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Resenha do texto: “Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no

direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não


surpresa e de aproveitamento da atividade processual”

Os autores iniciam o texto discutindo a necessidade de uma nova


concepção do princípio do contraditório, não como “mera garantia formal
de bilateralidade da audiência”, mas como verdadeira busca por uma
democratização do processo como um todo, em face da moderna concepção
de Estado Democrático de Direito. Devido à impossibilidade de existir um
processo democrático sem igualdade entre as partes envolvidas, onde o juiz
é protagonista e as partes estão hierarquicamente em posição inferior em
um processo democrático, torna-se necessário implementar uma concepção
constitucional do contraditório, para que possa haver igualdade entre as
partes e a decisão seja construída sobre este debate. Caso isso não ocorra às
partes seria relegado um papel quase fictício, uma vez que a decisão
caberia unicamente ao magistrado. O contraditório na visão constitucional
passaria, portanto por três direitos, o direito à informação sobre o
desenrolar do processo, o direito a se defender ativamente e o direito a
pretender que o juiz leve em conta as posições e provas alegadas pela parte,
direitos estes, sem os quais não é possível concretizar um perfil
constitucional do contraditório.
Para a melhor compreensão da importância desta concepção de
contraditório, o autor faz um apanhado da evolução desse princípio, que
tinha papel principal no início de sua aplicação, sendo considerado quase
uma “metodologia de pesquisa da verdade”. Entretanto, ele perde muito de
sua importância a partir do momento em que ganha força o “processo
assimétrico”, onde o juiz tem papel principal, pois o processo passa a ser
uma “instituição de bem-estar estatal” e o ativismo judicial ganha uma
importância quase nociva. Esta exacerbação foi até ao extremo de algumas
doutrinas autoritárias afirmarem que o contraditório não era necessário, já
que o juiz poderia obter uma decisão justa mesmo sem ouvir o debate entre
as visões de ambas as partes. Felizmente, o pós guerra favoreceu a
interpretação constitucional do processo e essas doutrinas autoritárias
perderam força. Percebeu-se, então, que um processo democrático, onde
ocorre um efetivo diálogo entre as partes, principalmente na fase
preliminar, favorece a “obtenção de resultados técnicos e
constitucionalmente adequados”, e ainda, que esta mudança não precisa, no
Brasil, ocorrer pela via legislativa, bastando aos aplicadores do direito
mudarem a forma com que eles tratam a audiência preliminar, pois ela não
deve servir apenas para “a tentativa de obtenção de acordo e da declaração
de processo”, mas também para a definição dos assuntos que permearão o
debate no âmbito endoprocessual caso o acordo não ocorra.
O contraditório, portanto, apresenta um dinamismo, dentro do novo
paradigma de processo, que não condiz com a proposição um tanto
ultrapassada e estática de que ele se resumiria apenas a um “direito de
bilateralidade nas audiências”. Esse dinamismo se traduz em uma
tripartição da função do princípio, temos o contraditório como
bilateralidade da audiência, como simétrica paridade de armas e como
garantia de influência. A primeira função já foi apresentada e diz respeito
aos direitos para a concretização do princípio já apresentados. A segunda
tem como principal propósito garantir que às partes serão dados os mesmos
meios processuais para se defenderem. A terceira visa garantir que o
contraditório não seja mera formalidade, e que ele garanta que as partes
realmente influenciarão a decisão do juiz. Deste modo, o juiz seria
obrigado o “prévio debate sobre das partes sobre quaisquer questões de fato
ou de direito determinantes para a resolução da demanda”. Esta visão das
funções do princípio do contraditório acarreta uma fundamental restrição
ao poder do juiz, a de não poder proferir decisões de surpresa, por exemplo,
fundamentar a sentença ex officio, ou seja, baseá-la em sua própria
experiência sem invocar nenhum argumento alegado pelas partes. As
decisões de surpresa são altamente indesejáveis, pois impedem a parte de
se defender e de apresentar o seu ponto de vista, visto que o fundamento
era desconhecido por ambas as partes. Ao proibi-las, por meio da garantia
de um princípio de contraditório interpretado pela via constitucional, força-
se o juiz a apresentar ao debate entre as partes todos os pontos relevantes
para a decisão do processo, o que acaba por efetivar o direito a informação
sobre o processo. Os autores ainda ressaltam a importância da rejeição Às
decisões de surpresa, mostrando exemplos da jurisprudência italiana e
portuguesa, além de citar a doutrina alemã e mostrar o nascimento deste
entendimento na jurisprudência brasileira, embora ainda vacilante por parte
do STF.
Apesar de muitos criticarem o princípio do contraditório como um
princípio que aumentaria a morosidade do processo, os autores demonstram
peremptoriamente que ele tem efeito inverso, pois quando bem executado,
causa uma diminuição na possibilidade de recursos pelas partes, uma vez
que a maior parte dos assuntos essenciais ao bom andamento já vão ter sido
discutidas e não haverá a possibilidade de dar ensejo a novos recursos.
Outro ponto favorável à celeridade se dá no fato de que um bom debate
sobre as nuances que permeiam o processo, ocasiona uma menor
possibilidade de anulação das decisões.
Os autores concluem o artigo ressaltando a importância do
contraditório para a efetivação da perspectiva constitucional do processo,
além de sua obrigatoriedade pela previsão constitucional. Ainda fazem a
ressalva de que o processo, amparado em seus princípios, como o
contraditório, deve ser um meio efetivo de democratizar não apenas o
processo, mas também o acesso a justiça por parte da população, não se
esquecendo, contudo, que esta mudança paradigmática não depende apenas
da mudança legislativa ou de entendimento por parte dos juristas, senão de
um discurso amplo e democrático que perpasse a busca por “uma política
pública de democratização amplamente debatida”.

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