidiano e Vivência Religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello
e. (org). História da Vida Privada no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
63
Ibidem.
78
64
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XXVIII. Cláusula 731.
3 OS USOS RITUAIS DAS CAPELAS DE SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA
1
Adotamos, neste trabalho, a concepção de ritual de Jean-Claude Schmitt que o define como “uma
sequência ordenada de gestos, sons [...] e objetos, estabelecida por um grupo social com finalidades
simbólicas.” LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. “Clérigos e leigos”. In: Dicionário Temático
do Ocidente Medieval. Bauru: São Paulo, EDUSC, 2006.p.415. No caso do Recôncavo da Guanabara, o
grupo social ao qual nos referimos era composto pelos membros da cristandade, que se reuniam nas
capelas e participavam das celebrações religiosas com o intuito de obter benefícios espirituais e, por
vezes, políticos, conforme demonstramos no capítulo anterior.
2
Op.cit. p.09.
3
MARCILIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a História do Brasil”. In: Varia Historia, 2004.
p.13-20.
80
4
São sete os sacramentos católicos, definidos pela Igreja Romana, a saber: batismo, confirmação,
eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio.
5
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título IX. Cláusulas 28-30.
6
Na Idade Média, Tomás de Aquino defendeu que “alguém institui algo quando dá à coisa força e vigor”.
Desta forma, os sacramentos existiam apenas por “força de explícito mandamento-lei de Cristo”. Para S.
Marsili, a compreensão de Cristo como responsável pela origem dos sacramentos estava ligada ao fato de
ser ele “sacramento primordial e essencial da salvação” e não apenas pela linha da instituição jurídica.
Segundo o autor, Cristo é sacramento da salvação por ser a encarnação da palavra de Deus, ou seja, por
tornar real, por meio de sua humanidade, os eventos anunciados por Deus. Ao definir que todos os
sacramentos foram instituídos por Cristo, o Concílio de Trento referia-se à ele como uma afirmação de fé.
Apenas em Cristo, os sacramentos “encontram a sua eficácia sobrenatural” e se tornam necessários à
salvação dos homens. Desta forma, estes rituais estavam ligados à Cristo por depender “do próprio ser
sacramental de Cristo, como uma fonte sacramental de onde a salvação passa para os sacramentos; e,
sendo a salvação uma realidade „revelada‟, tem sempre necessidade de „sinais‟ para ser captada pelo
homem.” Desta forma, os sacramentos se constituíam em sinais da continuação do sacramento da
salvação. MARSILI, S. “Sacramentos”. In: SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (orgs).
Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992. p.1061-1063.
7
RODRIGUES, Cláudia. Lugares dos Mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações fúnebres
no Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação
Cultural, Divisão de Editoração, 1997. p.176.
81
8
BOFF, Leonardo. Mínima Sacramentalia: os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos: ensaio de
teologia narrativa. Petrópolis: Vozes, 1975. p. 55
9
DA MATA, Roberto. In: GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 1978.p.10.
10
GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 2011. p.18.
82
3.1 BATISMO
Aos vinte e três de fevereiro de mil setecentos e um, batizei e pus os santos
óleos a Ilário, filho de Matheus e Maria, escravos do mestre de campo
Martim Correa Vasquez. Foram padrinhos Gabriel de Oliveira e Valentina
Cardoso, de que fiz este assento, em Santo Antônio de Jacutinga[...]
O Padre Luiz de Lemos.14
Em todo o livro analisado, não há detalhamentos a respeito do ritual realizado,
nem mesmo outras informações relevantes sobre os agentes históricos mencionados.
Existem variações apenas no que tange aos nomes dos pais e padrinhos, havendo casos
em que somente é possível encontrar os nomes das mães ou dos padrinhos do sexo
11
Livro de batismos, matrimônio e óbito de Santo Antônio de Jacutinga (1686-1721).
12
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
13
Já mencionamos a disposição das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia à respeito da
confecção do livro de batismos na página 42.
14
Livro de batismos, matrimônio e óbito de Santo Antônio de Jacutinga (1686-1721). fl. 33.
83
Ser batizado era um direito de todos, um dever dos pais da criança e, no caso dos
escravos, de seus senhores. Para a Igreja, o batismo significava um renascimento da
alma. Conforme afirmou Adriano Prosperi era a “esperança de entrar no reino dos
céus”, portanto o seu cumprimento era de extrema importância para os católicos. O
autor observou que, desde os ensinamentos de Agostinho, a Igreja considerava que, sem
a realização do ritual, a criança não poderia entrar no paraíso. Tal concepção formou-se
a partir do estigma do pecado original de Adão e Eva carregado pela humanidade. O
batismo era considerado um renascimento, em verdade, um nascimento para uma vida
cristã e, portanto, o único nascimento considerado pela Igreja. Era a possibilidade de
livrar-se do pecado original e deveria ser preferencialmente ministrado às crianças. Em
Santo Antônio de Jacutinga, no final do século XVIII, foram realizados 892 batismos de
crianças, o que comprova a preferência, conforme os ensinamentos da Igreja, de
destinar o ritual, preferencialmente, aos primeiros dias de vida dos paroquianos.
15
Livro de batismos de Santo Antônio de Jacutinga. 1790-1807.
16
PROSPERI, Adriano. Dar a alma: história de um infanticídio. São Paulo. Companhia das Letras, 2010.
84
Neste sentido, o batismo que é em sua essência um rito de iniciação, adquire um papel
de separação, no momento ritual em que o batizando desvincula-se do estigma do
pecado original e pode também ser compreendido como um rito de agregação, ao passo
que insere um novo membro à cristandade. Tais transformações sofridas pelos
batizandos/batizados demonstram o dinamismo dos rituais que são capazes de
influenciar o mundo social.
A criança, que deveria ser batizada, de acordo com o documento, nos primeiros
oito dias de vida, é purificada pela água18 de modo a estar pronta para seguir os
ensinamentos católicos. Ainda, conforme as Constituições, o batismo era uma
necessidade cristã de extrema importância. O batizado, “adotado em filho de Deus”,
herdava o reino dos céus a partir do ritual e garantia a sua salvação, assumindo um
compromisso com a fé católica.19
17
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XX. Cláusula 33.
18
É notável a intenção de organizar um determinado padrão para a execução do sacramento, como o uso
da água nas pias batismais, “sob pena de castigo”, caso fosse reutilizada. No batismo, a água simbolizava
uma purificação interior, uma purificação da alma e se estabelecia como o símbolo do renascimento
promovido pelo ritual. A palavra de Deus transformava a água. As funções simbólicas dos rituais apenas
faziam sentido durante a sua realização. Neste sentido, a água adquiria durante o batismo uma função
diferente da sua origem, tornando-se parte essencial para a execução do ritual. PROSPERI, Adriano. Dar
a alma: história de um infanticídio. São Paulo. Companhia das Letras, 2010.
19
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia .Título XX. Cláusula 34.
85
Como seja muito perigoso dilatar o batismo das crianças, com o qual passam
do estado de culpa ao da graça e morrendo sem ele perdem a salvação,
mandamos, conformando-nos com o costume universal no nosso reino, que
sejam batizados até os oito dias depois de nascidas e que seu pai ou mãe ou
quem delas tiver cuidado as façam batizar nas pias batismais das paróquias
de onde forem fregueses. Não o cumprindo assim, pagarão dez tostões para a
fábrica da nossa Sé e Igreja paroquial. [...] e do mesmo modo se procederá
contra os que no dito tempo não fizerem levar à Igreja a criança, quando por
necessidade foi batizada em casa, para se lhe fazerem os exorcismos e se lhe
porem os santos óleos [...]. E neste arcebispado, pela grande extensão das
freguesias, [...] se edificarão capelas, as quais se aplicarão alguns fregueses e
nelas se lhes administrarão os santos sacramentos, pela dificuldade que há em
os irem receber na paróquia, mandamos que nas ditas capelas, em que houver
aplicados, haja pia batismal e por ser cousa indecentíssima que tão santo
sacramento se não administre com a decência que manda a santa Igreja
católica.[...] Para que licitamente se administre o sacramento do batismo [...]
deve ser administrado pelo próprio pároco, que é o legítimo e verdadeiro
ministro dele e, portanto, proibimos que qualquer sacerdote secular ou
regular, que não seja o próprio pároco batize criança alguma [...] E se algum
freguês, por justa causa, amizade ou parentesco quiser que outro sacerdote
secular lhe batize a dita criança e não o próprio pároco, pedir-lhe-á licença
com a devida humildade, a qual mandamos lhe conceda e mande dar os
paramentos necessários para a administração do tal sacramento [...]20
20
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia .Título XX. Cláusulas 36-38
86
Os batismos feitos em casa apareceram com menos frequência, foram apenas 19.
Nestes casos, as expressões mais comuns encontradas nos documentos foram: “batizado
em casa por necessidade ou batizado em casa por evidente/urgente perigo”. Em um dos
casos é possível ler a expressão “fiz os exorcismos de ritual”, antes da informação de
que o batismo havia sido realizado em casa. Os batismos feitos em casa eram uma
exceção. Pretendiam impedir que alguma criança, ou mesmo adulto, falecesse sem o
sacramento. Há, nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, um título
dedicado ao assunto21. Nele, a Igreja determinou que os párocos deveriam instruir os
paroquianos, sobretudo as parteiras, para a realização do ritual. Segundo o documento, o
cumprimento desta determinação deveria ser observado pelos visitadores e corrigido da
forma que os clérigos achassem justa.
Há, portanto, nos registros de batismos que se referem ao final do século XVIII,
uma intensificação dos cuidados em registrá-los, especificando as exceções, conforme
legislaram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Nos casos em que a
criança era batizada em casa, por correr perigo de morte, logo que possível os pais ou
senhores da criança deveriam comunicar ao pároco para que fossem administrados os
santos óleos e para que o ritual fosse devidamente registrado. De acordo com as
Constituições, os santos óleos eram obrigatoriamente benzidos pelos bispos, uma vez
por ano na quinta-feira da “ceia do Senhor” ou quinta-feira santa, na presença do pároco
e de outros clérigos da paróquia e eram essenciais ao ritual de batismo.22
21
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título XIII. Cláusula 43.
22
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia .Título XX. Cláusula 248-249.
87
[...] aos ditos padrinhos, como ficam sendo fiadores para com Deus pela
perseverança do batizado na fé e por serem seus pais espirituais têm
obrigação de lhes ensinar a doutrina cristã e bons costumes. Também lhes
declare o parentesco espiritual que contraíram, do qual nasce impedimento,
que não só impede, mas dirime o matrimônio, o qual o parentesco conforme
disposição do sagrado Concílio Tridentino, se contrai somente entre os
padrinhos e o batizado, seu pai e sua mãe e entre o que batiza e o batizado,
seu pai e mãe e o não contraem os padrinhos entre si, nem o que batiza com
eles, nem se estende a outra alguma pessoa além das sobreditas. 23
23
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia .Título XVIII. Cláusula 65.
24
Nossa Senhora da Piedade é a segunda invocação da Virgem Maria mais citada na documentação do
Recôncavo da Guanabara. A santa, que se apresenta com o seu divino filho morto nos braços, após o
suplício do calvário, “emprestou o seu nome” para a construção de algumas capelas da região e, inclusive,
para a freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu. Segundo Nilza Megale “a mais antiga imagem
da Senhora da Piedade em Portugal era pintada em madeira e se encontrava em uma das capelas do
claustro da Sé de Lisboa. Pertencia a uma irmandade cuja principal função era enterrar os mortos, visitar
os presos e acompanhar os criminosos ao patíbulo.” A santa retratava a angústia e a tristeza da Virgem no
drama da Paixão de Cristo. MEGALE, Nilza Botelho. 112 invocações da Virgem Maria o Brasil:
história, folclore e iconografia. Petrópolis: Vozes, 1986.
88
25
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas” (1923-24).
In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1974.
26
PROSPERI, Adriano. Dar a alma: história de um infanticídio. São Paulo. Companhia das Letras,
2010.p.178.
89
3.2 CASAMENTO
Tal como o batismo, o casamento foi instituído antes das discussões do Concílio
de Trento, embora tenha sofrido mudanças relevantes na Idade Moderna. Segundo
Ronaldo Vainfas, ao final do Império Romano, o casamento tinha como objetivo “a
formação de uma descendência e a transmissão do patrimônio” apenas entre nobres. O
casamento, portanto, não era universal e, mesmo entre os nobres, não era para todos, já
que os filhos mais novos deveriam dedicar-se ao clero.27 Em outras palavras, pode-se
considerar que o casamento era utilizado como um contrato que selava uma aliança
política, sem qualquer relação com a Igreja. Ainda que ele fosse um ritual, por se tratar
de um costume com finalidades simbólicas, neste caso, a manutenção do patrimônio das
famílias envolvidas, o casamento não era um ritual religioso. A intervenção da Igreja
nos casamentos dos nobres apenas se fez presente a partir da desagregação do Império
carolíngio, quando foram instituídas as regras a seguir, na tentativa de submeter reis e
cavaleiros ao seu poder:
A Igreja tentava assim controlar o casamento para que fosse possível retirá-lo da
atmosfera profana na qual estava inserido. Mesmo a partir destes critérios estabelecidos,
27
VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. São Paulo: Editora Ática,
1986.p.25.
28
Ibidem.
90
a intervenção da Igreja não surtiu efeito nas práticas matrimoniais da nobreza. Era
preciso trazer o casamento para a esfera do sagrado e, segundo Ronaldo Vainfas, foi a
partir das discussões dos teólogos medievais que este intento foi possível. O casamento
passou a ser um dos sete sacramentos, baseado na metáfora de união entre a Igreja e
Cristo. Oposto às uniões dos cavaleiros, a Igreja defendia e instituía um casamento
indissolúvel, que admitia a relação carnal para fins de procriação, condenava o incesto,
não apenas entre parentes consanguíneos, mas também entre aqueles que contraíam o
parentesco espiritual promovido pelo batismo. Para o autor, mesmo que o modelo de
casamento católico não tenha sido adotado imediatamente pela população
[...] triunfou nos séculos XII e XIII. Impôs-se ao clero o celibato, e aos leigos
– nobres ou camponeses – impôs-se o casamento monogâmico e indissolúvel.
No bojo deste processo, a Igreja afirmou-se como o poder supremo do
Ocidente. A sacramentalização do casamento foi a base, portanto, do triunfo
político da Igreja, e matéria privilegiada da codificação moral da
29
cristandade.
29
VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. São Paulo: Editora Ática, 1986.
p.30-31.
30
CASTELNAU-L‟ESTOILE, Charlotte de. “O Ideal de uma Sociedade Escravista Cristã: Direito
Canônico e Matrimônio dos Escravos no Brasil Colônia”. In: FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton
Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011. p.355.
31
MARSILI, S. “Sacramentos”. In: SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (orgs). Dicionário de
Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992. p.1068.
32
Livro Primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título LXII. Cláusula 259.
91
Cristo com a Igreja. Era justamente a união dos sexos que simbolizava este vínculo
entre Cristo e a Igreja. A conjunção carnal, isenta de prazer, tornou-se o símbolo da
indissolubilidade do casamento. A Igreja intervinha, portanto, nas relações entre os
casais, ou seja, nas relações familiares, estabelecendo critérios morais, desde a Idade
Média, para o ato sexual.
Para que fosse possível controlar os fiéis que se rendiam ao desejo carnal foi
necessário criar determinadas regras como a condenação do ardor entre os cônjuges e
até mesmo classificar os atos permitidos ou proibidos, com base na função de
procriação da união matrimonial. “O leito conjugal, uma vez sacramentado tinha de ser
devassado e ordenado”.33 Tais afirmações e finalidades do casamento foram reforçadas
pelas Constituições em um de seus parágrafos, no qual há a menção explícita de que o
ritual também serviria como remédio da “concupiscência”.34 Desta forma, eram criados
critérios que possibilitavam a definição do casamento como um ritual católico,
representado, por fim, pela aceitação pública do novo status do casal com a benção de
Deus e da Igreja.
33
VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. São Paulo: Editora Ática, 1986.
p.37.
34
Segundo o documento, o casamento foi instituído para três fins: para a propagação humana, para a fé e
lealdade que os casados devem guardar mutuamente e para a inseparabilidade dos mesmos casados,
significativa da união de Cristo com a Igreja Católica. Livro primeiro das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. Título LXII. Cláusula 259.
92
referidas anteriormente35. No caso dos escravos, a própria resistência dos senhores para
permitir as uniões conjugais dificultava o processo.
Em vinte e cinco dias do mês de janeiro de mil setecentos e onze pelas onze
horas da manhã se receberam em minha presença nesta freguesia de Santo
Antônio de Jacutinga e das testemunhas abaixo nomeadas sendo [...]
procedido as três canônicas admoestações sendo na forma do sagrado
Concílio Terdentino [sic] com palavras [...] Faustina com Sebastião, ambos
escravos [...]. Foram testemunhas Inácio Ribeiro e Jerônimo Martins [...]
constar fiz este assento [...]
O padre Dimas da Fonseca37
Nos registros de casamentos de escravos, normalmente, a filiação era substituída
pelos nomes de seus proprietários. Não há informações sobre residência e, nos casos de
Santo Antônio de Jacutinga, nem mesmo as informações sobre a procedência e as
posses das testemunhas são detalhadas. Embora os registros apresentem poucas
informações, uma observação chamou atenção durante a análise das fontes. Em três
registros de 1704, referentes aos casamentos dos escravos, João e Maria, noivo não
identificado e Joana e outro com os nomes não identificados, consta a informação “já
deflorada” ao lado do nome da noiva. Esta observação é oposta a um dos critérios para a
realização do casamento, o da virgindade das noivas, o que demonstra uma adaptação
da norma da Igreja no cotidiano colonial, sobretudo ao tratar dos casamentos entre
escravos. Oficializar o casamento das ditas “defloradas” funcionava como uma maneira
de impedir as relações sexuais ilícitas. Nestes casos, a intenção de inserir estes agentes
35
Op.cit.p.89.
36
MARCILIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a História do Brasil”. In: Varia Historia. 2004.
p.13-20.
37
Livro de batismos, matrimônios e óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1686-1721) Fl.58.v.
93
38
SOARES, Mariza de Carvalho. “A conversão dos escravos nas Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia e na legislação portuguesa. In: FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales
(orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011. p.303.
39
Ibidem. p.310-312.
40
ZERON, Carlos Alberto de M. R. “O governo dos escravos nas Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia e na legislação portuguesa: separação e complementaridade entre pecado e delito”
In: FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. p.331.
94
poderiam ter o incentivo dos senhores, mas não dependiam, pelas Constituições, de sua
aprovação.
41
FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a
Vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. p.324.
42
GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes, 2011. p.19
43
TURNER, Victor. O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes, 1974. p.125-130.
95
44
Livro primeiro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título LXXI. Cláusula 303.
45
CASTELNAU-L‟ESTOILE, Charlotte de. “O Ideal de uma Sociedade Escravista Cristã: Direito
Canônico e Matrimônio dos Escravos no Brasil Colônia”. In: FLEITER, Bruno & SOUZA, Evergton
Sales (orgs.). A Igreja no Brasil: Normas e Práticas durante a Vigência das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. São Paulo. Editora Unifesp. 2011.
96
Desta forma, “o casamento era assim uma ocasião de verificar que os escravos
conhecem a doutrina cristã que teoricamente recebem de seus senhores.”46 E mais do
que isso, o casamento, era um meio de representar o reconhecimento dos códigos
católicos por parte da maioria dos membros da comunidade, que se reconhecia por
intermédio dos ritos sacramentais e os escravos não fugiam desta lógica.
3.3 A MORTE
46
Ibidem. p.378
97
47
Cf. RODRIGUES, Cláudia. Lugares dos Mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações
fúnebres no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro/Coleção
Biblioteca Virtual/Biblioteca Carioca, 2007; Idem. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no
Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005.
48
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005.p.41.
98
de “clericalizá-la”, ou seja, torná-la um ritual católico, que deveria ser realizado por
clérigos49.
49
Ibidem.
50
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005. p.43.
51
Ibidem.p.45.
52
SOARES, Márcio de Sousa. “Alforrias e perfilhação na Macaé escravista: novas possibilidades de
pesquisa em fontes cartorárias e paroquiais (séculos XVIII e XIX)”. In: AMANTINO, Márcia;
RODRIGUES, Cláudia, et al (orgs.). Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga Macaé (séculos
XVII ao XIX). Rio de Janeiro. Apicuri, 2011. p.151
99
chance para a redenção dos fiéis que pecaram em vida. A partir desta concepção,
reforçava-se ainda mais a necessidade de recorrer à Igreja antes de morrer, já que, além
da confissão, da penitência e da extrema-unção, a oração pelos mortos poderia amenizar
o tempo de purgação e agilizar a purificação da alma no além. A doutrina do Purgatório
possibilitou a valorização do período antes da morte e também a solidariedade entre
vivos e mortos, por meio das orações oferecidas pelas almas dos defuntos.53
53
LE GOFF, Jacques. O nascimento do purgatório. Lisboa: Editorial Estampa, 1981.
54
ARIÈS, Phillipe. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. p.164.
55
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título I. Cláusula 834.
100
que o morto poderia deixar para a paróquia ou para a Irmandade à qual estivesse filiado.
Desta forma, era possível retribuir a dádiva da vida oferecida por Deus e esperava-se,
em troca, ter a recompensa da vida eterna em resposta aos agrados oferecidos à
comunidade católica. As possíveis doações, pedidos de missas ou mesmo as ações que
demonstrassem caridade, como alforriar alguns escravos, funcionavam como uma
moeda de troca, que selava o compromisso de doação e retribuição dos fiéis com
Deus.56
Aos trinta e um dias do mês de outubro de mil setecentos e oitenta e sete anos
nesta freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, faleceu da vida presente, com
todos os sacramentos, Francisco Rodrigues Passos, casado com Marta
Coelho, parda forra, moradora no [...] de São Bento, desta dita freguesia e foi
por mim encomendada e sepultada na cova da fábrica de que fiz este assento
que assinei.
Vigário Manoel Pinto de Pinho.57
Normalmente, os registros continham as informações básicas do falecido, como
o nome, o estado civil, a informação de cumprimento ou não dos sacramentos e o local
de sepultamento. Obrigatórios, desde o Concílio de Trento, os registros de óbito
também tinham um caráter civil, pois, juntamente aos registros de batismo e
matrimônio, eram utilizados para determinar o número aproximado de pessoas da
região58.
56
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas” (1923-24).
In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1974.
57
Livro e óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl.12.
58
Segundo Maria Luiza Marcilio, o Papa Paulo V, em 1614, através do Rituale Romanum tornou
obrigatórios os registros de óbitos, “além de impor o Líber Status Animarum, uma espécie de censo
periódico das paróquias, com o levantamento nominal e por família, de seus membros e
agregados maiores de 7 anos .” MARCILIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a História do
Brasil”. In: Varia Historia, 2004. p.13-20.p.02.
101
Aos vinte e sete dias do mês de maio de mil setecentos e noventa anos, nesta
freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, faleceu da vida presente, sem
sacramentos, de morte apressada, Tereza de Jesus, viúva, que ficou de
Agostinho Alves de Carvalho e foi por mim encomendada[...].
Manoel Pinto de Pinho.64
Neste caso, Tereza de Jesus, faleceu sem ter recebido a extrema-unção, devido à
sua morte rápida, conforme demonstrou o documento.
Para garantir uma “boa morte”, e, portanto, ter a possibilidade de obter a graça
divina era necessário cumprir as determinações da Igreja. Nos 22 testamentos, do final
do século XVIII, de Santo Antônio de Jacutinga, é possível observar a preocupação dos
fiéis com o destino de suas almas no além-túmulo. Os testamentos eram uma
oportunidade dos católicos demonstrarem o cumprimento dos requisitos estabelecidos
pela Igreja para a salvação da alma após a morte.
62
SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (orgs). Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus,
1992. p.1068.
63
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. “Clérigos e leigos”. In: Dicionário Temático do Ocidente
Medieval. Bauru: São Paulo, EDUSC, 2006; RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A
secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional/RJ, 2005.
64
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl.24.
103
Manoel José de Abreu, sargento-major de auxiliares; Dona Inácia Maria Tavares, viúva
do sargento-major Francisco Sanches de Castilho; Rita Maria de Souza; Agostinho
Alves de Carvalho; Dona Maria Rosa Menezes e Luís Manoel da Cunha.
Acredita-se que a partir destes casos seja possível identificar certos padrões no
processo de preparação para a última passagem dos paroquianos de Santo Antônio de
Jacutinga, no que concerne aos óbitos de livres. Estes padrões repetem-se nos demais
casos, ainda que cada um dos testadores possa ter apresentado diferentes recursos e
formas de expressar as suas últimas vontades no documento.
O testamento de Dona Inácia Maria Tavares, escrito um mês antes de sua morte,
apresentou a seguinte forma, logo após a saudação inicial:
Saibam quantos este público instrumento virem, que sendo no ano de nosso
senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e seis, aos quatro dias do mês
de setembro, do dito ano, na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, eu
Dona Inácia Maria Tavares, estando doente de cama, mas em meu perfeito
juízo e entendimento, que nosso senhor foi servido dar-me e temendo-me da
morte, desejando por minha alma no caminho da salvação faço este público
testamento na forma seguinte.65
As palavras utilizadas por Dona Inácia Tavares são comuns nos demais
testamentos. Há, neste trecho, dois pontos importantes que antecedem os eventuais
pedidos ou a distribuição de bens presentes nos testamentos. O primeiro ponto diz
respeito à expressão: “estando doente de cama, mas em meu perfeito juízo”. Era
importante demonstrar lucidez, para validar as suas vontades e, ao mesmo tempo,
ressaltar o seu conhecimento sobre a doutrina católica nos momentos finais de sua vida.
Receber o sacramento em “perfeito juízo” também era uma das recomendações da
65
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl.07.
104
Igreja para os fiéis que se preparavam para a morte, pois apenas nesta condição eles
poderiam recebê-lo “com a devida reverência” e encontrar o consolo necessário.66
No testamento de Manoel José de Abreu, escrito três dias antes de sua morte, é
possível observar uma demonstração de sua consciência em relação aos ensinamentos
católicos. No documento, o fiel mencionou saber que àqueles falecidos em graça
reservava-se a vida eterna, enquanto que aos falecidos em pecado, restava o “inferno
para sempre”, demonstrando ter conhecimento do dualismo “bem e mal” defendido pela
Igreja.68
anjo da guarda e aos demais santos da “corte celeste”. A Virgem Maria, conforme já
mencionamos, encontrava-se numa posição mais privilegiada da hierarquia celestial, por
ser parte fundamental da família de Cristo. Além dos santos, como intermediários entre
Deus e os homens70, havia também um forte apelo ao anjo da guarda. A partir disto, é
possível observar, em Santo Antônio de Jacutinga, um costume comum na América
portuguesa, o de estabelecer relações mais próximas com os intermediários celestes em
momentos de desespero. Santos e anjos eram inseridos no cotidiano da cristandade71,
com a intenção de auxiliar os fiéis nos momentos de dificuldade. No processo de boa
morte, eles significavam uma esperança, em contraposição ao medo do além-túmulo.
“Essa esperança tinha como base as ideias de proteção e de segurança, para as quais os
anjos e os santos agiam como guardiões e protetores da alma contra as forças
demoníacas.”72 Na paróquia de Santo Antônio de Jacutinga, dentre outros santos73,
70
Segundo André Vauchez santo era um homem através do qual se estabelecia um contato entre o céu e a
Terra. Entre os finais do século VI e VIII, a noção mais corrente de santidade deixava à margem toda
forma de pobreza, dando preferência aos nobres, sobretudo aos fundadores de igrejas e mosteiros. Apenas
a partir do final do século XI, a natureza da santidade modificou-se graças à noção de imitação da vida de
Cristo. A Igreja precisou responder aos anseios dos fiéis que continuavam a seguir os dogmas católicos e
aos questionamentos daqueles que se desvincularam da instituição. Esta mudança resultou na coexistência
entre as formas “populares” de Catolicismo e a disciplina eclesiástica, fazendo com que houvesse duas
espécies de santos: aqueles reconhecidos pela Cúria romana e outros pertencentes a cultos locais. Para
diminuir a intensidade da devoção não institucionalizada, a partir do século XIV, sobretudo no século
XV, intensificou-se a “palavra”, com a intenção de que o evangelho fosse cada vez mais introduzido na
vida social. Os santos passaram a ser, neste momento, animados por um desejo de conversão, conscientes
de que deveriam assumir o papel de medianeiros, entre Deus e os homens, capazes de amenizar o
sofrimento dos mais necessitados. VAUCHEZ, André. “O santo”. In: LE GOFF, Jacques. O Homem
medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.
71
Sobre a incorporação de santos no cotidiano colonial ler: FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala;
formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo. Global Editora, 2006.
51º ed.; OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção negra: santos pretos e catequese no Brasil
colonial. Rio de Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2008; SANTOS, Beatriz Catão Cruz. “Santos e devotos no
império ultramarino português”. In: Scielo: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, 2009. p.146-178; Laura
de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e Religiosidade Popular no Brasil Colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1986.
72
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005.p.52.
73
Segundo Monsenhor Pizarro, a paróquia de Santo Antônio de Jacutinga contava, ao final do século
XVIII com três altares. No altar maior, ficavam a imagem de Santo Antônio, com sacrário e ornamentos
mantidos pela fábrica e pela irmandade, que não teve a devoção citada pelo religioso, mas acredita-se
tratar-se do Santíssimo Sacramento. No segundo, ficavam as imagens de Nossa Senhora do Rosário,
Santa Luzia e São Benedito, mantidas pelos devotos e pela irmandade do Rosário. E no terceiro,
encontravam-se a imagem de Nossa Senhora do Socorro e São Miguel, mantidas pela irmandade das
almas, que não tinha altar próprio, juntamente à imagem de Sant‟Ana e do Espírito Santo, mantidas pelos
devotos e por fim, a de Nossa Senhora da Piedade, na família Maciel da Costa. A partir destas
informações, é possível identificar uma preocupação em oferecer aos fiéis um consolo para a morte,
demonstrados pelas imagens de Nossa Senhora do Socorro e São Miguel. Mesmo que a irmandade das
almas não possuísse altar próprio, os santos que apresentavam um consolo aos fiéis em relação à morte
ocupavam um lugar de destaque no espaço religioso. ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro
de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
106
havia um altar reservado ao culto à Nossa Senhora do Socorro e a São Miguel, erguido
pela irmandade das almas, segundo Monsenhor Pizarro. A presença dos intermediários
celestes nos espaços religiosos, sobretudo os dois últimos citados, constituía-se em uma
maneira de relembrar aos fiéis que poderiam contar com a intervenção de intercessores
sagrados em sua última passagem, desde que seguissem os ensinamentos da Igreja sobre
o “bem morrer”.
74
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl.15.
75
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005.p.38.
107
meio dos testamentos, foi o caso do documento de Manoel José de Abreu. Em seu
conteúdo é possível ler:
Mais uma vez, a Igreja definia e influenciava um momento marcante na vida dos
paroquianos de Santo Antônio de Jacutinga. Em outras passagens, é possível observar a
sua influência, também, nos sepultamentos dos paroquianos.
76
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl.02.
108
Desta forma, é possível observar uma preferência pelo hábito de São Francisco
entre os paroquianos analisados na tentativa de aproximar-se da salvação por meio da
intervenção do santo.
77
Livro quarto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Título LIII. Cláusula 843.
78
RODRIGUES, Cláudia. Lugares dos Mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações fúnebres
no Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação
Cultural, Divisão de Editoração, 1997. p.196.
79
Segundo Célia Borges, embora os debates sobre a transubstanciação já existissem no período medieval,
foi no Concílio de Trento que a Igreja passou a investir fortemente na difusão do culto à eucaristia. Para
realizar este intento, a Igreja incentivava a formação de associações de devoção ao Santíssimo
Sacramento nas paróquias. As irmandades do Santíssimo resultaram, segundo a autora, destes esforços
por parte da Igreja e aos poucos tornaram-se “braços direitos” da Igreja por promover o culto eucarístico.
BORGES, Célia A. R. Maia. “Em Honra ao Senhor: a devoção à hóstia consagrada pelos irmãos do
109
região80. Pertencer a uma irmandade era mais uma forma de contribuir para assegurar
uma “boa morte”. Nestes casos, A sustentação do culto eucarístico, promovido pela
irmandade possibilitou a sua ligação com os “grupos de elite”.81
principiou a decair daquele fervor e zelo com que se conduzia nas suas
obrigações. Porque, vendo-se isenta da inspeção dos párocos, tem, caído na
mais deplorável relaxação [sic] que apenas assiste com azeite para a lâmpada,
e cera para a banqueta do altar, sendo aí preciso que o pároco se não descuide
de solicitar esse pequeno serviço, para que não aconteçam as faltas, que
muitas vezes hão sucedido, assim que cessa o cuidado, e o requerimento do
mesmo pároco.82
Ainda, segundo o visitador, o abandono da irmandade era tão significativo, que
já não eram cobrados os seus anuais, tampouco cumpridas todas as suas obrigações,
além da existência de um grande número de irmãos devedores. Para o visitador, este era
o motivo para o não cumprimento da maior parte dos sufrágios, pela falta de dinheiro
para satisfazer aos encargos das missas necessárias e era uma falta grave, visto que, sem
eles, as almas do defunto correriam sérios riscos de padecimento. Por fim, Monsenhor
Pizarro criticou o estado das alfaias da dita irmandade, indicando que, após várias
advertências “infrutuosas”, foi preciso que o pároco custeasse por conta própria um jogo
de toalhas para que fosse possível continuar a celebrar as missas no altar maior.
Santíssimo Sacramento em Minas Colonial”. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História –
ANPUH. São Paulo, julho 2011.
80
Segundo Monsenhor Pizarro, além da irmandade do Santíssimo Sacramento, Santo Antônio de
Jacutinga contava com mais três irmandades no século XVIII, chamadas: irmandade das almas,
irmandade da Senhora do Socorro dos homens pardos e irmandade da Senhora do Rosário dos pretos.
81
OLIVEIRA, Anderson. “Devoção e hierarquias sociais: irmandades e elite macaense no oitocentos”.In:
AMANTINO, Márcia; RODRIGUES, Cláudia, et al (orgs.). Povoamento, catolicismo escravidão na
antiga Macaé (séculos XVII ao XIX). Rio de Janeiro. Apicuri, 2011.
82
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano
de 1794. Prefeitura de Nilópolis, 2000.
110
Agostinho Alves de Carvalho afirmou que os seus anuais seriam pagos para que
o seu enterro fosse garantido pela irmandade. Já Luis Manoel da Cunha, em seu longo
testamento anexado a dois codicilos, deixou claro o seguinte:
83
Livro de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1807). fl..113.
111
purgatório e mais uma capela da esmola declarada para os seus escravos vivos ou
mortos.
Como um padrão, não apenas nos testamentos selecionados, mas nos demais do
mesmo período, os pedidos de missas mostraram-se uma parte fundamental do processo
de cumprimento da “boa morte”. Segundo Cláudia Rodrigues
84
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005.p.48.
112
85
RODRIGUES, Cláudia. “O impacto das leis testamentárias sobre a economia da salvação no Rio de
Janeiro colonial”. In: Anais do XXVI simpósio nacional da ANPUH. São Paulo. ANPUH-SP. 2011. p.4
86
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. “Clérigos e leigos”. In: Dicionário Temático do Ocidente
Medieval. Bauru: São Paulo, EDUSC, 2006; RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A
secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional/RJ, 2005.
87
RODRIGUES, Cláudia. Nas Fronteiras do Além: A secularização da Morte no Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX). 1ª. ed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/RJ, 2005. p.72.
CONCLUSÃO
sagrados. Era o papel dos solicitantes garantir a sua participação nos rituais
desenvolvidos na paróquia durante as festividades solenes. Garantir não apenas a sua
presença, mas a dos demais membros sob sua responsabilidade, ou seja, os seus
dependentes.
Por fim, as capelas também eram espaços destinados à realização dos rituais
católicos, rituais estes que permitiam o reconhecimento da população como membros da
cristandade. O batismo, o matrimônio e o óbito representavam momentos-chave nas
vidas dos fiéis e se estabeleciam como requisitos de pertença à sociedade guanabarina.
Nas palavras de Fernando Londoño, “batismo, casamento e ofício de defuntos eram
momentos de solenizar, através dos rituais, o cotidiano, reafirmando ou estabelecendo
publicamente relações e alianças por meio do compadrio.”1 Os rituais promoviam a
criação de um parentesco espiritual entre os envolvidos e, também, um vínculo social.
1
LONDOÑO, Fernando Torres (Org.). Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997. p.70.
116
Estudar as capelas, portanto, não é apenas datar a sua edificação, mas analisar as
diversas relações sociais possibilitadas a partir disto, que não se esgotavam entre as
paredes dos templos, mas influenciavam o cotidiano colonial. Por meio deste trabalho
foi possível demonstrar que as capelas do Recôncavo da Guanabara no século XVIII
não apenas serviam como espaços para a realização dos rituais religiosos, mas também
inseriam a região no Império português, visto que a preocupação com as práticas
católicas foi simultânea à inserção do Recôncavo nas rotas comerciais. Tão importante
quanto o interesse de normatizar o Catolicismo no Recôncavo da Guanabara foi a
necessidade de adaptá-lo às necessidades da localidade, demonstrando que a região não
fugia ao modelo de sociedade cristã-escravista.
2
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas” (1923-24).
In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1974.
117
Documentos:
Digitais:
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,
architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8
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