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Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Edson Teófilo (org.)


Hans Binswanger Maitreesh Ghatak
Klaus Deininger Timothy Besley
Gershon Feder Robin Burgess
Pranab Bardhan Michael R. Carter
Samuel Bowles Frederic Zimmerman
Herbert Gintis Ramon López
Abhjit V. Banerjee Alberto Valdés
Paul J. Gentler Solon L. Barraclough

Estudos NEAD 5
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO

Raul Belens Jungmann Pinto


Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário

José Abrão
Secretário-Executivo

Francisco Orlando Costa Muniz


Secretário Nacional de Reforma Agrária

Gilson Alceu Bittencourt


Secretário de Agricultura Familiar

Sebastião Azevedo
Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

José Eli da Veiga


Secretário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

Juarez Rubens Brandão Lopes


Coordenador-Geral do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

Edson Teófilo
Coordenador-Executivo do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

Ficha Catalográfica
Ministério do Desenvolvimento Agrário
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais / Ministério
do Desenvolvimento Agrário. Edson Teófilo (org.) et alii.
Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural / Conselho
Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável / Ministério do
Desenvolvimento Agrário, 2001.

440p.

1. Questão Agrícola. 2. Desenvolvimento Agrícola. 3. Questão


Fundiária. 4. Desenvolvimento Econômico. I. Núcleo de Estudos Agrários
e Desenvolvimento Rural. II. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável. III. Ministério do Desenvolvimento Agrário. IV. Edson
Teófilo. V. Título
CDU 631
338.431
332.282
330.34
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Sumário
Apresentação
Raul Jungmann I

Notas Introdutórias
Edson Teófilo e Elvino Mendonça 7

1. PODER, DISTORÇÕES, REVOLTA E REFORMA NAS


RELAÇÕES DE TERRAS AGRÍCOLAS
Hans Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder ....................... 41

2. D ESIGUALDADE DE RENDA , R ESTRIÇÃO DE


RIQUEZA E DESEMPENHO ECONÔMICO
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis ........................ 161

3. TRANSFERÊNCIA DE PODERES E EFICIÊNCIA : UMA ANÁLISE ECONÔMICA DE UM


PROGRAMA DE REFORMA DO ARRENDAMENTO DE TERRA S NA ÍNDIA
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gentler e Maitreesh Ghatak ................ 233

4. R EFORMA AGRÁRIA , R EDUÇÃO DA POBREZA E CRESCIMENTO:


EVIDÊNCIAS NA ÍNDIA
Timothy Besley e Robin Burgess ................................................ 291

5. PODEM O TEMPO E OS MERCADOS RESOLVER A QUESTÃO AGRÁRIA ?


VISÕES MICROECONÔMICAS SOBRE A PERSISTÊNCIA E OS CUSTOS DA
DESIGUALDADE DE PROPRIEDADE DE TERRAS NA AMÉRICA LATINA
Michael R.Carter e Frederic Zimmerman ..................................... 325

6. O COMBATE À POBREZA NA AMÉRICA LATINA : NOVAS EVIDÊNCIAS DOS


EFEITOS DA EDUCAÇÃO, DEMOGRAFIA E A CESSO À TERRA
Ramon López e Alberto Valdés .................................................. 359

7. A REFORMA AGRÁRIA NOS PAÍSES EM DESENV OLVIMENTO:


O PAPEL DO ESTADO E DE OUTROS AGENTES
Solon L. Barraclough ............................................................... 377
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Esta publicação dá continuidade à apresentação dos documentos entregues pelos


respectivos autores para o debate realizado no Seminário Internacional sobre a
Distribuição de Riqueza, a Pobreza e o Crescimento Econômico.
Todos os textos originais, na língua pátria dos autores, encontram-se à disposição nos
arquivos do Nead. Os textos 2 e 4 foram traduzidos por Elvino de Carvalho Mendonça;
os demais, por Emmanuel C. Porto.
Capa:Jacyara Batista Santini e Ivônio Barros Nunes.
A divulgação e a reprodução dos artigos somente poderão ser feitos a partir da expressa
autorização do autor e dado conhecimento ao Nead.
Sugestões podem ser enviadas por meio do site do Nead: www.nead.gov.br

Edição
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Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Apresentação

A
s ciências sociais têm colocado a questão agrária como um elemento de
relativa centralidade em seu universo temático. O professor Manuel Cor
reia de Andrade nos lembra, por exemplo, que “o problema agrário foi
sempre um dos mais discutidos nos países subdesenvolvidos” (Agricultura &
Capitalismo, 1979, p. 31).
Isso é verdade, essa discussão existe, existiu e sempre foi muito acalorada.
Há um número relativamente grande de trabalhos que procuram entender a
dinâmica social e política da questão agrária, enquanto que, por outro lado,
vários são os estudos econômicos e agronômicos que têm se dedicado às
questões relacionadas à produção e ao comércio agropecuário e agroindustrial.
Mas não é só em número que esses estudos chamam a atenção, são obras
e autores que se destacam pela qualidade científica e em razão da influência
que tiveram na formação de mentalidades e também na orientação de ações
políticas. Somam-se ao clássico A questão agrária, do professor Caio Prado
Júnior, obras significativas, como O cativeiro da terra, de José de Souza Martins;
Quatro séculos de latifúndio, de Alberto Passos Guimarães; Coronelismo, enxada e
voto, do ministro Nunes Leal; A terra e o homem no Nordeste, de Manuel Correia de
Andrade; O que é questão agrária, de José Graziano da Silva; Gênese e desenvolvi-
mento do capitalismo no campo brasileiro, de Jacob Gorender; Reforma agrária, hoje,
de José Eli da Veiga.
Acadêmicos, pesquisadores e militantes como Maria Conceição D’Incao,
Zander Soares de Navarro, Luciana de Barros Jaccoud, Octavio Ianni, Ignacy

I
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Sachs, Ivan Otero Ribeiro, Pompeu Acyoli Borges, Cândido Grzybowski, Carlos
Marighella, Leonilde Medeiros, Nelson Ribeiro, Moacir Palmeira, Juarez Brandão
Lopes, Ester Boserup, Dirceu Pessoa, José Gomes da Silva e dezenas de outros,
contribuíram sobremaneira para manter o tema da reforma agrária como ele-
mento vivo da modernidade e chave para o desenvolvimento do país.
Mas “a terra que está em causa não é uma só, homogênea. Ao contrário, é
diversa e múltipla. São diferentes formas sociais da terra, da organização das
atividades produtivas, reveladas pelas pendências e conflitos. Há núcleos
indígenas, caboclos, sitiantes, posseiros e outros que podem estar voltados
principalmente para o autoconsumo, a subsistência de seus membros. Ou-
tros ainda combinam a produção para o comércio de subsistência. Assim
como há aqueles que se dedicam totalmente à produção de mercadorias. E
são muitos os casos de produção bastante tecnificada, com base em máqui-
nas e equipamentos, fertilizantes e defensivos.” (Ianni, O.; Origens Agrárias
do Estado Brasileiro, 1984, p.181).
Essa diversidade social, econômica, geográfica, política e ecológica dá ao
tema uma dimensão e uma faceta especiais, que as várias disciplinas acadêmi-
cas têm procurado dar conta. Observa-se, porém, que o tema prevalece nas
áreas da sociologia (política e rural), geografia (econômica e humana), ciência
política, agronomia, antropologia e direito. Na economia destacam-se estudos
relacionados à história econômica e, com pouca recorrência, pesquisas no
campo de negócios e relações entre o campo e a indústria, a maioria dos estu-
dos econômicos recentes são dedicados a temas relacionados à produção e o
comércio de produtos.
A construção de novos paradigmas que orientem a ação humana em dire-
ção ao desenvolvimento sustentável e à superação da pobreza exige que não se
fixem, nem se ampliem, lacunas científicas no estudo das várias formas apre-
sentadas pela base agrária e rural do desenvolvimento dos países, essa mesma
condicionante nos apresenta o imperativo e se criar pontes sólidas de comuni-
cação e interação entre essas várias disciplinas, como já nos tem ensinado o
professor Ignacy Sachs.
Nesse sentido, é fundamental que os pesquisadores, estudiosos e
formuladores de políticas públicas tenham na ciência econômica uma aliada no
estudo e exame aprofundado das questões relacionadas ao desenvolvimento
agrário. A aridez de algumas formulações teóricas, especialmente da econometria,
podem contribuir, apesar de tudo, para a comprovação das evidências empíricas
dos fenômenos sociais, sem que isso signifique a redução da importância das
demais disciplinas.
Certamente este livro será uma importante contribuição para superar o hia-
to de poucos estudos econômicos que relacionam modelos de distribuição de

II
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

ativos, como a terra, e perspectivas de desenvolvimento. Foram reunidos neste


livro estudos e pesquisas que estão sendo debatidos nos principais centros de
pesquisa e nos mais importantes fóruns de debates acadêmicos do mundo. Os
textos desta coletânea foram primeiramente discutidos em um Seminário Inter-
nacional promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
e o Banco Mundial em 1998. São estudos que não se perderam no tempo, ao
contrário, mantêm atualidade e nos provocam a avançar também em nossas
pesquisas nacionais.
Ao mesmo tempo em que será uma ferramenta muito útil para os estudi-
osos da economia agrária, especialmente para os cursos universitários e
programas de pós-graduação, recomendamos que seus textos sejam tam-
bém lidos e estudados por todos aqueles que estão assumindo responsabi-
lidades políticas e sociais na área do desenvolvimento agrário brasileiro.
Para alguns, será uma tarefa exaustiva percorrer os estudos de forte funda-
mentação econométrica, mas, mesmo assim, é fundamental que seja cum-
prida essa tarefa, para que se possa, inclusive, compreender, à luz de expe-
riências internacionais, a dimensão de nossa missão. O estudo sério, siste-
mático e comprometido com a verdade, é exigência ética do formulador de
políticas públicas, quer esteja ele momentaneamente no governo, quer es-
teja temporariamente na oposição.
A publicação deste livro nos traz a sensação de dever que está sendo cum-
prido. Ampliar o debate, dar-lhe fundamentação, consolidar relações com os
centros de pesquisa e, finalmente, construir a ponte entre esses estudos com
programas de avaliação de políticas públicas, é missão que o Ministério do
Desenvolvimento Agrário tem se esforçado para cumprir.
A idealização por nós do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Rural - NEAD, em 1997 e o seu acervo de realizações até aqui, materializam
aquilo que era, no início de nossa gestão, um desejo de preencher uma lacuna
encontrada na nossa área, quando procuramos nos informar do “estado da
arte” do conhecimento da denominada “questão agrária” no Brasil.
A preparação e a organização desse livro são frutos do esforço do
NEAD, inclusive com a Introdução comentando cada texto, elaborada
com o intuito de facilitar a vida do leitor.Vale a pena percorrer as próxi-
mas páginas, especialmente, para aqueles que, como nós, estão com-
prometidos com a superação das desigualdades, a eliminação da miséria
e a construção de novos caminhos de desenvolvimento sustentável e
promoção da cidadania.

Raul Jungmann
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário

III
A Economia da
Reforma Agrária:
evidências internacionais
Notas Introdutórias

Edson Teófilo
Coordenador-Executivo do NEAD
Organizador do Seminário

Elvino de Carvalho Mendonça


Doutorando em Economia pela UnB

1. Introdução

U
ma das características mais importantes que diferenciam os países
considerados desenvolvidos, daqueles que não alcançaram índices de
desenvolvimento econômico e humano compatíveis com suas
potencialidades, foi a de enfrentar as questões estruturais que inibiam ou
retardavam o próprio crescimento econômico. Uma das questões cruciais que
moldaram o desenvolvimento das nações mais ricas foi o enfrentamento da
questão agrária, no sentido de promover a justa distribuição da terra e fomentar
políticas de apoio a formas de agricultura de base familiar.
O caso do Brasil é um exemplo desse fenômeno de não enfrentamento
dessas questões. O Brasil optou por caminhos tortuosos que o levaram a uma
situação de inaceitável desigualdade social, que constitui, até os dias atuais, um
dos fatores inibidores de um processo longo de crescimento econômico. Por
isso, esse processo tem sido caracterizado como crescimento conservador. A
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

questão agrária é um dos exemplos mais emblemáticos da natureza conservadora


do processo de desenvolvimento brasileiro. Ao longo do tempo a questão
agrária tem sido apresentada em diversas formas e em intensidade variada;
mesmo que seu significado nem sempre seja claro, ninguém ousa declará-la
totalmente superada.
O debate dos anos 1960 conferia um tratamento dicotômico à “questão
agrária”. De um lado os setores identificados como a esquerda, conferiam-lhe
um caráter decisivo para o desenvolvimento da agricultura e da indústria. No
outro extremo, os setores liberais ou conservadores sustentavam que não havia
necessidade de transformações na estrutura de propriedade da terra no Brasil e
que a mesma se democratizaria após atingir um determinado nível de crescimento
econômico, seguindo a teoria do economista Simon Kuznetz, conforme havia
observado na história das economias dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha,
num período de 50 anos.
Essas visões caracterizavam não-somente percepções teóricas
distintas acerca do desenvolvimento, mas, sobretudo, uma profunda
divergência acerca de como conduzir o desenvolvimento do país, marcado
por desigualdades sociais onde a concentração da propriedade da terra
constituía a matriz fundante do sistema. A vitória da posição considerada
liberal levou ao que se denomina a “modernização conservadora do campo
brasileiro” fonte de agravamento das desigualdades sociais e da manutenção
de elevados níveis de pobreza rural e urbana.
Somente há pouco tempo, importante pesquisa realizada pelo Banco
Mundial foi capaz de refutar a hipótese de Kunetz, por meio de um estudo de
cerca de 98 países. Ficou demonstrada que não há evidência teórica de que uma
concentração de renda ou ativos será seguida de uma desconcentração “natural”,
como afirmou Kuznetz. O que a referida pesquisa revelou foi a importância da
desconcentração de ativos já na partida como fator que pode sustentar o ciclo
longo de crescimento econômico, sendo a terra um dos principais ativos
definidores dessa potencialidade.1
O próprio ex-economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, sustenta
que, teoricamente, não é admissível sustentar taxas elevadas de crescimento
econômico sem, ao mesmo tempo, promover processos de redistribuição de
ativos, destacando a terra como um dos principais ativos nos casos de economias
em desenvolvimento. Por outro lado, confirmando as indicações teóricas de
Stiglitz, a profª Nancy Birdsall enumera as evidências empíricas sobre a relação
entre educação e desenvolvimento, chegando a colocar a formação de capital

1
Conforme Deininger e Squire, New Ways of Looking at Old Issues: Asset Inequality and Growth, World Bank papers, may25,
1998.

8 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

humano e o amplo acesso à educação no mesmo plano estratégico da


redistribuição de terras em países subdesenvolvidos.2
Stiglitz sustenta que, do ponto de vista teórico, formas de uso temporário
da terra, como parceria e arrendamento não são superiores àquelas onde os que
as exploram são seus proprietários. Sua argumentação é consistente com as
evidências empíricas levantadas e com as experiências históricas do mundo
capitalista desenvolvido, que promoveu o desenvolvimento rural fundado na
agricultura de base familiar. 3
Mais recentemente, o mesmo Joseph Stigliz, em encontro na UNCTAD –
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (outubro
de 1998) propõe novos paradigmas para o desenvolvimento econômico. Nesse
evento, enumera as críticas que tem dirigido ao denominado ”Consenso de
Washington” e sugere: “O desenvolvimento representa uma transformação da
sociedade, uma mudança das relações tradicionais, das maneiras tradicionais
de pensar, das maneiras tradicionais de lidar com a saúde e a educação, dos
métodos tradicionais de produção, em favor de meios mais “modernos”. Por
exemplo, uma das características das sociedades tradicionais é a aceitação do
mundo como ele é. A perspectiva moderna reconhece a mudança. Ela reconhece
que nós, como indivíduos e como sociedade, podemos contribuir para, por
exemplo, reduzir a mortalidade infantil, aumentar a expectativa de vida e aumentar
a produtividade. Um elemento-chave dessas mudanças é o movimento em direção
ao pensamento “científico”, que identifica as variáveis-chave que afetam os
resultados, buscando fazer conjeturas baseadas em dados disponíveis,
identificando aquilo que conhecemos e aquilo que não”.
“Em todas as sociedades existem misturas. Até mesmo nas sociedades
mais “avançadas” existem setores e regiões que permanecem atrelados aos
modos tradicionais de operação e pessoas presas às maneiras tradicionais de
raciocínio. Todavia, ao passo que nas sociedades mais avançadas essas
concepções tradicionais perfazem uma proporção relativamente pequena, nas
sociedades menos avançadas elas predominam. Na verdade, uma das
características dos países menos desenvolvidos, é o fracasso dos setores mais
avançados de penetrar profundamente na sociedade, o que resulta no que muitos
chamam de economias duais, nas quais os métodos mais avançados de produção
tendem a coexistir com tecnologias muito primitivas.”
A fundamentação teórica e as evidências empíricas aqui reunidas permitirão
aos leitores uma visão mais ampla da questão e que complementa o volume
Estudos NEAD 2, que tratou da relação entre Distribuição de Riqueza e
Crescimento Econômico. Ao denominar esta publicação de A Economia da

2
Conforme Birdsall, Nancy, Education: The People‘s Asset, apresentado no Seminário Internacional sobre Distribuição de
Ativos, Pobreza e Crescimento Econômico, Brasília, julho de 1998.
3
Stiglitz, Joseph, Distribution, Efficiency and Voice: Designing the Second Generation of Reforms , Seminário Internacional
sobre Distribuição da Riqueza, Pobreza e Crescimento Econômico, Brasília, julho de 1998.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 9
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

Reforma Agrária se pretende chamar a atenção para o tratamento que a pesquisa


econômica mais recente confere ao tema. Os artigos e respectivos autores são
os mais relevantes e eminentes dentre aqueles pesquisadores que se dedicam
ao tema em todo o mundo e pela primeira vez traduzidos para o português.

2. Resumo dos Artigos

2.1 Poder, Distorções, Revolta e Reforma nas Relações de


Terras Agrícolas

Binswanger et alii (1998) discutem primeiramente a evolução histórica


dos direitos de propriedade, partindo da sua origem e passando pelas
diversas formas de organização das grandes propriedades até chegar aos
êxitos e fracassos das reformas.
Segundo os autores, os direitos de propriedade surgiram como resultado
do aumento da densidade populacional na terra. Até o surgimento da propriedade
privada, os sistemas de domínio dessas eram caracterizados por famílias que
detinham os direitos de cultivo numa determinada área e aquelas que eram
excluídas desse benefício. Esses direitos eram divididos em geral e específico. O
direito geral de cultivo garantia aos membros da tribo terras para a lavoura,
enquanto que o direito específico dizia respeito ao cultivo de uma determinada
fração de terra, garantindo direitos sobre esta até o período da colheita.
A abundância de terras conjuntamente com a baixa densidade
populacional não oferecia nenhum incentivo aos membros de uma tribo
para continuarem cultivando a mesma área. Para esses membros era mais
interessante migrarem para outras áreas e ali desenvolverem as suas
atividades. No entanto, essa realidade se alterou à medida que a população
cresceu não obstante a quantidade de terras permanecesse inalterada. Esse
aumento da densidade populacional levou à escassez de terras produtivas
e, nesse sentido, fez com que as famílias fossem incentivadas a se fixarem
nas glebas que já vinham cultivando.
O processo de fixação das famílias em uma determinada gleba em
associação com a venda de terras a indivíduos externos à comunidade provocou
a extinção dos direitos gerais de cultivo, fazendo surgir os direitos de propriedade.
O surgimento de tais direitos deu origem ao processo de concentração de terras
que aconteceu principalmente porque os grandes proprietários necessitavam
de mão-de-obra para cultivar as suas propriedades, o que os fez utilizar vários
expedientes, entre eles, a adoção de sistemas de arrendamento compartilhado.
Segundo Binswanger et alii (1998), existiam duas formas de se executar o
sistema de arrendamento compartilhado: um era por meio da propriedade do senhorio

10 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

e outro por meio das estâncias. No primeiro caso, a propriedade era cultivada
pelos arrendatários, enquanto que no caso das estâncias os colonos cultivavam
parte da fazenda para a sua própria subsistência, dedicando alguns dias de
trabalho gratuito à terra do latifundiário.
No entanto, quando os pequenos proprietários tinham acesso livre às
terras, os mesmos geralmente tinham mais incentivo em trabalhar por conta
própria que como assalariados. A única forma que restava para os senhorios se
apropriarem do trabalho dos camponeses ocorria por intermédio da criação de
distorções econômicas que tinham como objetivo, além gerar mão-de-obra para
os latifúndios, reduzir a competição da produção dos agricultores autônomos.
Quatro foram os mecanismos empregados: redução da terra disponível para
cultivo pelos camponeses; a imposição de tributação diferenciada; a restrição
de acesso ao mercado; e o confinamento dos bens e serviços agrícolas às
fazendas das classes dominantes.
Uma vez determinado o processo histórico da concentração da terra,
Binswanger et alii (1998) abordam o modo como algumas reformas agrárias foram
conduzidas no mundo. Segundo os autores, várias foram as tentativas, as
dificuldades e os fracassos. As reformas agrárias geralmente vieram
acompanhadas de uma série de eventos, entre eles, revoltas, como no caso da
Bolívia, revoluções, como em Cuba, e conquistas. Segundo Binswanger et alii
(1998), as reformas agrárias tiveram características bem distintas quando
realizadas em economias de mercado ou em economias socialistas.
As reformas agrárias na economia de mercado aconteceram com a
transferência de terras das propriedades do senhorio para as fazendas familiares
e com a transformação das estâncias em grandes fazendas comerciais. No
primeiro caso, a organização da produção permaneceu inalterada, tendo como
única diferença a transferência dos direitos de propriedades do latifúndio para
os colonos que já a cultivavam, ao passo que no segundo caso o desmembramento
deu origem à produção em grande escala, sendo administradas por trabalhadores
permanentes que recebiam uma casa e um quintal, bem como por trabalhadores
externos, contratados em base diária ou sazonal.
Em algumas economias de mercado, as estâncias foram convertidas
em sistemas comunais de fazendas familiares. Nesse caso, os beneficiários
ganhavam direito ao usufruto hereditário, muito embora as limitações sobre
a venda ou aluguel de terras com freqüência impedissem o uso da mesma
como colateral para o crédito. O exemplo mais característico desse caso foi
o sistema ejido no México.
Nas reformas ocorridas nas economias socialistas, as grandes
propriedades de terra foram convertidas em fazendas familiares, como foi
o caso da União Soviética e da China, a exemplo das economias de mercado.
Entretanto, as terras produtivas redistribuídas anos após a revolução se
consolidaram em unidades com gerência centralizada, nas quais a terra

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 11
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

era possuída e gerida sob administração única. Estas eram chamadas de


fazendas coletivas.
Na segunda parte do artigo, Binswanger et alii (1998) apresentam as
controvérsias analíticas. Nessa seção, os autores postulam como questões
fundamentais para a reforma agrária, duas perguntas fundamentais: seriam as
grandes fazendas mecanizadas economicamente mais eficientes que as
pequenas propriedades administradas por famílias? Se as grandes propriedades
são, em geral, ineficientes por que, então, os latifundiários não alugam as suas
terras para os agricultores familiares?
Segundo Binswanger et alii (1998), a resposta a primeira pergunta, a qual
relaciona tamanho da propriedade com a produtividade, está na busca das
economias de escala. Nesse caso, as economias de escala podem acontecer nas
usinas de processamento, de onde surgem as plantações assalariadas; nos
insumos básicos, que não podem ser usados abaixo de um determinado nível e
nas vantagens do mercado de crédito e da diversificação do risco, que
acompanham as grandes propriedades.
A resposta à segunda pergunta, por outro lado, está associada com o
mercado de aluguéis. O aluguel da fazenda ou de parte dela é uma fonte geradora
de economias de escala, entretanto, o mesmo pode causar sérios problemas ao
latifundiário. Binswanger et alii (1998) mostram que para dada tecnologia, preços,
qualidade de terra e habilidades agrícolas existe sempre um tamanho ótimo de
propriedade operacional. Nesse sentido, a existência de diferenças nas habilidades
agrícolas e na qualidade da terra implica em uma distribuição ótima dos tamanhos
operacionais. Sendo assim, se existirem restrições legais ao arrendamento de tal
forma que os grandes proprietários fiquem impossibilitados de arrendar ou que
torne o arrendamento pouco lucrativo, o resultado pode ser uma distribuição
subótima das propriedades operacionais.
No que diz respeito ao mercado de vendas de terras, os autores mostram que
questões como o risco covariante, os mercados intertemporais imperfeitos e as
distorções de políticas têm um efeito perverso sobre o funcionamento desse
mercado, contribuindo em grande parte das vezes para a não obtenção da solução
de ótimo social, ou seja, alocar terras para os camponeses mais produtivos.
De acordo com os autores, a posse da terra é um excelente colateral para
o mercado de crédito quando existem mercados intertemporais imperfeitos.
Esse fato acontece porque a imobilidade da terra é uma boa garantia para regiões
onde os riscos de produção não podem ser segurados. Esse alto valor de garantia
da terra em consonância com a escassez de poupança domiciliar faz do mercado
de vendas um instrumento limitado, impossibilitando que grande parte dos
trabalhadores sem-terra tenha acesso as terras.
Um outro aspecto importante ao se analisar o mercado de venda de terras
é a covariância entre as safras. Quando todas as fazendas produzem safras
boas, todos o fazendeiros ficam capitalizados e em razão disso, a procura por

12 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

terras aumenta, fazendo com que o número de vendedores seja menor do que o
número de compradores. De forma inversa, se as safras são ruins acontece o
oposto. Em ambos os casos, o mercado de venda de terras não se equilibra.
Nesse sentido, o risco moral, a covariância de rendas originadas das safras
e o valor de garantia da terra implicam na ausência de mercado de seguros e de
crédito perfeitos. Nesses ambientes, os mercados de venda de terras estão
aptos a se transformarem em meios para que os grandes proprietários acumulem
ainda mais terras.
Segundo Binswanger et alii (1998), os fracassos dos mercados de venda de
terras também podem ser intensificados com as distorções de políticas, de tal
forma que esses mercados não sejam capazes de distribuir a terra de maneira
ótima. As distorções podem acontecer por meio do resultado do aumento da
população e da crescente demanda urbana por terras, como também pela
instabilidade macroeconômica. Aspectos como subsídios ao crédito e isenção
de imposto de renda da receita agrícola também podem ser encarados como
fatores de distorção de política. Em todos esses casos, o resultado é a valorização
excessiva da terra, o que faz como que o mercado de venda seja incapaz de as
distribuir de forma ótima.
Na terceira e última parte, Binswanger et alii (1998) apresentam os
instrumentos necessários para uma política fundiária. Segundo os autores, vários
são os arranjos institucionais presentes nos mercados de terras. Pelo lado das
partes contratantes, as tentativas feitas são no sentido de superar os problemas
de informação assimétrica, risco moral e covariância de risco, enquanto que os
arranjos institucionais adotados pelo governo e pela comunidade são elaborados
com o intuito de produzir resultados que guardem mais coerência com os
objetivos de eqüidade que a eficiência.
Segundo Binswanger et alii (1998), existem seis instrumentos de política
fundiária: a titulação e o registro de terras; imposto territorial; regulações limitativas
das vendas de terras; a limitação da fragmentação das propriedades; restrições
aos aluguéis de terras e reforma agrária redistributiva.
A titularidade e o registro das terras é fundamental para o desenvolvimento
agrícola, uma vez que possibilita a redução das assimetrias de informação que
podem levar ao problema de “risco moral”4. A utilização da terra como garantia
na obtenção de financiamentos no mercado de crédito tem que estar associada
com os direitos de posse do tomador, em caso contrário, os empréstimos tornam-
se limitados, resultando em mercados de crédito menos eficientes.
No entanto, a participação do governo no processo de registro e
titulação tem, em geral, efeitos neutros sobre a eqüidade. Esse fato acontece
porque os indivíduos mais bem relacionados e com maior poder aquisitivo
podem lançar mão de suas vantagens de informação para reivindicar terras
sobre as quais outros indivíduos menos informados detenham direitos

4
Moral hazard

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 13
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

consuetudinários, colocando os pequenos agricultores em desvantagem


em relação aos grandes proprietários de terra. Para evitar esse tipo de
problema, os programas de titulação devem vir acompanhados de uma vasta
campanha de propaganda de tal forma a oferecer a todos os indivíduos o
conhecimento amplo das regras e dos procedimentos.
De acordo com Binswanger et alii (1998), uma outra questão fundamental
da política fundiária é a de restabelecer os impostos sobre as terras e usá-los
para financiar investimentos e serviços nas jurisdições locais. Muito embora
existam vantagens no uso desse imposto, os autores salientam que a presença
de elevados riscos e de mercados de seguros e de crédito imperfeitos podem
fazer com que a introdução de um imposto sobre a terra resulte no aumento da
concentração dessas.
A administração efetiva e equânime de um imposto territorial requer a
existência de um registro oficial do tamanho, do valor, da situação de posse de
cada parcela da terra, da sua capacidade produtiva e das informações relativas
aos custos da produção e dos insumos. A administração de um imposto territorial
também exige uma lei sobre propriedade que atribua direitos e obrigações
tributárias, bem como uma organização administrativa que mantenha os registros
atualizados e avalie a coleta e faça cumprir o imposto.
Um outro instrumento de política fundiária geralmente adotada pelo
governo é a imposição de restrições no mercado de venda de terras. Essas
restrições são formuladas para impedir um aumento do número de trabalhadores
sem-terra e o surgimento de tensões sociais que sempre acompanham a miséria.
Entretanto, essas restrições também podem impedir as transferências de terras
de maus para bons fazendeiros, resultando em perda de eficiência.
Segundo Binswanger et alii (1998), existem duas maneiras de se restringir as
vendas das terras: pela imposição de pisos e tetos sobre o tamanho dos lotes e por
meio das leis de zoneamento. A limitação da propriedade entre o tamanho mínimo
e o máximo tem como principal objetivo evitar o aumento da concentração de
terras, como no caso da fixação do teto, e impedir a fragmentação excessiva de
fazendas, como no caso do piso. Os tetos podem, em tese, aumentar a eficiência
nos lugares onde exista uma relação negativa entre o tamanho e a produtividade.
Por outro lado, os governos podem adotar as regulações de zoneamento,
isto é, designar usos específicos para determinadas terras com o intuito de
superar externalidades ambientais, ao invés de permitir que as forças de mercado
determinem o uso do solo. Em geral, o zoneamento se justifica quando as
externalidades negativas precisam ser reduzidas em mais do que o custo de se
fazer cumprir o zoneamento.
O quarto instrumento utilizado pelo governo para a política fundiária é
a limitação da fragmentação das propriedades. No entanto, muito embora
os governos intervenham para impedir a fragmentação de terras agrícolas,
tais intervenções nem sempre são economicamente justificáveis. As práticas

14 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

de fragmentação geralmente são coordenadas por práticas de heranças ou


outras forças exógenas.
Embora a fragmentação seja muitas vezes resultado das práticas
anteriores, elas também podem ser tomadas por fazendeiros com o objetivo
de diversificar riscos, principalmente em lugares onde os mercados de
crédito são pouco desenvolvidos.
Binswanger et alii (1998) salientam que as desvantagens associadas com a
fragmentação são de duas naturezas: problemas físicos e dificuldades
operacionais. Pelo lado do problema físico, os autores observam que a
fragmentação leva a necessidade de gastos com cercas, perda de terra, custos
de transporte e limitações ao acesso, enquanto que pelo lado das dificuldades
operacionais, a fragmentação pode levar à inadequação de determinados
equipamentos, ao desperdício de investimentos anteriores, entre outras coisas.
A restrição aos aluguéis de terra é outro instrumento de política fundiária do
governo que pode surgir na forma de leis que garantam a segurança do inquilino,
façam o controle de locações, proíbam o arrendamento compartilhado e reduzam
o teto de participação do proprietário. O objetivo com essas restrições é evitar que
o colono esteja sujeito a um mecanismo imposto pelo proprietário que resulte
num ganho próximo ao da renda de reserva. No entanto, a imposição dessas leis
pode comprometer a eficiência e a eqüidade principalmente naqueles casos em
que os mercados de crédito e de seguro são imperfeitos. A prática dessas restrições
também pode levar ao surgimento de transações disfarçadas ou contratos de
trabalho menos eficientes, que não melhoram nem a eficiência nem a eqüidade.
O sexto instrumento de política fundiária utilizado pelo governo é a
reforma agrária redistributiva. Segundo Binswanger et alii (1998), esse
instrumento surge em ambientes onde existem tensões sociais resultantes
da forte concentração de terra. O objetivo da reforma agrária redistributiva é
promover a distribuição de terras de grandes proprietários, geralmente pouco
produtivos, para pequenos produtores.
Segundo os autores, o programa de reforma agrária que é baseado no valor
de mercado da terra está fadado ao fracasso. Esse fato acontece porque o valor
dado pelos grandes proprietários a terra é geralmente maior que a soma
descontada da renda agrícola que os pequenos produtores podem esperar receber.
Nesse sentido, logo que a transferência de terras é realizada os beneficiários
tornam-se inadimplentes, levando ao fracasso do programa.

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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

2.2 Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e


Desempenho Econômico

Bardhan et alii (1999) apresentam cinco modelos abordando o fato de


que em mercados incompletos, ou seja, naqueles mercados onde as ações
são não-observáveis e, portanto, não podem ser reguladas, como é o caso
do mercado de trabalho e de crédito, a distribuição de ativos passa a ser
fundamental para a eficiência alocativa.
No primeiro modelo, Bardhan et alii (1999) mostram que o fato de os pobres
serem restritos por riqueza os seus projetos podem não ser bem sucedidos
mesmo quando projetos socialmente menos produtivos de produtores ricos
são financiados. Nesse caso, os autores trabalham com um modelo onde existe
um conjunto de produtores, sendo que cada um deles tem acesso a um projeto
de investimento e o retorno depende do nível de risco que ele assume. Nesse
modelo, todos os produtores são neutros ao risco, os projetos não podem ser
trocados entre os agentes, cada produtor tem que financiar o seu projeto com
recursos fora da sua própria riqueza e os mercados de crédito são competitivos
de tal forma que em equilíbrio, os concessores de empréstimos recebam um
retorno esperado igual ao risco livre da taxa de juros.
Bardhan et alii (1999) mostram que nesse modelo três condições se
verificam: o nível de risco assumido pelo produtor é de informação privada
e, portanto, não pode ser contratado pelo concessor de empréstimos;
qualquer contrato de empréstimos tem uma provisão limitada de encargos
de tal forma que esse compromisso pode não ser obrigatório e o projeto
tem um tamanho mínimo.
Com essas hipóteses postuladas, Bardhan et alii (1999) mostraram
seis resultados:
Resultado 1 – projetos socialmente produtivos de produtores de baixa renda
podem não ser financiados e, portanto, podem não ser implementados;
Resultado 2 – projetos menos produtivos de agentes ricos podem ser financiados
em circunstâncias que os projetos socialmente mais produtivos de agentes
pobres não sejam financiados;
Resultado 3 – os agentes ricos financiarão projetos maiores do que os
agentes pobres;
Resultado 4 – a redistribuição de renda de concessores de empréstimos para
produtores restritos por crédito é indutor de eficiência; reciprocamente, alguns
produtores são restritos por tamanho enquanto que outros são irrestritos. Nesse
sentido, a transferência de um produtor restrito por tamanho para um produtor
rico irrestrito pode ser indutor de eficiência;

16 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

Resultado 5 – se os produtores têm projetos de qualidade distinta, pode existir


uma transferência de ativos indutora de eficiência de um projeto de um produtor
rico com baixa qualidade mais lucrativo para um produtor restrito por crédito
com um projeto de alta qualidade; e
Resultado 6 – se existirem retornos decrescentes de escala, e se existirem
produtores os quais são restritos por crédito e outros os quais são
suficientemente ricos, existirão redistribuições indutoras de produtividade dos
agentes ricos para os agentes não-ricos.
No segundo modelo, Bardhan et alii (1999) concentram-se na análise de
como a distribuição inicial de riqueza afeta a eficiência estática do mercado de
arrendamento. Um resultado importante encontrado pelos autores é que se os
arrendatários são neutros ao risco e não são restritos por riqueza, ou se o
produto não depende tanto do esforço do arrendatário, o proprietário de terra
será capaz de desenhar um contrato assegurando o nível de esforço eficiente de
Pareto, mesmo no caso onde o esforço do arrendatário não é verificável.
No entanto, nos casos em que o arrendatário é restrito por riqueza ou o
produto esperado depende de seu esforço, os contratos ineficientes serão
obtidos com o grau de ineficiência alocativa variando inversamente com a riqueza
do arrendatário. Nesse sentido, uma transferência de renda para os arrendatários
pobres pode ser indutora de produtividade, ainda que o montante transferido
seja insuficiente para permitir ao inquilino se tornar o proprietário.
Para mostrar esse resultado, Bardhan et alii (1999), utilizando um modelo
de principal agente, partem de uma situação onde ambos, principal e agente, são
neutros ao risco. O primeiro passo dos autores é mostrar que quando o esforço
é observável, o salário ótimo que o proprietário pagará ao arrendatário será a sua
renda de reserva quando o esforço máximo é aplicado e zero em caso contrário.
Todavia, se o esforço não for verificável os autores mostram que o
proprietário terá que dar incentivos suficientes para o arrendatário de tal forma
que esse revele o seu tipo. Nesse sentido, na escolha do contrato o senhorio
deve observar três restrições: a restrição de compatibilidade de incentivos, que
garante ao arrendatário a máxima utilidade desde que ele imprima o esforço
ótimo; a restrição de participação, que é aquela que garante ao arrendatário pelo
menos a utilidade de reserva e a restrição de encargos limitados. Sendo assim, o
senhorio tem que variar a quantidade de renda que ele oferecerá ao arrendatário
em ambos os estados da natureza, bom e ruim.
O resultado fundamental com esse modelo é de que a riqueza do
arrendatário abranda as ineficiências alocativas resultantes do fato do contrato
ser incompleto. Esse resultado sugere que os limites de riqueza sejam mais
precisos nos casos onde o efeito do insumo não-contratável é particularmente
importante na indução de um bom resultado. Nesse sentido, os limites de renda
variam com a importância do esforço na determinação do produto e uma

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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

redistribuição de riqueza de um proprietário de terra para um arrendatário com


uma determinada riqueza induz a eficiência alocativa.
No terceiro modelo, Bardhan et alii (1999) analisam as conseqüências das
políticas redistributivas para a tomada de risco e para a exposição ao risco dos
agentes pobres avessos ao risco. Para tanto, os autores consideram um modelo
de principal agente onde o principal, que é neutro ao risco, é o empregador e o
agente é o empregado que é avesso ao risco.
Nesse modelo, o empregado pode tanto trabalhar para o empregador
quanto desenvolver um projeto individual, bastando para isso comparar os
custos e benefícios de ser assalariado e de ser produtor independente. O
resultado fundamental desse ponto é que agindo como produtor
independente, o agente (empregado) escolhe um nível de risco inferior àquele
escolhido pelo principal (empregador).
Quando acontece uma transferência direta de riqueza do empregador para
o empregado, sendo necessário alugar esses ativos, dois casos podem ocorrer:
no primeiro, se o retorno de vender o ativo for igual ao custo de alugá-lo, a
situação anterior fica inalterada, no entanto, se a aversão ao risco do produtor
independente for decrescente com a riqueza e o empregado preferir trabalhar
para o empregador antes da transferência, o agente terá preferência em operar
como produtor independente. Segundo os autores, esse caso mostra que as
redistribuições indutoras de produtividade existem e podem ser sustentadas
em equilíbrios competitivos.
Quando, no entanto, as transferências diretas não são possíveis ou
são inviáveis, a adoção de políticas econômicas que reduzam a incerteza
encarada pelos produtores, e que não sejam correlacionadas com os ativos
produtivos em si, como é o caso da estabilização de preços, podem aumentar
o ambiente de aplicação das redistribuições igualitárias indutoras de
produtividade e induzir os produtores desprovidos de riqueza a assumirem
maiores níveis de risco na produção.
A conclusão geral dessa seção a que chegam os autores é a de que se a
redistribuição de ativos dos ricos para os pobres acontecer, os agentes
desprovidos de riqueza assumem maiores níveis de risco e, portanto, desenvolvem
projetos mais produtivos e de maior alcance.
No quarto modelo, Bardhan et alii (1999) buscam mostrar que a reivindicação
residual por membros de uma equipe fornece incentivos suficientes para o
monitoramento mútuo e, assim, sustenta altos níveis de desempenho da equipe.
Para verificar esse fato, os autores impõem a hipótese de que embora os membros
da equipe possam observar as atividades de produtividade uns dos outros, eles
não têm acesso legal a outras informações e, portanto, não podem desenhar
contratos obrigatórios sobre eles.
Os autores também assumem que a depreciação do capital está associada
com a forma como os membros da equipe utilizam o capital, que são ações não-

18 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

contratáveis. Nesse sentido, transferir reivindicação residual, mas não direitos


de posse, cria incentivos para a equipe depreciar esses ativos, não obstante o
custo disso possa ser muito mais do que compensado pelos ganhos do
monitoramento mútuo.
Bardhan et alii (1999) consideram um modelo onde existe uma
probabilidade de "vadiagem" associada com cada membro da equipe. No
entanto, existe também uma probabilidade de que um outro membro
qualquer consiga detectar essa "vadiagem", resultando em ganhos para esse
monitor. Esse mecanismo de monitoramento mútuo leva a dois resultados
fundamentais como conseqüência do aumento da reivindicação residual
independentemente do tamanho da equipe: a incidência de "vadiagem"
declina e o bem-estar social por membro da equipe aumenta.
A intuição por trás do primeiro resultado é a de que monitores que
inspecionam com alta probabilidade receberão pagamentos maiores que os
monitores que inspecionam com baixa probabilidade, induzindo os últimos a
aumentar sua probabilidade de inspeção. Como a probabilidade de inspeção
aumenta, os ganhos de se esquivar ao trabalho declinam, levando a uma redução
na probabilidade de "vadiagem". A intuição por trás do segundo resultado é a de
que na ausência de "vadiagem", o excedente líquido por membro da equipe é
maior do que o excedente líquido no caso da existência dessa.
O quarto modelo apresentado por Bardhan et alii (1999) vai de encontro ao
apresentado anteriormente. No modelo anterior, os autores mostraram que o
monitoramento mútuo é uma boa estrutura de incentivos para evitar o “efeito
carona”. Nesse modelo, no entanto, os autores mostram que a desigualdade de
ativos pode fazer com que a provisão do bem público aconteça, pois, quanto
maior o interesse de um membro na provisão desse bem, maior a probabilidade
dela se efetivar. Os pequenos jogadores, nesse caso, pegam carona na
contribuição dos maiores.
Nos modelos anteriores, os autores analisaram a estrutura de incentivos e
restrições que surgiam de escolhas de contratos por deliberação. Nesse modelo,
ao contrário, a estrutura pode ser considerada mais como uma norma, a qual é
vista como auto-sustentável se ela é um equilíbrio de Nash num jogo de
movimentos simultâneos. O jogo é considerado com informação completa,
entretanto, a informação incompleta surge do fato de que é difícil restringir
acesso aos recursos comuns (nas seções precedentes os mercados incompletos
advinham do fato de que as ações que afetavam os ganhos de trocas são de
informação privada).
O objetivo buscado por Bardhan et alii (1999) com esse modelo foi o de
mostrar a relação entre as distribuições de riqueza e a provisão de bens públicos
locais. Os autores exploram as relações possíveis entre as desigualdades nas
dotações iniciais e a habilidade de um grupo de indivíduos em resolver problemas
de ação coletiva em locais comuns, onde as ineficiências alocativas podem
surgir de problemas de não-exclusão.

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2.3 Uma Análise Econômica de um Programa de Reforma de


Arrendamento de Terras na Índia

O artigo de Banerjee et alii (1998) analisa uma extensão do modelo de


mercado de terras de Bardhan et alii (1999). Naquele caso, os autores observaram
principalmente que a riqueza do arrendatário abrandava as ineficiências alocativas
resultantes do fato de o contrato ser incompleto. Da mesma forma, Banerjee et
alii (1998) calculam contratos ótimos entre o senhorio e o colono e observam o
efeito da transferência de direitos sobre a eficiência alocativa. A grande diferença,
no entanto, é a de que esses autores incluem no modelo de arrendamento as
hipóteses de despejo e de nível de investimento.
A motivação de Banerjee et alii (1998) para modelar o efeito das
transferências sobre a eficiência econômica vem do programa de reforma do
sistema de arrendamento ocorrido em Bengala Ocidental, na Índia, em 1977.
Segundo os autores, o processo radical de redistribuição de terras desenvolvido
por um governo de esquerda nessa região resultou na transferência de terras
para mais da metade dos trabalhadores sem-terra. Esse processo se deu por
meio do programa chamado de Operação Barga.
A Operação Barga foi basicamente um programa de redução de custos de
cadastramento. Essa operação se constituiu numa campanha maciça e bem
divulgada, com o objetivo de fazer com que os colonos se cadastrassem e,
portanto, tivessem os seus direitos garantidos. Essa Operação era estruturada
sobre campos de assentamento realizados dentro das propriedades rurais, os
quais ocorriam durante três dias. No primeiro dia, havia reuniões com o intuito
de explicar a nova lei; no segundo, a lista dos colonos era afixada em locais
públicos e no terceiro dia era feita a atribuição de direitos. Essas reuniões eram
feitas à noite em um lugar público, de tal forma que nenhum colono se sentisse
constrangido a participar. Quando os campos de arrendamento iam para outras
fazendas, vários sistemas de manutenção foram implementados de tal forma a
evitar represálias aos colonos, entre outras coisas.
Motivado por esse fato histórico, Banerjee et alii (1998) desenvolveram três
modelos teóricos baseados no risco moral, os quais têm como objetivo verificar
a relação entre os direitos de propriedade e a eficiência. Para a elaboração dos
modelos teóricos, os autores consideraram a existência de um proprietário de
terra e um grande número de colonos. Nesse caso, o senhorio possui uma
grande gleba de terra e como não a consegue cultivar contrata os colonos para o
trabalho. No entanto, o proprietário de terra contrata somente um colono por
período e paga a este um salário que lhe garanta a utilidade de reserva. Nesse
modelo, tanto o proprietário de terra quanto o colono são neutros ao risco e
compartilham da mesma taxa de desconto intertemporal.
No tratamento da produção, Banerjee et alii (1998) supõe a existência
de dois estados da natureza, um bom e outro ruim. No estado bom, a

20 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

produção é mais elevada que no estado ruim. Entretanto, a cada estado está
associada uma probabilidade que, por sua vez, é resultado do nível de
esforço aplicado pelo colono.
Uma outra hipótese utilizada por Banerjee et alii (1998) é que as estratégias
adotadas pelos agentes independem da história, ou seja, os níveis de produção
anteriores associados com os colonos não afetam a decisão de escolha do
proprietário. Nesse sentido, os colonos são selecionados de forma aleatória.
Sendo assim, o contrato em cada período somente precisa especificar o
pagamento efetuado pelo proprietário de terra ao colono e as probabilidades de
permanecer no negócio em cada período.
Baseado nessas hipóteses, Banerjee et alii (1998) resolveram o modelo
para três situações específicas: uma primeira, onde a ação de despejo por parte
do proprietário de terra é impossível; uma segunda, onde a ação de despejo é
possível e uma terceira onde existe o incentivo aos investimentos e as ameaças
de despejo são possíveis.
Na situação onde a ameaça de despejo é impossível, Banerjee et alii
(1998), por meio da maximização do problema do proprietário de terra sujeito
as restrições de encargos limitada, de participação e de compatibilidade de
incentivos, encontraram três resultados: o primeiro mostra que no
compartilhamento de safra, o arrendatário recebe uma receita que é menor
que a produtividade marginal do seu esforço e, portanto, o nível de esforço
aplicado situa-se abaixo do nível ótimo social; no segundo, os autores
mostram que na ausência de ameaças de despejo e se a opção externa não
é suficientemente atraente de tal forma que torne a restrição de participação
do arrendatário ativa, esse terá incentivos em permanecer no arrendamento
e o terceiro apresenta que à medida que o valor da opção externa torna-se
atraente, e em virtude do proprietário sempre preferir o estado bom ao estado
ruim, um aumento no valor da opção externa faz com que o proprietário
aumente o salário de sucesso e esforço.
No segundo modelo apresentado por Banerjee et alii (1998), a hipótese
de impossibilidade de despejo é relaxada e, portanto, os autores modelam a
situação num modelo de diversos períodos. Nesse caso, Banerjee et alii
(1998) estipulam valor crítico para o valor da opção externa e em cima desse
fato eles fazem conjecturas.
Segundo os autores, a grande diferença dos resultados obtidos nesse
modelo em relação àquele que considera o despejo impossível é o fato de que
para valores de opção externa menores do que o valor crítico, ou seja, acima do
qual a restrição de participação é ativa, o nível de esforço é decrescente. Para
valores maiores do que esse valor crítico, as ameaças não são usadas.
Sendo assim, Banerjee et alii (1998) encontraram três resultados: o primeiro
resultado garante que para valores da opção externa muito pequenos, o poder
de barganha do proprietário de terra é maior que o do colono e, portanto, o

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

arrendatário fica com temor de perder as receitas advindas do arrendamento; o


segundo resultado, por outro lado, mostra que à medida que o valor da opção
externa se aproxima do valor crítico, o poder de barganha do proprietário diminui
progressivamente e, conseqüentemente, o poder de ameaças de despejo diminui,
fazendo com que o nível de esforço aplicado pelo arrendatário também diminua;
o terceiro e último resultado advém do fato de que embora seja decrescente o
esforço à medida que o valor da opção externa se aproxima do valor crítico, esse
tem um custo e, portanto, não é desejado. No caso do modelo de um período, os
autores salientam que até o valor crítico o esforço aplicado é o menor possível e
constante ao longo do tempo.
Nos dois primeiros modelos, Banerjee et alii (1998) não consideram
nenhum espaço para investimento na tecnologia de produção. No entanto,
segundo os autores, a falta de titularidade e de direitos de propriedade gera
baixos incentivos por parte dos arrendatários para a realização de investimentos
e, como resultado, surge a necessidade de se fazer reformas agrárias. No entanto,
esse argumento não se aplica aos proprietários de terra, pois, esses podem
implementar os investimentos direta ou indiretamente.
Segundo os autores, da mesma forma que o esforço aplicado pelos
arrendatários está sujeito a problemas de risco moral, os investimentos também
estão. Seguindo essa motivação, Banerjee et alii (1998) fizeram uma pequena
modificação no primeiro modelo. Para tanto, incluíram a possibilidade de
alternativas de tecnologias sem problemas de monitoramento.
Nesse novo modelo, além do arrendatário escolher o nível de esforço a
ser aplicado, ele também escolhe uma variável que afeta a produtividade da
terra. Os autores impõem a hipótese de que uma vez feita essa escolha, a
produtividade é afetada de forma perpétua. O custo de insumo é repartido entre
o proprietário e o arrendatário.
Como o retorno marginal do investimento é crescente no esforço do
arrendatário, um aumento no valor da opção externa, além de ter um efeito direto
sobre o esforço, exerce também um esforço positivo indireto sobre o
investimento. Nesse sentido, Banerjee et alii (1998) chegaram ao resultado de
que quanto maior o poder de barganha do arrendatário, maior será o retorno
marginal para o proprietário de aumentar investimentos contratáveis, os quais
são complementares ao esforço.

2.4 Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento:


evidências na India 5

Besley e Burgess (1998) apresentam um artigo que trata da reforma agrária


como forma de redução de pobreza e fonte de crescimento econômico. Para

5
Este artigo deveria constar do volume Estudos NEAD 2, mas por um lapso foi excluído na paginação final.

22 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

tanto, os autores dividem o artigo em quatro partes: uma introdução; a seguir,


uma seção que trata dos antecedentes e dos dados; posteriormente, uma outra
que apresenta os resultados empíricos básicos e finalmente uma seção que
mostra um modelo teórico adequado aos resultados empíricos obtidos.
Na introdução, Besley e Burgess (1998) salientam que o interesse pelas
questões agrárias como forma de solução da pobreza foi debatido com
intensidade no mundo. Segundo os autores, embora os diversos tipos de
redistribuição de terra tenham sido implementados pelos governos, as
questões políticas foram o principal entrave para o alcance com sucesso
dessas reformas. Um outro aspecto tratado por Besley e Burgess diz respeito
à influência dessas redistribuições sobre o crescimento econômico. Nesse
sentido, a questão fundamental tratada na análise empírica consistiria em
se analisar se os diferentes tipos de redistribuição levaram ou não à escolha
inevitável entre a eqüidade e a eficiência.
Baseado nesse fato, os autores se atêm sobre um tipo especial de
redistribuição: a reforma agrária. Para verificar o efeito da reforma agrária sobre a
pobreza, Besley e Burgess (1998) estudam o caso da Índia, não somente porque
abarca uma fração significante da população dos países em desenvolvimento,
mas, sobretudo, por causa da legislação da reforma agrária vigente nesse país.
Os autores fazem uso de dados em painel estaduais para os dezesseis
principais Estados da Índia no período compreendido entre 1958 e 1992. Por
meio da análise desses dados, Besley e Burgess (1998) obtém dois resultados
básicos: o primeiro é o de que a reforma agrária contribuiu para a redução da
pobreza na Índia e o segundo diz respeito à relação entre a reforma agrária e o
crescimento econômico.
Em função dessa motivação, Besley e Burgess (1998) fazem na segunda
seção um tratamento detalhado dos antecedentes e dos dados. Para tanto, os
autores classificam, segundo a Constituição indiana de 1949, as leis de reforma
agrária em quatro categorias de acordo com a sua proposta principal, quais
sejam: reforma do arrendamento; abolição dos intermediários; legislação de tetos
sobre a terra e consolidação da disparidade de propriedades de terras.
Segundo Besley e Burgess (1998), a efetividade dessas reformas foram
extremamente complexas e não atingiram aos objetivos pretendidos. No que diz
respeito à primeira categoria, o alinhamento dos Estados com o governo central,
entre outras coisas, fez com que as reformas do arrendamento não alcançassem
o objetivo desejado. No caso da legislação de tetos sobre a terra, os motivos da
falha estão associados ao comportamento pró-ativo dos proprietários de terra
no sentido de que, diante da ameaça de desapropriação, os mesmos distribuíram
o excedente da terra entre os seus familiares e amigos. A consolidação da terra
teve um sucesso ainda menos evidente, pois a sua implementação foi esporádica
e somente atendeu a um número muito reduzido de Estados.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Besley e Burgess (1998) igualmente fazem referência aos estudos nos


vilarejos salientando que existe um consenso de que, muito embora a eliminação
de intermediários tenha obtido um alcance limitado e variável na redistribuição
da terra para os mais pobres e a reforma do arrendamento tenha também obtido
algum sucesso onde os arrendatários eram bem organizados, a legislação de
tetos sobre a terra e de consolidação da terra não alcançaram os efeitos desejados.
Se, por um lado, a legislação de tetos sobre terra produziu efeitos neutros e até
negativos sobre a pobreza, por outro, a consolidação da terra incentivou o uso
do poder por parte dos proprietários ricos para a obtenção de melhores terras.
Motivados pela evidência mencionada anteriormente, Besley e Burgess
(1998) apresentam um quadro geral da reforma agrária utilizando, para isso, as
categorias definidas, bem como o conceito de reforma agrária cumulativa6 com
a intenção de analisar os efeitos quantitativos daquela. O resultado fundamental
apresentado consiste em que numa parcela dos Estados pesquisados existe
uma variação considerável na atividade da reforma agrária.
Em consonância com o quadro geral das reformas agrárias, os autores
classificam os Estados em dois tipos: com alto e com baixo número de reformas
agrárias.7 Em função dessa classificação, foram ordenados os dezesseis Estados
considerados de acordo com os referidos tipos, com o intuito de verificar quais
os mecanismos da reforma agrária afetam a pobreza. De fato, conforme mostram
os resultados obtidos com o Gini para a terra e a proporção de famílias sem terra,
existem outros mecanismos relevantes que não só a distribuição física da terra
que acabam por afetar a pobreza.
Ainda nessa seção, Besley e Burgess (1998) obtêm resultados consistentes
a respeito da pobreza nos dezesseis Estados considerados na pesquisa. Com a
utilização de vinte e uma séries de distribuição de consumo da Pesquisa Nacional
por Amostragem (NSS) e do uso de uma definição de linha de pobreza, foram
elaboradas duas medidas, quais sejam: o índice de contagem per capita e a medida
de lacuna de pobreza.
Para finalizar a segunda seção, foram coletados dados de produto doméstico
agrícola, não-agrícola e combinados, bem como dados referentes às finanças
públicas. Segundo os autores, os primeiros dados têm como objetivo apresentar
a produção per capita da economia, ao passo que os dados de finanças públicas
têm por finalidade verificar os gastos com políticas direcionadas ao
desenvolvimento econômico.
Uma vez terminado o estudo dos antecedentes, Besley e Burgess (1998)
apresentam, na terceira seção, uma análise empírica. Para tanto, utilizam os

6
A variável reforma agrária cumulativa é um conceito que agrega o número de reformas agrárias ocorridas em um deter-
minado estado ao longo do tempo.
7
O critério utilizado pelos autores para classificar em alto e baixo número de reformas agrárias está associado ao número
ser maior ou menor que três reformas.

24 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

dados em painel definidos anteriormente e apresentam três modelos de regressão:


o primeiro verifica o impacto da reforma agrária nas medidas de pobreza; o
segundo, trata da endogeneidade potencial dessa variável e o terceiro, explora
os efeitos da reforma agrária sobre o produto per capita agrícola.
O primeiro modelo de regressão é representado pela medida de pobreza
como sendo uma função do efeito fixo de estado, da variável dummy de ano,
do estoque de reformas agrárias passadas defasadas em quatro períodos e do
conjunto de variáveis exógenas. Segundo os autores, o efeito fixo de estado é
utilizado para controlar pelas diferenças de história e de estrutura econômica
entre os estados e o efeito ano capta os choques macroeconômicos e as
políticas do governo central que afetam a pobreza e o crescimento econômico.
Saliente-se que a defasagem da variável reforma agrária tem duas razões básicas:
a primeira é a de que a legislação leva algum tempo para ser efetivada e, a
segunda é a de que pode haver correlação entre os choques de pobreza e os
esforços de reforma agrária.
Baseado nesse modelo foi feito o processamento de dados dos dois
conjuntos de regressões: o primeiro, composto por quatro regressões, utiliza a
variável reforma agrária cumulativa como variável independente e o segundo, que
também é composto por quatro regressões, trabalha com os diferentes tipos de
reformas agrárias. Dentro do primeiro conjunto, os autores processaram duas
regressões com a variável dependente lacuna de pobreza rural, uma regressão
com a lacuna de pobreza urbana e outra com a variável composta pela diferença
entre as lacunas de pobreza rural-urbana. Nos modelos em que a variável
dependente é a lacuna de pobreza rural, foi feito o processamento do primeiro
modelo para os anos corridos e o segundo para os anos interpolados. Portanto, o
resultado obtido com esses dois primeiros modelos foi a existência de uma relação
negativa entre a variável reforma agrária cumulativa e a lacuna de pobreza rural.
Com o intuito de verificar se a reforma agrária é de fato responsável pela
redução na pobreza rural, Besley e Burgess (1998) rodaram8 a mesma regressão
utilizando como variável dependente à lacuna de pobreza urbana. O resultado
obtido com esse novo modelo mostra uma relação positiva e significante entre
as variáveis relevantes, o que confirma a intuição dos autores de que a variável
reforma agrária cumulativa está associada com o setor rural e não com o urbano.
Para finalizar a análise com o primeiro modelo de regressão foi rodada uma
nova regressão utilizando o diferencial de lacunas de pobreza rural-urbana como
variável dependente. Os resultados obtidos mostram uma relação negativa entre
as variáveis mencionadas, confirmando que as reformas agrárias cumulativas
defasadas em quatro períodos têm um papel importante na redução do diferencial
entre as lacunas de pobreza rural-urbana.

8
É muito comum ver-se essa expressão em manifestações coloquiais (“rodar um programa”, “rodar uma regressão”) o que significa:
fazer o processamento eletrônico dos dados ou de um sistema. Essa expressão vêm do tempo em que o processamento desses dados
eram feitos em computadores de grande porte que usavam fitas magnéticas em rolo, que ao seu serem processadas ficavam rodando.

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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

No que diz respeito ao segundo conjunto de regressões, os autores rodaram


uma regressão para cada medida de pobreza. Para o caso em que a variável
dependente é a lacuna de pobreza rural, concluiu-se que as reformas agrárias de
arrendamento e abolição de intermediários tiveram uma relação negativa com a
referida medida, ao passo que a relação entre as variáveis legislação de tetos
sobre a terra e consolidação da terra foi positiva e não significante. Para o
modelo em que a variável dependente é a taxa de contagem per capita, as
variáveis reforma agrária de arrendamento, abolição de intermediários e
legislação de tetos tiveram os mesmos sinais e significância que o modelo
anterior, sendo a única diferença o sinal da variável consolidação que foi
negativo. Resultados similares foram observados para os modelos que
tratam do diferencial de lacunas de pobreza rural-urbana e do diferencial de
taxas de contagem per capita como variável dependente.
Ainda dentro da terceira seção, Besley e Burgess (1998) processaram mais
dois conjuntos de regressões incluindo as seguintes variáveis: taxa de
crescimento da população, os gastos com educação, saúde, impostos como
percentual do produto doméstico do Estado e a produção agrícola, todas elas
defasadas em quatro períodos.9 De forma similar ao caso anterior, foram
processadas quatro regressões com a variável reforma agrária cumulativa e
duas com os diferentes tipos de variáveis de reformas. No primeiro caso, as
variáveis dependentes são as mesmas anteriormente consideradas. Para as
regressões com os diferentes tipos de variáveis reforma agrária, os autores se
limitaram ao uso da lacuna de pobreza rural e a taxa de contagem per capita
como variáveis dependentes. Entre os resultados obtidos verificou-se que as
variáveis que são proxy para as políticas tributárias e produção da economia são
significantes e têm um efeito negativo sobre as medidas de pobreza rural, ao
passo que as variáveis relativas aos gastos e a taxa de crescimento populacional
são estatisticamente insignificantes. No caso da regressão que tem como variável
dependente à lacuna de pobreza rural observou-se uma relação negativa entre
essa variável e a variável reforma agrária cumulativa.
Nos dois modelos com as variáveis reforma agrária desagregadas, os
resultados foram semelhantes àqueles obtidos anteriormente. No que diz
respeito aos dois modelos que tratam as variáveis de diferencial como variável
dependente, os autores mostram que a variável reforma agrária cumulativa
guarda também uma relação negativa com as variáveis de diferencial.
Uma vez realizadas essas regressões e as suas respectivas interpretações,
Besley e Burgess (1998) verificaram a endogeneidade potencial da variável
reforma agrária. O interesse nesse fato está associado com a idéia de que se a
reforma agrária contribui para a redução da pobreza, então, a mesma deveria ser
aplicada naqueles lugares onde houvesse maior necessidade. No entanto, a
aplicação da reforma agrária está intensamente associada com as questões

9
Essas variáveis foram utilizadas como proxy para as políticas públicas e para a política tributária, com exceção da taxa de
crescimento da população.

26 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

políticas. Por esse motivo, os autores utilizam as variáveis políticas como


instrumentos para a variável reforma agrária.
Diante desses fatos, foi construído um segundo modelo onde a variável
reforma agrária é uma função das variáveis políticas 10 e de todas aquelas
consideradas no primeiro modelo. Dentro dessas variáveis, Besley e Burgess
criaram uma variável para representar os partidos do Congresso, os partidos de
extrema e moderada esquerda, os partidos hindus e os partidos Janata, além de
criar uma variável dummy de maioria que representa os grupos políticos que
ocupam mais do que 50% das cadeiras totais.
Na estimação do modelo pelo método dos mínimos quadrados generalizados
observou-se que existe uma relação positiva entre os diferentes tipos de variáveis
dependentes (reformas agrárias cumulativas, reformas de arrendamento, abolição
de intermediários, legislação de tetos e consolidação de terra) e a variável reforma
agrária cumulativa. No que diz respeito ao efeito das variáveis políticas sobre as
variáveis reforma agrária, concluiu-se, entre outras coisas, que as participações da
moderada esquerda, Congresso e Janata diminuíram a probabilidade de decretação
de legislação de reformas de arrendamento.
Ao fazer o processamento, o modelo de medida de pobreza como uma
função das variáveis reforma agrária, cumulativa ou desagregada, pelo método
das variáveis instrumentais11, obteve-se, para os modelos em que a variável
independente é a reforma agrária cumulativa, uma relação significativa e negativa
entre essa variável e a medida de pobreza.
Para finalizar a seção, Besley e Burgess (1998) estudam a relação entre
a reforma agrária e o crescimento econômico. Para tanto, foi elaborado um
terceiro modelo de regressão que trabalha com o logaritmo do produto
doméstico agrícola do estado como uma função de todas as variáveis do
primeiro modelo, mais a variável logaritmo do produto doméstico agrícola
defasado em um período. Entre os resultados obtidos, observou-se que as
variáveis reforma agrária desagregadas defasadas em quatro períodos não
têm impacto significante sobre a renda per capita.
Uma vez munido da evidência de que a redução da pobreza está associada
com a reforma agrária e que essa é primeiramente atribuída a legislação que
aboliu os intermediários e reformou os termos de arrendamento, Besley e Burgess
(1998) elaboram um modelo teórico para contemplar esse resultado empírico.
Para realizar isso, partem de um mundo simplificado onde existem proprietários
de terra e arrendatários e supõem que o produto da terra arrendada é uma
função do esforço que o arrendatário emprega na mesma. A idéia do modelo é a
de que os arrendatários necessitam ser monitorados pelos proprietários de terra
e, nesse sentido, surgem questões importantes de assimetria de informação. Em
função dessa idéia, supõe-se que se o arrendatário é capturado “vadiando”, ele

10
As variáveis políticas refletem a fração de cadeiras dos diferentes grupos políticos no Legislativo.
11
Foram utilizados como instrumentos as variáveis políticas descritas.

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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

é obrigado a pagar uma multa. Segundo os autores, é por meio da ameaça de


despejo que o proprietário de terra obriga o arrendatário a aumentar o seu esforço.
Dadas essas características, Besley e Burgess (1998) elaboram um contrato
que prevê o pagamento de um salário ao arrendatário como uma função do seu
esforço, que consiste em um par pagamento/esforço. Um dos principais objetivos
dos autores com esse modelo é o de verificar o impacto das mudanças na
probabilidade de captura do arrendatário pelo proprietário de terra sobre o payoff*
do primeiro. Os autores chegam a uma equação de onde retiram dois resultados
controversos: o primeiro é o de que o arrendatário recebe menos rendimento
quando a referida probabilidade é baixa, uma vez que o proprietário da terra
escolhe induzir um nível de esforço mais baixo e, o segundo é o de que para um
dado esforço, o rendimento do arrendatário será maior.
Para discutir o efeito da abolição dos intermediários e da reforma do
arrendamento, Besley e Burgess (1998) supõem que existem três partes envolvidas
no contrato agrícola: o arrendatário, o proprietário de terra e um intermediário. Nesse
ponto, os autores fazem uma hipótese extrema de que os intermediários têm um forte
poder de barganha, de tal forma que ele pode fazer ofertas do tipo “pegar ou largar”
tanto para o proprietário da terra, quanto para o arrendatário. O resultado desse
modelo é o de que o intermediário recebe um excedente reduzindo os rendimentos
dos outros dois jogadores. Dessa forma, quando o intermediário é abolido, esse
excedente torna-se disponível para ser distribuído entre o proprietário de terra e o
arrendatário. Nesse sentido, a menos que os arrendatários não tenham nenhum
poder de barganha, a situação deles sempre melhora, o que faz com que esse resultado
seja consistente com os resultados empíricos obtidos por Besley e Burgess.

2.5 Podem o Tempo e os Mercados Resolver a Questão Agrária?


Visões Microeconômicas sobre a Persistência e os Custos da
Desigualdade de Propriedade de Terras na América Latina

O artigo de Carter e Zimmerman (1998) tem uma ligação forte, embora


indireta, com os artigos de Bardhan et alii (1999) e Banerjee et alii (1998). Em
ambos os modelos os autores discutem a melhor forma de se fazer contratos e
os resultados das distribuições de riqueza sobre a eficiência alocativa. No trabalho
de Carter e Zimmerman (1998), por outro lado, embora o enfoque continue
sendo o mesmo dos autores anteriores, o objetivo aqui é o de mostrar quão
eficiente é o tempo e o mercado de terras na solução da distribuição de terra.
O artigo de Carter e Zimmerman (1998) está dividido em três seções: na
primeira seção é apresentado um modelo de produção em um período, que
destaca as forças que moldam as decisões de produção e o uso do solo; na

* Pagamento, contribuição contratual.

28 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

segunda seção, os autores tomam o modelo de produção estático e o usam


como base para a análise dinâmica da acumulação de riqueza e de poupança
numa economia agrária desigual e na terceira, Carter e Zimmerman (1998) analisam
o impacto tanto do risco de produção quanto do risco de precificação dos ativos
sobre a suavização do consumo e as decisões de acumulação dos ativos.
O modelo de produção apresentado por Carter e Zimmermam (1998) mostra
que as imperfeições no mercado de trabalho e de capital levam à baixa acumulação
de terras e à má distribuição dessas. Os autores mostram que para os indivíduos
pobres saírem desta situação, demandaria tempo e sacrifício de consumo. As
questões chaves desse modelo são:
1 - preço do capital; e
2 - preço sombra do trabalho.
O preço do capital torna-se mais elevado para o pequeno proprietário
porque, embora os autores suponham a hipótese irrealista de condições idênticas
de acesso ao mercado de crédito, dois custos estão envolvidos:
1 - o custo de empréstimo, que está negativamente relacionado com o
tamanho da terra;
2 - o custo de transação, o qual está associado com o custo de oportunidade
de solicitação, verificação e aprovação do empréstimo.
Naturalmente, os dois custos conspirarão contra o pequeno proprietário,
pois, pequenas porções de terra implicam em custos de empréstimo mais
elevados, o que repercute negativamente sobre os custos de transação.
Pelo lado do preço do trabalho, Carter e Zimmermam (1998) observam que
o poder de fiscalização sobre o trabalho contratado da família é limitado e diminui
à medida que a propriedade aumenta. Sendo assim, movimentos no sentido de
acumulação de terras por parte dos pequenos proprietários envolvem aumentos
de custo de fiscalização, o que tem a característica de funcionar como um
incentivo negativo para essa classe de produtores.
O segundo modelo, por outro lado, utiliza um modelo de maximização
intertemporal da variável de controle consumo em detrimento da
maximização intertemporal das variáveis de estado: terra e dinheiro. O
objetivo dos autores com esse modelo foi mostrar que, sob condições
específicas, o tempo e o mercado de terras funcionam como condutores de
eqüidade na distribuição de ativos.
Uma limitação desse modelo é a de não considerar os custos de transação,
os quais são fortes inibidores de investimento dos produtores pobres e o impacto
do risco sobre a diversificação de portfolio desejado.
O modelo é construído com o intuito de mostrar que na ausência de risco
e de níveis mínimos de subsistência as decisões entre produção e consumo são

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

independentes. Nesse sentido, as famílias primeiramente tomam as decisões


relativas à produção no sentido de escolher, de forma ótima, o emprego do
dinheiro em fertilizantes e trabalho ou na aplicação do mercado financeiro e
depois tomam a decisão intertemporal de aumentar o consumo ou alocar esses
recursos na acumulação das terras.
A simulação realizada por Carter e Zimmermam (1998) com dados da
Nicarágua mostram que, obedecidas essas hipóteses, no prazo de 50 anos, as
classes mais pobres tendem a acumular ativos de tal forma a reduzir as
desigualdades de ativos. No entanto, essa redução de ativos vem precedida de
elevados custos quando comparada com a política de distribuição igualitária de
terras. Segundo os autores, uma redistribuição imposta pelo governo, no começo
do período simulado, geraria, portanto, um excedente social considerável.
O resultado fundamental desse modelo é o de que o tempo, de fato, é o
grande promotor da redução da desigualdade pois, possibilita aos pequenos
proprietários superar os obstáculos da acumulação estática criados pelas
múltiplas falhas de mercado.
O terceiro e último modelo apresentado por Carter e Zimmermam (1998)
trabalha também com uma análise dinâmica, mas inclui a presença de risco nos
preços dos ativos e supõe um limite mínimo de subsistência. Nesse caso, o
risco não mediado pelos mercados de seguros ou pela estrutura social reverte,
potencialmente, o papel do tempo. O resultado fundamental desse modelo é o
de que, longe de resolverem a questão agrária, o tempo e os mercados agravam
a onerosa desigualdade de ativos.
Em suma, o artigo de Carter e Zimmermam (1998) demonstra que o mercado
de terras por si só não é capaz de promover a distribuição de terras, exceto em
casos muito específicos.

2.6 O Combate à Pobreza na América Latina: novas evidências


dos efeitos da educação, demografia e acesso à terra

O artigo de López e Valdés (1998) atua de forma complementar aos artigos


de Bardhan et alii (1999) e Barraclough (1998), uma vez que fornece uma análise,
por meio da evidência empírica, da relação existente entre a atual distribuição de
terras na América Latina e a pobreza.
Segundo López e Valdés (1998), a abundância de terras na América Latina
contrasta com o excesso de trabalhadores rurais sem-terra. Por outro lado, a alta
concentração de terras, resulta, entre outras coisas, no baixo nível educacional
da população rural pobre.

30 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

O nível de educação do setor rural é extremamente baixo quando


comparado com os níveis globais. Ao comparar o nível médio de anos de estudo
dentro do setor rural, os autores observaram, com dados próprios, que a média
de escolaridade das famílias mais pobres é 15% menor que a média de todos os
domicílios rurais, acontecendo o mesmo para a média de anos de estudo para os
chefes de família. Entretanto, ao comparar o nível educacional do setor rural
com o setor urbano, López e Valdés (1998) observaram resultados ainda mais
críticos. Os autores constataram que em países como o Brasil e Honduras, as
áreas rurais têm cerca de metade da média dos anos de estudo da população
que vive nas áreas urbanas.
Um outro fato observado pelos autores é o de que nas áreas onde as
atividades agrícolas exigem baixa qualificação, a taxa de retorno da educação é
bastante reduzida, o que mostra que o efeito de um ano de estudo nos ganhos
desses trabalhadores está bem abaixo daquele que ocorreria para trabalhadores
da área urbana. Nesse sentido, López e Valdés (1998), utilizando técnicas
econométricas, verificaram que, em países como Paraguai e Chile, a taxa de
retorno da educação é mais elevada, ao passo que em países como Honduras e
El Salvador a variável de educação não é estatisticamente significante.
No entanto, os autores salientam que para os rendimentos não agrícolas
nas regiões rurais a educação é uma variável relevante, sugerindo que o emprego
não-agrícola tem necessidade de mão-de-obra mais qualificada. Esse fato garante
que muito embora a educação contribua pouco para os ganhos agrícolas, o
efeito positivo dessa variável sobre a renda não-agrícola faz com que o efeito
líquido da educação sobre a renda familiar rural seja significativo.
Afora o diagnóstico feito para o nível educacional dos trabalhadores rurais,
a relação inversa entre a renda e o tamanho da família e entre a renda e a taxa de
dependência (número de dependentes dividido pelo número de trabalhadores)
foi apontada por López e Valdés (1998) como importante para diagnosticar a
pobreza na América Latina. Em todos os seis países estudados pelos autores
(Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, Paraguai e Peru), ficou constatado que
o tamanho das famílias exerce um efeito negativo sobre a renda per capita. Na
verdade, López e Valdés (1998) verificaram que as famílias com maior número de
filhos eram aquelas que possuíam a taxa de dependência mais elevada.
No que diz respeito ao tamanho das terras, López e Valdés (1998)
verificaram que a grande maioria das propriedades agrícolas pobres na
América Latina não passa de cinco hectares de terra. No entanto, esse
tamanho de propriedade somente permite, na melhor das hipóteses, níveis
de consumo acima da linha de pobreza absoluta.
Outro fato constatado por López e Valdés (1998) foi o de que a grande
parte dos agricultores pobres não detém a titularidade das terras que cultivam. A
garantia atribuída pelos direitos de propriedade mostrou ser uma questão

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 31
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

relevante nos países da América Latina. Em países como Honduras, Paraguai,


Chile e Colômbia 60% dos pequenos produtores não possuem os direitos à
posse da terra. Esse fato afeta significativamente o desenvolvimento agrário da
região, uma vez que na ausência de direitos de posse os agentes não têm
incentivos para investir e, além disso, o acesso ao mercado de crédito e de
seguros fica bastante limitado.
Um outro aspecto que merece relevância no estudo é que o efeito do
aumento da terra sobre a renda não é tão evidente quanto o resultado desse
efeito sobre a produção. Segundo Lopez e Valdés (1998), a elasticidade da renda
em relação à terra no Chile, Colômbia e Peru situa-se abaixo de 0,15 significando
que um aumento de 10% no tamanho da terra aumenta a renda per capita em
1,5%, ao passo que para esses mesmos países, a elasticidade da produção em
relação ao tamanho da terra está compreendido entre 0,36 e 0,46.
Alguns economistas atribuem a grande pobreza na América Latina ao arranjo
de posse de terras característico dessa região. López e Valdés (1998) sugerem
dois fatores que podem propiciar essa concentração: custos relativamente altos
na repartição de grandes em pequenas propriedades e o preço de mercado das
terras mais elevado que o valor esperado descontado dos ganhos agrícolas.
Todavia, López e Valdés (1998) salientam que, como a distribuição de
terras tem efeito limitado sobre a renda, um programa da redistribuição de terras
na América Latina, que vise a solucionar o problema da pobreza, deve
necessariamente prever a transferência de uma parcela significativa de terra. Os
autores apontam como bons exemplos desse fato os casos de El Salvador e
Colômbia. Em El Salvador, para que os pequenos produtores ultrapassem a
linha de pobreza é necessário que o tamanho das glebas seja expandido de dois
a cinco hectares para 12,6 hectares, enquanto que para a Colômbia, para se
obter um aumento da renda per capita de 40% dos domicílios mais pobres é
necessário que se quadruplique a área atual de terras. Esses dois casos mostram
que a política ótima de redistribuição deve ser diferente para cada país.

2.7 A Reforma Agrária nos Países em Desenvolvimento: o


papel do Estado e de outros agentes

O artigo de Barraclough (1998) funciona, em parte, como um complemento


do artigo de Binswanger et alii (1998) no sentido de que acrescenta ao problema
da concentração de terra abordado as evidências históricas e empíricas, muitas
vezes conflituosas, das reformas agrárias da América Latina.
Na primeira parte do artigo, Barraclough (1998) apresenta as questões
relativas ao domínio de terras nos países em desenvolvimento. O autor mostra
que a questão de subsistência é a maior preocupação dos colonos nesses países

32 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

e que os processos de alienação de terras, comercialização de safras e


modernização têm contribuído para a destruição das fontes de subsistência de
muitas famílias rurais, resultando, entre outras coisas, na desnutrição das crianças.
No entanto, o autor salienta que o Estado muita vezes vislumbra os problemas
agrários por outro prisma, ou seja, ao invés de elaborar programas que promovam
a eqüidade, executa projetos voltados para a exportação, o que resulta em mais
concentração de terra.
De acordo com Barraclough (1998), os assuntos relativos ao domínio da
terra estão, em grande parte, associados com as questões históricas, haja vista
a disputa entre palestinos e judeus e os conflitos existentes entre os sérvios e
croatas. Sendo assim, o Estado antes de promover políticas públicas direcionadas
às questões agrárias, deve levar em consideração as raízes históricas e os
caminhos evolutivos da população rural.
Outro aspecto apontado por Barraclough (1998) é o de que a grande
maioria dos pobres das zonas rurais dos países em desenvolvimento é sem-
terra ou quase-sem-terra. Esses trabalhadores são geralmente assalariados,
sazonais ou pequenos proprietários com frágeis direitos de propriedade. Nesse
sentido, o autor salienta que uma reforma agrária conduzida por um Estado
maximizador de bem-estar social pode, além de solucionar os problemas da má
distribuição das terras, fazer com que a produção agrícola aumente, uma vez
que os pequenos produtores usam a terra e o seu esforço de forma mais
intensiva do que os grandes proprietários.
Na segunda parte do artigo, Barraclough (1998) apresenta a dinâmica de
algumas reformas agrárias ocorridas na América Latina no século XX, as quais
revelaram ser processos, até certo ponto, sem paralelo. Segundo o autor, cada
país da América Latina apresentava um contexto histórico distinto e, portanto,
as atuações dos diferentes atores, internos e externos, no processo de reforma
agrária foram bastante diferenciadas. Para tanto, foram abordados os seguintes
casos: México, Bolívia, Guatemala, Porto Rico, Cuba, Venezuela, Chile, Peru,
Nicarágua e El Salvador.
O México foi o primeiro país da América Latina a promover um processo de
reforma agrária no século XX. A reforma agrária mexicana teve início logo após
1910 e já nos anos 1930 esse programa tinha alcance nacional. A distribuição
de terras no México no início desse século era extremamente desigual e a maioria
da população rural desse país, em 1910, era constituída por trabalhadores sem-
terra. Os atores principais na realização da reforma foram os ativistas camponeses,
o Estado e algumas facções políticas.
Segundo Barraclough (1998), a reforma agrária na Bolívia se assemelhou
em muito a parte inicial da reforma no México. A revolução boliviana de 1951-
1952, como resultado da instabilidade do controle do Estado por facções
oligárquicas rivais, deu início ao processo de reforma agrária nesse país. A
legislação da reforma agrária de 1953 promoveu a desapropriação de grandes

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 33
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

propriedades improdutivas e a desapropriação parcial de outras fazendas


produtivas. Durante os anos cinqüenta, as grandes propriedades, que abrangiam
mais da metade das terras agricultáveis da Bolívia, foram tomadas pelos
arrendatários residentes e comunidades próximas. Em virtude da repartição da
terra, a produção de alimentos aumentou nesse país.
Muitos foram os atores participantes da reforma agrária na Bolívia,
entretanto, as organizações camponesas, os sindicatos e o Estado foram os
protagonistas principais. Muitas ONGs também atuaram no processo de reforma
agrária, algumas beneficiaram os pequenos produtores, outras nem tanto.
O processo de reforma agrária na Guatemala teve início na administração
de Arevelo em 1944, mas somente foi de fato implementada em 1952, no regime
de Arbenz. Segundo Barraclough (1998), esse processo representou uma ruptura
histórica na política de repressão, principalmente sobre os indígenas. Essas
reformas tiveram o apoio de setores da classe média e de elementos progressistas
do exército, que haviam sido anteriormente aliados as oligarquias latifundiárias.
No regime de Arbenz, as grandes fazendas foram desapropriadas e divididas
entre os camponeses em pequenas glebas e os antigos proprietários foram
indenizados com títulos públicos desvalorizados. A reforma agrária na Guatemala
foi pacífica e fez com que a produção de alimentos aumentasse substancialmente.
No entanto, esse processo teve uma duração limitada. Em 1954, o golpe militar
anulou a reforma agrária, sendo a terra desapropriada devolvida aos antigos
proprietários. Nesse período, as associações camponesas foram duramente
reprimidas e no início dos anos 1990, dois terços das terras estavam concentradas
nas mãos de 3% dos donos de terras.
Os Estados Unidos da América foram os principais responsáveis pela
derrocada da reforma agrária de Arbenz.
No caso de Porto Rico, a reforma agrária foi executada pelo partido popular
Munoz com o apoio do governo americano e dos produtores de açúcar do Havaí
e de Louisiana. Essa reforma foi até certo ponto radical, uma vez que grandes
fazendas açucareiras foram desapropriadas com indenização e transformadas
em fazendas lucrativas pelos trabalhadores. A reforma agrária logrou êxito, muito
embora o negócio do açúcar tenha perdido a força ao longo do tempo resultando
lucros negativos nas fazendas.
No caso de Cuba, foram executadas duas reformas agrárias: uma primeira,
que foi branda e instaurada logo após a revolução de 1959 e, uma segunda, que
representou uma resposta ao embargo comercial dos EUA. A maior parte dessas
antigas propriedades de norte-americanos desapropriadas foi concedida aos
trabalhadores na forma de cooperativa. Tempos depois, essas terras foram
transformadas em fazendas do Estado não obstante mais de um quarto das
propriedades tenham permanecido nas mãos de agricultores individuais.
Os atores “internos” da reforma agrária foram o Estado e os pobres das
zonas rurais, enquanto que os atores “externos” foram a URSS e os EUA, os

34 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

quais determinaram, em grande parte, as flutuações dos padrões de vida e a


produtividade dos beneficiários da reforma agrária de 1964.
A reforma agrária na Venezuela teve início nos anos 1980. Nesse caso, um
quarto das terras agricultáveis foi transferida para os trabalhadores rurais sem-
terra que ganharam fazendas de 10 hectares cada uma. Metade da terra transferida
aos trabalhadores foi originária da desapropriação de grandes fazendas e a outra
metade adveio de propriedades do Estado.
O processo de reforma agrária no Chile aconteceu no período
compreendido entre 1959 e 1973. Nesse país, as terras eram altamente
concentradas nas mãos de latifundiários, de tal forma que 3% das famílias
agrícolas detinham 80% das terras agricultáveis. Esses latifundiários
mantinham relações quase feudais com seus colonos, trabalhadores e
pequenos proprietários das vizinhanças. Três décadas mais tarde, a realidade
no Chile era bem diferente sendo a maior parte das terras de boa qualidade
geridas por médios fazendeiros ou por fazendas familiares.
O Chile observou duas reformas agrárias, sendo que a primeira aconteceu
em duas etapas. A criação de uma agência de colonização agrícola em 1928 deu
início a lei de reforma agrária promulgada em 1962. O Caja, como era chamada a
agência, tinha como objetivo criar assentamentos rurais de pequenos agricultores
de tal forma a absorver os trabalhadores rurais desempregados e outros
trabalhadores que demandavam melhor acesso à terra.
Em 1962 foi promulgada a lei da reforma agrária que dava ao Estado
condições de desapropriar terras ociosas ou mal administradas, bem como
diversas outras categorias de terra. No entanto, essa reforma não logrou o êxito
esperado, uma vez que dos 12.000 beneficiários projetados entre 1962 e 1964,
apenas pouco mais de 1000 pessoas realmente receberam as terras.
Os atores dessa primeira reforma agrária foram os camponeses e os
trabalhadores rurais, ativistas ligados aos sindicatos urbanos e aos partidos
políticos de esquerda, bem como setores progressistas da Igreja.
A segunda reforma agrária do Chile foi implantada pelo governo Frei com o
apoio dos EUA que introduziram uma legislação destinada a reformar o sistema
de domínio de terras no país sendo muito mais drástica que a primeira reforma
agrária. No ano de 1970, mais de 1.300 grandes propriedades, compreendendo
cerca de 3 milhões de hectares, tinham sido desapropriadas. Esse número, no
entanto, estava bem abaixo do planejado.
A eleição presidencial de 1970 teve como vencedor a Coalizão Unidade
Popular de comunistas, socialistas e outros partidos de esquerda. Esse novo
governo, liderado por Salvador Allende, conseguiu no período de dois anos
desapropriar todas as grandes propriedades remanescentes e fazer crescer
substancialmente o número de trabalhadores filiados aos sindicatos rurais. No
entanto, o processo de reforma foi interrompido pelo golpe militar de 1973.

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Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

Após o golpe militar muitas das terras desapropriadas foram devolvidas


aos antigos proprietários. Todavia, a estrutura agrária do Chile havia se alterado
consideravelmente, de tal forma que as fazendas capitalistas de médio porte,
cultivadas principalmente por mão-de-obra não residente predominaram na
estrutura agrária chilena nos anos 1980 e 1990.
Os principais fatores que fizeram com que a reforma agrária no Chile
acontecesse foram os protestos e as demandas dos camponeses e outros
trabalhadores rurais, apoiados pelos sindicatos de trabalhadores e outros aliados
urbanos. Outros atores fundamentais no processo de reforma agrária foram os
intelectuais chilenos, os estrangeiros, as Nações Unidas e outras organizações
internacionais. Os intelectuais colaboraram ativamente com os esforços de
organizar os trabalhadores rurais, pequenos proprietários e as poucas
remanescentes comunidades indígenas.
A processo de reforma agrária do Peru apresentou duas fases: a primeira
foi implementada pelo exército em 1960 como resultado dos constantes ataques
feitos pelos guerrilheiros as grandes propriedades, resultante da distribuição
extremamente desigual das terras existente na época, e a segunda, bem mais
radical, foi implementada pelo regime militar do período 1964-1968. A primeira
reforma foi extremamente limitada pois, somente favoreceu aos camponeses
que estavam em melhores condições. Ainda assim, as propriedades foram
desapropriadas e os colonos indígenas contratados receberam as terras que
estavam cultivando, enquanto que os subarrendatários receberam pequenas
glebas. Essa desapropriação foi acompanhada de indenização.
A segunda reforma acelerou a desintegração das haciendas e, como
conseqüência disso, na década de 1980, o Peru era praticamente formado por
propriedades de pequeno e médio portes. Os sindicatos e as cooperativas
implantadas no governo Velasco tiveram vida curta. A depreciação dos preços
agrícolas associada com a crescente produção de coca dos cartéis fez com que
os conflitos e as guerrilhas continuassem. Nesse sentido, o sistema de domínio
da terra continuou caótico.
As reformas agrárias mais recentes e importantes da América Latina
aconteceram na Nicarágua e em El Salvador. Na Nicarágua, a reforma agrária
iniciou-se no ano de 1979 quando as forças rebeldes militares sandinistas
tomaram o poder. As propriedades da ditadura de Somoza foram
desapropriadas e inicialmente convertidas em empresas estatais. Muitos
proprietários foram obrigados a distribuir seus latifúndios entre os
trabalhadores sem-terra para o auto-sustento.
Vários atores foram fundamentais para a reforma agrária da Nicarágua,
entre eles pode-se citar: a Federação Nicaragüense de Trabalhadores Rurais e a
pequena organização de fazendeiros, ambas filiadas ao partido Sandinista, os
oficiais do exército e o Centro de Pesquisas e Estudos da Reforma Agrária (Ciera).
A contribuição do Ciera para o sucesso da reforma agrária veio na forma de

36 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

monitoração da distribuição de terras e na análise e sugestão de possíveis


soluções, bem como na comunicação dos seus resultados ao governo, líderes
camponeses e o público em geral.
Em El Salvador, a reforma agrária instaurada em 1980 foi resultado do
golpe militar de 1979 praticado por iniciativa de oficiais progressistas. Essa
reforma agrária compreendia três fases: uma primeira onde foram desapropriados
400 latifúndios e alocados aos indivíduos que trabalhavam na terra na forma de
cooperativas de produção. Nessa fase, apenas 7% da mão-de-obra rural foi
contemplada; a segunda fase, que nunca foi implementada devido a forte oposição
das oligarquias tradicionais e mudanças nas prioridades dos Estados Unidos,
compreendia a desapropriação de 12.000 propriedades variando entre 150 e
500 hectares e a terceira fase compreendeu a distribuição de títulos de terras
aos colonos pobres. Essa reforma agrária beneficiou um total de menos de um
quinto da mão-de-obra rural, cobrindo pouco mais de um quarto da área agrícola.
Na terceira e última parte do artigo, Barraclough (1998) faz uma análise
crítica dos principais atores das reformas agrárias implementadas na
América Latina no século XX abordando o Estado, organizações
camponesas, os proprietários de terras, os partidos políticos, as ONGs e
as organizações internacionais.
Segundo o autor, a presença do Estado nos processos de reforma agrária
foi fundamental em todos os casos da América Latina, sendo que sua atuação
sempre dependeu de fatores internos e externos. Pelo lado dos fatores internos
estão as pressões exercidas por grandes proprietários e por camponeses e
trabalhadores rurais, bem como por sindicatos e ativistas. Pelo lado externo,
observa-se a posição do país em relação ao mundo.
Em cada caso, o papel do Estado na reforma agrária foi crucial, promovendo
a reforma em alguns casos e impedindo-a em outros. Nesse sentido, segundo
Barraclough (1998), as reformas agrárias somente acontecem quando os grupos
dominantes que controlam o Estado percebem que a adoção de estratégias de
desenvolvimento com base popular é imperativa. A mobilização dos trabalhadores
sem-terra é uma condição necessária para o sucesso da reforma agrária, no
entanto, não é uma condição suficiente. Para que um processo de reforma agrária
resulte em sucesso, os camponeses pobres e trabalhadores rurais têm que se
unir, inevitavelmente, a setores poderosos da sociedade.
As organizações camponesas foram as autoras principais na execução
das reformas agrárias. Em todos os casos, onde essas foram significativas, os
protestos e as manifestações dos camponeses organizados deram uma
contribuição crucial para que as reformas fossem realizadas. Entretanto,
conforme salienta Barraclough (1998), os movimentos de camponeses nunca
foram tão unidos quanto pensavam os intelectuais utópicos. A heterogeneidade
existente entre os pequenos agricultores propiciou, muitas vezes, conflitos,

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 37
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

uma vez que não sabiam como deveria ser alocada a terra, para quem, como
deveria ser a propriedade administrada e por quem.
Embora as organizações camponesas tenham sofrido rachaduras em todos
os processos de reforma agrária, esses movimentos levaram a progressos
incontestáveis nas questões agrárias. A organização e a mobilização dos camponeses
foi o ingrediente essencial de todas as reformas ocorridas na América Latina.
Outros atores fundamentais no processo de reforma agrária foram os
proprietários de terras, que contribuíram enormemente para os conflitos
existentes, em face da manutenção do direito à posse da terra. Da mesma forma
que as organizações camponesas, os grandes donos de terras também não
constituíam um grupo homogêneo, tendo cada qual uma reação distinta em
cada país da América Latina.
Segundo Barraclough (1998), as divergências entre os proprietários de
terras deram ensejo à heterogeneidade. As contradições eram reveladas pela
divisão interna que existia nas organizações e associações de grandes produtores,
como foi o caso do SNA no Chile. Além disso, a explosão de urbanização tornou
cada grupo de grandes latifundiários menos influente. Esses buscaram, como
alternativa, diversificar os seus negócios entre outros setores como: indústrias,
finanças e o comércio.
Todo esse processo de divergência entre os latifundiários favoreceu a
reforma agrária, uma vez que a heterogeneidade no comportamento desses
contribuiu para o aparecimento de novas oportunidades e para a realização de
reformas agrárias que vieram a beneficiar os trabalhadores rurais sem-terra.
Os partidos políticos foram atores atuantes no processo de reforma agrária
de quase todos os países da América Latina. De acordo com Barraclough (1998),
nos locais onde existia o pluripartidarismo a busca por votos dos camponeses
e trabalhadores rurais e de outros grupos que poderiam se beneficiar de uma
redistribuição de direitos da terra, fez com que se colocasse a reforma agrária na
agenda política. Esse foi o caso, especialmente, das reformas efetuadas em
Porto Rico, Venezuela e Chile. Em muitas situações, os partidos políticos, com
auxílio dos sindicatos de base urbana, promoviam as organizações de
trabalhadores rurais com objetivos políticos. As leis referentes à reforma agrária
foram promulgadas por legislaturas eleitas após o debate aberto, sendo um bom
exemplo disso o caso do Chile nos anos 1960 e início dos anos 1970.
Nos sistemas autoritários, por outro lado, existiam limitações com relação à
disputa aberta por apoio popular. Quando os partidos genuinamente de oposição
eram cassados, estes se mantinham atuando clandestinamente, o que funcionava
como uma forma de pressão ao sistema vigente. Entretanto, dentro de muitos
regimes militares havia facções que estavam sempre em disputa e buscavam o
apoio popular, o que levou, em grande parte dos casos, a instauração de reformas
agrárias radicais, como foi o caso do Peru em 1969 e El Salvador em 1979.

38 Estudos NEAD 5
A Economia da Reforma Agrária: evidências internacionais.
Notas introdutórias

As ONGs, deram uma contribuição importante no processo de distribuição


de terras na América Latina. Essas organizações desempenhavam um papel
mais periférico que o Estado, mas contribuíram em muito com assistências
técnica e advocatícia às terras recentemente distribuídas. Um exemplo
característico foi a liga dos agrônomos do México que auxiliaram fortemente
para o sucesso dos ejidos coletivos. A atuação das ONGs se proliferou nos
períodos pós-reforma da Bolívia, Nicarágua e El Salvador. Entretanto, nem todas
as ONGs foram benéficas para a reforma agrária ou eficazes em relação aos
pobres rurais.
Quando o Estado estava ativamente empenhado na implementação ou na
orientação de reformas agrárias de base popular, a participação das ONGs era
ativa e eficiente. Estas organizações tinham o poder de canalizar esforços das
universidades e dos centros de pesquisa para a melhoria das condições no
campo. No entanto, existiam algumas ONGs que se infiltravam no sistema com
o intuito de retardar o processo de reforma agrária, atendendo basicamente os
interesses das elites tradicionais.
Todavia, quando o Estado era contrário ao processo de reforma agrária a
atuação das ONGs tornava-se um tanto quanto mais delicada. As tomadas de
decisão no sentido de apoiar logisticamente os movimentos rurais se tornavam
mais limitadas. Nesse caso, o sucesso dessas organizações no que diz respeito
a melhoria do bem-estar das classes rurais pobres dependia, entre outras coisas,
da dedicação e da coragem das ONGs bem intencionadas.
As organizações internacionais afiliadas às Nações Unidas tiveram um
papel importante nas questões agrárias do mundo porque atuaram como fontes
alertadoras de desigualdade e de desrespeito aos direitos humanos. Essas
organizações eram independentes e tinham a capacidade de prover recursos
ou outro tipo de apoio para as organizações estatais ou populares que
buscassem com seriedade a realização de programas de reforma agrária.
Embora as organizações internacionais tivessem essas atribuições, elas
também apresentavam as suas limitações, pois dependiam dos governos dos
países desenvolvidos para o seu financiamento, muito embora os recursos
pudessem ser obtidos de outra forma. Estas e outras limitações fizeram com
que o apoio dessas organizações para a promoção das reformas agrárias fosse
marginal e contraditório.
Com todas as restrições existentes, a contribuição principal das
organizações internacionais veio na forma de declarações de princípios ou de
intenções e de assistência técnica. O exemplo mais característico dessas
declarações e de assistência foi a publicação, por parte da Cepal, de estudos
contendo análises sobre os problemas agrários da América Latina e o envio por
parte da FAO de um especialista mexicano, altamente qualificado, à Bolívia nos
anos 1950 para assessorar o governo sobre questões de reforma agrária.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 39
Edson Teófilo e Elvino de Carvalho Mendonça

3. Conclusão

A leitura dos artigos aqui resumidos permite concluir que a literatura


econômica especializada, onde esta publicação corresponde a uma amostra
significativa, vem dando uma notável contribuição para a revisão de mitos que
influenciaram de forma sistemática o pensamento econômico vigente nos últimos
30 anos no nosso país. Certamente o panorama social que marca nossa herança
histórica seria diferente, caso o Brasil tivesse levado a cabo uma vigorosa
redistribuição de terras nos anos 1960. A idéia de uma inexorável urbanização,
que conferiria ao espaço rural uma subordinação aos vínculos urbanos, inclusive
aos valores de convivência social, já cede lugar a uma outra compreensão de que
os desequilíbrios entre campo e cidade, na verdade são geradores de mais
desigualdade, tensões e violência, as quais, cada vez mais, faz do mundo urbano,
especialmente das grandes metrópoles, o lócus da reprodução das mazelas
sociais e cada vez menos das oportunidades.
Cabe agora àqueles que, nos últimos anos, defenderam teorias econômicas
supostamente apoiadas em evidências empíricas internacionais, o “ônus da
prova”, no sentido de que o crescimento econômico, por si só, é capaz de
eliminar ou mesmo reduzir a pobreza no Brasil, sem a necessidade de
redistribuição de ativos como a terra rural. Este livro demonstra, inequivocamente,
a justeza de reivindicações sociais por reforma agrária e a necessidade, cada vez
mais, de políticas e programas voltados para o fortalecimento da agricultura
familiar, não-somente por razões de justiça social mas, sobretudo, pela
racionalidade econômica.

40 Estudos NEAD 5
Poder,
Distorções, Revolta
e Reforma nas Relações
de Terras Agrícolas

Hans P. Binswanger
Banco Mundial, Setor de Desenvolvimento Ambientalmente
Sustentável da Sessão da África

Klaus Deininger
Banco Mundial, Equipe de Pesquisa de Desenvolvimento

Gershon Feder
Banco Mundial, Equipe de Pesquisa Sobre Desenvolvimento

Texto elaborado para o Manual de Economia do Desenvolvimento, Volume III, Jere Behrman e T. N. Srinivasan, editores.
Os autores deste documento utilizaram, com proveito, as discussões realizadas no Banco de Desenvolvimento Asiático, no Land Tenure Center
da Universidade de Wisconsin, Universidade de Minnesota e Banco Mundial. Os comentários por escrito e as sugestões apresentadas por
A. S. P. Brandão, D. Bromley, J. Bruce, M. Carter, R. Christiansen, T. Hayami, M. Lipton, S. Migot-Adholla, K. Otsuka, M. Roth, V. Ruttan,
e T. N. Shrinivasan foram particularmente úteis.
Introdução

A
realização deste trabalho foi motivada pelas investigações acerca da
influência que a eqüidade e a eficiência exercem sobre os mercados de
venda e arrendamento das terras agrícolas no mundo em desenvolvi-
mento. A maioria dos trabalhos sobre a relação entre tamanho da propriedade e
produtividade, sugere, em boa parte que as fazendas que dependem essencialmen-
te do trabalho familiar detêm maiores níveis de produtividade que as propriedades
administradas primariamente com mão-de-obra contratada. Se isso for verdade,
por que motivo os mercados de venda e arrendamento de terras agrícolas, em geral,
não realocaram terras para os agricultores familiares? Por que persiste a distribui-
ção extraordinariamente desigual de posse e de titularidade operacional de terras,
em diversas partes do mundo? Por que a reforma agrária surge como um elemento
necessário para mudar essa distribuição de posse de terras?
O que começou a surgir deste estudo foi uma límpida sensação de que
as grandes variações entre as relações de posse de terra existentes no mundo,
com o passar do tempo, não podem ser entendidas como inseridas em um
único paradigma de direitos de propriedade e de mercados. A Seção 2 explicita
a seqüência idealizada, sobre o surgimento e a definição dos direitos de propri-
edade, que ocorreu em apenas determinadas regiões dos países em desenvol-
vimento. De acordo com esse paradigma, o aumento da escassez de terras leva
a uma melhor definição dos direitos, que são por conseguinte comercializados
nos mercados de venda e de arrendamento, os quais são acessíveis, com igual-
dade de condições, a todos os envolvidos. O resultado seria a alocação de
terras para os usos e usuários mais eficientes. Contudo, isso não ocorreu com
freqüência, como demonstram os grandes desvios de eficiência observados.
Um exame da evolução histórica dos direitos de propriedade revela as
razões dos desvios: os direitos sobre a terra e a concentração de propriedade,
observados na maioria dos países em desenvolvimento, ao final da Segunda
Guerra Mundial, são conseqüência das relações de poder. Grupos de pro-

42 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

prietários de terras usavam da coação e das distorções nas terras, no traba-


lho, no crédito e nos mercados, para extrair pagamentos dos colonos e dos
trabalhadores, e mais recentemente dos grupos de consumidores e contribu-
intes urbanos. Tais atividades reduziram a eficiência do uso dos recursos,
retardaram o crescimento e aumentaram a pobreza das populações rurais.
Como surgiram essas relações de poder e quais os meios legais que permiti-
ram que um número relativamente pequeno de proprietários acumulasse e
detivesse o título de propriedades tão extensas? A terminologia que descreve
as relações de produção agrícola varia tanto quanto essas próprias relações
de poder. Nós utilizamos uma terminologia consistente e apresentamos um
glossário de definições.1
Devido ao fato de que a distribuição da propriedade de terras é deter-
minada pelas relações e distorções de poder, e em razão de os mercados de
venda de terras não distribuírem terras para os pobres (o ponto chave da
Seção 5), tem-se recorrido, freqüentemente, à reforma agrária para dar a pos-
se de terras a pequenos e eficientes proprietários familiares (a Seção 4 mostra
que eles são, de fato, eficientes). Os êxitos e fracassos das reformas nas
economias de mercado e nas economias socialistas, e os desvios dessas
reformas em ambos os sistemas, evidenciados pelas grandes fazendas co-
merciais ou coletivas, são discutidos na Seção 3. Os custos sociais de não se
empreender as reformas – como eventuais revoluções camponesas e guerra
civil – também são abordados.
Entretanto, a reforma agrária não seria necessária se existissem eco-
nomias de escala na agricultura, além daquelas que uma família poderia tirar
proveito, com um determinado nível de tecnologia. Nesse caso, não teria sido
necessário usar o poder para acumular grandes propriedades, ou apelar para
a coação ou distorção para recrutar mão-de-obra. Também, nos tempos atu-
ais, não teria sido necessário subsidiar tão fortemente as grandes proprieda-
des comerciais, mediante subsídios ao crédito e a outras distorções. As tran-
sações voluntárias nos mercados não-distorcidos teriam alcançado esses
objetivos, e os pequenos agricultores poderiam ser atraídos a se juntarem às
fazendas coletivas. A Seção 4 analisa o trabalho que vem sendo realizado na
presença – ou não – de economias de escala na agricultura e descobriu que,
em se medindo a eficiência relativa de propriedades pequenas versus grandes
fazendas, só em alguns casos excepcionais confirma-se o mito de eficiência
da grande propriedade.
Da mesma forma, se os mercados de venda pudessem transferir terra
dos grandes proprietários ineficientes para os pequenos produtores familiares,
a reforma agrária não seria necessária. A eliminação dos subsídios especiais às
grandes propriedades e das condições que permitem a coação seria suficiente

1
Uma expressiva literatura aprofunda o tema das implicações dos modelos espaciais de uso do solo, seguindo a tradição de
Von Thuernen para o uso ótimo do solo e os problemas ligados aos monopólios localizados (Fujita e Thiessen, 1986), planeja-
mento urbano e regional e os determinantes dos valores da terra (Randall e Castle, 1985). As fontes citadas fornecem uma
boa visão geral dessa literatura.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 43
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

para a desintegração das grandes fazendas, mediante a venda aos pequenos


produtores. A demonstração de porque os mercados de venda com freqüência
não conseguem facilitar essas mudanças que aperfeiçoariam a eficiência –
dentre os motivos estão a covariância de riscos, as imperfeições do mercado de
crédito, as distorções no mercado de commodities e os subsídios às grandes
propriedades –, são apresentadas na Seção 5.
A Seção 6, por sua vez, demonstra que o arrendamento e os contratos
de parceria não são assim tão ineficientes como se presumia. Eles são a
segunda melhor alternativa para os mercados incompletos ou distorcidos, na
difusão do trabalho do crédito e do risco. Esses acordos de aluguel também
são necessários para permitir que as grandes propriedades sejam administra-
das pelos arrendatários como pequenas unidades familiares. A regulação ou
a proibição dos arrendamentos tem efeitos perversos de eficiência e eqüida-
de para os pobres.
As seções deste documento estão agrupadas em três partes. A Parte I
cobre a história das relações de terra e o legado que essas relações deixaram
para o mundo atual. A Parte II concentra-se nas três controvérsias analíticas em
torno das economias de escala e a eficiência dos mercados de venda e arrenda-
mento de terras. A Parte III discute as grandes questões de políticas agrárias
deixadas para trás pelas inúmeras distorções e reformas, bem-sucedidas ou
fracassadas, ocorridas nos países em desenvolvimento. Aqui se incluem o
registro e a titulação de terras, impostos territoriais, as regulações que limitam
a venda e o arrendamento de terras, a fragmentação de terras, a reforma agrária
redistributiva e a descoletivização. As implicações políticas são discutidas uti-
lizando-se os resultados das seções anteriores.
Por último, o epílogo metodológico examina como as várias correntes
da teoria econômica contribuíram ou não para a explicação das variações de
políticas, as distorções e as relações da terra, no tempo e no espaço.

Parte I: O Legado Histórico


1. O surgimento dos direitos de propriedade da terra
A questão central, num cenário de abundância de terras, é o acesso ao
trabalho, não à terra. Em lugares com baixa densidade populacional, não há
incentivo para se investir na fertilidade do solo e, devido ao fato de que a
fertilidade do solo é recuperada mediante o alqueive de longo prazo, não se
requer a garantia de posse para induzir o investimento. Quando aumenta a
densidade populacional, os períodos de alqueive diminuem gradativamente, até
chegar o ponto em que a terra é continuamente cultivada. Vem então a necessida-
de de se utilizar o arado, o esterco, fertilizantes artificiais e outros investimentos
e métodos intensivos de trabalho, para manter a fertilidade do solo (Boserup,
1965, Ruthemberg, 1980, Pingali et alii, 1986). As terras marginais são também

44 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

agregadas ao cultivo, o que requer um investimento ainda maior para torná-


las produtivas. Aqui, a garantia da posse torna-se um incentivo importante
para se efetuar os investimentos necessários. À medida que a demanda por
crédito para custear os insumos e os investimentos na terra aumenta, a ques-
tão da terra como uma garantia torna-se importante.
Assim, à medida que aumenta a densidade populacional, surgem os
direitos à posse privada, num processo lento e gradual que exibe uma regula-
ridade muito grande (Figura 1, setas 1 a 4). A análise do processo, realizada
por Boserup, 1965, é insuperável, e é transcrita a seguir:
Praticamente todos os sistemas de domínio de terras existentes antes
do surgimento da propriedade privada da terra parecem ter a seguinte caracte-
rística em comum: determinadas famílias são reconhecidas como detentoras
dos direitos de cultivo, numa determinada área de terra, ao passo que outras
famílias são excluídas (...). A terra “sem dono” já desaparece antes de se atingir
o estágio da agricultura. Tribos de coletores de alimentos e caçadores se arvo-
ram do direito exclusivo de tirar alimentos e de caçar em determinada área. (...).
Nesse sistema de alqueive de floresta, todos os membros de uma tribo
(...) têm o direito de cultivar determinadas glebas de terra (...). Esse direito
geral de participar do cultivo da terra que o grupo domina – ou imagina domi-
nar – nunca será perdido por qualquer membro da família de agricultores.
Eles podem abandonar voluntariamente o território, por uns tempos, mas
podem reaver seus direitos quando retornarem (...).
(...) deve-se fazer uma distinção entre os direitos gerais de cultivo –
descritos acima – e o direito mais específico que uma família tem de cul-
tivar uma determinada fração de terra. Em todos os sistemas de alqueive,
uma família deterá o direito exclusivo à gleba que lavrou e cultivou até a
colheita da safra (...). Todavia, se tiver decorrido o prazo normal do alquei-
ve e a família não replantar uma determinada gleba, poderá perder o direi-
to a essa gleba (...). Assim, o direito geral ao cultivo é um elemento
inseparável do status de membro de uma tribo e, portanto, em princípio,
inalienável, ao passo que o direito específico de cultivar uma gleba indivi-
dual é perdido se a família a mantiver ociosa (...). Sempre que uma tribo de
agricultores de alqueive de floresta possuísse abundância de terras à sua
disposição, uma família não teria nenhum interesse particular em retornar
precisamente para aquela gleba que ela cultivou em ocasião anterior. Nes-
sas condições, uma família que resolvesse se deslocar para uma nova
área, precisaria apenas encontrar um lote adequado ou solicitar um novo
lote ao chefe da tribo (...).
A situação, no entanto, tende a mudar, com o aumento da popula-
ção, já que as melhores áreas de terra tornam-se escassas. Nessas condi-
ções, as famílias tendem a se ligar mais às glebas que vinham cultivando em
ocasiões anteriores.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 45
46
F igu ra 1

Di r e i t o s T e r r i t o r i a i s d e C a ç a e C o le t a
Caçadores / Coletores

Mercado Externo de
Surgimento da Agricultura Concessã o de Terra s
1

Escravidã o Reservas Exte rnas


Floresta de Repouso / Alqueive Direitos Gerais de Cultivo e Pastoreio 6 de Traba lho

2
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Sur g i me n t o d e Di r e it o s a P a r ce l a s E s p e c íf i ca s d e Te r r a
5
3
Pastagens Direito de Tributar a Terra Latifúndio
de Alqueive 5 Latifúndio
com
Fazendas Familiares com
Contrato de
Propriedade Comunal Escravidão
Trabalho
Sistemas Senhoriais
Arrendamento, Ocupa ntes, Auto-Cultivo em Fazenda Própria
4
Maiores direitos
aos cult ivadores 8
9 15
Culturas Direitos Irrestritos
de Compra e Venda Crescimento dos Direitos dos Senhore s Feudais Aboliçã o da Escravatura
Permanentes

Fazendas Familiares Propriedade de Aluguel Hacienda


Propriedade Privada Operadas por Arrendatários Arrendatários e Proprietários Fazendas Comerciais
Fazendas do Estado

Estudos NEAD 5
F igu ra 2

L a ti f ú n d i o
P r o p r ie d ad e d e A lu g u e l H a ci e nda A ssal ari ado
Culturas Fazenda Familiar O p e r a d a p or A r r e n d a t á r i os A r r e n da t á r i o s
Permanentes Proprieda de Comuna l e
P r op r i e t á r i o s

11

Reforma Agrária
7 12 Restrições de
Arrendamento
10

Direitos
Irrestritos de Junker
Ve nda 12 Ope rada pelo Dono

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


4 11

Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS)


Reforma Agrá ria
Subsídios
15

Sistemas Fazenda Familiar Fazendas Coletivas Fazenda Mecanizada


Contemporâneos Propriedade Privada do Estado e Comercial
14 La t i fú n d i o
13 com con tratos

Questões de -Emissã o de Títulos e -Descoletivização -Eliminação de Subsídios -Reforma Agrária Redistributiva


Registros de Terras -Reforma Agrária Re distributiva -Tributa çã o das Terras
Política -Regulação de Arrendamentos -Regula çã o do Arrendamento -Contra tos de Produção
Agrária -Fragmentação e Consolidação -Tributação das Te rras
-Tributa çã o das Terras
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

47
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Nesta fase, quando a ligação de famílias individuais a determinadas áreas


de terras se tornar mais permanente, começa a surgir o costume de se arrendar
terras. Se uma família não precisa usar uma determinada fração de terra, durante
um certo período, pode arrendá-la a outra família (...) sujeito à condição de que a
terra será devolvida, quando solicitada (...). Essa prática do arrendamento distin-
gue-se frontalmente da venda da terra, onde o antigo ocupante da terra perde
todos os direitos sobre ela.
Portanto, a ligação de famílias individuais a determinadas áreas de
terras torna-se cada vez mais importante (...). À medida que uma quantida-
de crescente de terra fica sujeita a direitos específicos de cultivo, restará
pouca terra disponível para ser distribuída pelo chefe da tribo (...). Contanto
que o direito geral ao cultivo não tenha perdido toda a sua importância,
existe uma forte distinção social nas comunidades rurais entre as famílias
que cultivam, por um lado, e as famílias sem direito ao cultivo, por outro,
sendo que este último grupo consiste de forasteiros, que podem ser es-
cravos ou não (...). No entanto, mesmo os forasteiros que não são escra-
vos no sentido legal, não têm outra escolha a não ser o trabalho servil para
os senhores ou para os demais membros da tribo dominante (...).
Tanto nos sistemas de alqueive de curto prazo quanto no de longo
prazo, a terra alqueivada, em qualquer tempo, fica à disposição para o
pasto de animais domésticos pertencentes às famílias detentoras de di-
reito ao cultivo (...). Os direitos comuns dos agricultores, de usar a terra de
alqueive para o pasto, em geral sobreviverão por muito tempo após o
desaparecimento do direito geral de incorporar novas áreas de floresta (...)
(Boserup, 1965, pp 79-86).
A análise de Boserup deixa claro que os direitos de propriedade de terra
não são simples e raramente não possuem restrições. À medida que a terra vai
se tornando escassa, os direitos gerais hereditários de cultivo e pasto são
complementados pelos direitos de retomar o cultivo de glebas específicas após
o alqueive (seta 2), direitos de herdar determinadas áreas, ao invés de herdar
apenas o direito ao cultivo, direito de arrendar ou alugar a propriedade, direito
de usá-la como garantia em transações de crédito informais, e direito de vendê-
la dentro da comunidade (seta 3). Quando o direito de vender inclui a venda a
indivíduos de fora da comunidade (seta 4), desaparecem os últimos vestígios
dos direitos gerais de cultivo e surgem os direitos de propriedade privada. Os
direitos gerais sobrevivem apenas como direitos ao pasto e à colheita em áreas
comuns de pastagem e de florestas, cujo solo não é apropriado para a lavoura
ou para o pasto intensivo.
Até mesmo onde prevalecem o direito e o sistema de administração
comunal, como nas comunidades indígenas das Américas, ou nas comunida-
des tribais da Ásia e da África, as famílias possuem fortes direitos específicos à
terra. Esses direitos provêem uma forte garantia de “propriedade”, contanto
que as glebas sejam cultivadas por unidades familiares individuais (Noronha,

48 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

1985; Downs e Teyns, 1988). O aluguel e a venda da terra em geral ocorre dentro
dos limites da comunidade, particularmente entre os parentes mais próximos.
Em que pesem as regras e estruturas internas desses sistemas exibirem
uma surpreendente variedade, todos os sistemas comunais possuem uma coi-
sa em comum: as vendas de terras para forasteiros ou são proibidas ou são
sujeitas à aprovação de toda a comunidade.
Os direitos de venda são freqüentemente proibidos por leis que deter-
minam que a propriedade final da terra é do Estado, ou por leis que regulam o
domínio das terras das comunidades tribais ou indígenas. As autoridades colo-
niais em geral legislavam por meio de um sistema uniforme de titularidade
comunal, aplicado a toda a terra em mãos das populações indígenas (embora as
sociedades tribais freqüentemente burlassem a proibição formal de venda de
terras; Noronha, 1985). No sistema de domínio comunal, as glebas familiares
só podem ser usadas como fiança nos mercados informais de crédito, mas não
como garantia nos mercados formais.

2. A cobrança de tributos e outras taxas dos camponeses


A história contém poucos exemplos da transformação, sem interrup-
ção, dos direitos gerais ao cultivo da terra em propriedades administradas por
famílias (setas 1 a 4, na Figura 1). Quase sempre, houve um período intermedi-
ário, dominado por uma classe de senhores que cobravam tributos, taxas ou
aluguéis das famílias lavradoras (seta 5). O domínio da terra por esses senhores
feudais (aqui chamados de latifundiários, para simplificar a exposição, qualquer
que seja o ambiente cultural ou histórico) era concedido temporariamente ou
como patrimônio permanente ou domínio de propriedade, juntamente com o
direito de cobrar tributos, taxas ou aluguel (em dinheiro, espécie, ou corvéia)
dos colonos que residiam na propriedade. Com freqüência, a liberdade de mo-
bilidade dos camponeses era restrita pelo cativeiro, ou por antigos compromis-
sos devidos aos membros do grupo dominante. Os direitos do grupo dominan-
te eram conquistados e cumpridos à força ou com a ameaça do uso de violên-
cia, e eram institucionalizados pela tradição, pelos costumes e por forças da lei
e da ordem do Estado.2 Os direitos adquiriram diversas formas e deixaram
legados históricos na distribuição de terras, no momento em que os direitos
sobre a terra tornaram-se inteiramente privados. Mais uma vez, Boserup apre-
senta a melhor descrição:
Acima das famílias detentoras de direito ao cultivo, encontra-se, em
geral, uma classe superior de chefes tribais ou senhores feudais que
coletam impostos dos lavradores (...). O surgimento de um tipo de
nobreza ou aristocracia parece se seguir à introdução do cultivo de
2
North e Thomas, 1971, interpretam na Europa Ocidental os direitos de impor tributos como sendo o surgimento de um
contrato entre os camponeses e os senhores feudais, em troca de proteção e outros serviços públicos. Essa visão ignora a
assimetria na posse dos meios de exercer o poder judicial e a violência.

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alqueive de curto prazo com a utilização de animais de tração(...). Em


geral, a posição do lavrador com relação aos seus direitos sobre a
terra não muda, porque o governo feudal se impõe e cria impostos e
taxas de serviço. As famílias lavradoras continuam a manter seus
direitos hereditários ao cultivo, tanto os gerais quanto os específi-
cos, e a redistribuição de terras pelos chefes do vilarejo pode conti-
nuar, sem a interferência dos senhores feudais. A terra também não
se torna alienável para venda; a doação de terras, por parte dos se-
nhores feudais, para membros da nobreza ou outros é simplesmente
a transferência do direito de cobrar impostos, e não interfere com os
direitos de cultivo hereditários dos camponeses. Em outras palavras,
os beneficiários dessas doações não se tornam proprietários da terra,
no sentido moderno (...). (pp 82-84).

Uma estrutura analítica para a evolução das relações agrárias.


Para se efetuar uma análise da evolução das relações agrárias e a corres-
pondente distribuição da propriedade de terras, existem diversos pontos-cha-
ves. O primeiro é o de que as condições favoráveis na agricultura dão origem a
uma potencial receita rent-seeking, ou receita excedente e oferecem um incentivo
para que os grupos detentores de poder político e militar tentem se apossar dos
aluguéis ou excedentes. O segundo é que, com tecnologia rudimentar não há
economias de escala na agricultura, e que as famílias de agricultores indepen-
dentes, são, do ponto de vista econômico, o modo mais eficiente de produção,
com exceção de um limitado grupo de culturas (ver Seção 4). Quando compara-
das com as grandes propriedades, que se amparam no trabalho contratado ou
arrendado, as propriedades administradas por famílias economizam com os
custos de fiscalização do trabalho, ou eliminam as ineficiências e limitações
dos custos de supervisão associados ao arrendamento.
Portanto, nos lugares onde a densidade populacional é baixa, os campo-
neses estabelecerão as suas próprias fazendas nos matagais, escapando assim
do pagamento de impostos, taxas ou aluguéis ao senhor feudal. A cobrança de
tributos, nestas condições, exige a coação. Ou então, a receita do camponês autô-
nomo se reduz ao ponto de obrigá-lo a se oferecer, voluntariamente, como traba-
lhador ou arrendatário, aos detentores de vastas áreas de terra, em troca de um
salário, renda ou compartilhamento de safra, que dão o mesmo nível de retorno
que ele teria se continuasse como lavrador autônomo.3 O uso da coação não é
mais necessário. O retorno pode ser reduzido com a modificação do acesso dos
agricultores autônomos a terras de boa qualidade. Os grandes proprietários po-
dem também tentar aumentar a oferta de trabalho ou trabalhadores em suas
propriedades, influenciando os governos a intervir, mediante taxação diferencia-
da de trabalhadores e proprietários, em propriedades grandes e pequenas, ou
mediante limitações de acesso ao mercado, que diminuem a lucratividade dos
3
Levando em conta toda a redução de risco que o latifundiário seja capaz de oferecer, como parte do acordo.

50 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

camponeses independentes, reduzindo, assim, o preço reserva do trabalho. Es-


sas distorções econômicas aumentam a receita que se destina aos grandes fa-
zendeiros a um custo para a economia de eficiência produtiva mais baixa.
Quando os camponeses têm condições de estabelecer livremente as
suas fazendas, torna-se muito difícil operar grandes propriedades com traba-
lho contratado, sob administração única. Com tecnologia rudimentar, não há,
em geral, economias de escala (Seção 4). Insumos básicos, como animais de
tração, dão origem a economias de escala decrescentes em fazendas de porte
muito pequeno. Para propriedades maiores, a mesma combinação de animais
de tração e o condutor desses tem que ser repetida diversas vezes, o que
produz retornos técnicos constantes. Os desincentivos ligados ao trabalho
contratado dão às fazendas administrada por famílias uma vantagem de custo
sobre as fazendas grandes: não há custos de contratação de membros da famí-
lia, eles têm mais incentivos de trabalho do que os trabalhadores assalariados,
porque eles ganham uma participação nos lucros e, por último, os custos do
aprendizado específico é mais baixo.
O aluguel de fazendas inteiras para famílias arrendatárias (arrendamento
compartilhado) ou a concessão de direito de usufruto aos colonos em troca de
tributo permite que os grandes proprietários contornem muitos dos efeitos
desses desincentivos, inerentes à grande propriedade baseada em trabalho
assalariado, e tiram proveito do trabalho da família arrendatária. Entretanto, o
arrendamento compartilhado possui alguns incentivos de custo que lhe são
próprios (Seção 6) e mesmo no caso de arrendamento a preço fixo existem
problemas de fiscalização e de risco moral.
Quando uma oferta de trabalho torna-se disponível, os grandes proprietári-
os podem organizar suas operações ou por meio de Propriedade do Senhorio, com
toda a propriedade cultivada por colonosarrendatários, ou por meio de estâncias, com
trabalhadores cultivando parte da propriedade para sua própria subsistência, como
arrendatários ou detentores do direito de usufruto, fornecendo corvéia, ou serviços
braçais para cultivar a fazenda familiar do proprietário (ver Glossário). Já que os
arrendatários que compartilham a colheita não recebem seu produto marginal por
inteiro, as propriedades do senhorio baseadas em pagamentos integrais de aluguel
seriam a forma mais eficiente de operação, seguida das propriedades do senhorio
organizadas em torno do aluguel compartilhado. A estância seria menos eficiente,
uma vez que os trabalhadores braçais têm pouco incentivo para investir e o cultivo
da fazenda familiar, por parte do proprietário, implica em custos de fiscalização do
trabalho. Essas questões são aprofundadas a seguir.
Coação: de acordo com Boserup, 1965, “o trabalho servil é uma caracte-
rística marcante das comunidades que têm uma estrutura hierárquica. Essas
comunidades, entretanto, estão cercadas por uma grande quantidade de terras
sem controle, adequadas a métodos de cultivo de alqueive de longo prazo, e
isso, por sua vez, torna impossível impedir que as pessoas das classes mais
baixas encontrem meios alternativos de subsistência, a não ser que essas pesso-

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as estejam aprisionadas” (p. 73). Tradicionalmente, são empregadas quatro


maneiras de se aprisionar o trabalho nas grandes propriedades: escravidão,
servidão, contratos leoninos de trabalho e dívida de peonagem.
Meillasoux, em 1981, demonstrou que na escravatura mercantil, onde os
escravocratas compravam os escravos, em vez de capturá-los, estes devem
produzir para o mercado que financia os escravos.4 Em áreas de população
esparsa de caçadores e coletores de alimentos, e com ligações com mercados
externos, como no sudeste dos Estados Unidos, na costa leste do Brasil e no
promontório sul-africano, as grandes fazendas tiveram que importar escravos e
trabalhadores (seta 6).5 A mão-de-obra nativa ou era muito escassa para prover
uma oferta de trabalho estável, ou simplesmente se mudava.
As grandes propriedades situadas em áreas de oferta abundante de
trabalho, como as ilhas açucareiras do Caribe e as Ilhas Maurício, as planta-
ções de chá do Ceilão (Sri Lanka), Índia, Malásia e Sumatra, e a África do Sul,
tinham condições de se apoiar em trabalho contratado, ao invés de escravos
(seta 7). Os trabalhadores tinham que passar por um estágio de aprendizado
para impedi-los, pelo menos durante esse prazo de experiência, de estabele-
cerem seus próprios lotes, ou de partir para a mineração. As leis e a força
policial eram empregadas para fazer cumprir os contratos e assegurar a
recaptura e retorno de escravos fujões. O custo de capital dos escravos, a
necessidade de dinheiro para o recrutamento de trabalhadores contratados
oriundos de terras distantes e a ausência de mercados de alimentos, na ver-
dade, implicaram em que esses sistemas só poderiam ser utilizados em la-
vouras que dispunham de mercado de exportação.6
A servidão era usada em regiões um pouco mais densamente povoadas,
com uma população camponesa estabelecida, e produção dirigida primordial-
mente ao consumo local (seta 5). Os camponeses teriam se mudado para terras
mais distantes para fugir à servidão. Não se podia importar escravos, porque
não havia ganhos de exportação para comprá-los. Os senhores feudais obtive-
ram o direito de amarrar a população de pequenos agricultores à terra, e tam-
bém de coletar impostos ou usufruir de serviços braçais. Esse padrão surgiu
durante os períodos feudais na Europa Ocidental, na China e no Japão e na
América, no período pré e pós-colombiano, e sobreviveu na Europa Oriental até
o final do século XIX (Blum, 1977).

4
Mesailloux mostra também que esses sistemas de escravidão mercantil dependiam dos sistemas de escravidão aristocrática, os quais
se engajavam na reprodução da população escrava por meio de conflitos armados e de ataques de surpresa às populações dispersas
de camponeses. Domar, 1970, correlaciona os direitos de propriedade de pessoas – escravidão e servidão – à abundância de terras,
o que torna impossível a coleta de receitas residuais da terra. O que ele não distinguiu é que a escravidão, a compra da força de
trabalho, requer altos níveis de capital, que só pode ser financiado se houver um mercado, ao passo que a servidão implica na
cobrança de um tributo, não envolvendo uma transação de compra, portanto, não é necessário um mercado.
5
Para uma discussão sobre a transição da escravatura para a servidão, ver Messailoux, 1991.
6
As zonas temperadas das Américas (Canadá, Nordeste dos Estados Unidos, Sul do Brasil e Argentina) escaparam da escravatura
porque os seus produtos não tinham condições de serem exportados, competitivamente, para a Europa, também na zona temperada,
até o advento do navio a vapor e das linhas de ferro, tempo em que a escravatura já tinha saído de moda. As culturas tropicais e
subtropicais de açúcar, algodão e tabaco não enfrentavam qualquer tipo de competição nos mercados europeus.

52 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

A dívida de peonagem, ou trabalho vinculado, uma outra forma de coa-


ção sobreviveu em muitas regiões, mesmo aquelas com alta densidade
populacional. Quando os latifúndios passaram a competir por trabalho com as
minas, enfrentando, em conseqüência uma aguda escassez de mão-de-obra,
como ocorreu na Guatemala e no México no século XIX, ou na África do Sul no
século XX, as leis de repressão à vadiagem mantinham uma boa quantidade de
potenciais trabalhadores na prisão, em razão de uma série de pequenos delitos
(ver Tabela 1). Na África do Sul, os fazendeiros podiam investir em presídios, em
troca de direitos ao trabalho dos encarcerados. Esses direitos podiam até mes-
mo ser comercializados.

Distorções econômicas
Quando se tornou impossível, ou insuficiente exercer a coação, os gru-
pos dominantes conseguiram provocar a intervenção dos governos para criar
distorções econômicas, destinadas a gerar oferta de trabalho para as suas
fazendas. Aqui a densidade populacional já era alta o suficiente para que a
agricultura de longo alqueive substituísse a caça e coleta de alimentos e com
isso, os camponeses tiveram condição de estabelecer administrações agrícolas
independentes, em áreas sem escravidão ou servidão. Com tecnologia idêntica
e um mercado competitivo para a produção, o cultivo da fazenda familiar com
trabalho assalariado não seria competitivo para as fazendas-sede, por causa
das desvantagens de incentivos e dos custos de fiscalização do trabalho.
Conseguir que os camponeses autônomos se mudassem para o latifún-
dio exigia a diminuição da utilidade esperada, ou dos lucros no setor de campo-
neses autônomos – utilidade esperada do cultivo familiar, incluindo os atribu-
tos de risco do fluxo de renda correspondente – ou alterar a sua curva de oferta
de trabalho para a direita. Isso foi obtido com o uso de quatro mecanismos:
• redução da terra disponível para cultivo pelos camponeses pela alocação de
direitos a terras “desocupadas” de modo que estas fossem concedidas somen-
te aos membros da classe dominante, confinando, desta forma, o cultivo dos
camponeses a áreas não-férteis ou remotas, com pouca infra-estrutura e de
difícil acesso ao mercado (a Tabela 1 apresenta uma lista de diversos casos, em
todos os continentes, onde o acesso a terras de alta qualidade era restrito).
Assim, os lucros das fazendas ou a utilidade sobre as terras dos camponeses
autônomos ficavam reduzidos pelo aumento dos requisitos de trabalho, ne-
cessários para a produção de uma unidade de produto em terras ruins, pelo
aumento dos custos de transporte e comercialização, e pelo aumento dos pre-
ços dos bens de consumo importados à região;
• imposição de tributação diferenciada com a exigência de pagamento de
tributos individuais, e impostos territoriais e prediais dos camponeses (em
dinheiro, espécie ou serviço braçal), isentando de impostos os arrendatários ou
trabalhadores empregados nos latifúndios, ou impondo a estes uma taxação
com alíquotas bem inferiores. Esses sistemas eram amplamente utilizados na
Europa Ocidental durante o período feudal, no Japão antigo, na China, Índia, e

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no Império Otomano, bem como por todos os poderes coloniais (Tabela 1). Os
sistemas tributários da Europa Oriental e do Japão sobreviveram até a segunda
metade do século XIX. Conquanto que os camponeses autônomos pudessem
pagar as contribuições ou impostos em espécie ou em dinheiro, e tivessem
igual acesso aos mercados de produção, à tributação, por si só, não era sufici-
ente para produzir uma oferta de trabalhadores ou arrendatários. Inventaram-
se, assim, outros complementos à tributação;
• restrição de acesso ao mercado, com o estabelecimento generalizado de esque-
mas de mercado cooperativos ou monopolistas, que compravam apenas a produ-
ção oriunda das propriedades da classe dominante. O sistema de prazo em
Moçambique combinava direitos ao trabalho e tributos dos camponeses com mo-
nopólios dos insumos e produto. No Quênia, a produção de café pelos nativos
africanos era proibida terminantemente, até a década de 50. Os monopólios euro-
peus sobre as vendas de tabaco no Zimbábue e Malawi foram transferidos direta-
mente para grandes fazendas, depois que esses países ganharam a independência;
• confinamento dos bens e serviços agrícolas (estradas, extensão, crédito) às
fazendas das classes dominantes, ou concessão de subsídios diretos a essas propri-
edades foi também um meio de aumentar a sua produtividade, em detrimento
das fazendas dos colonos.7
Tabela 1: Intervenções para estabelecer e apoiar grandes fazendas

7
No Zimbábue, os africanos foram incentivados a cultivar milho, por meio do “Programa Master Farmer”, no final dos anos 20,
quando os fazendeiros europeus descobriram que era mais lucrativo plantar tabaco e algodão. Quando esses mercados
desmoronaram, introduziu-se o monopólio da comercialização e o sistema dual de preços, e o “Programa Master Farmer” foi
abandonado. Na época, os responsáveis pelo programa declararam publicamente que nunca tiveram a intenção de “ensinar
aos nativos” a produzir milho, para competir com os fazendeiros europeus.

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Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

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Por vezes, os quatro tipos de distorções eram complementados por


intervenções coercivas no mercado de trabalho – as leis de vadiagem, a dívida
de peonagem e a escravidão rural são exemplos disso – para tornar mais fácil a
manutenção de trabalhadores ou colonos nos latifúndios.
Já que esses quatro mecanismos envolviam regras legais ou consuetudi-
nárias amparadas pelo Estado, implicavam numa coalizão entre os grandes
proprietários e o Estado. A combinação de distorções utilizada para estabele-
cer latifúndios em áreas de baixa densidade populacional, é extraordinariamen-
te semelhante em todos os continentes e ao longo do tempo (Tabela 1). A
primeira incidência registrada que encontramos foi em Arthasastra (Índia), no
século IV a.C. Tendo os membros do grupo dominante começado a estabelecer
uma produção agrícola viável, a obtenção de trabalhadores para atuar em suas
propriedades, em número suficiente, exigia intervenções em mais de um merca-
do. O padrão mais comum era combinar restrições sobre o uso da terra com
taxação diferenciada. Os grupos pertencentes a diferentes culturas, etnias e
religiões – os otomanos, os hauçás e os fulanis, da África, os fujiwara, no Japão,
e todos os outros poderes coloniais europeus – impunham esses sistemas,
tanto aos povos oriundos de mesmas etnias, quanto os de diferentes origens,
quando se apresentavam as mesmas condições materiais. Ao que parece, fo-
ram as condições materiais de produção, e não a cultura, o que levou ao
surgimento das distorções.

As relações de produção nos latifúndios


Tanto nas propriedades do senhorio quanto nas estâncias, a corvéia, em
parte da propriedade ou em toda a sua extensão, era usada para os trabalhado-
res com contrato de arrendamento ou direitos de usufruto. Nas estâncias, os
serviços braçais não-remunerados dos camponeses detentores de direitos de
usufruto sobre determinados lotes da propriedade, são utilizados para cultivar
a Fazenda Sede do proprietário. A corvéia pode incluir os serviços de seus
animais de tração e arados. O trabalho braçal dos arrendatários constitui-se no
todo ou em parte do pagamento do aluguel pelo uso da terra. Os camponeses
podem ter a liberdade de abandonar o latifúndio, ou se verem confinados ao
mesmo. Em alguns casos, os camponeses recebem um salário como parte do
pagamento por seu trabalho. Com freqüência, a mão-de-obra residente na pro-
priedade é complementada por trabalhadores sazonais assalariados.
A enorme variedade de nomes e detalhes desses arranjos e a variação de
sua evolução local ao longo do tempo interpõem-se como obstáculo para se
efetuar uma análise comparativa, dentro de um mesmo quadro teórico. Mesmo
assim, existem alguns elementos comuns.
Os latifúndios prevaleciam na China, Coréia, Japão, Índia Ocidental,
Paquistão, Irã, Egito e Etiópia. Em muitos ambientes coloniais, era fácil para os
senhores restringirem as alternativas dos camponeses e manterem o controle

56 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

sobre a terra e sobre o trabalho e, às vezes, sobre os mercados de produção. As


estâncias surgiram, como forma predominante de latifúndio, na Argélia, no Egito,
no Quênia, na África do Sul, no Zimbábue, na Bolívia, no Chile, em Honduras, no
México, na Nicarágua, no Peru e em outros países latino-americanos, bem como
nas Filipinas, na Prússia e em outras regiões da Europa Oriental.
A fazenda-sede do senhor feudal com freqüência excedia em muito a
área propriamente cultivada. Um dos principais objetivos de manter o domí-
nio dessas enormes extensões de terras era restringir o acesso das popula-
ções nativas ao cultivo independente, e uma vasta porção dessas terras per-
manecia como floresta ou alqueive, ou era designada para o pasto extensivo
do gado. No auge do período feudal na Europa Ocidental, apenas entre um
quarto e metade da área total dos latifúndios era cultivada pelo proprietário
da fazenda-sede. Nas estâncias latino-americanas e africanas, essa propor-
ção era, inicialmente, muito mais baixa, e chegava a apenas um décimo do
total (Palmer, 1979; Chevalier, 1963).
Muitos relatos históricos apontaram para a falta de competitividade e
limitada lucratividade do cultivo de grande escala das fazendas sede, quando
comparadas aos latifúndios, nos quais toda a terra é arrendada. Essa desvanta-
gem relativa é também corroborada por um grande número de estudos quantita-
tivos. Os registros do século XVIII e começo do século XIX mostram que, para as
estâncias pesquisadas no México, em todos os casos, os proprietários teriam
tido um lucro maior se tivessem arrendado todas as suas terras, em vez de culti-
varam, eles próprios, suas fazendas-sede (Brading, 1978). Muitos senhores feu-
dais sobreviveram economicamente à competição dos produtores independen-
tes apenas por causa de seu acesso aos mercados de capital e à armazenagem em
grande escala do milho, que era vendido a preço bem mais alto nos anos de safra
ruim (Florescano, 1969). O mesmo se aplica a muitas das estâncias chilenas e
peruanas dos séculos XVI e XVII, as quais produziram um retorno de capital de
cerca de 4,5% consideravelmente inferior à taxa de mercado aplicada sobre os
empréstimos contratados pelos senhores feudais para manter seus padrões de
vida. Aqueles senhores só conseguiam amortizar esses empréstimos em razão
da rápida desvalorização da moeda e da valorização de suas terras (Moerner,
1973:204). A produtividade do trabalho e a produção total nas propriedades dos
patrões eram a metade daquelas registradas nos lotes dos arrendatários no Peru.
Chegou a apenas um quarto no Equador (Pearse, 1975:91).
O que pode explicar a quantidade total de tributos excedentes e aluguel que
eram cobrados dos colonos nos latifúndios? A explicação predominante para as propri-
edades européias era um modelo demográfico-econômico baseado em Malthus e
Ricardo (ver, por exemplo, Postan, 1973), que relacionam a carga tributária à escassez
relativa de terras e mão-de-obra. Antes de controlarem a maioria das terras e antes de
poder exercer a coação sobre a mão-de-obra, atraindo ou retendo os camponeses em
seus latifúndios, em áreas de baixa densidade populacional, os grupos dominantes
exigiam que a utilidade dos camponeses no latifúndio excedesse a sua reserva de

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utilidade para a agricultura de subsistência nos matagais ou nas áreas de onde eles
foram forçados a emigrar. Na Europa, a leste do Rio Elba, esses termos em geral incluíam
a concessão de direitos hereditários de usufruto. No início, boa parte do trabalho de
corvéia era dedicado à construção e manutenção de infra-estrutura.
Conquanto que as densidades populacionais fossem baixas, as exigências
de corvéia tinham que ser reguladas e impostas pelo Estado. Todavia, à medida que
o crescimento da densidade populacional e o aumento da escassez de terras redu-
ziram a mobilidade dos camponeses, tornou-se possível aumentar a quantidade de
tributos cobrados e transformá-los, de forma crescente, numa obrigação de traba-
lhar na fazenda-sede do senhor feudal. As exigências de que se trabalhasse nessas
fazendas durante dois ou três dias na semana na Europa feudal, na Rússia do
século XIX, no Quênia, em 1918, e nas Américas do Sul e Central, começaram a
aumentar com o aumento da escassez de terras. No Quênia, a exigência de corvéia
para os grileiros e suas famílias aumentou para cinco dias por semana ao final do
Período Colonial (Lei do Trabalho Residencial, Quênia, 1939).
Este simples modelo demográfico econômico não explica, entretanto, por-
que as regiões européias reagiram de maneira tão diferente ao declínio populacional
causado pela peste do século XIV. A queda de arrecadação tributária associada à
redução da população contribuiu para a erosão da servidão na Europa Ocidental,
mas levou à sua imposição na Europa Oriental. Nos debates sobre o desapareci-
mento do feudalismo na Europa, Brenner (1976, 1982) estabelece claramente que
os fatores econômicos, tais como a densidade populacional e o acesso ao merca-
do, sozinhos, não são suficientes para determinar a distribuição de renda entre
camponeses e senhores no latifúndio. Na melhor das hipóteses, eles determinam
não a quantidade real de tributos ou de excedente que poderia ser cobrada dos
camponeses, mas a quantidade potencial máxima. O êxito dos senhores feudais de
extrair tributos dependia do seu poder político sobre a terra, do poder de monopo-
lizar os mercados e controlar a movimentação dos camponeses, em relação ao
poder dos camponeses de resistirem a esses esforços.

O regateio entre camponeses e senhores e a distribuição de renda


Portanto, a quantidade de aluguel que se cobrava dependia do resultado
de um jogo de regateio, o conflito político, a luta de classe sobre a definição dos
“direitos de propriedade” no sentido mais amplo. Isto quer dizer que a coesão
dos senhores, em relação à coesão dos camponeses e o êxito das alianças que
poderiam ser forjadas – com o rei, com a burocracia, com outros setores produ-
tivos, com o setor financeiro e com os interesses externos – são aspectos
centrais da análise sobre a mudança ocorrida nos instrumentos de coleta do
excedente para a classe dos latifundiários.
No regateio sobre os termos da distribuição de renda entre colonos e senhores,
no latifúndio, há que se tratar de dois conjuntos de questões. Um é a definição do
conjunto aceitável de direitos de propriedade e de relações de troca, voluntárias ou

58 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

coagidas, incluindo aqui os instrumentos usados para fazer cumprir essas relações.
Aqui se inclui a habilidade do senhor feudal de impor restrições sobre a mobilidade dos
camponeses e sobre os mercados de produção, sobre os amplos termos dos aluguéis
legítimos (usufruto hereditário, aluguéis de longo prazo, aluguéis de curto prazo), sobre
as formas disponíveis de pagamento de aluguéis (em dinheiro, em espécie, em serviço
braçal, aluguel fixo, compartilhamento da safra) e sobre as sanções (expulsão, castigo
físico, multas), ou os instrumentos que podem ser usados para o cumprimento dessas
mudanças. O outro é a determinação da combinação ótima e o nível de utilização de
cada instrumento, para maximizar a coleta do excedente, adotando as alternativas
disponíveis. Embora essa questão seja mais receptiva à análise econômica do que o
problema do conjunto aceitável de instrumentos, há poucos exemplos de modelagem
deste problema, até mesmo em cenários sem coação (ver, por exemplo, Carter e Kalyfan,
1990; Carter e Zimmerman, 1992; e Sadoulet, 1992). 8
Este segundo problema pode ser entendido como um processo de regateio
entre o proprietário e os potenciais arrendatários. O senhor feudal que maximiza a sua
receita ou utilidade à limitação da reserva de utilidade do arrendatário, determina os
termos do arrendamento, o tamanho da gleba do arrendatário, e o tamanho de sua
própria fazenda-sede, de acordo com as seguintes considerações: ele pode estabele-
cer a carga tributária total do trabalhador. Ele pode repartir o aluguel em corvéia,
pagamentos fixos de aluguel em dinheiro ou espécie e em compartilhamento da safra,
cada um destes com o seu próprio problema de incentivo. Ele pode escolher a quan-
tidade de terra a ser alocada à sede da fazenda, conhecendo quais incentivos serão
necessários para motivar o trabalho e sabendo também que a fiscalização é cara. Ele
pode escolher o tamanho do lote destinado ao arrendatário, sabendo que as fazen-
das familiares oferecem altos incentivos à produção, mas podem levar os colonos a
concentrarem-se em seus próprios lotes, e não prover esforço de trabalho suficiente
ao cultivo da fazenda-sede.
Com os colonos livres para partir, a principal limitação enfrentada pelo
senhor feudal é a de que ele não poderá trazer a utilidade recebida pelos seus
arrendatários abaixo de sua reserva de utilidade – o que eles poderiam receber por
trabalho fora da propriedade, ou no mercado de trabalho urbano. O colono, por sua
vez, pode variar na quantidade de esforço dedicado à sua própria fazenda, ou partir
para áreas de fronteira, reservas indígenas, ou para os mercados de trabalho urba-
no. Assim, mesmo sem a coação ou a capacidade de afetar a reserva de utilidade, o
proprietário parece contar com uma abundância de instrumentos para trazer o
colono à sua reserva de utilidade. Sem restrições adicionais no problema do rega-
teio, a sua solução pode ser indeterminada.
8
Carter e Kalyfan (1990) mostram que a combinação das restrições de fiscalização do trabalho e a limitação do capital de giro
podem resultar no surgimento de contratos de trabalho amarrados. Carter e Zimmerman (1992) apresentam uma extensão
dinâmica deste modelo que demonstra que o surgimento de inúmeras características marcantes das sociedades agrárias duais
é uma conseqüência de problemas de crédito e fiscalização do trabalho. Sadoulet (1992) explica que o surgimento do
arrendamento de mão-de-obra é um instrumento adotado pelo proprietário para atingir nível ótimo de seguro contra fracas-
sos do arrendatário, no caso de perda da safra. A covariância de safras entre a fazenda-sede do proprietário e os lotes dos
arrendatários é, no entanto, ignorada. Porém, nos anos de perda de safra o trabalho dos arrendatários também não tem valor
na fazenda-sede, e forçar o arrendatário a provê-lo apenas implica no aumento dos custos de fiscalização. Portanto, a
explicação de Sadoulet não é boa.

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As limitações ao problema do regateio, impostas pelo Estado – restrições


à mobilidade dos camponeses, restrições sobre o tamanho da gleba a ser alocada
aos colonos com relação à hereditariedade do direito de usufruto, ou as restri-
ções impostas pelas exigências tributárias, de aluguel ou corvéia, por exemplo –
podem simplificar a estrutura do problema do regateio, em cenários históricos
específicos. Porém, essas regulações externas de fato mudaram, embora lenta-
mente, como reação a forças (densidade populacional e conflitos políticos), por-
tanto não podem ser vistas como verdadeiramente exógenas. Assim, persiste a
complexidade do problema.

Recompensa, coalizões e conflito


O problema analítico torna-se ainda mais complexo ao se incorporar a
receita rent seeking ou a cobrança do excedente, mediante esforços de modificar
o conjunto de instrumentos que os senhores têm a seu dispor. Uma coalizão de
proprietários pode tentar induzir o Estado a manipular a reserva de utilidade
dos camponeses e pode ter êxito, se os camponeses e trabalhadores não esti-
verem bem organizados, ou se oferecerem resistências às mudanças. Não en-
contramos nenhum modelo que abordasse formalmente essas escolhas, ou
problemas de teoria dos jogos, mas a literatura é rica em discussões das mu-
danças do grau de coação do sistema e em mudanças em outros instrumentos.
North e Thomas, 1971, por exemplo, num modelo de regateio informalmente
montado, analisam as escolhas entre tributos em dinheiro ou espécie e mão-
de-obra não remunerada, e sugerem que a corvéia tinha a preferência sobre o
pagamento de tributo em espécie nos lugares onde os mercados de produção
eram limitados, e os preços relativos dos bens tinham uma alta variação. Exis-
tem, no entanto, diversos outros exemplos, de sociedades de fronteira, sem
mercados externos, nas quais o tributo era cobrado em espécie.
Ao passo que a questão do regateio foi sujeita à pouca análise formal, os
sistemas de latifúndios são às vezes interpretados como o resultado de um contra-
to de aperfeiçoamento da eficiência entre os colonos e os senhores da terra. Os
senhores fornecem proteção e outros bens públicos (que são produzidos com
economias de escala e exigem uma certa especialização), em troca de tributo ou
aluguel (North e Thomas, por exemplo). Esta é uma interpretação plausível para
cenários com abundância de terras, onde as taxas de tributos ou receitas de traba-
lho têm que ser estabelecidas baixas o suficiente para atrair imigrantes. Entretanto,
existem dois problemas importantes com respeito a essa interpretação.
Em primeiro lugar, ela ignora a assimetria entre as partes contratan-
tes, com relação ao acesso a armamentos, leis e orçamentos de investimen-
tos públicos. O uso sistemático desses instrumentos ao longo da história
diminuiu a utilidade dos camponeses e trabalhadores para um patamar muito
abaixo da reserva de utilidade que seria obtida sem esse acesso simétrico.
Ademais, resta pouca dúvida que perdas substantivas e ineficiências dinâ-

60 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

micas tenham sido associadas a taxas e tributos, com desigualdades na


razão dos fatores entre os setores agrícolas, e com as restrições ao acesso
ao crédito e aos mercados de produção.
Em segundo lugar, a visão do contrato ignora a provável competição por
favorecimento político entre os senhores da terra, o que acrescentaria à perda
associada às restrições. A receita rent seeking competitiva, de acordo com a
literatura, provavelmente resultaria na dissipação das receitas para pagar os
custos desse favorecimento político, tais como exércitos competitivos, arse-
nais e fortificações, os quais não oferecem nenhum valor de consumo. Brenner,
1985, argumenta que no auge do período feudal os aluguéis se dissipavam
inteiramente nos custos de se competir dentro do sistema. Conflitos periódi-
cos sobre o direito de cobrar aluguel deram origem à destruição e declínio de
muitos reinados e impérios prósperos, portanto as características de eficiência
do sistema contratual se colocam em terceiro ou quarto lugar.

Conclusão
A grande questão nas relações de terras, portanto, é a evolução das rela-
ções entre camponeses e senhores ao longo do tempo. A literatura mais
aprofundada sobre este tema relaciona o latifúndio, a corvéia, e a servidão ao
surgimento do capitalismo na Europa. Dobb, 1976, interpreta o surgimento da
agricultura capitalista e a perda dos direitos de cobrar tributos como resultado
único do aumento da densidade populacional, enquanto que Sweeney, 1976,
enfatiza o papel do acesso crescente aos mercados. Brenner, 1985, mostra que
essas explicações sozinhas são inadequadas, argumentando sobre a necessida-
de de se introduzir a coesão dos dois grupos e a força das coalizões que estes
podem formar com reis ou grupos urbanos. Holton, 1977, também se aprofundou
nessas questões, bem como as teorias não-econômicas mais amplas. Em parti-
cular, Brenner aponta para a importância da coesão no seio da comunidade cam-
ponesa, no sentido de resistir às tentativas dos senhores de aumentar os instru-
mentos disponíveis, ou aumentar a intensidade de seu uso.

3. Êxito e fracasso das reformas


Como desaparece a propriedade de latifúndio? Mais uma vez, Boserup,
1965, explica de maneira sucinta: “o processo pelo qual o domínio do senhor
feudal (o latifúndio) é abandonado pode adquirir formas diferentes: às vezes a
posição dos senhores feudais com relação aos agricultores é enfraquecida;
eles perdem o poder sobre todos ou sobre a maioria dos camponeses, e termi-
nam como simples proprietários privados de suas fazendas sede (figuras 1 e 2,
setas 8, 10, e 11). Em outros casos, os senhores feudais têm êxito em seus
esforços de eliminar completamente os direitos consuetudinários dos agricul-
tores, e terminam como proprietários privados de toda a terra sobre as quais

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eles detêm direitos feudais, enquanto que os camponeses desceram ao status


de “colono porque quer”. A Grã-Bretanha, obviamente, é o exemplo clássico
deste último tipo de desenvolvimento”, pp 79-87. Nas transições do primeiro
tipo os camponeses terminam ficando com o aluguel da terra, ao passo que no
segundo tipo, o aluguel fica com os senhores feudais.
Uma vez que a reforma agrária implica a transferência de receitas da terra
da classe dominante para os agricultores, não é de se surpreender que a maior
parte das reformas agrárias de grande escala vinha associada a revoltas (Bolí-
via), revoluções (México, Chile, China, Cuba, El Salvador, Nicarágua, Rússia),
conquista (Japão e Taiwan), ou a eliminação do domínio colonial (Índia Oriental,
Quênia, Moçambique, Vietnã, Zimbábue). As tentativas de se efetuar reforma
agrária sem uma sublevação política raramente tiveram êxito em transferir uma
parte significativa das terras de um país9 (Brasil, Costa Rica, Honduras) ou o
fizeram muito lentamente em razão da falta de comprometimento político em
prover os recursos destinados a compensar os proprietários (ver Seção 5).
Três fatores vêm condicionando o resultado das reformas agrárias: se o
sistema era de latifúndio ou de estâncias; se a reforma foi gradual, com indeni-
zação, ou se ocorreu de uma só vez; e se a reforma foi realizada numa economia
de mercado ou numa economia socialista. Consideramos os dois primeiros
fatores no contexto do terceiro, o tipo de economia.

A reforma nas economias de mercado


As transições rápidas de latifúndios para fazendas familiares, numa econo-
mia de mercado (Figura 2, seta 7) deram origem a sistemas estáveis de relações
de produção. A organização da produção permanece inalterada nos sistemas
de fazendas familiares. A única diferença é que a propriedade foi transferida
dos grandes latifundiários para os colonos que já lavravam a terra, e possuíam
as habilidades e os implementos necessários para cultivar seus campos. O
envolvimento do governo na transição tem sido freqüentemente substancial,
desde o estabelecimento de tetos para o tamanho das propriedades e o valor a

9
Horowitz, 1993, modela a reforma agrária como o resultado de uma negociação regateada entre dois agentes, represen-
tando as elites abastadas e os pobres. Cada parte pode ou concordar com uma proposta de reforma ou dar início a uma
“revolta”, definida como uma loteria com três resultados: “vitória dos ricos”, “vitória dos pobres” e “manutenção do status
quo”. A estrutura de poder que, em caso revolta, determina as probabilidades de acontecer cada um desses eventos é
considerada exógena e invariável no tempo. Isto leva à definição de um plano de reforma seguro, como a evolução da posse de
terras ao longo do tempo, que constitui um equilíbrio Nash, no jogo de regateio entre senhores e camponeses o qual, em
qualquer ponto no tempo provê, para cada uma das partes, um nível de utilidade pelo menos igual ao seu nível esperado, em
caso de revolta. Horowitz demonstra que, no caso da neutralidade de risco (i) existe um único plano de reforma seguro para
toda a distribuição inicial de propriedade de terra, o que pode acarretar ou a redistribuição dos ricos para os pobres, ou a
acumulação de terras pelos ricos; (ii) para qualquer estrutura de poder, a extensão da transferência de terras é maior do mais
alto do desequilíbrio inicial de posse de terra; (iii) à exceção de casos especiais o plano de reforma seguro é um processo
prolongado, que consiste de uma seqüência de eventos individuais de reforma, em vez de uma redistribuição feita de uma só
vez. Esse enfoque é o primeiro modelo formal no qual a dependência do equilíbrio do padrão de propriedade de terra na
estrutura de poder está claramente detalhada. Os determinantes do poder, como as coalizões com terceiros, e a coesão
interna não são modelados, no entanto, mas pelo tipo, fica claro que as mudanças na estrutura de poder (tais como as
mudanças que ocorreram em muitas partes do mundo após 1945), e os instrumentos em mãos dos latifundiários, que reduzem
a reserva de utilidade dos camponeses, guardam fortes implicações para uma distribuição de terras “estável”.

62 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

ser pago pela terra, ao estabelecimento de obrigações financeiras dos


beneficiários. Muitas reformas que seguiram este padrão provêem maiores in-
centivos para os agricultores proprietários trabalharem e investirem em suas
fazendas e levou à melhoria dos resultados e ao aumento da produtividade. Os
sistemas resultantes têm apresentado grande estabilidade. Desde o fim da
Segunda Guerra Mundial, os latifúndios da Bolívia e grandes áreas na China,
Índia Oriental, Etiópia, Irã, Japão, Coréia e Taiwan foram transferidos aos colo-
nos, no rastro de reformas agrárias bem-sucedidas.
Em tese, os ganhos de produtividade associados a essas reformas
ocorrem por causa de um aumento do trabalho e incentivos de investimen-
to advindos da segurança da titularidade. Esses ganhos podem ser modes-
tos, se os colonos tiverem que compensar o latifundiário com preços próxi-
mos aos cobrados no mercado, se a segurança da titularidade foi alta, se
prevaleceram os contratos pagos em espécie, ou se os efeitos dos
desincentivos, associados ao arrendamento compartilhado forem baixos,
como sugerem Otsuka e Hayami, 1988. A evidência empírica revela que a
reforma dos latifúndios resultou em investimentos significativos, adoção
de novas tecnologias e aumentos de produtividade (Callison, 1983; Koo,
1968; King, 1977; Dorner e Thiesenhusen, 1990) e que os gastos governa-
mentais com investimentos complementares de apoio à transição da estru-
tura de propriedade de terras, tais como infraestrutura, habitação, treina-
mento gerencial, foram baixos, porque a estrutura do sistema de produção
das pequenas propriedades já existia.
Contrapondo-se à transição relativamente suave dos latifúndios para as
fazendas familiares, as reformas dos sistemas de estâncias têm sido lentas e
difíceis. O resultado, freqüentemente foi o surgimento de grandes propriedades
junker, operadas pelo dono, e com o cultivo da fazenda-sede aumentado (seta 10).
As propriedades junker produzem uma ampla variedade de safras e produtos
pecuários, utilizando uma hierarquia de fiscais, trabalhadores permanentes que
por vezes ganham uma casa com quintal e trabalhadores externos, contratados
em base diária ou sazonal. As propriedades junker são menos especializadas do
que as plantações, as quais produzem e processam um número de safras mais
limitado (este assunto é discutido na Seção 6, sobre as economias de escala) e
menos intensivas de capital do que as grandes fazendas comerciais.
A expansão da fazenda-sede do latifundiário à custa da terra cultivada
pelos colonos para seu próprio uso estaria associada a perdas de eficiência.
Portando, os latifundiários racionais não estabeleceriam propriedades junker
a menos que fossem induzidos a isto, por restrições externas, como a ameaça
de reforma agrária ou restrições ao arrendamento, formuladas para proteger
os direitos dos colonos. Antecipando-se a essas reformas, os latifundiários
muitas vezes tentaram reduzir a possibilidade de serem atingidos pelas desa-
propriações, promovendo o despejo dos colonos, os quais seriam os
beneficiários da reforma agrária. A falta de competitividade das propriedades
junker frente ao sistema de pequenas propriedades, mais produtivo, transfor-

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mou as propriedades junker em uma forma instável de relações de produção e


deu origem a um lobby muito poderoso em busca de proteção e subsídios
para introduzir e expandir a mecanização.
Ao substituir o capital subsidiado pelo trabalho, a propriedade junker
transformou-se numa fazenda comercial mecanizada de grande porte (seta 11), que
não mais dependia de grande quantidade de mão-de-obra. A mecanização in-
tensiva das grandes fazendas comerciais reduz o potencial para a reforma agrá-
ria, uma vez que não existem famílias suficientes com habilidades agrícolas, e
os implementos disponíveis nessas fazendas intensivas de capital que dêem
origem ao estabelecimento de pequenas e eficientes fazendas, apoiadas no
trabalho familiar de baixo custo. Um resultado semelhante pode ser alcançado
ao se converter estâncias ou fazendas junker em fazendas de pecuária, as quais
exigem muito pouca mão-de-obra.
As primeiras rodadas da reforma agrária na Prússia concederam o
direito de propriedade e domínio a arrendatários herdeiros, mas exigiam
que estes repassassem de metade a um terço da terra herdada aos junkers,
como compensação pela perda de seus serviços corvéia. Temendo que a
ampliação da reforma agrária iria incluir os arrendatários que ali estavam
por sua própria vontade, ou os detentores de direito de usufruto não-here-
ditários, os junkers despejaram muitos dos colonos remanescentes e passa-
ram para o cultivo com trabalho contratado.
Na América Latina, desde a Revolução Mexicana de 1910, os movimen-
tos de reforma agrária legalmente cultuavam o princípio de que a terra pertence
ao detentor do título e que a exploração indireta da terra por meio de arrendatá-
rios constitui-se em motivo para desapropriação. A lei brasileira de terras, de
1964, estabelece um teto baixo nas taxas de aluguel e compartilhamento de
safras e concede direitos de usufruto permanentes aos arrendatários, após al-
guns anos de trabalho, protegendo-os do despejo. Existem dispositivos seme-
lhantes em algumas leis agrárias na Ásia (Chuma e Associados, 1990). As restri-
ções ao cultivo pelos arrendatários na África do Sul têm raízes diferentes – eram
impostas para tornar o arrendamento menos atraente para os africanos, de quem
precisavam para trabalhar nas minas. Qualquer que tenha sido a motivação, es-
sas restrições legais ao arrendamento induziram os proprietários das estâncias a
despejarem seus colonos e expandir o cultivo da fazenda sede com trabalho
assalariado, ou mudar de ramo e passar para a pecuária, que requer pouca mão-
de-obra, ou a adotar a mecanização.10
O fato de que as propriedades junker surgiram tão somente como uma
reação à provável reforma agrária e a restrições ao arrendamento, dá suporte à
visão de que não existem economias de escala técnicas na agricultura não-
10
DeJanvy e Sadoulet, 1989, argumentam que a ameaça da reforma agrária e a sua habilidade em efetuar lobbies em aliança
com o setor urbano por subsídios e provisão de bens públicos levaram os grandes proprietários a mecanizar e fazer a transição
de estâncias para grandes fazendas comerciais mecanizadas na Colômbia (1961-68), Equador (1936-57), Peru (1964-69), Venezuela
(1959-70) e Chile (após 1972). No Equador, pode-se distinguir dois estágios separados. O despejo generalizado de colonos e
a formação de propriedades junker, até 1957, foram seguidos por um período de ênfase crescente no setor de fazendas
familiares, juntamente com a mecanização generalizada (1958-73).

64 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

mecanizada e que os problemas de incentivo, relacionados à fiscalização do


trabalho assalariado ou corvéia, excedem em muito as perdas de eficiência
ligadas aos contratos de arrendamento de longo prazo da fazenda inteira. Para
competir com sucesso com as fazendas familiares, as propriedades junker ti-
nham que achar um jeito de reduzir os custos de mão-de-obra ou aumentar
suas receitas. Tendo perdido os direitos ao aluguel ou serviços dos arrendatá-
rios ou trabalhadores, os proprietários com freqüência buscavam assegurar os
aluguéis oriundos dos setores urbano e industrial em expansão, por meio de
barreiras comerciais e subsídios para a mecanização da produção (DeJanvy,
1981). As barreiras comerciais, ao banirem ou reduzirem a competição com a
agricultura estrangeira, forçou os consumidores a subsidiar as propriedadesjunker
ou as fazendas comerciais. Dentre os exemplos incluem-se o Zollvereign* alemão,
no final do século XIX (Gerschenkron, 1965), tarifas sobre a importação de carne
no Chile em 1987 (Kay, 1992) e apoio ao preço seletivo de produtos oriundos de
unidades de grande escala no Quênia, Zimbábue e África do Sul (Deininger e
Binswanger, 1993). Os subsídios à mecanização levaram à transformação de pra-
ticamente todas as propriedades junker em fazendas comerciais mecanizadas
(seta 11). Altas somas de dinheiro foram alocadas, seja mediante o subsídio
direto à mecanização, como foi o caso do Quênia, ou por meio de crédito barato,
como ocorreu na África do Sul, Zimbábue e virtualmente toda a América do Sul,
aonde as taxas de juros reais chegavam a ser negativas (Abercrombie, 1972). A
mecanização eliminou a necessidade de depender do trabalho assalariado e re-
sultou em despejos generalizados até mesmo em países com mão-de-obra barata
– o que, do ponto de vista social, está longe de ser uma transformação ótima.
Em algumas economias de mercado, as estâncias foram convertidas em
sistemas comunais de fazendas familiares (seta 11). O domínio comunal foi
primeiro adotado no México, com o sistema ejido**, e mais tarde com as refor-
mas agrárias na Bolívia, Zimbábue e diversos outros países. Os beneficiários
ganhavam direitos de usufruto hereditário, mas as limitações sobre a venda ou
aluguel de terras com freqüência impediam o uso da terra como garantia para
crédito. As tentativas de se criar fontes alternativas de crédito por meio de
bancos especiais ou programas de crédito não tiveram êxito (Heath, 1992;
Banco Mundial, 1991). No México, uma emenda constitucional recente, apro-
vada por voto majoritário, legalizou a venda e o aluguel de terras dentro de
todos os ejidos e permitiu que cada um destes abolisse as restrições sobre as
vendas a pessoas de fora, o que transformou os ejidatários em fazendas famili-
ares operadas pelos donos.

As reformas nas economias socialistas


As reformas nas economias socialistas (Figura 2, setas 10, 11, e 12)
tomaram rumos diferentes. As Propriedades do Senhorio na antiga União Soviéti-

* Nota do tradutor: Zollvereign = uma união alfandegária formada pelos Estados alemães.
** Nota do tradutor: Ejido: no México, a terra agrícola comunal de um vilarejo, em geral alocada em pequenas frações aos
camponeses, para serem cultivadas dentro de um sistema de domínio comum, financiado pelo governo federal

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ca, no Vietnã e na China foram, no início, convertidas em fazendas familiares


(seta 10), com muita semelhança com o que ocorreu nas economias de mer-
cado. As terras agricultáveis redistribuídas mais tarde se consolidaram em
unidades com administração única ou coletiva (seta 13), nas quais a terra é
possuída e gerida sob administração única. As famílias não operam seus
próprios lotes, como é feito nos sistemas de propriedade comunal.
Na Argélia, no Chile, Alemanha Ocidental, Moçambique, Nicarágua e
Peru, as propriedades junker ou grandes fazendas comerciais foram convertidas
diretamente em fazendas do Estado (setas 14 e 15). Na maioria dos casos, os
trabalhadores continuaram como empregados sob administração única, sem
nenhuma mudança nas relações de produção internas. Ao longo do tempo,
as diferenças organizacionais entre as fazendas coletivas e as fazendas do
Estado tenderam a desaparecer.
Um desejo de manter uma suposta economia de escala na produção
e nas atividades ligadas à esta (suprimento de insumos, comercialização),
ou educar os beneficiários das reformas durante o limitado período de tran-
sição (Chile), motivou o surgimento de fazendas do Estado e fazendas cole-
tivas. Contudo, para atingir uma produção eficiente, as coletivas tinham que
enfrentar dois problemas de incentivo. Um era prover incentivos aos traba-
lhadores, um problema enfrentado com a adoção de sistemas de remunera-
ção por produto, com o intuito de recompensar o trabalho, pelo menos
parcialmente, com base no esforço empreendido. Até mesmo onde os sóci-
os das coletivas não tinham condições de redirecionar seus esforços para
os lotes privados, a falta de incentivos e de medidas disciplinadoras por
parte da administração central, resultou em forte escassez de mão-de-obra,
após a transformação das fazendas privadas em terras de propriedade cole-
tiva em Cuba (MacEwan, 1981) e Nicarágua (Enriquez, 1992).
Os outros problemas de incentivo dizem respeito às decisões de inves-
tir ou poupar, que são tomadas coletivamente. Bonin, 1985, mostra que sempre
que o financiamento do patrimônio é impedido, e os sócios não puderem
comercializar sua parte na cooperativa, o trabalhador representativo não toma-
rá decisões de investimento eficientes. Mitchell, 1990, também analisa os pro-
blemas ligados à alocação intertemporal do consumo e mostra que a distribui-
ção do poder de decisão entre os velhos (que preferem consumir) e os jovens
(que preferem investir) determina o ritmo de crescimento de um empreendi-
mento cooperativo. As fazendas coletivas bem-sucedidas tendem a se degene-
rar em empresas capitalistas (ou fazendas do Estado operadas por mão-de-
obra assalariada) ao substituírem sucessivamente os trabalhadores de salário
mais baixo por sócios mais caros (Bem Ner, 1984. McGregor, 1977, apresenta
uma justificativa teórica e exemplos empíricos da tendência dos empreendi-
mentos cooperativos a parar de investir e reduzir o número de sócios, de modo
a aumentar o consumo corrente dos sócios. Barham e Childress, 1992, mostra-
ram que as fazendas coletivas hondurenhas diminuíram o número de sócios,

66 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

ao longo do tempo, em cerca de 1/5. Portanto, o problema associado à provisão


de esforços dos trabalhadores e o consumo intertemporal demonstraram que
são pelo menos tão sérios quanto nas estâncias e nas fazendas coletivas (Bonin
e Puterman, 1986; Puterman, 1989). O mau desempenho da agricultura sob
regime coletivo de produção está bem documentado e não é de se surpreender
que os aumentos esperados da produção nas economias de escala não foram
alcançados (ver, por exemplo, Colburn, 1990, para a Nicarágua; Ghai, Kay e
Peek, 1988, para Cuba; Ghose, 1985, Wuyts, 1982 e Griffin e Hay, 1985, para a
Etiópia e Moçambique, Lin, 1990, para a China). Sempre que tinham chance, os
membros das fazendas coletivas freqüentemente votavam em favor da
redistribuição das glebas em lotes do tamanho de fazenda familiar. 11 As verda-
deiras economias de escala induziriam os fazendeiros economicamente racio-
nais a estabelecerem formas coletivas de produção (Putterman e Giorgio, 1985).
Na ausência de outras possibilidades de seguro, as formas coletivas de produção
seriam escolhidas devido ao seguro implícito que elas oferecem contra os riscos
não-covariantes, mesmo na ausência de economias de escala (Carter, 1987). En-
tretanto, a produção cooperativa não assegura contra riscos covariantes. As evi-
dências empíricas indicam que os laços sociais podem ser uma maneira menos
onerosa de assegurar contra riscos que não são covariantes (Walker e Ryan, 1990).
Na China, a produção agrícola nos seis primeiros anos após a
descoletivização de 1978 cresceu em 42%, sendo a maior parte do cresci-
mento atribuída à mudança na organização da produção (Lin, 1992; Fan, 1991;
McMillan et alii, 1989; Nolan, 1988). O Vietnã experimentou ganhos de pro-
dutividade semelhantes ao subdividir grandes fazendas coletivas não-meca-
nizadas em pequenas unidades familiares (Pingali e Xuan, 1992). As peque-
nas fazendas familiares desses dois países densamente povoados expandi-
ram o insumo de mão-de-obra e conseguiram reduzir o uso de maquinaria e
fertilizantes. Obviamente, as vantagens de incentivo da agricultura individual
superaram quaisquer perdas de eficiência, devido ao tamanho extremamente
pequeno e à fragmentação das fazendas (Wenfang e Makeham, 1992).
Em condições diferentes, como é o caso do Peru e Argélia (Melmed-
Sanjak e Carter, 1991), a privatização e a subdivisão das fazendas mecanizadas
do Estado ou coletivas não tiveram tanto êxito. A mecanização dessas grandes
fazendas já tinha ocorrido e havia reduzido o número de trabalhadores ou
colonos antes de sua coletivização. Quando essas fazendas coletivas foram
distribuídas entre os poucos colonos que ficaram, as resultantes fazendas
11
Ortega, 1990, apresenta evidência quantitativa para o declínio do setor coletivo em toda a América Latina. No Peru,
a ausência de economias de escala levou os beneficiários das reformas a efetivamente subdividir as fazendas coletivas ao
concentrarem esforços nos seus lotes privados e ao pressionarem pela subdivisão legal e concessão de títulos de propri-
edade individuais (Kay, 1983; Horton, 1972; McClintock, 1981). Estas fazendas coletivas fracassaram no Zimbábue e logo
foram abandonadas em favor de uma estratégia orientada para a pequena propriedade (Weiner, 1985). Da mesma forma,
fracassaram na República Dominicana e foram substituídas por cooperativas, com lotes de propriedade individual (Meyer,
1991). As cooperativas de reforma agrária no Panamá ficaram extremamente endividadas e usavam o trabalho muito
abaixo dos níveis de maximização do lucro (thiesenhusen, 1987). As cooperativas de produção da Argélia experimentaram
baixa produtividade, deserção de sócios, alto uso da mecanização e desemprego considerável da força de trabalho (Pfeiffer
1985; Trautman, 1985). O mesmo padrão de declínio da produção e transformação em uma propriedade coletiva junker foi
observado em Moçambique (Wuyts, 1985).

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familiares eram relativamente grandes e, ao contrário da China e do Vietnã, não


puderam ser operadas de maneira eficiente sem a contratação de trabalho assa-
lariado adicional, ou altos níveis de mecanização. Porém, a contratação de tra-
balho assalariado adicional dilui as vantagens de incentivo da fazenda familiar, e
estas não tinham nem o acesso ao crédito subsidiado nem ao alto volume de
capital, necessário para financiar o trabalho contratado ou a mecanização. Fazer
a reforma funcionar nessas condições de restrições de capital e colher os bene-
fícios de eficiência da agricultura familiar pode vir a exigir a inclusão de mais
famílias beneficiárias no programa de reforma do que o número empregado nas
fazendas altamente mecanizadas, por meio do reassentamento de camponeses
sem-terra ou trabalhadores de fora da propriedade (Parte III).

O custo social do adiamento das reformas: revoltas e guerras civis


A manutenção de uma estrutura agrícola baseada dos sistemas relativa-
mente ineficientes de estâncias custa caro. Somam-se às perdas estáticas de
eficiência12 as perdas dinâmicas de eficiência ligadas à reduzida lucratividade
do cultivo dos pequenos agricultores e à correspondente falta de incentivos
para investir em capital físico e humano no setor. Existem também os custos
dos recursos usados no favorecimento político, para criar e manter as distorções
que sustentam as grandes fazendas e contribuem para a pobreza e desigualda-
de rurais. As distorções reduzem o emprego no setor, impondo um custo de
capital. Por último, os custos sociais de não se implantar reformas muitas
vezes incluíram levantes de camponeses e guerra civil.
Considere-se o caso do Brasil, onde os custos sociais de contínuas e
enormes distorções em favor das grandes propriedades têm sido consideráveis
(Binswanger, 1991), embora sem violência. Entre os anos de 1950 e 1980, a
produção agrícola cresceu a uma taxa extraordinária de 4,5% ao ano, a área
cultivada expandiu-se a 1,5% ao ano, mas o emprego agrícola cresceu em ape-
nas 0,7% ao ano. Nesse período, as grandes fazendas despejaram a maioria de
seus colonos e trabalhadores, muitos dos quais migraram para favelas urba-
nas, ou terminaram como trabalhadores sazonais não-qualificados, em condi-
ções altamente inseguras. Um caminho de crescimento alternativo, baseado
em fazendas familiares menores poderia ter trazido oportunidades de emprego
rural e autoemprego para muitas dessas pessoas e ter absorvido, de forma
proveitosa, uma parcela substancial da população em rápido crescimento.
Na maioria dos casos, as disputas violentas e duradouras reduziram
consideravelmente o desempenho do setor agrícola e da economia como um
todo. Ao passo que os camponeses raramente são os protagonistas iniciais
nas lutas de classe ou nos movimentos revolucionários, muitos desses movi-
12
Cálculos quantitativos dessa perda de eficiência são raros, mas Loveman, 1976, estima que o Chile poderia ter economizado
aproximadamente US$ 100 milhões por ano nas importações agrícolas, se os 40% das terras não-cultivadas dos latifundiários
tivessem sido cultivadas.

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Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

mentos encontraram refúgio em áreas remotas com limitado potencial agrícola


– às vezes denominados de “áreas comunais”, “reservas”, ou “pátria” – onde os
camponeses davam apoio ativo e passivo aos guerrilheiros. Diversos estudio-
sos destacaram o importante papel desempenhado pelos camponeses des-
contentes em incidentes de violência regional ou nacional (Moore, 1966; Wolff,
1968; Huizer, 1972; Migdal, 1974; Scopol e Scott, 1976; Christodoulou, 1990;
e Krieger, 1991). As perdas resultantes desses conflitos são, certamente, difí-
ceis de mensurar, mas é possível avaliar sua magnitude a partir da duração e
intensidade dessas disputas, como mostram os casos:
• Em Moçambique, os colonos fugiram do cultivo forçado, leis de vadia-
gem, e trabalhos forçados para áreas rurais inacessíveis, as quais se tornaram os
centros principais de apoio aos guerrilheiros do Frelimo de 1961 até a indepen-
dência, em 1975 (Isaacman & Isaacman, 1983). As reformas agrárias que se inici-
aram após a independência, entretanto, resultaram em fazendas coletivas com
alto nível de mecanização e não resolveram o problema do setor autônomo. A
violência continua até hoje.
• No Zimbábue, o despejo generalizado de cerca de 85 mil famílias
das fazendas de propriedade de fazendeiros europeus, no período 1945-
51, resultou na greve geral do povo africano em 1948 e proveu a base para
o apoio prestado pelos camponeses aos guerrilheiros da União Nacional
Africana pelo Zimbábue - Zanu em 1964 (Mosley, 1983; Ranger, 1985; Scarritt,
1991, e Krieger, 1991). Os guerrilheiros aproveitaram-se do ressentimento
dos camponeses pela distribuição desigual da terra e a interferência do
Estado na produção e passaram a utilizar as reservas das tribos como base
de ataque às fazendas em mãos dos europeus. Embora um significativo
programa de assentamento, iniciado após a independência, tenha logrado
conceder terra para os nativos, algumas deficiências limitaram o êxito desse
programa (ver Binswanger e Deininger, 1993). Permaneceram as distorções
de políticas, apesar de as evidências mostrarem que as fazendas grandes
não são mais eficientes do que as propriedades menores (Masters, 1991). A
reforma agrária continua a ser uma questão importante.
• Na Guatemala, as terras comunais foram, efetivamente, desapropria-
das em 1879, por uma lei que dava aos proprietários um prazo de três meses
para registrar os títulos, sob pena de vê-las declaradas como abandonadas. A
maior parte da terra “abandonada” era então repassada aos grandes plantadores
de café. As tentativas de redistribuição ocorridas no período 1951-54 foram
abortadas após o golpe militar de 1954, quando virtualmente toda a terra que
havia sido submetida à reforma agrária foi devolvida aos antigos proprietários,
e as fazendas que foram desapropriadas das mãos de estrangeiros foram
alocadas em frações com tamanho médio de 3 mil hectares (Brockett, 1984).
Desde então, tem se repetido o padrão de repressão e radicalização da resistên-
cia. A repressão aos movimentos cooperativos dos anos 60 levou à formação
do exército de guerrilheiros dos pobres (EGP) em 1972, cuja base principal é o
planalto indígena. Os camponeses foram responsáveis por uma onda de assas-

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sinatos apoiados pelo governo em 1976, com a formação do comitê de união


dos camponeses (CUC) em 1978. Seguiram-se os massacres do governo
aos camponeses rebeldes (Davies, 1983). Decorridos quase 40 anos desde
a primeira tentativa de reforma agrária, a persistente manifestação campo-
nesa sinaliza os custos do fracasso.
• As pequenas propriedades de El Salvador também foram apropriadas
de modo semelhante. Um decreto datado de 1856 estabeleceu que todas as
terras comunais que não possuíssem pelo menos 2/3 de sua área destinados
ao cultivo do café, seriam consideradas subutilizadas ou ociosas, e seriam
revertidas ao Estado. O domínio comunal da terra foi abolido em 1888. Revol-
tas esporádicas deram origem a medidas de repressão, como o “imposto de
segurança” de 1888, criado para financiar a força policial rural, a proibição de
sindicatos rurais, em 1907, e a criação da Guarda Nacional em 1912 (McClintock,
1985). As áreas onde as pressões por terras eram particularmente fortes surgi-
ram como centro da revolta de 1932, quando foram mortos entre 10 mil e 20 mil
camponeses (Mason, 1986). As forças guerrilheiras que prometiam terras e
outras reformas agrícolas angariaram um apoio considerável nas áreas rurais,
em especial após o despejo em massa de colonos das planícies algodoeiras,
durante o período 1961-70. Esses despejos resultaram num declínio da ordem
de 77% dos lotes individuais destinados aos colonos, e o número destes caiu
de 55 mil para 17 mil. A violência continuou a crescer até 1979, quando oficiais
reformistas engendraram um golpe, numa tentativa de trazer para si o apoio
popular conferido aos guerrilheiros da FMLN-FDR. Critérios estreitos de elegi-
bilidade limitaram sensivelmente o número de beneficiários das reformas agrá-
rias, o que deu origem a mais de 10 anos de guerra civil. O acordo de paz
assinado em 1992 prevê reforma agrária adicional.
• A Colômbia demonstra também os perigos de uma reforma agrária
incompleta. Os conflitos de terras entre os colonos e os latifundiários na
fronteira evoluíram de ataques localizados no início dos anos 20 para ações
mais coordenadas por parte dos colonos em fins daquela década. Em que
pese diversos tipos de legislação reformista terem sido cogitados durante os
anos 30, a lei que foi finalmente aprovada em 1936 conferiu direitos de culti-
vo de terras que eram anteriormente públicas aos grandes latifundiários, em
lugar dos arrendatários (Le Grand, 1982). A partir daí, ocorreram despejos em
massa, o que resultou em 25 anos de violência (1940-65), período em que os
guerrilheiros angariaram o apoio de grupos camponeses. As legislações de
reforma agrária de 1961 e 1968 regularizaram as invasões prévias de terras,
mas nada fizeram para melhorar a distribuição operacional do domínio da
terra, e um número muito menor de camponeses se beneficiou das reformas
do que o número de colonos despejados (Zamoc, 1989). A invasão de terras
por camponeses se intensificou no início dos anos 70, levando à declaração
do estado de emergência após 1974. A mobilização regional, greves, e blo-
queios que se intensificaram mais uma vez em 1984 dão a indicação que o
conflito ainda não está resolvido.

70 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

• Boa parte do apoio rural aos guerrilheiros do Sendero Luminoso no Peru


tem origem na exclusão da maioria dos índios dos planaltos andinos dos bene-
fícios agrícolas e dos benefícios da reforma agrária de 1973, que priorizou,
essencialmente, os relativamente poucos trabalhadores das zonas costeiras.
Como resultado, mais da metade das microrregiões do país tornaram-se virtu-
almente inacessíveis às forças governamentais (McClintock, 1984), e os inves-
timentos públicos nessas áreas foram paralisados, resultando em declínio eco-
nômico e fortes fluxos migratórios em direção às cidades, agravando, assim, os
conflitos e as tensões sociais. O fraco gerenciamento econômico durante os
anos 80 e a contínua atividade terrorista do Sendero Luminoso levaram à fuga de
capitais e forte declínio da economia.
Dentre os países que passaram por conflitos fundiários prolongados, inclu-
em-se a Angola, o Chile e a Nicarágua. Ao passo que as políticas que criaram e
mantêm a distribuição dual de propriedade não conduzem, necessariamente, ao
embate violento – outros fatores intervenientes também parecem importantes –
desempenharam, claramente, um importante papel em muitos casos.

Parte II – Controvérsias Analíticas


A primeira questão que se apresenta como crucial para a análise de reformas,
atuais e futuras, das relações de terras agrícolas é: seriam as propriedades junker e as
grandes fazendas mecanizadas economicamente mais eficientes do que as proprie-
dades menores, administradas por famílias? A resposta à esta questão é importante
porque se elas não o forem, a equalização da distribuição da propriedade ou a subdi-
visão de fazendas coletivas ou do Estado em fazendas familiares iria melhorar tanto
a eficiência quanto a eqüidade. Quando examinamos a relação entre tamanho da
fazenda e produtividade, buscamos primeiro as fontes das economias de escala:
economias de escala das usinas de processamento, que são transmitidas às fazen-
das e dão origem às plantações assalariadas, insumos básicos que não podem ser
usados abaixo de um determinado nível, como máquinas agrícolas e habilidades
gerenciais, e as vantagens do mercado de crédito e da difusão do risco, que acompa-
nham as propriedades maiores (Seção 4). Feito isso, resumimos os resultados empíricos
sobre as economias e deseconomias de escala.
Isto conduz à segunda questão central para a reforma agrária: se as grandes
propriedades são em geral ineficientes, como achamos que são, por que os grandes
latifundiários não alugam para os agricultores familiares? (Seção 6). O mercado de
aluguéis tem sido, historicamente, o mecanismo mais importante para contornar as
deseconomias de escala associadas às grandes propriedades, apesar das questões de
incentivo ligadas ao arrendamento e ao compartilhamento de safra, os quais são anali-
sados na Seção 6. Ainda assim, a história da reforma agrária mostra que o aluguel de
fazendas inteiras por um longo período, com freqüência implica em alto risco de perda
da terra para os inquilinos, e o arrendamento de longo prazo não se apresenta mais
como uma opção. O aluguel de frações da terra, por períodos curtos, não pode criar
pequenas propriedades familiares. Todavia, se o arrendamento não mais se constitui
numa opção, o que impede os mercados de venda de terras de alinharem as proprieda-

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des com a distribuição ótima de propriedades operacionais? Nossa análise, apresenta-


da na Seção 5, mostra que isto é resultado das imperfeições de outros mercados,
ocasionadas por interligações dos créditos fundiários e por distorções de política.

4. O tamanho da propriedade e a produtividade


Economias de escala no processamento
Historicamente, as plantações foram estabelecidas para produzir cultu-
ras especializadas de exportação em áreas de grande abundância de terras e,
portanto, tiveram que importar escravos ou empregar trabalho servil. Todavia,
mesmo após a abolição da escravatura ou do trabalho servil, as plantações assa-
lariadas sobreviveram para culturas selecionadas como grandes propriedades
altamente especializadas utilizando mão-de-obra contratada para produzir uma
única cultura a ser vendida. A maioria dos trabalhadores morava em campos de
trabalho nessas plantações assalariadas e não tinham glebas para seu próprio
cultivo de subsistência.
O trabalho é o maior componente dos custos totais. Grigg, 1974, e
Courtenay, 1980, discorrem sobre como a capacidade de utilizar mão-de-obra
durante quase todo o ano favoreceu a organização da produção dessas cultu-
ras em plantações em vez de arrendamento. As culturas de oleaginosas, borra-
cha e chá detêm a demanda de mão-de-obra mais uniforme. A demanda por
mão-de-obra é mais sazonal para as culturas de açúcar e café, embora a irriga-
ção (para a cana-de-açúcar) ou o processamento específico (para o café) possa
ajudar a equilibrar a demanda.
As plantações baseadas no trabalho assalariado continuam a existir
para algumas culturas típicas – cana-de-açúcar, palmeiras oleaginosas e chá,
devido a uma outra característica técnica. As economias de escala surgem nas
etapas de processamento ou comercialização em vez de aparecerem na etapa
do plantio e são transmitidas às fazendas em razão da necessidade de se
processar a safra poucas horas depois de sua colheita (Binswanger e Rosenzweig,
1986). Somente para essas culturas podem as plantações competir com as
propriedades menores, sem apelar para a coação ou compra da mão-de-obra.
As economias de escala apenas no processamento não são condição
suficiente para as plantações. A importância da sincronia entre a colheita e o
processamento é fundamental. Produtos que são facilmente armazenáveis, como
o trigo e o arroz, podem ser adquiridos no mercado aberto e armazenados para
a moagem durante todo o ano. Assim, as economias de escala na moagem são
irrelevantes para a organização da fazenda. No caso da cana-de-açúcar, ao
contrário, a colheita e o processamento devem ser cuidadosamente coordena-
dos. Se a cana não for processada até um dia depois de cortada, muito do
açúcar se perderá por causa da fermentação. Para manter o dispendioso esto-
que de capital operando durante a maior parte do ano, transformando cana em

72 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

açúcar, a cana tem que ser plantada em épocas diferentes do ano, mesmo
quando a produção de açúcar não estiver em seu ponto máximo. Os agriculto-
res independentes não se sujeitariam a plantar cana nessas épocas, sem uma
compensação. Uma maneira de contornar este problema seria as fábricas de
açúcar possuírem as suas próprias plantações, com um único administrador
que decida sobre os trade-offs entre colher a cana na época sub ótima e deixar os
equipamentos ociosos. Outra maneira seria a agricultura contratada (Hayami,
1992; Glover, 1990). A contratação de pequenos agricultores é muito difundida
na Índia, na Tailândia e em outros lugares onde a cana-de-açúcar foi introduzida
em um sistema existente de pequenas propriedades.
A produção de bananas é outro exemplo de problema de coordenação.
As bananas maduras devem ser armazenadas num barco refrigerado no míni-
mo 24 horas após a colheita, um desafio imenso para a plantação e para a
companhia de transporte. A coordenação é necessária para assegurar que o
barco estará no porto no momento em que as bananas estiverem prontas para
serem transportadas e que o barco poderá ser carregado ao chegar – por esta
razão, algumas das maiores operações do mundo são as companhias que ven-
dem bananas, cujos domínios incluem dezenas de plantações administradas
por gerentes e trabalhadores contratados. Na América Central, onde a legisla-
ção dificultou a propriedade de plantações por conglomerados multinacionais,
as grandes companhias produtoras de banana aumentaram sua oferta com-
prando o estoque de fazendas contratadas. Tipicamente, essas fazendas pos-
suem centenas de hectares e seus contratos são tão rigorosos que terminam
sendo virtualmente controlados pelas multinacionais (Ellis, 1985).
Da mesma forma, a rápida deterioração da safra colhida, junto com as
economias de escala do processamento, é o fator principal que leva à conti-
nuação do cultivo de chá e palmeiras oleaginosas em plantações. Assim, a
superioridade da plantação depende de uma combinação de economias de escala do
processamento com um problema de coordenação. As plantações não surgem – ou
não sobrevivem após a abolição da coação da mão-de-obra – a menos que
existam ambas as condições. As bananas destinadas aos mercados locais e
nacionais, que são supridos por caminhões individuais e que exigem pouca
coordenação, são fornecidas por fazendas familiares em todo o mundo. Do
mesmo modo, os tipos tradicionais de açúcar não-refinado - como o açúcar
mascavo da América Central, onde o processamento não implicou em econo-
mias de escala - foram produzidos por fazendas familiares, até mesmo em
economias dominadas pelas plantações de açúcar. Em muitos países, o café
e a borracha são também cultivados em sistemas de pequenas propriedades.
Essas propriedades apresentam menores exigências de capital para o
processamento do que a cana-de-açúcar, o chá ou as palmeiras oleaginosas
e, portanto, possuem uma menor área cultivada ótima associada a uma única
unidade de processamento. Apesar de sua demanda de mão- de-obra unifor-
me durante o ano, o modo de produção da plantação declinou, entretanto,
agudamente, às custas da produção das pequenas propriedades.

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Os resultados diferentes para as plantações, que se seguiram à aboli-


ção da escravatura também dão suporte à hipótese da combinação. As plan-
tações de algodão e tabaco nos Estados Unidos, que não tinham nenhum
problema de coordenação, abandonaram o cultivo de larga escala e alugaram
a terra para os antigos escravos, criando latifúndios (seta 17). O mesmo ocor-
reu na América Latina, com exceção de algumas fazendas que se tornaram
latifúndios e outras se transformaram em estâncias (setas 16 e 17). As plan-
tações de cana-de-açúcar operadas por escravos no Caribe e na América do
Sul, no entanto, se transformaram em plantações assalariadas (seta 15). Exis-
tem, certamente, outros fatores em curso que determinam, também, qual o
padrão preciso de resultados de relações de produção após a abolição da
escravatura. Klein e Engerman, 1985, distinguem três padrões, de acordo com
a abundância relativa de terras e a presença de intervenção de governo.
Atualmente, as plantações assalariadas sobrevivem nas áreas onde
elas foram inicialmente estabelecidas, num cenário de baixa densidade
populacional e com uma grande concessão de terra. Nos lugares aonde as
mesmas culturas foram introduzidas em sistemas de pequenas propriedades
prevalece a safra negociada. Aparentemente, os processadores não acharam
lucrativo estabelecer plantações, com a compra das terras dos pequenos
agricultores, oferecendo-lhes contratos assalariados. Isto sugere dois racio-
cínios: ou que o problema da coordenação, associado às safras produzidas
nas plantações, pode ser resolvido a um custo relativamente baixo por meio
de safra negociada, ou as imperfeições dos mercados de terras são tão sérias
que o custo de se criar grandes propriedades, com a consolidação das peque-
nas glebas, seria proibitivo.

Insumos básicos
Os animais de tração para a aragem da terra foram os primeiros insumos
básicos na agricultura. Diante da dificuldade enfrentada pela agricultura em
utilizar animais alugados (Binswanger e Rosenzweig, 1984), os pequenos agri-
cultores, que perdem seus animais com freqüência, alugam suas terras até
poderem adquirir novos animais (Jodha, 1984). Máquinas Agrícolas –
debulhadeiras, tratores, ceifeiras – são muito mais eficientes do que os ani-
mais de tração. Os tratores e as ceifeiras alcançam seu custo operacional
mais baixo por unidade de área, numa escala muito maior do que os animais
de tração, portanto o tamanho operacional ótimo de uma fazenda aumenta
com a introdução das máquinas. Karl Marx e seus seguidores acreditavam
que as economias de escala associadas à mecanização da agricultura eram
tão grandes que tornariam a fazenda familiar obsoleta. Mesmo assim, os pe-
quenos proprietários podem alugar suas terras para grandes operadores
(consolidantes) em vez de vendê-las, como muitas vezes fizeram os ejidatários
nas áreas irrigadas do México. Portanto, a economia de escala inicial associ-
ada à maquinaria não implica que uma reforma agrária ao inverso seja neces-
sária em áreas detentoras de muitas propriedades pequenas.

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Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

O aluguel de máquinas pode permitir que as pequenas propriedades


contornem as vantagens das economias de escala associadas à maquinaria em
praticamente todas as operações limitadas pelo tempo, tais como a semeadura
em climas secos ou a colheita nos lugares sujeitos a altos riscos climáticos,
onde os agricultores competem pela primazia de ser atendido pelo serviço e,
portanto, preferem possuir as suas próprias máquinas.13 A debulha, no entan-
to, pode ser feita em qualquer época do ano e, como ocorreu com a agricultura
européia no final do século XIX a atual expansão de debulhadeiras fixas nos
países em desenvolvimento reflete um mercado de aluguéis desenvolvido e
eficiente. As máquinas ceifeiras são em geral alugadas no mundo desenvolvido
e em desenvolvimento. A maioria dos fazendeiros do meio-oeste dos Estados
Unidos aluga essas máquinas de operadores, que acompanham a evolução da
estação de colheita desde Oklahoma até o Canadá. O aluguel de tratores para a
aragem é também muito usado por pequenos produtores da Ásia, África e
América Latina, embora os mercados sejam um pouco mais problemáticos do
que o mercado das debulhadeiras (Banco Mundial, 1984). A análise feita por
Rao, 1975, na Índia, mostra que a vantagem de produtividade das pequenas
propriedades sobre a produtividade das grandes fazendas, inicialmente, desa-
pareceu após a introdução dos tratores no Noroeste da Índia, porém quando o
tamanho da propriedade operacional foi ajustado para cima, as fazendas me-
nores ressurgiram com maiores taxas de produtividade.
Portanto, as economias de escala associadas à maquinaria aumentam o
tamanho mínimo da área, para que uma fazenda seja considerada eficiente,
porém menos do que o esperado, em razão do mercado de aluguéis. O uso de
animais de tração e máquinas – insumos básicos – leva a um segmento inicial
da função de produção que apresenta retornos crescentes com escala
operacional, mas essas economias técnicas desapareceriam com o aumento
do tamanho das fazendas, com a repetição da escala ótima de insumos bási-
cos, ou quando os mercados de aluguéis tornarem o peso da maquinaria
irrelevante. Com retornos técnicos constantes à escala e com mercados de ter-
ras, de capital e de trabalho perfeitos, a distribuição da propriedade de terras seria
irrelevante para a produção e só afetaria a distribuição de renda. Os proprietários
teriam duas opções: ou alugariam os fatores de produção necessários (trabalho e
capital), obtendo lucro zero com a operação de sua própria propriedade, ou, no
caso de haver custos de transação no mercado de trabalho, alugaria a terra para
equalizar o tamanho da propriedade operacional.
As habilidades gerenciais, como as máquinas são insumos indivisíveis, portan-
to, quanto melhor o administrador, maior o tamanho ótimo da fazenda. As evolu-
ções técnicas fortalecem essa tendência: fertilizantes e pesticidas – e a obtenção
de financiamento para comprá-los – exigem habilidades gerenciais modernas. O
mesmo ocorre com a comercialização de produtos de alta qualidade. Num cenário
de rápidas transformações tecnológicas, a obtenção e o processamento de infor-
mações tornam-se cada vez mais importante, e permitem que o administrador que
13
Binswanger e Rosenzweig, 1986, discutem os limites dos mercados de aluguel, impostos pelo risco moral e pela sazonalidade.

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detém um nível mais alto de escolaridade e educação técnica desenvolva uma


competitividade maior para aumentar as receitas do inovador.
Assim, o tamanho ótimo da fazenda tende a aumentar com a rapidez das
mudanças tecnológicas. Algumas habilidades gerenciais e técnicas, como ma-
quinaria, podem ser contratadas de consultores especializados e serviços de
assessoria, ou obtidas por meio de serviços de extensão financiados pelo po-
der público. A safra negociada muitas vezes requer a provisão de assessoria
técnica. Mas as decisões-chave da agricultura e a fiscalização do trabalho não
podem ser compradas no mercado. Portanto, os limites às habilidades gerenciais
levarão a uma linha crescente na curva de custo unitário à medida que aumenta
o tamanho da propriedade operacional.

Acesso ao crédito e difusão de riscos


A terra, por sua imobilidade e solidez, tem um potencial excelente como
garantia, tornando mais fácil o acesso ao crédito pelo proprietário de terras
desimpedidas (a questão está detalhada na Seção 5). Os mercados de crédito
rural são difíceis de desenvolver e sustentar. Há, portanto, um grande raciona-
mento, que pode ser parcialmente contornado pela habilidade de dar a terra
como garantia. Os altos custos de transação de prover crédito formal em mer-
cados rurais implicam que os custos unitários de tomar emprestado e empres-
tar diminuem de acordo com o tamanho do empréstimo. Muitos bancos comer-
ciais não emprestam a pequenos produtores porque eles não conseguem obter
lucros. O aumento da taxa de juros para pequenos empréstimos não soluciona
este problema, uma vez que eventualmente pode levá-los a escolhas desastra-
das (Stiglitz e Weiss, 1981). Para um determinado valor de crédito, portanto, o
custo de tomar emprestado no mercado formal de crédito é uma função decres-
cente da quantidade de terra possuída. A posse da terra pode também servir
como um sinal de capacidade de pagamento no mercado informal de crédito.
O acesso ao crédito é particularmente importante nos países em desen-
volvimento porque em geral faltam a estes outros mercados intertemporais que
forneçam seguros contra riscos de safra ou de preços. O seguro é, às vezes,
oferecido para riscos muito específicos e estritamente definidos, como granizo
ou geada, mas apenas para fazendas muito grandes. Mercados futuros são em
geral banidos ou desestimulados por intervenções de políticas. Uma segurado-
ra local interessada teria informações suficientes para superar o problema do
risco moral, mas a covariância da produção de safras torna o risco insegurável
em nível local. Uma seguradora nacional pode superar o problema da covariância,
porém não dispõe das informações locais para superar o problema do risco
moral. A ausência de um mercado de seguro multirisco de safras é o resultado
da combinação do risco moral e a covariância local do risco da produção. A
ausência de seguro de safra e mercados futuros confere especial importância
ao acesso ao crédito como um substituto para o seguro, mas a combinação
entre covariância e risco moral também reduz fortemente o potencial de
intermediação financeira em áreas rurais (Binswanger e Rosenzweig, 1986).

76 Estudos NEAD 5
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A provisão de recursos financeiros para enfrentar emergências é uma


função comum dos mercados informais de crédito rural. Porém, os valores
que os pequenos agricultores podem tomar emprestado para o consumo são,
em geral, pequenos – e vêm normalmente acompanhados de altas taxas de
juros (Binswanger, 1985; Christensen, 1989; Morooka e Hayami, 1990; Udry,
1990; Deaton, 1991). As investigações sobre a maneira como os fazendeiros
e trabalhadores enfrentam as intempéries demonstram que o crédito financia
apenas uma pequena parte do consumo intempéries (Jodha, 1978). O acesso
ao crédito formal em bancos comerciais, portanto, dá às grandes fazendas
comerciais modernas uma vantagem considerável na difusão dos riscos so-
bre os pequenos produtores, que não dispõem desse acesso.
Os agricultores e os trabalhadores com pouco ou nenhum acesso ao
crédito podem tentar diluir seus riscos se amparando nas reservas acumula-
das, na riqueza, nas relações sociais, e nos arranjos de compartilhamento de
riscos da terra, trabalho, mercados de produção e de insumos (Jodha, 1978;
Bidinger e outros, 1990; Rosenzweig, 1988; Deaton, 1990; Sharp, 1990). Os
indivíduos ricos podem se auto-segurar muito mais facilmente do que os po-
bres seja diretamente, em conseqüência de sua riqueza, ou indiretamente, em
razão de redes sociais dispersas nas quais eles podem confiar nos anos de
safras ruins (localmente covariantes). Os agricultores ricos deveriam, portanto,
estar mais capacitados a acumular empreendimentos maximizadores de lucro
do que os agricultores mais pobres, dando a eles uma vantagem de eficiência
alocativa.14 Em cenários de escassez de terra, o grosso da riqueza de um agri-
cultor é a própria terra, portanto as grandes propriedades estão correlacionadas
com uma melhor capacidade de difundir os riscos, pelo efeito da riqueza e pela
solidez da mesma como garantia de crédito. Forescano, 1969, sugere que em
ambientes de alto risco, a capacidade do indivíduo abastado, dono de terras, de
diluir os riscos por meio da armazenagem e pelo melhor acesso aos mercados
de crédito pode ter sido uma razão importante pela qual as grandes proprieda-
des sobreviveram, frente à competição das fazendas familiares.

Evidências do tamanho da fazenda – relações de produtividade


A literatura demonstra que as imperfeições num único mercado não
seriam suficientes para introduzir uma relação sistemática entre o tamanho da
fazenda e a produtividade por unidade de terra. Por exemplo, se o crédito for
racionado de acordo com o tamanho da propriedade, e todos os outros merca-
dos forem perfeitos, as transações dos mercados de terra e de trabalho produ-
zirão uma estrutura agrícola que irá equalizar as safras por todas as fazendas,
com diferentes tamanhos operacionais. Porém, se existirem imperfeições em
dois mercados, aluguel da terra e seguro, ou crédito e trabalho, pode surgir uma
relação sistemática entre o tamanho da fazenda e a produtividade.

14
Como foi explicado por Binswanger e Rosenzweig , 1986, eles não podem prover seguro para os pequenos agricultores porque
a covariância de renda exigiria um alto volume de reservas, de modo a poder oferecer contratos com credibilidade.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Srinivasan, 1982, mostrou que, em condições de tamanhos fixos de


propriedades (sem aluguel de terra) e sem seguro, a aversão à incerteza e ao
risco pode levar a uma relação inversa entre o tamanho da gleba e a produtivi-
dade, contanto que a aversão absoluta ao risco não aumente, e que a aversão
relativa ao risco não diminua com a riqueza. Com imperfeições de crédito e
trabalho, a relação não é necessariamente inversa. Por exemplo, Feder, 1985, e
Carter e Kalfayan, 1989, demonstram que, com alguns parâmetros de modelos,
a combinação de imperfeições de mercados de crédito e de trabalho pode levar
a uma relação cuja curva tem a forma de U. Eswaran e Kotwal, 1985, obtiveram
uma relação inversa ao acrescentar um custo fixo de produção às imperfeições
dos mercados de crédito e de trabalho. Em geral, a presença de falhas múltiplas
de mercado podem explicar uma variedade de distribuições de tamanhos de
fazendas e estruturas de produtividade.
As implicações das imperfeições sobre os mercados de trabalho, crédi-
to e terras foram ilustrados por Feder, 1985, cujo modelo está apresentado no
Anexo 2. Assume-se que a eficiência do trabalho contratado depende da inten-
sidade da fiscalização, feita pela família, implicando que a mão-de-obra familiar
e a contratada são complementares e que a quantidade de esforço de trabalho,
ou unidades de “eficiência” empreendidas, aumentam com a fiscalização.
No caso de os mercados de terras e de aluguel de terras serem perfeitos,
a limitação da fiscalização, sozinha, levaria cada domicílio a alugar a quantida-
de de terra necessária para manter uma proporção uniforme de dotação de
mão-de-obra familiar por área administrada. A proporção do insumo de traba-
lho efetivo por área administrada seria constante para todos os cultivadores,
qualquer que fosse a distribuição de propriedade de terra. Não existiria relação
entre tamanho de fazenda e produtividade.
Porém, se existir uma limitação restritiva no mercado de crédito, onde
a oferta de capital de giro depende da quantidade de terra possuída, o tama-
nho ótimo da propriedade operacional irá variar sistematicamente com o
tamanho da propriedade possuída, mesmo sendo os mercados de aluguel
perfeitos. A magnitude (e a direção) dessa variação dependerá das elastici-
dades relativas da produção, com relação ao trabalho efetivo, e do esforço
de trabalho com relação à fiscalização.
Agora, se além da limitação da supervisão e a limitação do crédito não
existirem mercados de aluguel de terras – seja por lei ou pela ameaça de reforma
agrária – provavelmente surgirá uma relação negativa entre o tamanho da pro-
priedade e a produtividade da terra. Obviamente, a vantagem de custo de capi-
tal das grandes propriedades não leva necessariamente à efetuação de investi-
mentos maiores na fazenda, se o capital pode ser investido em outros setores
da economia que ofereçam maiores retornos do que a agricultura.

A evidência para as deseconomias de escala


Até agora, as discussões sugerem diversos enfoques para a medição da
relação entre o tamanho da fazenda e a produtividade:

78 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

• Já que os custos de fiscalização variam com o tamanho da terra


operacional, ao passo que a limitação de capital está relacionada ao tamanho da
propriedade da terra, os diferentes efeitos das terras operacionais e possuídas
devem ser distintos, em qualquer teste de relações entre tamanho da fazenda e
a produtividade. Para eliminar os erros resultantes da correlação bruta entre
tamanho da fazenda e tamanho do domicílio, regressões de um indicador de
eficiência sobre o tamanho da terra operacional e da propriedade da terra de-
vem também incluir o número de adultos da família que pode atuar como fis-
cais. Nenhum dos estudos existentes levou essas distinções em consideração.
• As medidas apropriadas de eficiência relativa são a diferença no fator de
produtividade total entre pequenas e grandes fazendas e a diferença nos lucros líqui-
dos do custo do trabalho familiar por unidade de capital investido. O uso de pre-
ços de mercado para medir a produtividade avalia as diferenças na eficiên-
cia privada. O uso dos custos de oportunidade social como uma medida
elimina o impacto das distorções e mede as diferenças da eficiência soci-
al. Poucos estudos levaram em conta essa distinção.
• A maior parte da literatura analisou a produção física de safras especí-
ficas ou o valor da produção agrícola por unidade de área plantada. Essas medi-
das não são relevantes para a eficiência global, social ou privada, pois não
passam de índices parciais de produtividade que não levam em conta as
diferenças de insumos e a utilização de mão-de-obra. Em razão do fato de
que parte do ajuste dos problemas de incentivo e outras imperfeições de
mercado irão variar o mix de produção, de modo a economizar nos fatores
com valor de escassez mais alto nas fazendas específicas, concentrar o foco
em safras únicas não é adequado, à exceção dos sistemas de monoculturas.
Os estudos de safras individuais, portanto, não são relevantes para o proble-
ma da relação entre o tamanho da fazenda e a propriedade.
• Ao normalizar qualquer medida de produtividade pela área total da
terra, ou regredi-la sobre a área de terra, suscita sérios problemas de medi-
ção, porque o potencial agroclimático e a qualidade da terra deferem entre
as regiões. O mesmo problema aflige qualquer comparação que envolva
dados combinados ou utilize as médias de diversas regiões (p. ex.,
Thiesenhusen, 1990; Deolalikar, 1981). As diferenças de qualidade das ter-
ras dentro das regiões são freqüentemente tão grandes, que ajustes deve-
rão ser efetuados para essas diferenças, no caso de a produtividade ser
medida por unidade de área, em vez de pelo capital investido (Bhalla e Roy,
1988). Tal ajuste não será necessário, somente se não houver correlação
entre qualidade da terra e tamanho da fazenda15 - ou se a diferença surgir a
partir de investimentos do fazendeiro na construção de poços, nivelamento
da terra, drenagem, ou similares.

15
Tanto as vendas por necessidade urgente (Bhagwati e Chakravarty, 1969) quanto os padrões diferenciados de investimentos
(Sem, 1964) poderiam explicar, teoricamente, porque os pequenos produtores conseguiam, sistematicamente, ficar com as
terras de mais alta produtividade num determinado vilarejo. Existem poucos estudos empíricos, a um nível suficientemente
desagregado por vilarejo, que confirmem essa associação. Para seis vilarejos na região semi-árida da Índia, Walker e Ryan,
1990, rejeitam a existência de uma associação sistemática entre o tamanho da fazenda e a qualidade da terra.

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

O teste a seguir, sobre a relação entre o tamanho da fazenda e a produ-


tividade é uma maneira de levar em conta essas considerações, ao descrever
não uma relação causal, mas uma correlação múltipla:
P/K = g(OP, OW, H, Z) com sinais esperados g 1 < 0, g 2 > 0, g3 > 0, (1)

onde K são os ativos; L é o trabalho; P são os lucros privados ou sociais,


líquidos dos custos privados ou sociais do trabalho familiar; OP é a área em
operação, ou valor da terra operada; OW é a área possuída, ou valor da terra
possuída; H é o número de trabalhadores do domicílio; e Z é o vetor de qu
alidade de terra exógeno, distância da infra-estrutura, e variáveis de melhoria
da terra exógenas. O sinal g2 deve ser positivo porque a propriedade provê
melhor acesso ao crédito e g3 deve ser positivo porque os membros da
família têm incentivos de trabalho e podem fiscalizar.
Nenhum dos estudos sobre a relação entre o tamanho da fazenda e a
produtividade empregaram essas especificações completas, e poucos estudos
enfocaram um fator de produtividade total dos lucros da fazenda, líquidos dos
custos do trabalho familiar. Portanto, devemos nos contentar em resumir os
resultados dos estudos em nível de fazenda, dentro de regiões pequenas, que
tratam do valor da produção por área em operação. Os resultados típicos são
apresentados na Tabela 2, extraída de Berry e Cline, 1979. Resultados seme-
lhantes são encontrados em diversos outros estudos.16

Tabela 2: Diferenças de produtividade por tamanho de fazendas, países selecionados

Tamanho da Fazenda a Nordeste do Brasilb Punjab, Paquistãoc Muda, Malásiad


Fazenda pequena 563 274 148
(hectares) (10,0 – 49,9) (5,1 – 10,1) (0,7 – 1,0)

Maior fazenda 100 100 100


(hectares) (500 + ) (20 + ) (5,7 – 11,3)
a
100 = o maior tamanho de fazenda comparado com o segundo menor tamanho de fazenda. O segundo
maior tamanho de fazenda usado no cálculo para evitar resultados de produtividade anormais, muitas vezes
registrados para as menores glebas.
b
Tabela 4 –1. Nordeste do Brasil, 1973. Produção por unidade de terra disponível, por grupo de tamanho de
fazenda, p. 46. O índice foi tomado usando a receita/área bruta para o grupo de tamanho 2 (pequeno) e 6
(grande), com a média para todas as zonas, excluindo a zona F, onde as plantações de cana-de-açúcar e
coco distorcem a média de produtividade para as grandes propriedades.
c
Tabela 4-29. Produtividade relativa da terra por tamanho de fazenda. Censo Agrícola e Pesquisa FABS,
baseado em estimativas comparadas (1968-9), p. 84. O índice foi adotado usando o valor adicionado por
alqueire cultivado para o segundo menor grupo de tamanho e para o maior.
d
Tabela 4-48. Fator de produtividade das fazendas do rio Muda por tamanho de fazenda, 1972-3, p. 117. O
índice utilizado foi tomado pelo valor adicionado na agricultura/relong (1 relong = 0,283 hectares).
Fonte: Berry e Clime, 1978

16
Para seis países latino-americanos Lau e Yotopoulos, 1971e 1979; Barraclough e Collarte, 1973; para o Nordeste do Brasil Kutcher
e Scandizzo, 1981; para quinze países da África, Ásia e América Latina, Cornia, 1985; para o Punjab indiano, Sem, 1981; para a índia
e Bengala Ocidental, Carter, 1984; e para a Índia, desagregada em 78 zonas agroclimáticas, Bhalla e Roy, 1988; Dyer, 1991, descreve
a variedade de instrumentos usados pelos grandes produtores no Egito para aumentar sua competitividade com os pequenos
agricultores, demonstrando que os grandes produtores podem fazer lobbies bem-sucedidos em favor de medidas destinadas a
neutralizar a relação inversa entre o tamanho da fazenda e a produtividade. A necessidade desse rent-seeking (favorecimento
político) implica na continuação da validade dessa relação, embora Dyer interprete como sendo o contrário.

80 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Esses estudos dão apoio às seguintes generalizações:


• O diferencial de produtividade em favor das pequenas propriedades
sobre as grandes aumenta com a diferença de tamanho. Isto quer dizer que ele
é maior nos lugares onde as desigualdades de propriedade de terra são maio-
res, nos países com relativa abundância de terra da América Latina e África, e
menores nos países asiáticos com pouca abundância de terras, onde a distri-
buição de tamanho de propriedades é menos desigual.
• O volume mais alto de produção por unidade de área é geralmente
alcançado não pelos menores agricultores subfamiliares ou de tempo parcial,
mas pela segunda menor classe de tamanho, que inclui os menores agriculto-
res em tempo integral. Isso sugere que as fazendas menores podem ser as mais
seriamente afetadas pela limitação de crédito.
• As safras das plantações, como a produção de cana-de-açúcar no
Brasil, não apresentam uma relação negativa entre tamanho da propriedade e a
produtividade (Cline, 1971; Kutcher e Scandizzo, 1981).
• Quando a terra é ajustada por diferenças em qualidade, usando o valor
da terra ou medidas exógenas de qualidade da terra, a relação negativa de produ-
tividade se atenua, mas não desaparece, especialmente onde ela é muito alta.
• A introdução da tecnologia da revolução verde na Índia levou ao enfra-
quecimento dos diferenciais brutos de produtividade, embora estes não tenham
desaparecido (Bhalla e Roy, 1988).
Três estudos tiveram resultados que se aproximaram das especificações
da equação 1. Para a região do rio Muda na Malásia, Berry e Cline, 1979, desco-
briram que o valor adicionado por unidade de capital investido, para o segundo
menor grupo de tamanho, excedeu em 65% o maior grupo de tamanho, o que
representa mais do que a diferença do valor da produção apresentada na Tabela
2. O uso do valor adicionado ajusta os custos da compra de insumos, mas essa
medida pode impor um viés ao teste, em favor das pequenas fazendas, na
medida que as pequenas propriedades utilizam o trabalho mais intensivamente
do que as grandes fazendas. Todavia, como os resultados referem-se à produ-
ção bruta, a relação negativa provavelmente se manteria, bem como no caso de
o teste ser baseado no lucro líquido da fazenda. Os resultados sugerem que os
mercados de aluguéis bem desenvolvidos, para tratores e colheitadeiras, como
é o caso da região do rio Muda, dão condições aos pequenos produtores de
contornar as economias de escala associadas aos tratores, deixando a fiscali-
zação do trabalho dominar. 17

17
Apenas alguns poucos estudos testaram explicitamente a separabilidade do trabalho familiar e o trabalho contratado. Pitt e
Rosenzweig, 1986, mostram, numa amostra de agricultores da Indonésia, que os lucros independem do estado de saúde a curto prazo
do chefe do domicílio, mas, uma vez que enfermidades passageiras não interferem com a fiscalização, os resultados dizem pouco
sobre se o trabalho assalariado pode complementar a mão-de-obra familiar, em bases permanentes. Deolalikar e Vijverberg, 1987,
rejeitam a hipótese da substituibilidade perfeita entre o trabalho assalariado e o familiar, baseada em amostragens realizadas na
Índia e na Malásia. Porém, como eles estimaram uma função de produção usando dados cruzados por setores, alguns problemas
estatísticos viciaram seus resultados. Benjamin, 1992, fez uma estimativa de uma função de demanda para serviços de trabalho
agregados. Ele rejeita a hipótese da não separabilidade para os plantadores de arroz da Indonésia, com base na falta de significância
das variáveis demográficas. Já que esse modelo inclui a área colhida como uma variável dependente, ele não dá margem a ajustes
das áreas operadas (via aluguel) como resposta ao tamanho da família. Na verdade, portanto, o modelo mede apenas o impacto
condicional das variáveis demográficas, dada a área operacional, sobre a demanda por trabalho contratado. O fato de que a área
plantada (que tem influência significativa sobre a demanda de trabalho) tem correlação com a composição familiar sugere que uma
forte limitação ligada à fiscalização pode ser encontrada se fosse considerado o efeito incondicional.

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

No segundo estudo, Berry e Cline, 1979, primeiro separaram os da-


dos do Nordeste brasileiro (ver Tabela 2) em zonas agroclimáticas, o que
reduziu drasticamente a relação negativa observada. Os lucros “sociais”
foram então calculados ao se introduzir um custo de oportunidade real de
15% ao capital e avaliando o trabalho familiar em 0,50 e 100% do salário
mínimo, que raramente é pago no setor agrícola. Mesmo quando a mão-de-
obra familiar é calculada pelo salário de oportunidade inteiro, os lucros
sociais são claramente mais altos entre 23% e 150% para o segundo menor
grupo de tamanho (10 a 50 hectares) do que para o segundo maior ou o
maior grupo de tamanho (200 a 500 hectares) em quatro das seis zonas
não-plantadoras de cana-de-açúcar. Para as duas zonas onde a relação não
aparece tão clara (Bahia e Sertão), a fragilidade dos resultados parece se
dever ao pequeno número de observações (Kutcher e Scandizzio, 1981). A
relação negativa de produtividade também se mantém na região
tecnologicamente avançada do Agreste, onde a mecanização era mais pro-
nunciada, considerando os lucros sociais.
No terceiro estudo, Rosenzweig e Binswanger, 1993, estimam uma
função de lucro semelhante à equação (1) que inclui o total de ativos, a
composição do conjunto de ativos, a mão-de-obra familiar, educação, ida-
de e a data de início da estação chuvosa. Eles utilizaram os dados históri-
cos completos do ICRISAT para 10 vilarejos, na área de alto risco do semi-
árido indiano, para construir um modelo que permitisse testar separada-
mente as economias de escala técnicas, por um lado, e o impacto das
vantagens dos custos de fiscalização dos agricultores mais pobres, relati-
vamente ao custo de capital e vantagens de difusão de riscos dos fazen-
deiros mais ricos por outro. Técnicas de estimação de efeitos fixos foram
utilizadas para eliminar os problemas das diferenças de qualidade de ter-
ras. Os resultados rejeitam a hipótese de que a composição dos investi-
mentos reflete as economias de escala técnicas. Eles apóiam a hipótese
de que os conjuntos dos ativos dos agricultores são afetados pela aver-
são a riscos dos agricultores, pela riqueza e pelo grau de variabilidade do
início da estação chuvosa (uma medida de risco climático). Num ambiente
de tecnologia que muda lentamente, a lucratividade do empreendimento
não é afetada pela escolaridade formal, mas certamente aumenta com a
idade, que equivale à experiência. Os lucros (líquidos ou seus custos de
salários) também aumentam com o número de membros adultos na famí-
lia, sugerindo que a sua contribuição surge de sua função de administra-
ção e fiscalização.
Rosenzweig e Binswanger também fazem estimativa do impacto do risco
climático e da riqueza sobre o grau de risco e a lucratividade dos conjuntos de
ativos dos agricultores. A Figura 3 plota o lucro por unidade de ativo para
quatro grupos de riqueza, como função da variabilidade das chuvas (início da
estação chuvosa). A taxa de lucro dos agricultores situados no octogésimo
percentil de riqueza é insensível ao aumento de risco climático, sugerindo que

82 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

estes agricultores são confiantes o suficiente em sua capacidade de difundir


riscos mediante o crédito, a poupança ou as relações sociais, a ponto de não
precisarem escolher empreendimentos que reduzam os riscos, logo de início, a
um determinado custo nos lucros. Os agricultores situados no vigésimo percentil,
entretanto, reduzem drasticamente a lucratividade dos seus empreendimen-
tos, à medida que aumentam os riscos climáticos.
Em que pese esses ajustes, neste ambiente de alto risco, com relati-
vamente pouca mecanização e lenta evolução tecnológica, os grupos de
fazendas de menor tamanho obtêm lucros mais altos por unidade de rique-
za em todos os níveis de risco climático observados nos dados. As vanta-
gens dos custos de fiscalização e de mão-de-obra do trabalho familiar são
aparentemente maiores do que as vantagens que o peso das habilidades
gerenciais e das máquinas, bem como o melhor acesso ao crédito e a outras
medidas de difusão de riscos, conferem às grandes fazendas. Somente nos
ambientes mais sujeitos a riscos é que a vantagem das fazendas mais po-
bres quase desaparece.

Figura 3
Coeficientes de lucro e riqueza e variabilidade climática, por riqueza e classe
34

29

24

19

14

09
9.6 11.6 13.6 15.6 17.6 19.6 21.6 23.6

Desvio padrão do início da estação chuvosa (semanas)


Razão lucro - riqueza e variações climáticas, por classe de riqueza.
Percentis: 20%, 40%, ----- 60%, 80%.

Nota: Das oito características pluviométricas, a data inicial da estação chuvosa foi a característica individual mais
forte, para determinar o valor bruto do produto agrícola.

Utilizando um enfoque não-paramétrico para estimar uma função de


produção para fazendeiros de Wisconsin, Chavas e Allier, 1993, estudaram
fazendas inseridas num ambiente muito moderno e dinâmico. Eles não en-
contraram, virtualmente, nenhuma economia de escala na produção de lati-
cínios e apenas uma economia de escala inicial muito limitada, devido ao
peso dos insumos.

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Conclusão
A maior parte do trabalho empírico sobre as relações entre tamanho da
propriedade e a produtividade foi prejudicada por deficiências metodológicas
e não tratou, adequadamente, das complexidades das questões existentes.
Os estudos que contornaram algumas dessas deficiências e utilizaram uma
medida mais refinada de qualidade da terra e uma variável de produtividade,
em vez da simples produção, descobriram que até mesmo em regiões relativa-
mente mecanizadas e avançadas tecnologicamente, como a região do rio Muda
na Malásia ou a região agreste do Nordeste brasileiro, as pequenas proprieda-
des detêm uma vantagem de produtividade sobre as grandes fazendas. Isso
sugere que os mercados de aluguéis podem substituir, até um determinado
patamar, a indivisibilidade das máquinas e determinadas habilidades gerenciais.
Os estudos metodologicamente mais bem elaborados, baseados nos dados
ICRISAT, confirmam tanto os mecanismos que conduzem a um diferencial de
desempenho por escala e à superioridade das fazendas menores, num ambi-
ente com pouca mecanização e lenta evolução tecnológica. Ao passo que há
evidência de relação negativa entre o tamanho da propriedade e a produção,
é preciso se aprofundar mais o trabalho sobre este tema. Este trabalho deve-
ria seguir as linhas esboçadas na equação 1, utilizando dados recentes em
nível de propriedade, para as regiões de países em desenvolvimento com
condições agroclimáticas e edáficas de alta qualidade, considerável mecani-
zação e evolução tecnológica dinâmica.

5. Os efeitos das ligações entre a terra e o crédito e as


distorções de políticas nos mercados de venda de terras
Os estudos da produtividade por tamanho de fazenda indicam que
para uma determinada tecnologia, fatores de preços, qualidade da terra, e
habilidades agrícolas, existe um tamanho de propriedade operacional ótimo, no
qual os custos dos desincentivos de se acrescentar mais trabalhadores com-
pensam inteiramente as economias de escala dos insumos básicos, acesso
ao crédito e habilidades gerenciais. Levando em conta as diferenças entre
habilidades agrícolas e qualidade da terra, essa descoberta traduz-se na dis-
tribuição ótima dos tamanhos operacionais. Para qualquer determinada dis-
tribuição de posse de propriedade, é de se esperar que os mercados de alu-
guel e arrendamento tragam a distribuição das propriedades operacional pró-
xima de uma distribuição ótima. Se os problemas de incentivo associados ao
arrendamento são insignificantes, e podem ser ignorados, a distribuição do
domínio sobre propriedades seria independente da distribuição de proprie-
dades operacionais, uma vez que os grandes proprietários simplesmente alu-
gariam suas terras, sem perda de eficiência.
Todavia, se existirem restrições legais ao arrendamento, que tornam
essa opção impossível ou não-lucrativa, é preciso indagar se os mercados de
venda irão apresentar uma distribuição aproximadamente mais ótima das

84 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

propriedades operacionais – quer dizer, se será lucrativo para os proprietári-


os de fazendas grandes e relativamente improdutivas, dividi-las e vendê-las
a pequenos agricultores familiares. O risco covariante, os mercados
intertemporais imperfeitos e as distorções de políticas que afetam o funcio-
namento do mercado de venda de terras irão impedir este mercado de alcan-
çar a primeira melhor solução. Todavia, ganhos de eficiência certamente re-
sultarão de transações de venda que transfiram a terra das mãos de maus
administradores para administradores competentes.

Riscos covariantes e mercados de crédito imperfeitos


A terra sempre foi um estoque de riqueza preferido, portanto, na exis-
tência de mercados intertemporais imperfeitos, a utilidade advinda da posse da
terra, irá exceder a utilidade advinda dos lucros da propriedade. A imobilidade
da terra a transforma numa forma preferida de garantia nos mercados de crédi-
to, o que confere uma utilidade adicional à posse da terra, principalmente em
ambientes onde os riscos de produção não podem ser segurados.
O valor de garantia da terra e a correlação altamente positiva de rendas
numa determinada região implicam que haveria poucas transações de vendas
de terra em épocas de condições climáticas normais.18 Os proprietários de
terras ficariam em melhores condições ao venderem-nas, somente se pudes-
sem obter um retorno mais alto, com o dinheiro da transação, do que obteriam
arrendando ou cultivando a terra. Portanto, nos lugares onde as oportunidades
de investimentos não-agrícolas, para as populações rurais, são limitadas, e
onde os mercados nacionais de crédito não estão bem desenvolvidos, pouca
terra será colocada à venda em anos normais. O número de candidatos a propri-
etário é limitado pelo nível de poupança domiciliar, já que hipotecar a terra não
seria lucrativo. Devido ao fato de a terra ter um valor de garantia, o seu preço
equilíbrio, a determinados custos de crédito, sempre excederá o atual valor
descontado do fluxo de renda produzido pela terra. A terra hipotecada, no
entanto, não pode ser usada como garantia para o capital de giro, portanto o
proprietário não tem acesso à vantagem do crédito à produção e ficará, desta
forma, incapacitado de pagar o empréstimo com o produto do aumento da
renda da terra. Na presença de mercados de seguros imperfeitos, somente as
terras desimpedidas, livres de hipotecas produzem um fluxo de renda ou utili-
dade, cujo valor presente é igual ao preço da terra. Como foi discutido antes, se
a posse da terra provê o acesso ao crédito e ajuda na difusão dos riscos, o
comprador terá que compensar o vendedor pela utilidade originada por esses
serviços da terra (Feder et alii, 1988). Uma vez que apenas as terras desimpedi-
das provêem esses serviços, um comprador que dependa de crédito não pode-
rá pagar pela terra apenas com os lucros agrícolas. Portanto, as vendas de terras
18
Essa escassez de venda de terras também é observada nos países em desenvolvimento, onde os mercados de venda de terra
são em geral muito estreitos. A percentagem de terras agrícolas transferidas, na média, a cada ano, é 3% do total dos EUA,
1-1,5% da Grã-Bretanha, 1,5 do setor branco da África do Sul, 0,5% da Irlanda e Quênia (Moll, 1988;354).

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

serão provavelmente financiadas pela poupança domiciliar, de modo que a


terra possa ser empenhada como garantia para o capital de giro. Essa necessi-
dade de comprar terras apenas com dinheiro poupado tende a tornar a distri-
buição de posse de terras mais desigual, apesar do maior valor de utilidade da
terra dos pequenos agricultores provocado por seu valor de seguro e custos de
trabalho mais baixos.
A covariação espacial das safras sugere que nos anos de safras especi-
almente boas, quando a poupança está alta, haveria poucos vendedores e muitos
potenciais compradores de terras. Os anos de boa safra não são, portanto,
anos bons para a aquisição de terras. Nos anos de safra ruim, os agricultores
teriam pouco dinheiro poupado para financiar a compra de terra. E em anos
especialmente ruins – digamos, após consecutivos fracassos de safras – os
emprestadores de dinheiro seriam os únicos detentores de ativos na economia
rural local. Esses agiotas iriam preferir se apossar a vender as terras empenha-
das como garantia pelos inadimplentes, já que o preço da terra estaria abaixo da
média nos anos ruins. Portanto, nos anos de safras ruins, a terra seria vendida
principalmente a agiotas, como vendas de emergência ou a indivíduos detento-
res de bens ou rendas originadas fora da economia rural local. Poderíamos
esperar, portanto, que nas áreas com mercados de capital e de seguros mal
desenvolvidos, as vendas de terras seriam poucas e se limitariam principalmen-
te às vendas causadas por necessidades financeiras (vendas de emergência).
Os resultados obtidos para a Índia e Bangladesh confirmam esta hipótese. Os
fazendeiros indianos, que enfrentaram dois anos consecutivos de seca, foram
considerados 150% mais aptos a vender suas terras do que os outros fazendei-
ros (Rosenzweig e Wolpin, 1985).
As implicações de diferentes mecanismos de seguro contra riscos
de venda de emergência, e a distribuição da posse da terra, são demons-
tradas por meio de uma comparação da evolução da posse da proprieda-
de, compreendida entre o período 1960 e 1980, para vilarejos predomi-
nantemente agrícolas na Índia e Bangladesh (Cain, 1981). Esses vilarejos
enfrentaram riscos ambientais muito altos, mas se caracterizavam por
diferenças distintas nos mecanismos de seguros de risco. Em
Maharashtra, na Índia, um esquema de garantia de emprego funcionou,
ao longo do período, e alcançou taxas de participação de 97% de todos
os domicílios durante os desastres. Tais esquemas estavam ausentes
após os grandes eventos de enchentes em Bangladesh. Com outros me-
canismos de seguro, que eram ou ausentes ou estavam exauridos, 60%
das vendas de terra em Bangladesh foram realizadas com o intuito de
obter alimentos e medicamentos. A mobilidade para baixo afetou, igual-
mente, os grandes e pequenos agricultores, sugerindo que até mesmo
os grandes proprietários não detêm possibilidades suficientes para di-
fundir os riscos. Sessenta po cento dos atuais trabalhadores sem-terra
perderam suas glebas a partir de 1960, e o coeficiente de Gini da distri-
buição da posse de terras aumentou de 0,6 para quase 0,7. Este fato
contrasta fortemente com os vilarejos indianos, onde as vendas de ter-
ras para fins de consumo totalizaram apenas 14% e foram contraídas

86 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

principalmente pelos ricos para cumprirem obrigações sociais. Sessenta


e quatro por cento das vendas de terras foram efetuadas de modo a gerar
capital para investimentos produtivos (construção de poços, aquisição
de bombas, educação dos filhos e casamentos), o que levou à equalização
da distribuição da posse de terra na Índia, sugerindo que os pobres não
foram os únicos capazes de evitar as vendas de emergência, mas, na
verdade tiveram condições de adquirir terras, à medida que os ricos
liqüidavam os ativos agrícolas para investir fora da agricultura.
Historicamente, as vendas de emergência desempenharam um papel
importante na acumulação de terras, por parte dos grandes latifundiários da
China (Shih, 1992) e do antigo Japão (Takekoshi, 1967), e para os grandes
latifúndios do Punjab (Hamid, 1983). A abolição do domínio comunal e a
associada perda dos mecanismos para diversificação de riscos, estão entre
os fatores subjacentes ao surgimento de grandes latifúndios na América
Central (Brockett, 1984).
O risco moral, a covariância de renda e o valor de garantia da terra impli-
cam na ausência de seguro e mercados de crédito imperfeitos. Nesses ambien-
tes, os mercados de venda de terra estão aptos a se transformarem em meios
para que os grandes proprietários acumulem ainda mais terra. Até mesmo nos
mercados de trabalho, insumos correntes, vendas e aluguel de terras, que são
perfeitamente competitivos, os mercados intertemporais fracos para a difusão
de riscos podem impedir os mercados de venda de terra de realizarem uma
melhoria paretiana e uma distribuição eficiente de tamanho de propriedade –
uma ilustração do teorema do segundo melhor.

O impacto das distorções de políticas


A existência de distorções de políticas comuns intensifica o fracasso
dos mercados de venda de terra em distribuir a terra de maneira ótima. Conside-
remos um caso hipotético de mercados de terra, de trabalho, de risco e de
crédito, competitivos e não distorcidos. O valor da terra para uso agrícola seria
igual ao valor atual dos lucros agrícolas, capitalizados pelo custo de oportunida-
de do capital. Se os pobres têm que tomar dinheiro emprestado para comprar
terras, ao seu valor atual, o único fluxo de renda disponível para o consumo seria
o valor imputado do trabalho familiar. Os lucros excedentes serviriam para amor-
tizar o empréstimo. No caso de os pobres terem condições de obter a mesma
renda no mercado de trabalho, não haveria nenhuma diferença em serem propri-
etários de terras ou trabalhadores assalariados. Lembre-se que este exemplo
pressupõe condições ideais, onde os pobres estariam pagando as mesmas taxas
de juros que todos os tomadores de empréstimo com crédito na praça.
Qualquer coisa que leve o preço da terra a um patamar acima do valor
capitalizado do fluxo de renda agrícola torna impossível para os pobres adquiri-

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

rem terras sem reduzir seu consumo para um nível abaixo do ganho potencial
que seria auferido no mercado de trabalho.

Os principais fatores e distorções são os seguintes:


• Com o aumento da população e a crescente demanda urbana por
terras, espera-se que o preço da terra irá valorizar, e parte desta valorização
real é capitalizada no preço atual da terra. Robinson et alii (1985) encontraram
taxas de retorno implícitas muito mais altas (receitas em espécie pelos valo-
res da terra) à agricultura, nos estados predominantemente agrícolas dos
Estados Unidos, do que nos estados onde a demanda por terras não agrícolas
é alta. O impacto da proximidade a áreas urbanas sobre os preços das terras
agrícolas é bem conhecido. Como esses retornos são realizados somente
quando a propriedade é vendida, a única maneira pela qual uma pessoa pobre
poderá extrair deste fluxo de renda, é pela venda regular de pequenas frações
de terra, para pagar os custos dos juros – o que não é uma opção factível para
os pequenos proprietários.
• Em épocas de instabilidade macroeconômica os investidores não-
agrícolas podem usar a terra como um ativo de salvaguarda contra a inflação,
de modo que um prêmio de inflação é incorporado ao preço real da terra. Se a
inflação esperada for inteiramente refletida nas taxas de juros, a inflação
sozinha não afetará os preços das terras agrícolas (Feldstein, 1980). Porém,
se a inflação for mais alta do que as taxas de juros esperadas, e se a terra for
considerada como um investimento menos arriscado que outros ativos alter-
nativos, o excesso de demanda por terra aumentará o preço da terra como
ativo especulativo. A inflação e as mudanças nos retornos reais dos usos
alternativos do capital são os principais fatores explicadores das mudanças
de preços de terras nos Estados Unidos (Just e Miranowski 1989). No Estado
do Iowa, além dos fundamentais – o valor atual do fluxo de renda futuro – um
termo aditivo da moda, intimamente ligado à inflação esperada, impõe um
impacto significativo sobre os preços de terras (Falk, 1991).19 Numa simula-
ção que utiliza os resultados de estimativas econômicas para o Brasil (1966-
89), Brandão e Rezende, 1992, descobriram que 6% do aumento da terra
podem ser atribuídos a subsídios ao crédito, e 28% à instabilidade
macroeconômica (inflação).
• Os subsídios ao crédito são capitalizados em valores da terra, como
demonstrou um estudo de Brandão e Rezende, 1992, bem como por Feder e Asso-
ciados, 1988. Para os Estados Unidos Shalit e Schmitz, 1982, mostram que a
maioria do débito crescente das propriedades agrícolas, durante o período 1950-

19
Embora as supervalorizações oriundas de percepções errôneas - bolhas - levariam a equivalentes previsões, o compor-
tamento míope por parte dos compradores de terra parece ser uma explicação mais razoável. Sobre as possibilidades de
bolhas nacionais, ver Asako, 1991, e Diba e Grossman, 1988. Evidências empíricas e experimentais sobre bolhas são apresen-
tadas por DeLong e Shleifer, 1991, Smith e associados, 1988, e Evans, 1986.

88 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

78, traduziu-se em preços maiores da terra, ao passo que os aumentos das receitas
agrícolas tiveram impacto muito menor. 20 Mesmo não havendo grandes subsídios
ao crédito, os grandes proprietários têm vantagens sobre os custos da transação,
ao assegurarem o crédito, o qual é capitalizado em valores da terra, e podem até
bloquear, inteiramente, o acesso ao crédito para os pequenos tomadores.
• Muitos países isentam a receita agrícola do imposto de renda, e mesmo
nos lugares onde não há isenção geral, a receita agrícola é de fato sujeita a alíquotas
menores. Esses favorecimentos serão parcialmente ou inteiramente capitaliza-
dos em valores da terra. Já que os pobres não pagam impostos e, desta forma, não
se beneficiam das isenções tributárias, eles não recebem o correspondente fluxo
de renda. Qualquer outro subsídio ou imposto preferencial para as grandes pro-
priedades, aumenta as dificuldades enfrentadas pelos pobres em comprar terras.
Nos lugares onde quaisquer desses fatores empurram o preço da terra
acima do preço justificado pelos fundamentos dos lucros agrícolas espera-
dos – na ausência de distorções associadas ao tamanho da fazenda – os
pobres têm dificuldades de comprar terras. Mesmo se eles tiverem acesso ao
crédito, em termos de mercado, essa dificuldade persiste, a menos que a sua
vantagem de produtividade, advinda de custos de supervisão mais baixos,
seja muito grande. Dentre esses fatores, foram investigados empiricamente a
demanda não-agrícola, a inflação, as limitações de crédito e os subsídios ao
crédito. Não foram investigadas as isenções de imposto de renda na agricul-
tura. A maior parte dos estudos empíricos concentra-se nos Estados Unidos,
já que a escassez de transações de terras nos países em desenvolvimento
torna a pesquisa difícil (Melichar; quatro outros estudos; Hallan et al; Barhema).
É preciso realizar mais trabalhos.

6. Incentivos, ligações entre os mercados de crédito e


mercado de aluguel
Sempre que houver imperfeições e/ou distorções em outros mercados, os
mercados de venda de terra não estarão passíveis de trazer uma distribuição
distorcida da posse da terra, que é mais próxima de uma distribuição ótima de
propriedades operacionais. A questão, portanto, será se os mercados de aluguel de
terras podem aumentar a eficiência, aumentando o acesso dos pobres à terra, nas
situações onde eles não podem adquirir terras.
Os mercados de arrendamento de terras podem não aumentar a efici-
ência se os arrendatários não tiverem incentivos para investir na melhoria da
terra, trabalhar duro ou empregar insumos suficientes. Esses problemas são

20
Ao passo que este fato demonstra o significado do ambiente político e institucional nos modelos agregados, as evidências
microeconômicas sobre a importância do racionamento do crédito são limitadas. Carter, 1989, Carter e Kalyfan, 1989, e
Carter e Wiebe, 1990, utilizam um modelo toscamente calibrado para determinar o preço reserva de terra, como função do
tamanho da propriedade, e obtiveram uma curva em forma de U. Por causa da imperfeição de seus dados, os resultados
indicam ordens de magnitude em vez de números exatos, mas estão certamente no caminho certo.

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

bem mais sérios nos arranjos de safras compartilhadas, onde o arrendatário


recebe apenas uma parte do produto marginal dos insumos (a ineficiência
Marshaliana). As mensurações quantitativas da ineficiência, associadas aos
contratos de compartilhamento em ambientes diferentes, são necessárias
para determinar a importância desses desincentivos. A discussão empírica
mostra que as ineficiências das safras compartilhadas, medidas em nível de
fazenda, não são grandes.
Apesar das ineficiências associadas ao arrendamento e ao
compartilhamento de safras, a utilização desses arranjos mundo afora sugere
que, num ambiente onde as limitações de capital e as considerações de riscos
tornam os contratos fixos de arrendamento inviáveis, os contratos de
compartilhamento de aluguel podem surgir como alternativa para aumentar a
eficiência, especialmente se forem poucos os problemas de incentivos ligados
a esses contratos. Como tanto a literatura teórica (Otsuka e Hayami, 1988;
Otsuka, Chuma e Hayami, 1992) quanto a literatura empírica (Bell, 1988) apare-
ceram recentemente, a discussão aqui é breve.

A escolha do contrato e o problema do incentivo


No modelo básico de arrendamento de terra, o aluguel da proprieda-
de por um preço fixo, ou contrato de compartilhamento, ou o emprego de
trabalho assalariado se apresentam como opções contratuais (Otsuka,
Chuma e Hayami, 1992). O proprietário maximiza a receita ao escolher o
número de arrendatários, os pagamentos fixos e o parâmetro de
compartilhamento da produção, sujeitos à limitação de que os arrendatári-
os alcançarão suas reservas de utilidade (dadas exogenamente). O arrenda-
tário determina o nível de esforço a ser empreendido, que maximizará a
utilidade, criando uma função de reação ao esforço.
O modelo básico consiste em uma função de produção de retornos cons-
tantes Q = θ F (e,h) onde Q é a produção, e o esforço, h é o número de arrendatá-
rios e θ é um elemento estocástico. A receita do proprietário é
y = h [1 – α) Q – β ] e a receita do colono é Y = α Q + β. O contrato de aluguel fixo
é obtido por {α = 1, β < 0}, o contrato de salário é obtido por { α = 0, β > 0};
e os contratos de compartilhamento por {0 < α < 1}, sendo β arbitrário (em
geral assumido como igual a zero, para simplificar) (Otsuka e Hayami, 1988).
Em situações de certeza, e sob a presunção pouco realista de uma
fiscalização perfeita do trabalho, todos os contratos levam a resultados
equivalentes e a escolha do tipo de contrato não faz diferença (Cheung,
1967). Se a presunção de uma fiscalização perfeita do trabalho for abando-
nada, o colono recebe apenas uma fração a de seu produto marginal, por
todos os contratos, à exceção dos contratos de aluguel em dinheiro. Por-
tanto, em condições de certeza e não fiscalização do trabalho (ou neutrali-
dade de risco), os contratos de aluguel fixos dominam claramente os con-

90 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

tratos de salários fixos e os de compartilhamento de safra, e serão sempre


os escolhidos (Otsuka, Chuma e Hayami, 1992). Devido aos custos de fis-
calização para os colonos, qualquer tipo de contrato que não seja o aluguel
fixo resultará no menor esforço de trabalho por parte do colono ou arrenda-
tário, o que acarretaria uma produção total menor.
Com a aversão a riscos e com a incerteza, um contrato de
compartilhamento dá a oportunidade de segurar parcialmente o arrendatário
contra as flutuações da produção. Nos lugares onde os mercados intertemporais
são fracos ou inexistentes, haveria então um trade-off entre as vantagens do
compartilhamento de riscos dos contratos de salário fixo, sob os quais o risco
residual do trabalhador é zero, e os efeitos de incentivo dos contratos de alu-
guel fixo, associado a um empenho ótimo de esforço. (Observe-se que, sendo
o esforço de trabalho o único insumo variável, a oferta deste esforço de traba-
lho determina a produção total). Sob essas condições empiricamente relevan-
tes de aversão ao risco e incerteza, o contrato de um período pode somente
alcançar a segunda melhor solução, uma vez que o aumento do parâmetro de
compartilhamento da produção, acima do segundo melhor valor de equilíbrio
(com o aumento da produção esperada), não é mais superior, em termos
paretianos, já que eles diminuem a utilidade (avessa a riscos) dos colonos, ao
expô-los a uma incerteza maior.
Ao se refazer o problema num contexto de multi-períodos, permitindo
um efeito reputação, entretanto, temos as opções de trazer esta situação de
segundo melhor ótimo mais para perto do primeiro melhor resultado. Otsuka,
Chuma e Hayami, 1992, discutem as condições pelas quais, num contexto
multiperíodo, a ameaça da perda da reputação impedirá o proprietário de trapa-
cear e, portanto, o contrato de aluguel fixo tenderá a dominar o contrato de
salário fixo, como acontece no caso de certezas descrito acima. Eles argumen-
tam que nos vilarejos relativamente fechados, esse controle implícito, exercido
pela comunidade, pode ser forte o suficiente para trazer o resultado ineficiente,
em regimes de contrato passíveis de não serem cumpridos, mais perto do pri-
meiro melhor resultado, mesmo na presença de risco. Esta conclusão é consis-
tente com a observação empírica de que os contratos de salário fixo ocorrem
somente em lugares onde o ambiente institucional impõe discriminação sobre
os contratos de arrendamento (ver Seção 3 e os comentários abaixo), mas é
inconsistente com a prevalência esmagadora do compartilhamento de colheita,
relativo aos arrendamentos por aluguel fixo.

Escolha de contratos e limitações de fatores de mercado


Existe um número considerável de justificativas teóricas e evidências
(Bliss e Stern, 1982; Pant, 1983; Nabi, 1985; Binswanger e Rosenzweig, 1986;
Skoufias, 1991; Shaban, 1991) que argumentam que nos lugares onde os
mercados de insumos básicos, como as habilidades gerenciais e os animais

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de tração, são imperfeitos, os domicílios buscarão alcançar o tamanho


operacional ótimo da propriedade por meio de contratos de arrendamento.
Devido ao fator de dotação não negociável, era de se esperar que o aluguel de
terras aumentasse a eficiência, se fosse escolhido um contrato de aluguel
fixo. A questão relevante aqui é saber se os contratos de compartilhamento
também aumentariam a eficiência.
Uma limitação do capital de giro disponível para o arrendatário (ou
para o proprietário e o arrendatário), devido a imperfeições no mercado de
crédito, pode levar à adoção de um contrato de compartilhamento, como
uma solução ótima para o problema do regateio. Laffon e Matoussi, 1981,
mostram que uma restrição do capital de giro impõe limites ao parâmetro de
compartilhamento α, o que poderá tornar a opção do primeiro melhor con-
trato de aluguel fixo inviável. O modelo deles implica em correlações positi-
vas entre o capital de giro dos arrendatários e a sua parte da produção α.
Uma correlação positiva entre o capital de giro e a produção, no contrato de
compartilhamento, porém com a ausência desse efeito no contrato de alu-
guel fixo, indicaria a presença de um problema de incentivo. Considerações
sobre o capital de giro conjunto, disponível para arrendatário e proprietário,
implica, certamente, numa relação negativa entre o capital de giro do propri-
etário e a parte que cabe ao arrendatário. Todas estas previsões se confir-
maram empiricamente para um grupo de dados da Tunísia. Essa dependên-
cia direta da escolha ótima do contrato sobre o capital de giro disponível
para o proprietário e o arrendatário pode ser responsável pela coexistência
de uma variedade de contratos dentro de um mesmo ambiente, entre partes
com praticamente as mesmas aversões a risco, porém com diferentes dota-
ções de capital de giro.
Portanto, o principal motivo para que os contratos interligados e os
arranjos de compartilhamento de custos sejam tão comuns, pode ser que eles
implicitamente provêem o crédito ou o seguro de que o arrendatário necessita,
num ambiente onde os mercados de seguro e de crédito são imperfeitos (Otsuka,
Chuma e Hayami, 1992). A interpretação tradicional, de que essas interligações
são instrumentos tramados pelos proprietários, para trazer o segundo melhor
equilíbrio mais para perto do primeiro melhor resultado, aumentando o esforço
de trabalho por parte do arrendatário (Braverman e Stiglitz, 1981), requerem
pressuposições mais sólidas que, em geral, não são satisfeitas nos países em
desenvolvimento (Otsuka, Chuma e Hayami, 1992).
Um colono arrendatário pode ter condições de prover apenas uma parte
dos requisitos de seu capital (de giro) no mercado de crédito, em razão da
limitada adequabilidade das safras futuras de serem colocadas como garantia –
e a uma taxa de juros mais elevada do que o proprietário obteria na oferta de
suas terras como garantia. O proprietário está em uma posição mais vantajosa
do que outros intermediários financeiros para fornecer ao arrendatário um cré-
dito implícito, e um seguro atuarialmente mais justo, por causa das economias

92 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

no âmbito da fiscalização, bem como vantagens de informação relativas aos


valores da safra futura (não colhida) do arrendatário. Uma vez que o valor do
crédito fornecido terá relação com a renda futura do arrendatário, o proprietário
pode estabelecer os pagamentos contratuais fixos como sendo zero e ainda ter
a liberdade de ajustar a taxa de juros, ou aceitar a taxa de juros consuetudiná-
rias, e ajustar os pagamentos fixos e parâmetro de compartilhamento, para
obter um resultado ótimo (Otsuka, Chuma e Hayami, 1992).
Uma forma comum de crédito implícito é a provisão de insumos pelo
proprietário, ao arrendatário, em arranjos de compartilhamento de custos. A provisão
de insumos, desta forma, é formalmente idêntica a um empréstimo implícito
para a produção, o qual, como ocorre com os contratos interligados, seria
adotado nos lugares onde os mercados de crédito são imperfeitos. A análise
estática dos arranjos de compartilhamento de custos, portanto, pode não ser
apropriada, se as limitações de crédito forem levadas inteiramente em conside-
ração. O cálculo dessas taxas implícitas de juros, para esses empréstimos de
produção, ajudariam a determinar as conseqüências sobre a eqüidade e a
eficiência dos arranjos de compartilhamento de custos. Os poucos estudos
empíricos existentes sugerem que as taxas de juros podem não ser significati-
vamente diferentes daquelas cobradas pelos agiotas, taxas estas que chegam a
50% (Fujimoto, 1986) ou até mais (Morooka e Hayami, 1986). Nos lugares onde
existem imperfeições nos mercados de crédito, é possível deduzir as condi-
ções precisas para os contratos de compartilhamento, nos quais os benefícios
de superar as imperfeições de mercado seriam maiores do que a perda resultan-
te da ineficiência de Marshall (Shaban, 1991).
Ao presumir-se que os arrendatários estão dispostos a assumirem ris-
cos maiores à medida que cresce sua fortuna (aversão a riscos absoluta decres-
cente), então tanto a limitação do capital de giro, com mercados de crédito
imperfeitos, e a aversão a riscos pelos arrendatários, iriam gerar resultados
equivalentes. Para uma amostragem de agricultores da Tunísia, Laffont e
Matoussi, 1988, descobriram que foi a limitação ao crédito, e não a aversão a
riscos, o que levou os agricultores a preferirem o compartilhamento, aos con-
tratos de aluguel fixo. Já que o crédito e o seguro são, pelo menos parcialmente
substituíveis, é provável que o aperfeiçoamento dos mercados financeiros e a
melhoria da segurança sobre o risco levarão a uma diminuição dos contratos de
compartilhamento em favor de contratos de aluguéis fixos. Tal mudança resul-
taria num ganho de eficiência global, já que os contratos de aluguel fixos pos-
suem propriedades de incentivos superiores.
Nenhum dos modelos de aluguel de terras discutidos aqui, ou mesmo
os modelos de semi-feudalismo inspirados em Marx (Bhaduri, 1986) considera
a reserva de utilidade do arrendatário – em geral o salário de mercado – como
sendo determinada exogenamente. Ao contrário, eles explicam as ineficiências
e as desigualdades, como conseqüências dos próprios contratos, apesar do
fato de que esses contratos são firmados voluntariamente por ambas as partes

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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(ver o epílogo). Todavia, à luz da discussão da Seção 2, seria na verdade uma


surpresa se os proprietários detentores de algum poder político não tentassem
encontrar maneiras de reduzir a reserva de utilidade dos potenciais arrendatá-
rios e trabalhadores.
Os governos, mundo afora, vêm se preocupando com a eficiência e as
implicações distributivas desses arranjos de arrendamento, os quais, em es-
sência, dependem do poder relativo de barganha de cada uma das partes con-
tratantes. O arrendamento e o compartilhamento de safras vêm sendo, portan-
to, fortemente regulados. A evidência empírica sugere que as intervenções go-
vernamentais nesses arranjos vêm tendo pouco êxito em alcançar o objetivo
inicial de proteger os arrendatários, o que não se constitui em nenhuma surpre-
sa, dadas as imperfeições de mercado, que levam ao surgimento do arrenda-
mento compartilhado, e as dificuldades de se desenhar intervenções que aper-
feiçoem o bem-estar. Historicamente, a reforma agrária que resultou no estabe-
lecimento de fazendas operadas pelo proprietário, parece ter sido a maneira
mais bem sucedida de enfrentar a questão da eqüidade.
Diversos princípios deveriam orientar a avaliação empírica das qualida-
des de eficiência dos contratos de compartilhamento:
• uso de dados interseccionais para determinar o efeito do arrendamento
compartilhado sobre a produtividade provavelmente envolverá problemas de si-
multaneidade, já que a decisão de alugar a terra é endógena, e não exerce controle
sobre os atributos não observáveis, tanto das glebas quanto dos arrendatários. O
enfoque apropriado seria utilizar dados de séries históricas e técnicas de efeitos
fixos para comparar as glebas alugadas com as terras de safras compartilhadas
(ou glebas possuídas com as terras de safras compartilhadas) do mesmo fazen-
deiro, ajustando para as diferenças de qualidade de terra.
• as perdas associadas aos contratos de compartilhamento podem
ser maiores do que a redução medida da produção, no caso dos proprietá-
rios utilizarem os recursos de fiscalização do trabalho do arrendatário. Os
mecanismos de controle com base na comunidade podem, no entanto, re-
duzir a ineficiência associada ao compartilhamento de colheita a um custo
relativamente moderado.21
• é provável que surjam contratos de compartilhamento, como resposta
às informações imperfeitas, aos custos de fiscalização, às imperfeições nos
mercados de crédito e de seguro, e às restrições impostas pelo governo. Os
contratos de compartilhamento não podem ser responsabilizados pelas inefi-
ciências resultantes dessas limitações exógenas.
21
O controle comunitário e os mecanismos de seguros vêm sendo discutidos, principalmente no contexto asiático (Scott,
1984; Hayami e Kikuchi, 1984). Na literatura sobre a Europa, Brenner, 1985, sugere que os laços comunitários mais estreitos
da Europa Ocidental deram condições aos camponeses agricultores de resistir às exigências de tributos. Um arcabouço
completo de relações de produção teria que explicar, endogenamente, as diferenças na força dos laços comunitários. Por
exemplo, seria de se esperar que essas relações comunitárias fossem mais desenvolvidas nas áreas densamente povoadas,
do que nas regiões de fronteira mais recentes. Este fato está consistente com as variações observadas por Hayami e Kikuchi
para as Filipinas.

94 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

• os contratos de compartilhamento podem ter efeitos positivos num


ambiente dinâmico, ao abrirem caminho para que os arrendatários adquiram
experiência ou capital.
Bell, 1976, foi o primeiro a comparar a produção nas glebas possuídas e
com safra compartilhada, para os mesmos agricultores, controlando, desta for-
ma, os atributos não observáveis dos agricultores. Ao aplicar a mesma
metodologia, Shaban, 1987, descobriu que uma perda de 32% da produção asso-
ciada às glebas arrendadas, declinaria em 16% se tivessem sido feitos ajustes
para as diferenças de qualidade da terra. Os insumos da mão-de-obra familiar e
animais de tração eram significativamente mais baixos nos lotes com
compartilhamento de colheita do que nas glebas próprias, e nas glebas alugadas
a preço fixo, o que dá suporte à hipótese de eficiência produtiva dos contratos de
aluguéis fixos. Outros resultados apontam para a mesma direção. As revisões de
Sen (1981) e Otsuka e Hayami (1988), sobre a literatura existente encontra, no
máximo, pequenas perdas de eficiência associadas ao arrendamento.
As intervenções governamentais deram início ao surgimento dos con-
tratos de compartilhamento, redutores de eficiência em diversos países. Otsuka,
Chuma e Hayami, 1992, argumentam que, na Índia, onde foram efetuados os
estudos de Bell e Shaban, houve diversas limitações governamentais aos con-
tratos de aluguel fixo de longo prazo. Isso implica que os 16% de perdas de
produção ajustados para a qualidade da terra, deduzidos por Shaban, provavel-
mente constituem-se numa limitação imposta de cima.
As transações de terra efetuadas para contornar as imperfeições dos
mercados de crédito foram importantes para a África Ocidental no passado
(Robertson, 1985), e continuam a ser observadas, em um número considerável
de países em desenvolvimento, onde não existem mercados de crédito, ou
onde o crédito é altamente racionado. O usufruto hipotecário ainda é comum
em Bangladesh (Cain, 1981), Java (Morooka e Hayami, 1986) e Tailândia (Fujimoto,
1988). Nas Filipinas, as transações de arrendamento surgiram em substituição
ao crédito, em resposta às limitações sobre a transferência de titularidade das
terras (Nagarajan e associados, 1991).
Nos lugares onde há informações imperfeitas sobre as características
não observáveis dos arrendatários, os proprietários podem interpretar a aceita-
ção, pelos arrendatários, de determinados tipos de contrato como um sinal de
que podem ser usados como um instrumento de triagem auto-seletiva (Newberry
e Stiglitz, 1979). A preferência por arrendatários que já possuem alguma terra e
animais de tração, que está bem documentada na literatura (Quibria e Rashid,
1986; Shaban, 1991) apontam para a mesma direção.
O arrendamento tem sido freqüentemente descrito como um degrau na
escada agrícola, que evolui do trabalhador braçal para arrendatário de
compartilhamento, subindo para arrendatário de aluguel fixo, culminando com
o status de proprietário e permite aos agricultores adquirir capital e conhecimen-

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

tos agrícolas. Num arcabouço estático isto vem sendo modelado tornando a
produção uma função do esforço de trabalho dos colonos e a provisão de
habilidades gerenciais, por parte do proprietário (Eswaran e Kotwal, 1985). Em-
bora as evidências quantitativas sejam limitadas, Reid (1973) argumenta que
esta função de arrendamento desempenhou um papel importante na região sul
dos Estados Unidos, após a abolição da escravatura. Lehman, 1986, chamou
atenção para a importância do arrendamento em facilitar a acumulação de capi-
tal, nas transferências entre gerações, da posse das terras no Equador. Seria de
se esperar que o arrendamento facilitasse a acumulação de capital, nos lugares
onde a terra é abundante em relação ao trabalho e onde os aluguéis ou a
participação dos proprietários é baixa. Estudos longitudinais de mudanças nos
padrões de arrendamento e acumulação de capital ao longo do ciclo de vida
dos arrendatários ajudariam a colocar uma luz sobre a importância relativa
deste fenômeno em ambientes diferentes.

Conclusão
Face às vantagens de produtividade das pequenas fazendas sobre as
grandes, é mais lucrativo para os grandes proprietários alugar suas terras em
regime de contratos de aluguel fixo, do que utilizar o trabalho contratado, se os
mercados e as informações forem perfeitos. Se o esforço não for observável e
o crédito for racionado, ou os mercados de seguros forem imperfeitos, e os
arrendatários avessos aos riscos, o primeiro melhor contrato de arrendamento,
a uma taxa fixa, talvez não possa ser feito, e um segundo melhor contrato seria
adotado em seu lugar.
As investigações empíricas mostram que os arranjos de arrendamen-
to compartilhado, sob uma ampla variedade de condições, são um instru-
mento altamente flexível para se ajustar a essas restrições, com perdas
relativamente bem modestas. Já que o esforço de trabalho não é completa-
mente fiscalizável, e até mesmo o controle limitado estará sujeito a determi-
nado custo, a adoção de contratos de arrendamento compartilhado (ou
trabalho assalariado) ainda estariam associados a algum tipo de perda de
eficiência. A eliminação das condições que instigam o surgimento do arren-
damento compartilhado, provavelmente levará a ganhos de eficiência mo-
destos, e será mais efetiva do que a proibição legal de contratos desta
natureza (ver Parte III). Ganhos maiores de eficiência podem estar associa-
dos à eliminação das distorções que levam à adoção e perpetuação dos
contratos de trabalho assalariado, e das grandes fazendas comerciais, em
vez dos contratos de aluguel fixo ou contratos de compartilhamento.

96 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Parte III: Política Fundiária


Muitos dos arranjos institucionais dos mercados de terras surgem como
o resultado de tentativas feitas pelas partes contratantes de superar os proble-
mas de informação assimétrica, risco moral e covariância de risco. Outros tipos
de arranjos institucionais representam intervenções do governo ou da comuni-
dade, com o intuito de produzir resultados que guardem mais coerência com os
objetivos da sociedade do que com objetivos gerados apenas pelas forças de
mercado. Aqui, nós definiremos eficiência e equidade como os objetivos
subjacentes às intervenções nos mercados de terras, embora a equidade possa
ser considerada um instrumento para alcançar os objetivos mais abrangentes
de minimização das tensões sociais. Os dois objetivos nem sempre são com-
patíveis; em algumas situações as intervenções que facilitam uma maior equidade
reduziriam a eficiência, e vice-versa. Mas nem sempre.
Persistem atualmente quatro amplos tipos de relações de distribuição e
de produção (Figura 1), cada um com seus próprios problemas característicos
de política. Os sistemas de fazendas familiares, sob domínio próprio ou comunal,
enfrentam problemas de acesso ao crédito, registro e titulação da terra, regulação
do arrendamento, fragmentação e taxação. As comunidades onde prevalece o
domínio comunal enfrentam decisões sobre permitir ou não a venda de terras
para pessoas de fora da comunidade. Nos lugares onde as grandes fazendas
comerciais mecanizadas coexistem com baixos salários e desemprego, os go-
vernos têm que tomar medidas, como a eliminação da regulação do arrenda-
mento, a eliminação dos subsídios agrícolas e/ou a reforma agrária, de modo a
tornar a distribuição do tamanho das fazendas mais compatível com os objeti-
vos de equidade e de eficiência. Nos sistemas de plantações assalariadas, as
safras negociadas e a taxação são as questões importantes. Para os sistemas
de fazendas coletivas e fazendas do Estado, a grande preocupação é se a
descoletivização ou privatização deveria objetivar o estabelecimento de gran-
des fazendas comerciais ou pequenas fazendas familiares.

7. O registro e a titulação de terras


As questões
Os títulos e registros de terras reduzem o problema da informação
assimétrica e, desta forma, provêem o arcabouço institucional que facilita as
vendas de terras. Essas transferências podem melhorar a eficiência, ao ceder o
domínio da terra que estava em mãos de administradores ineficientes para
fazendeiros mais competentes, e ao facilitar o uso da terra como garantia nas
operações de crédito. As transferências de terras, que são facilitadas pelo título
da terra, podem impor impactos negativos à eficiência e à eqüidade se as
distorções econômicas e institucionais incentivarem a acumulação de terras
por parte dos indivíduos influentes e ricos.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 97
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

Já que o estabelecimento e a manutenção dos títulos da terra têm um


custo, a decisão de se introduzir a titulação deve basear-se numa comparação
dos benefícios dos títulos de terras, sobre e acima dos arranjos existentes, que
regulam as transações de terras, e o provável custo desses arranjos.
Nos estágios iniciais do desenvolvimento agrícola, as transações de terras
ocorrem, principalmente, entre indivíduos que são membros da mesma comunida-
de e que geralmente compartilham informações sobre os direitos desfrutados pelo
locador ou vendedor, e sobre os direitos sobre tratos de terras específicos. Com o
surgimento de uma agricultura mais moderna, e com o aumento da mobilidade, as
restrições comunais às vendas para forasteiros são abandonadas, e as transações
passam a ser efetuadas progressivamente com indivíduos que não são membros
da mesma comunidade. O alcance para as informações assimétricas se alarga,
gerando ineficiências no mercado de terras, já que o preço da terra pode não mais
refletir o seu verdadeiro valor social, e o volume de transações de terras alcança o
nível abaixo do ótimo. De modo a reduzir essas ineficiências de informação, e as
perdas de bem-estar a elas associadas, as sociedades desenvolvem arranjos
institucionais, com o intuito de reduzir riscos, tais como as exigências da
Arthsastra (século IV a.C. na Índia), de que as transações de terras fossem
conduzidas em público, com testemunhas, ou o estabelecimento de um regis-
tro público centralizado que delimitasse as glebas e definisse quem detinha o
direito sobre essas terras. No ano 600 a.C., a Bíblia descreve uma transação de
terras entre o Profeta Jeremias e um parente, para a qual foi feito um registro por
escrito, mantido em duas cópias por um clérigo de Jerusalém.
Os registros públicos provêem aos potenciais compradores ou locatários de
terras, uma forma de comprovar que os direitos que eles estão prestes a adquirir,
pertencem ao vendedor. Um sistema legal em bom funcionamento e mecanismos
efetivos de controle são outros arranjos institucionais destinados a reduzir a incerte-
za relacionada às transações de terras. Sem esses arranjos, que reduzem o risco de
disputas referentes aos direitos sobre as terras, os incentivos em investir e trabalhar
duro são enfraquecidos. Em geral, é muito mais eficiente reduzir o risco por meio da
provisão de bens públicos (registros de terras, polícia, judiciário), do que mediante a
alocação individual de recursos (guardas, cercas fortificadas). 22
As informações assimétricas e os riscos não são tão extremos nas áreas
de fronteira, onde as glebas específicas não tinham, previamente, nenhum dono,
embora o governo geralmente reivindique para si o domínio formal. Ao passo
que, com freqüência, a terra está sujeita a reivindicações gerais por parte de
grupos tribais, que vinham usando a terra para a caça, coleta, horticultura e
pastagem do gado, parte dela também é reivindicada por indivíduos que migra-
ram de outras áreas. Já que não existe uma comunidade culturalmente unificada,
da qual se possa obter informação, a infra-estrutura administrativa (registros de
22
Na Uganda e na Costa do Marfim, a privatização das terras diminuiu significativamente os riscos e os custos de transação
associado à transferência de terras, o que resultou num aumento de transferências de terras, um fator comumente associado
a uma produtividade mais alta na agricultura (Barrows e Roth, 1990; Atwood, 1990).

98 Estudos NEAD 5
Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

terra, escritórios, tribunais e polícia) ficam sobrecarregadas com reivindicações


e contra-argumentações. Assim, não é incomum encontrar instituições particu-
lares dando proteção aos direitos de posse da terra (pistoleiros, propriedades
fortificadas). Em razão do fato de as instituições encarregadas de registrar as
propriedades não estarem bem desenvolvidas, as reivindicações sobre terras,
baseadas na derrubada de florestas podem levar a um desmatamento excessi-
vo (Southgate, Sierra e Brown, 1991).
Os arranjos institucionais para o registro de terras e documentação dos
títulos, também apresentam implicações benéficas para os mercados de crédi-
to. Nos empréstimos, a informação assimétrica provê um amplo terreno para o
risco moral. A garantia vem, há muito tempo, servindo como uma forma de
minimizar as perdas de eficiência associadas à informação assimétrica e ao
risco moral, e a terra é vista, tradicionalmente, como um ativo de garantia ideal,
nas áreas onde a terra é escassa (Binswanger e Rosenzweig, 1986). Para que a
terra tenha utilidade como garantia, entretanto, o emprestador precisa estar
seguro de que o tomador ou operador detém o direito de dispor da terra, medi-
ante a venda ou transferência de direitos de uso. Assim, a documentação dos
direitos sobre a terra, transforma a terra num tipo de garantia digna de crédito,
afeta a disposição dos emprestadores de conceder empréstimos e torna os
mercados de crédito mais eficientes (Feder, Onchan e Raparla, 1998). Nos luga-
res onde a incapacidade de usar a terra sem titularidade, como garantia em
operações de crédito, tornou-se uma restrição importante, a emissão de títulos
pode apresentar uma solução a longo prazo. Porém, se outras limitações, como
o tamanho pequeno da fazenda impedirem a operação dos mercados de crédi-
to, os títulos de terras podem não ser úteis, até que esses obstáculos sejam
removidos (Atwood, 1990).
Em condições ideais, as intervenções governamentais sobre o regis-
tro de terras são, em tese, neutras, em seus efeitos sobre a eqüidade. Na
prática, contudo, a titulação pode levar a uma maior concentração de terras
e à destituição da posse dos grupos que desfrutavam direitos sobre essas
terras num sistema consuetudinário, que antecedia o sistema formal. Quan-
do a titularidade é introduzida, os indivíduos mais ricos e bem relacionados
podem lançar mão de suas vantagens de informação, para reivindicar terras
sobre as quais outros indivíduos menos informados detêm direitos consu-
etudinários. Mesmo quando não existem vantagens de informação, a titulação
baseada no princípio da demanda, envolve custos de transação fixos, rela-
tivamente altos para levantamentos e tramitação burocrática, que colocam
em desvantagem os pequenos agricultores. Os impactos redutores da eqüi-
dade da titulação, nessas condições, são bem conhecidos. A introdução da
titulação seletiva por demanda facilitou muito o surgimento das estâncias
na parte central de Luzon (maior ilha das Filipinas), Guatemala (Cambranes,
1985), El Salvador (Lindo-Fuentes, 1990) e Nicarágua (Newson, 1987). Na
Bolívia, durante os anos oitenta, o órgão encarregado da titulação concedeu
títulos a fazendas muito grandes, nas planícies orientais, num período de

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

um a dois anos, ao passo que as petições de titulação instauradas pelos


pequenos proprietários, não detentores de recursos para contratarem advo-
gados bem relacionados, têm um período médio de tramitação de doze anos.
Bruce, 1988, observa que durante os programas de titulação, a grilagem de
terras por indivíduos influentes, os quais têm condições de usarem as regras
em seu favor, contribuiu mais para facilitar a concentração de terras do que
as transações nos mercados de terras que se seguiram à emissão dos títulos.
A lucratividade obtida na consolidação de diversas pequenas propriedades
sem titulação, e a obtenção de um único título para o conjunto dessas propri-
edades, deram incentivos para que os indivíduos ricos comprassem as terras
dos pequenos proprietários, concentrando assim os seus próprios domínios.
As terras tituladas também oferecem vantagens no mercado de crédito (Feder,
Onchan e Raparla, 1988), e são passíveis de aumentar a disparidade de renda.

As implicações para as políticas


De modo a evitar esses efeitos indesejáveis, os programas de titulação
devem vir acompanhados de campanhas de publicidade, que assegurem o co-
nhecimento amplamente difundido de suas regras e procedimentos. Tanto as
considerações de eqüidade quanto as de eficiência argumentam que os progra-
mas de titulação devem ser conduzidos em bases sistemáticas e não por de-
manda. A eficiência é aumentada pelas economias de escala, e a eqüidade é
obtida pelo fato de que todas as reivindicações numa determinada área serem
registradas ao mesmo tempo. O sistema ryotwari* introduzido pelos britânicos
no sul da Índia por volta de 1820, e programas de titulação sistemáticos seme-
lhantes, aplicados em outros lugares, mostram que as reivindicações
conflituosas podem ser resolvidas por meio de um procedimento administrati-
vo relativamente rápido, em vez dos dispendiosos procedimentos legais.
A questão do gasto ótimo é relevante porque os programas de titulação
podem ser caros (ver Malik e Schwab, 1991). Feder e Feeny, 1992, demonstra-
ram que quando a capacidade de pagamento individual pela titulação determi-
na o gasto público agregado, pode haver uma tendência ao super investimento,
sob uma perspectiva de bem-estar social. Com freqüência, alguns arranjos
menos dispendiosos do que a titulação formal, podem diminuir consideravel-
mente o problema da assimetria da informação. Em Ruanda, o município emite
declarações escritas que atestam os direitos de posse de determinados indiví-
duos sobre determinadas áreas de terra, mas estas não são fundamentadas em
levantamentos precisos (Blarel e associados, 1992). Um sistema de baixo custo
foi também utilizado na Tailândia, antes da introdução da titulação formal
(Siamwalla et alii, 1990; Feeney, 1988).
Os sistemas comunais constituem um caso especial. A terra comunal
não é considerada uma garantia adequada nos sistemas formais de crédito, por
* Nota do Tradutor: RYOT: na Índia, um camponês ou agricultor arrendatário.

100 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

causa das restrições à venda a pessoas de fora da comunidade. A emissão de


títulos individuais nas comunidades que mantêm essas restrições não au-
menta nem a segurança do domínio nem o acesso ao crédito, embora os
títulos individuais sejam úteis para evitar obstáculos ao surgimento de mer-
cados de aluguel dentro da comunidade. Até que sejam eliminadas as restri-
ções de vendas a forasteiros, um título comunitário deveria ser emitido, de
modo a assegurar a segurança de posse, pela comunidade, contra pessoas
bem relacionadas (e mal intencionadas). Platteau, 1992, defende o registro da
terra como propriedade corporativa, como uma maneira de diminuir os cus-
tos associados à titulação, ao mesmo tempo colhendo os muitos benefícios
relacionados, como o seguro, a flexibilidade da alocação de terras e a utiliza-
ção da legítima economia de escala nas atividades subsidiárias. A experiência
com as fazendas grupais no Quênia sugere que a imposição de títulos coleti-
vos vinda de cima, tem pouca chance de êxito, ao passo que a emissão de
títulos individuais não impede os agricultores de tirar proveito da escala,
quando ela existe (Grandin, 1989).
Um outro caso de títulos comunitários diz respeito aos recursos comuns
das propriedades, tais como as pastagens comunais, as florestas ou outras terras
marginais. Estas áreas constituem uma importante rede de proteção para os po-
bres, e podem adquirir importância considerável em ambientes de alto risco, onde
meios alternativos de seguro não estão disponíveis. Os mecanismos da comunida-
de dirigidos à administração dos recursos comuns das propriedades tendem a
enfraquecer com o desenvolvimento econômico: (Lawry, 1991; Jodha, 1986 e 1990),
e a privatização desses recursos na Índia resultou em aumentos significativos da
produção. Todavia, a preservação dos recursos comuns das propriedades poderia
ser desejável, sob uma perspectiva de eqüidade, já que a privatização dessas terras
elimina uma parte da rede de proteção das populações rurais pobres. Conceder um
título comunitário para estas terras pode proteger os direitos comunais contra a
invasão paulatina de forasteiros, e impedir que os pobres sejam excluídos da pro-
priedade comunal. É preciso aprender mais sobre a administração e a importância
relativa dessas áreas para grupos sociais específicos.
A avaliação dos impactos da titulação individual sobre a eficiência varia.
Atwood destaca que, num ambiente distorcido, a introdução de títulos de ter-
ras pode diminuir a eqüidade e a eficiência. Feder, Onchan e Raparla, 1988,
observam que na Tailândia, onde a posse de um título pode ser considerada
exógena,23 a produção é de 14% a 25% mais alta nas terras tituladas do que nas
terras sem título de igual qualidade. O valor de mercado é também muito mais
alto para as terras tituladas do que para as terras sem titulação, com qualidade
semelhante. Evidências menos rigorosas foram apresentadas para a Costa Rica
por Salas et alii, 1970, que estimaram uma correlação positiva de 0,53 entre a
receita da fazenda e a segurança da titulação. Estudos conduzidos no Brasil e
no Equador também sugerem uma associação positiva entre a receita da propri-

23
Se a decisão de adquirir o título for endógena, o cálculo dos efeitos da titulação, utilizando dados interseccionais ficará
sujeito a um viés de simultaneidade (Boldt, 1989; Stanfield, 1990).

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edade e a titulação (BID, 1986). Todavia, diversos estudos demonstraram que


as vantagens dos mercados de crédito de títulos respondem pela melhor parte
desses efeitos e que a segurança da posse não afeta significativamente a de-
manda pela titulação (Adholla e associados, 1991). A titulação pode não ter
absolutamente nenhum efeito significativo, onde as regras legais ou consuetu-
dinárias limitarem as transações de terras, e os mercados de terras forem frá-
geis. Na América Latina, onde os mercados de crédito são mais bem estruturados,
os recentes programas de titulação de terras, em geral, parecem ter dado origem
a um aumento do valor da terra, sem incentivar o aumento da concentração –
pelo menos em curto prazo – (Stanfield, 1990).

8. Imposto Territorial
As questões
Na maioria dos países em desenvolvimento os impostos territoriais
evoluíram dos tributos pagos aos senhores feudais, ou ao poder colonial. Em
razão do fato de que esses impostos iam direto para os cofres dos governos
centrais, a disponibilidade local de pagá-los dependia de um controle severo,
comandado pelos coletores de tributos que compartilhavam das receitas. A
inflação e as dificuldades da coleta centralizada, eventualmente levou à ero-
são ou ao desaparecimento completo desses impostos. Atualmente, a ques-
tão de política é a de restabelecer os impostos sobre as terras e talvez usá-los
para financiar investimentos e serviços nas jurisdições locais, como foi feito
com êxito nos Estados Unidos. Em tese, um imposto sobre a terra possui três
grandes vantagens sobre os impostos que incidem sobre a produção ou ex-
portação agrícolas: (1) se um imposto sobre a terra for baseado no produto
monetário potencial de uma determinada gleba, em condições normais, esse
imposto tem efeitos de desincentivos desprezíveis; (2) esse imposto facilita a
taxação do setor agrícola doméstico, sendo muito menos regressivo do que
os impostos individuais (impostos por cabeça); e (3) se a base tributária for
mudada com pouca freqüência, um imposto territorial não desestimula os
investimentos em melhorias da terra.
Se os riscos forem altos e os mercados de seguros forem imperfeitos
ou inexistentes, a introdução de um imposto sobre a terra (baseado nas recei-
tas médias), pode levar ao aumento da concentração de terras, conforme foi
demonstrado por Hamid, 1983, na Índia. Nessas condições, um imposto
baseado na produção real, o qual atua como um mecanismo de seguro da
mesma maneira que atua o compartilhamento de safra, pode ser mais desejá-
vel do que um imposto único sobre a terra, pago de uma só vez (Hoff, 1991).
No entanto, é possível demonstrar que, para valores realistas de aversão a
riscos, de variação de renda e de impostos de exportação, os produtores
tenderão a preferir um imposto sobre a terra, equilibrado por uma equivalente
redução das taxas de exportação (Skinner, 1991).

102 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

A administração efetiva e eqüânime de um imposto territorial requer


a existência de um registro oficial, ou cadastro, do tamanho, valor e situa-
ção de posse de cada parcela de terra, sua capacidade produtiva e informa-
ções sobre os custos da produção e dos insumos. A administração de um
imposto territorial também exige uma lei sobre propriedade que atribua di-
reitos de propriedade e obrigações tributárias, bem como uma organização
administrativa que mantenha os registros atualizados e avalie, realize a co-
leta e faça cumprir o imposto (Bird, 1974). Até mesmo nos poucos países
em desenvolvimento com condições de cumprirem com esses requisitos,
os impostos territoriais são relativamente sem importância, sugerindo que
os custos administrativos ou políticos podem ser mais altos do que as
vantagens de incentivo associadas a um imposto territorial.
Os impostos territoriais progressivos são freqüentemente defendi-
dos como um meio de tornar a especulação de terras menos atraente, indu-
zindo os grandes proprietários a venderem suas terras, ou usarem-nas de
modo mais intensivo (ver Hayami, Quisumbing e Adriano, 1991, sobre as
Filipinas). No entanto, os proprietários de terras sempre acham um jeito de
burlar o pagamento desses impostos, que vão desde a criação de subdivi-
sões fictícias em suas propriedades até atividades de lobby pela concessão
de isenções dessas taxas progressivas, associadas ao uso efetivo da terra
(como é o caso do Brasil), o que diminui drasticamente a efetividade dos
impostos progressivos em atingirem o objetivo de parcelar as grandes fa-
zendas comerciais. Esse enfoque do imposto progressivo foi utilizado e
fracassou na Argentina, em Bangladesh, no Brasil, na Colômbia e na Jamaica
(Strasma, Alsm e Woldstein, 1987; Bird, 1974). Em modelo de simulação
calibrado para a Nicarágua, Carter, 1992, descobriu que um imposto pro-
gressivo sobre a terra dificilmente irá alterar significativamente a distribui-
ção de terras. Mesmo se esses impostos realmente tivessem efeito, restaria
saber porque esse tipo de enfoque indireto seria politicamente mais aceitá-
vel do que a redistribuição direta da terra. Os impostos territoriais progres-
sivos também são passíveis de serem associados a custos administrativos
elevados e longos processos de litígio.

Implicações de políticas
Nos lugares onde as exigências administrativas – um cadastro atualiza-
do mais uma organização administrativa – estão ausentes, impostos territoriais
simples ou ligeiramente progressivos, baseados na classificação bruta das pro-
priedades, pode ainda ser útil para levantar receita e prover algum incentivo
para que os proprietários vendam as terras subutilizadas. Os Estados Unidos
tiveram êxito, transferindo a administração dos impostos territoriais às autori-
dades locais e “carimbando” os recursos oriundos das receitas tributárias para
a infra-estrutura e serviços de governo locais. Ao aumentar a visibilidade local
dos benefícios financiados com as receitas tributárias, este enfoque pode au-

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mentar a disponibilidade de pagar impostos sobre a terra. Pode também reduzir


os custos administrativos, já que os governos locais teriam melhores condi-
ções de avaliar os preços das terras e a posse destas.

9. As regulações limitativas das vendas de terras


Os governos e as autoridades locais freqüentemente impõem restrições
sobre as transações de terras. As restrições são tipicamente impostas sobre as
vendas e aluguéis de terras quando mudanças importantes são introduzidas para
alterar o padrão de posse da terra (reforma agrária redistributiva ou programas de
assentamentos). Essas restrições são formuladas para impedir um aumento do
número de trabalhadores sem-terra e o surgimento de tensões sociais que sempre
acompanham a miséria. Já que essas restrições também impedem algumas transfe-
rências de terras dos maus para os bons fazendeiros, ou administradores, é prová-
vel que surjam perdas de eficiência. Essas restrições são muitas vezes burladas,
entretanto, por meio de vendas ou aluguéis disfarçados, os quais são passíveis de
envolver custos transacionais que representam uma perda para a sociedade.
As restrições sobre os direitos dos beneficiários da reforma agrária, ou
agricultores assentados em terras de propriedade do governo, de vender suas
terra também reduzem seu acesso ao crédito. Freqüentemente, os novos pro-
prietários ficam proibidos de hipotecarem suas terras durante um período
probatório inicial. Este período coincide com a fase de estabelecimento, quan-
do a necessidade de obter crédito é premente. Neste caso, as perdas de eficiên-
cia podem ser consideráveis. Os contratos de aluguel de terras (usufruto hipo-
tecário e contratos kasupong), que surgiram como substitutos ao crédito em
alguns lugares, como nas Filipinas (Nagarajan, Quisumbing e Otsuka, 1991),
também resultam em perdas significativas de eficiência.
Às vezes as restrições sobre as vendas não são totais, como nos siste-
mas comunais, que só permitem as vendas de terras entre os membros da
comunidade. As perdas de bem-estar advindas das restrições às vendas de
terras, nestes casos, são menores do que no caso da proibição total, mas não
são completamente eliminadas.
Nos primeiros anos, após a instauração de reformas agrárias
distributivas, em áreas onde os mercados de terras são frágeis, e onde
não há ainda informação precisa sobre o fluxo de renda da terra, parece
razoável se impor restrições temporárias sobre as vendas por, digamos
três ou quatro anos. Isso permitiria um tempo suficiente para adquirir
conhecimentos sobre o potencial de uma fazenda, evitando assim a ven-
da a preços abaixo do valor real da terra, o que iria contrariar os objeti-
vos de eqüidade e eficiência. Tais restrições, entretanto, não seriam ne-
cessárias em áreas onde os antigos colonos receberam a terra que eles
já vinham cultivando, uma vez que presume-se que estes já possuíam
conhecimento adequado da terra. No caso das restrições parciais nos

104 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

sistemas comunais, a proibição de venda a pessoas de fora da comuni-


dade pode servir de obstáculo, aos forasteiros detentores de laços polí-
ticos fortes, que possam querer tentar assumir o controle da terra da
comunidade. Onde houver instituições competentes para a tomada de
decisão dentro do grupo (Libecap, 1986), que permitam à comunidade
limitar as vendas, concedendo-lhe o direito de decidir sobre a eventual
abertura de venda de terras para pessoas de fora, poderá haver uma
solução conciliatória entre os interesses de eqüidade e eficiência (ver
Barrows e Roth, 1990). À medida que afrouxam os laços sociais, ou quan-
do as perdas de eficiência, oriundas das restrições às vendas, se torna-
rem muito altas, esses grupos tenderão a permitir a venda para estra-
nhos. A recente revisão constitucional sobre o sistema de direitos de
terras no México permite a venda e o aluguel dentro de todos os ejidos e
prevê a tomada de decisões por voto majoritário, sobre a eliminação das
restrições impostas às vendas para forasteiros.
A duas maneiras mais comuns de se restringir as vendas de terra, são a
imposição de pisos e tetos sobre o tamanho dos lotes, e as leis de zoneamento.
Os tetos de posse de terras vêm sendo impostos, numa tentativa de parcelar os
grandes latifúndios, ou evitar a volta da concentração. Dentre os países que
impuseram tetos, pode-se citar Bangladesh (Abdullah, 1974), a Índia (King, 1977),
a Indonésia, o Japão, a Coréia, o Paquistão, o Vietnã do Sul, Taiwan, o Egito, a
Etiópia, o Irã, o Iraque, o Zimbábue, a Bolívia, Cuba, El Salvador, a Guatemala, o
México e o Peru. Em tese, esses tetos podem aumentar a eficiência, nos lugares
onde existe uma relação negativa entre o tamanho e a produtividade. Na práti-
ca, porém, esses tetos são burlados, por meio de subdivisões fictícias, ou se
tornaram supérfluos com o tempo, pelas sucessivas heranças, onde herdeiros
de terras se encarregavam da subdivisão. Os tetos, com freqüência eram espe-
cíficos para determinadas safras, concedendo limites muito maiores para o
cultivo de cana-de-açúcar, bananas, ou para a pecuária. Raramente os tetos, por
si, só deram condições para que os pobres camponeses sem-terra adquirissem
terras; ao contrário, eles permitiram que os fazendeiros detentores de proprie-
dades médias aumentassem seus domínios (Chile).
Apesar desses erros e brechas, na prática, diversos estudos atribuem
aos tetos sobre a posse de terras um papel importante na prevenção de novas
consolidações de terras, após a reforma agrária (Cain, 1981; Mahmood, 1990).
No Japão e na Coréia, o êxito em impedir a reagregação da terra pode ser atribu-
ído tanto à oferta de oportunidades de investimentos atraentes, fora do setor
agrícola, quanto a fatores não-econômicos, tais como a ligação à terra. Os tetos
impostos após uma reforma agrária que resultem em propriedades relativamen-
te homogêneas, podem ser eficazes e menos distorcidos na prevenção da
reconcentração maciça de terras.
Do lado oposto, as restrições sobre o tamanho mínimo de propriedades têm o
propósito de impedir a fragmentação excessiva de fazendas. Embora não esteja
claro que a fragmentação seja sempre um fenômeno negativo (ver a seguir), um

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piso sobre o tamanho das fazendas provê um efeito compensatório útil, em


sociedades onde os costumes com relação a heranças dão origem a glebas
extremamente pequenas. A avaliação de se esta intervenção melhora a eficiên-
cia irá depender de circunstâncias específicas. Deve também ser lembrado
que muitas das restrições impostas sobre a subdivisão de terras, ou tamanho
mínimo da propriedade, historicamente vêm sendo usadas para impedir que
ex-escravos, colonos, ou outros grupos desprovidos de poder, adquiram di-
reitos de posse sobre a terra, vindo eventualmente a competir com as fazen-
das estabelecidas pelo grupo dominante. As restrições sobre a subdivisão de
grandes fazendas no Quênia e no Zimbábue limitaram as chances de êxito de
esquemas de reassentamento (Leys, 1974) e, nessas circunstâncias, clara-
mente reduziram a eficiência.
Os governos freqüentemente adotam regulações de zoneamento, isto é, de-
signam usos específicos para determinadas terras, para superar externalidades
ambientais, em vez de permitir que as forças de mercado determinem o uso do
solo. Em áreas urbanas, o objetivo do zoneamento é impedir que atividades
comerciais e industriais se estabeleçam em áreas residenciais, criando barulho
e poluição. Nas áreas rurais, o zoneamento do solo para uso agrícola oferece
benefícios, como elegibilidade para programas de conservação do solo e prote-
ção contra pragas, mas exclui a opção de vender a terra para uso residencial.24
Em geral o zoneamento se justifica quando as externalidades negativas preci-
sarem ser reduzidas, em mais do que o custo de se fazer cumprir o zoneamento.
As leis de zoneamento estabelecidas por motivos sociais ou ambientais
podem se contrapor aos incentivos econômicos. O zoneamento pode então
precisar do apoio de algum tipo de mecanismo de incentivo, e o apoio político
para a implementação das regulações torna-se essencial para que essas
regulações se façam cumprir (Barrows e Neuman, 1990). Se existirem conflitos
sérios entre a lucratividade privada dos usos do solo e as regulações de
zoneamento, num país com frágil infra-estrutura institucional, e fraco apoio
popular às medidas de zoneamento, o zoneamento poderá acarretar rent-seeking
(favorecimento político) e corrupção excessivos. Se o zoneamento resultar no
surgimento de amplo favorecimento político, os benefícios podem diminuir
muito, ou mesmo serem negativos (Mills, 1989). As leis de zoneamento afetam
a oferta e a demanda por terra e podem levar à mobilidade do consumidor,
como reação ao zoneamento (efeitos Tiebout). A tentativa de se contrapor às
externalidades de produção ou de aglomeração, mediante leis de zoneamento,
também cria o potencial para um comportamento rent-seeking por parte dos
proprietários, os quais ou tentarão burlar as regulações de zoneamento exis-
tentes, ou efetuarão um lobby dirigido à imposição de leis que lhes garantam
vantagens diferenciadas. Todas essas questões já foram analisadas, em grande
parte isoladamente umas das outras. Não há ainda um tratamento abrangente
dessas questões (Pogodzinski e Sass, 1990).
24
Hennenberry e Barrows, 1990, acham que as características do parcelamento em geral determinam se um zoneamento
agrícola tem efeitos de preços negativos ou positivos, em determinado tamanho da fração e distância de áreas urbanas (para
uma leitura sobre os efeitos da urbanização sobre a agricultura ver Bhadra e Brandão, 1992).

106 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

10. Fragmentação e consolidação


As questões
Embora os governos freqüentemente intervenham para impedir a frag-
mentação de terras agrícolas, tais intervenções nem sempre são economicamen-
te justificáveis. Isto requer que as práticas de herança ou outras forças exógenas
sejam responsáveis pela maior parte da fragmentação, que as perdas resultantes
da fragmentação sejam substanciais e que os mercados existentes sejam incapa-
zes de contraporem-se à fragmentação.
Ao passo que os costumes estabelecidos com relação à herança, prova-
velmente são responsáveis por boa parte da fragmentação das terras agrícolas,
eles podem também ser reflexo de decisões conscientes dos fazendeiros, que
buscam reduzir riscos com a diversificação de suas terras agrícolas e, em con-
seqüência, de suas culturas (McCloskey, 1975). Este fator é provavelmente
importante nos lugares onde outros mecanismos de difusão de risco, como o
seguro, o armazenamento ou o crédito não estão disponíveis, ou estão associ-
ados a custos mais altos do que a fragmentação. A fragmentação pode também
ser útil para equilibrar as necessidades de mão-de-obra, nos lugares onde esta
é altamente sazonal (Fenoaltea, 1976).
Dentre as desvantagens ligadas à fragmentação encontram-se proble-
mas físicos (aumento do tempo de trabalho, perda de terra, necessidade de
cercas, custos de transporte e limitações ao acesso); dificuldades operacionais
(inadequação de determinados equipamentos, maior dificuldade de controlar
pragas, gerenciamento e supervisão, investimentos anteriores, como irrigação,
drenagem e conservação do solo); e externalidades sociais (necessidade de
extensas redes de vias e de irrigação; Simons, 1987). Os poucos estudos exis-
tentes, que quantificam as perdas resultantes da fragmentação nos países em
desenvolvimento, sugerem que as perdas são modestas. No entanto, deve ficar
claro que é necessário se aprofundar mais nos estudos sobre as eficiências das
fazendas ou sobre as perdas resultantes da fragmentação. Com efeito, Heston
e Kumar argumentam que na Ásia “é raro encontrar exemplos onde a fragmen-
tação incorreu em altas perdas de produção” (1983:211). Em Gana e Ruanda,
Blarel e associados, 1992, descobriram que a fragmentação não parece afetar
negativamente a produtividade e não aumenta a diversificação do risco e a
alocação do trabalho familiar ao longo do tempo.

Implicações de políticas
Depender do mercado para eliminar a fragmentação provavelmente en-
volverá altos custos de transação, para coordenar as transferências entre gran-
des números de proprietários. Os custos de transação são muito mais baixos
em programas governamentais, os quais em geral são coercitivos e incluem
uma variedade de outras iniciativas de desenvolvimento, e os retornos podem
ser altos – Simons, 1987, encontrou retornos de 40% na França. Entretanto, se

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

as forças que deram origem à fragmentação permanecerem imutáveis, os pro-


gramas de consolidação de terras provavelmente não terão nenhum efeito de
longa duração (Simons, 1987; Elder, 1982).
Quando se deve intervir na fragmentação? A experiência dos países industri-
alizados mostra que a fragmentação é uma limitação séria, que requer intervenção, já
que ela impede o uso de maquinaria agrícola em grande escala, nas áreas com popu-
lação agrícola altamente decrescente (Bentley, 1987). Este raramente é o caso dos
países em desenvolvimento, com altas densidades populacionais. Ademais, os pro-
gramas de consolidação de terras em geral levam muito tempo para serem completa-
dos, e exigem um capital humano considerável, bem como cadastros bem estruturados
e titulação de terras. A ação imediata do governo para consolidar as propriedades não
parece ser uma prioridade alta, na maioria dos países em desenvolvimento, levando
em conta os altos custos e a potencial redução do interesse na fragmentação, à
medida que melhoram os mercados de crédito rural e de seguros.

11. Restrições aos aluguéis de terras


As questões
Os governos freqüentemente introduziram a segurança do inquilino e a legisla-
ção de controle das locações para proteger inquilinos contra despejos arbitrários, ou para
limitar o valor do aluguel cobrado pelos proprietários. Os resultados não-intencionais
freqüentes foram o despejo do inquilino, à menor insinuação que essas leis entrariam
em vigor. Nessas situações o senhorio retornava ao autocultivo da fazenda-sede, o
que eventualmente resultava no estabelecimento de propriedades junker. Na Índia, as
tentativas de se oferecer maior segurança aos arrendatários só conseguiram ter efeito
nos Estados que impuseram tetos sobre a posse de terras (King, 1977), e mesmo
nesses Estados, os senhores encontraram meios de burlar a legislação, empregando
os colonos mediante contratos de curta duração, que eram isentos de proteção, ou
lançando mão da rotatividade de colonos entre as glebas.
Nos lugares onde os controles de aluguéis foram eficazmente
implementados, combinados com a proteção ao despejo, como foi o caso das
Filipinas e de Taiwan, esses controles aumentam de fato a renda dos colonos.
Porém, como não há transferência de posse, eles ainda são passíveis de resultarem
em perdas dinâmicas de eficiência. Num prazo mais longo, a menos que os propri-
etários encontrem meios de burlar as restrições de aluguel, essas políticas estarão
passíveis de reduzir os incentivos para o aluguel de terras, resultando em perdas de
eficiência, oriundas das restrições sobre os ajustes nos tamanhos das proprieda-
des operacionais. Os investimentos provavelmente também diminuirão, nas fazen-
das onde os inquilinos desfrutam de proteção, já que os proprietários dificilmente
investirão pesadamente em terras das quais eles estão impedidos de despejar
colonos, ao passo que os incentivos para que os colonos invistam ficam enfraque-
cidos pela incerteza com relação à hereditariedade do status de protegido.

108 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

As proibições de arrendamento compartilhado ou o rebaixamento do teto de parti-


cipação do proprietário são difundidos até mesmo onde outras formas de aluguel
de terras são permitidas, como nas Filipinas (Otsuka, Chuma e Hayami, 1992),
Brasil (Estatuto da Terra, 1964), Zimbábue (Palmer, 1979), África do Sul (Bundy,
1985), Honduras e Nicarágua (Dorner, 1992). Essas restrições são motivadas
em parte pela crença comum de que o arrendamento compartilhado é uma
forma de exploração (porque, em condições de escassez de terras, os colonos
em geral percebem rendas próximas à sua reserva de salário) e em parte pelos
esforços de eliminar a ineficiência de Marshall associada aos contratos de
compartilhamento. Todavia, se a escolha dos contratos for endógena e se os
contratos de compartilhamento proverem ganhos de eficiência, em situações
de restrições ao crédito, alto risco e custos de fiscalização, a simples proibição
de contratos de compartilhamento sem modificar o arcabouço subjacente de
imperfeições de mercado, provavelmente resultará em ganhos de eficiência
muito pequenos (Otsuka e Hayami, 1988). Muito provavelmente as proibições
serão ignoradas, abrindo caminho para transações disfarçadas, ou contratos
de trabalho assalariado menos eficientes, que não melhoram nem a eqüidade
nem a eficiência. O arrendamento sempre foi um estágio de transição importan-
te, que permitiu aos camponeses acumularem capital e ganharem experiência
agrícola, portanto a eliminação do compartilhamento de colheita, como um
degrau na escada agrícola, certamente não contribuirá para aumentar a eqüida-
de no final das contas. Ademais, uma ineficiência considerável na produção
pode estar associada à ausência do compartilhamento de safra como uma
opção, principalmente nos casos onde as restrições sobre a posse privada de
terra impedirem o funcionamento dos mercados de aluguel fixo (Noronha, 1985).
Collier, 1989, estima perdas de eficiência de mais de 10%, associadas à
indisponibilidade de contratos de compartilhamento no Quênia. Sob todos os
aspectos, portanto, as proibições de compartilhamento de safra e tetos baixos
sobre a participação dos proprietários não apresentam nenhum mérito.

12. Reforma agrária redistributiva


As questões
Boa parte da reforma agrária redistributiva é motivada pela inquietação públi-
ca com relação às crescentes tensões suscitadas pela distribuição desigual de posse
da terra. O padrão comum é a concentração da posse de terras em mãos de relativa-
mente poucos proprietários, numa economia onde a mão de obra é abundante e a
terra é escassa. Portanto, as massas de trabalhadores sem-terra, e colonos que ga-
nham a vida na agricultura, têm renda relativamente menor, porque seu único patrimônio
é o trabalho. A reforma agrária redistributiva pode também aumentar a eficiência, ao
transferir terras de glebas maiores, porém menos produtivas, para unidades familia-
res menores e mais produtivas (Seção 4). 25 Mesmo assim, devido a outras imperfei-
ções, os mercados de terras em geral não efetuarão essas transformações nos pa-
drões de propriedade. O valor da terra para os grandes proprietários pode exceder a

25
Em situações de extrema pobreza, a redistribuição de terras pode também aumentar a eficiência ao melhorar o bem-estar
nutricional, com o conseqüente aumento da capacidade produtiva da população (Dasgupta e Ray, 1986 e 1987; Moene, 1992).

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

soma descontada da renda agrícola, que os pequenos proprietários podem esperar


receber, a despeito de suas vantagens de produtividade, resultantes dos custos mais
baixos de fiscalização e, se houver distorções de políticas que favoreçam os latifun-
diários, ou se o acesso pelos pequenos produtores ao crédito já tiver se exaurido por
aquisição de terra baseada em hipoteca.
Os valores de mercado da terra são determinados de modo a impedir que os
pequenos agricultores sem capital estabeleçam fazendas viáveis, melhorando seu pa-
drão de vida, amortizando ao mesmo tempo sua dívida. Os esquemas de reforma
agrária que exigem o pagamento do valor de mercado da terra provavelmente fracassa-
rão, a menos que sejam feitos arranjos especiais. No caso mais simples, os beneficiários
logo ficam inadimplentes e o programa chega ao fim. Muitos programas ambiciosos de
reforma agrária simplesmente perdem o gás porque, compensar inteiramente os anti-
gos donos, a preços de mercado, impõe requisitos fiscais que as forças políticas não
estão dispostas a cumprir – este foi o destino dos programas do Brasil, Filipinas e
Venezuela. Alguns programas tentam contornar esse problema compensando os pro-
prietários (com papéis) cujo valor se corrói com o passar do tempo. Não chega a ser
surpreendente que os latifundiários se oponham a esse confisco disfarçado, e tais
programas só se tornam politicamente viáveis em circunstâncias de convulsão política
(Cuba, Japão, Coréia, Taiwan ou o Vietnã). Um outro método é o financiamento da
compra da terra por meio de doações externas ou de receitas tributárias internas, ou
expansão monetária inflacionária – ou uma combinação destas.

Implicações de políticas
Antes de introduzir qualquer programa de redistribuição de terras, as
distorções implícitas e explícitas que levam os preços da terra acima do valor
capitalizado dos lucros da agricultura precisam ser eliminadas. Do contrário, os
pequenos agricultores continuarão a ser incentivados a venderem suas terras para
os grandes proprietários, já que o ambiente favorece a posse de grandes proprieda-
des. No Brasil, o surgimento de uma estrutura agrícola dominada por grandes
propriedades, deve-se muito a políticas em favor das grandes fazendas (Binswanger,
1987). Aos pobres deve ser concedido ou a terra ou uma dotação para ajudá-los a
comprá-la, de modo a compensar por sua falta de capital. O crédito para os
beneficiários da compra de terras desempenha apenas um papel subsidiário.26 Os
ambientes macroeconômicos e político também afetam fortemente o resultado das
políticas de reforma agrária. No Chile, houve aumentos substanciais de produção
em conseqüência da desapropriação e redistribuição de quase 20% de toda a terra
agrícola no período 1964-70, muito do qual devido ao aumento do investimento
induzido por condições macroeconômicas e políticas favoráveis (Jarvis, 1985, 1989).
Em contraste, a produção não conseguiu aumentar significativamente durante a

26
Organizações como a Fundação Penny, na Guatemala, conseguiram comprar terras de fazendeiros e distribuí-las entre os
pequenos agricultores, com poucos subsídios governamentais (Forster, 1992). Esses casos em geral envolvem doações ou
subsídios ao crédito fornecidos aos pequenos proprietários, ou a compra da terra abaixo do preço de mercado, por conta de
dívidas do antigo proprietário a instituições do governo, ou aos trabalhadores, as quais são perdoadas, como parte do negócio.

110 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

descoletivização e parcelamento em fazendas familiares entre 1975 e 1983, um


período de políticas governamentais extremamente desfavoráveis. Somente após
parte da dívida contraída para pagar pela terra ter sido perdoada, e terem sido
eliminados alguns dos impedimentos estruturais que afetavam os pequenos agri-
cultores, foi que o programa tornou-se inteiramente eficaz. A remoção das distorções
também diminui o volume de assistência a fundo perdido que os pequenos produ-
tores precisam para ajudar na aquisição de suas terras.
O tipo de latifúndio tem um significado considerável sobre os ganhos a
serem esperados da reforma agrária. Nos latifúndios, os possíveis beneficiários
já administram unidades operacionais, de modo que a reforma agrária é mais
dirigida às inquietações de eqüidade da sociedade, transferindo o direito ao
aluguel da terra, ao mesmo tempo deixando imutável a estrutura operacional
das fazendas. Os ganhos potenciais de eficiência estão associados ao aumen-
to dos incentivos ao investimento e melhoria da segurança do arrendamento
(Seção 3). Com as estâncias, a ameaça de legislação de reforma agrária em geral
leva ao despejo de colonos e à redução da mão-de-obra residente. As grandes
fazendas comerciais resultantes são muito mais difíceis de subdividir do que
os latifúndios ou estâncias (de Janvy, 1981; Castillo e Lehman, 1983; de Janvy e
Sadoulet, 1989). As reformas agrárias das propriedades junker, e de grandes
fazendas mecanizadas, envolvem grandes transformações na organização da
produção. A mão-de-obra residente e os trabalhadores de fora possuem pouca,
ou nenhuma experiência na agricultura independente e, em muitos casos, nem
a infra-estrutura ou o investimento em capital físico provêm uma base adequa-
da para o cultivo das pequenas propriedades.
A disponibilidade de tecnologia e de mercados competitivos de insumos
e de produção, portanto, torna-se um determinante crucial para o potencial da
reforma agrária de aumentar a eficiência. Para assegurar o acesso aos serviços de
extensão, ao crédito e aos mercados, é preciso estabelecer arranjos institucionais
apropriados. Tais instituições ganham importância especial nos lugares onde a
reforma agrária envolve o reassentamento de famílias nas antigas propriedades
junker, ou em grandes fazendas comerciais mecanizadas. Nestas condições, para
se colher os ganhos de eficiência da fazenda familiar, passa a exigir o aumento da
densidade da mão-de-obra familiar, o que pode implicar no reassentamento de
trabalhadores sem-terra vindos de fora.27 A reforma desses sistemas provavel-
mente será difícil, mas nos lugares onde a alternativa que se apresenta à reforma
é a perpetuação de altos custos econômicos e sociais, onde incluem-se as pos-
sibilidades de revoltas e guerras civis, os custos de não se proceder à reforma
agrária podem ser enormes.
Com relação à reforma agrária nas plantações das lavouras tradicionais de
banana, cana-de-açúcar, chá e palmeiras oleaginosas, as opiniões se dividem. O
27
Até um certo grau, o crédito e outras formas de apoio público podem substituir, com proveito, a vantagem de um maior
número de trabalhadores familiares por hectare. Um estudo de Leys, 1978, para o Quênia descobriu que havia muito pouca
diferença no desempenho econômico entre os esquemas de altas densidades, com glebas pequenas e investimento público
baixo, e esquemas de baixa densidade com glebas maiores e financiamento público considerável.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 111
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

fato de que os contratos de parceria nessas plantações são praticados com êxito
em muitas partes do mundo em desenvolvimento, indica que, converter as planta-
ções em contratos de parceria é viável. Com efeito, Hayami, Quisumbing e Adriano
descrevem a conversão bem sucedida até de uma plantação de banana num siste-
ma de contrato de parceria nas Filipinas, e defendem ardorosamente a reintrodução
de mais conversões, mediante um imposto progressivo sobre a terra. No entanto,
os ganhos de eficiência advindos dos custos de fiscalização mais baixos, associa-
dos a esses esquemas, serão provavelmente contrabalançados, devido às econo-
mias de escala reais existentes nas safras dessas plantações.
As tentativas de se substituir as plantações por contratos coletivos ou
contratos de parceria não vêm tendo êxito. No Peru, o fracasso das plantações
de cana-de-açúcar coletivas em investir, e a progressiva exploração de trabalha-
dores externos que não tinham direitos à sociedade, deu origem a greves pelos
sócios coletivos, que foram sufocadas por intervenções militares. As perdas
que se acumulavam – devido à queda mundial dos preços do açúcar – provo-
cou uma gradual intervenção governamental, e a transformação efetiva das
coletivas em fazendas do Estado (Kay, 1982). Na Malásia, as plantações de
borracha, que haviam sido estabelecidas em bases coletivas, foram divididas e
alocadas a agricultores individuais, na maturação, de modo a assegurar uma
extração adequada (Pickett, 1988).

13. Descoletivização
O fraco desempenho das fazendas coletivas e das fazendas do Esta-
do mundo afora é tão óbvio, que as questões que se colocam para as eco-
nomias liberalizadas da Europa Oriental e da Comunidade de Estados Inde-
pendentes não se referem à privatização, mas à rapidez e à forma como será
efetuada essa privatização – transformando-as em grandes fazendas co-
merciais ou fazendas familiares.

Implicações de políticas
As discussões contidas neste documento implicam que quatro ques-
tões sobrepõem-se em importância na determinação da escolha de política:
• A opção pela fazenda pequena é viável apenas onde houver mercados
competitivos de insumos e de produção. De outra forma, a receita da terra e os
ganhos empresariais da agricultura seriam captados pelos mercadores
monopolistas e pelos provedores de insumos, em vez de ficarem com os novos
proprietários. É preciso também que os mecanismos de difusão de riscos este-
jam funcionando adequadamente, para que a covariância de clima ou choques
de preços, não forcem as vendas de emergência pelos novos proprietários, os
quais não possuem outros ativos, ou outras fontes de renda. Portanto, é preci-
so envidar esforços no sentido de se criar mercados de insumos e de produção

112 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

competitivos, e sistemas financeiros viáveis, antes de se subdividir as grandes


propriedades em propriedades individuais menores.
• As experiências da China, Vietnã e Alemanha Oriental mostram que os
insumos e serviços mecanizados, anteriormente providos pela cooperativa,
são prestados com mais eficiência por operadores privados, os quais alugam
ou adquirem os implementos agrícolas das cooperativas, num processo com-
petitivo (Nolan, 1988; Pingali e Xuan, 1992; Pryor, 1992). A experiência chinesa
sugere também que os agricultores e os fornecedores de implementos agríco-
las reagem às mudanças de tamanho da propriedade operacional, adotando um
padrão de mecanização diferente e geralmente mais eficiente (Ling, 1991). Isto
sugere que o peso excessivo da maquinaria existente não perfaz uma limitação
muito severa à agricultura de menor escala.
• A pesquisa agrícola, os serviços de extensão e outros serviços de apoio
à produção adquirem importância especial, já que muitos dos trabalhadores agrí-
colas não possuem as habilidades necessárias para administrar suas próprias
fazendas. Algumas das estruturas que desempenharam um papel quase governa-
mental nas fazendas do Estado ou nas coletivas, particularmente a provisão de
serviços de educação e de saúde, poderiam também ser mantidas. Eventualmen-
te, elas podem evoluir para a formação de cooperativas independentes para o
suprimento de máquinas, aluguel de arados e até de crédito – tudo isto competin-
do com o setor privado (ver Nolan, 1988; Pryor, 1992).
• Nos lugares onde não houver tecnologia, infra-estrutura ou mercados com-
petitivos de insumos e de produção, pode também faltar o entusiasmo para a agricul-
tura independente. Se apenas alguns empreendedores estiverem dispostos a entrar
para a atividade agrícola, as fazendas resultantes provavelmente serão grandes de-
mais, para auferir vantagens de custo ligadas ao uso de mão-de-obra familiar. Surgirão
assim, em seu lugar, grandes fazendas comerciais mecanizadas, com um grande
número de trabalhadores contratados. Muito provavelmente, essas grandes fazen-
das continuarão a pressionar pela obtenção de subsídios, tornando-se palco de
favorecimentos políticos, em detrimento do resto da sociedade. Se tiverem êxito, elas
irão gerar empregos insuficientes. Assim, os países precisam encontrar arranjos tem-
porários, incluindo o aluguel de terra em longo prazo, que darão a oportunidade para
que um número maior de domicílios adquira as habilidades necessárias ao surgimento
de uma estrutura de fazendas familiares menores, mais consistente com os níveis de
renda e de salário da mão-de-obra rural, para essas economias nas próximas décadas.

Epílogo sobre a Metodologia


Pesquisadores de diversas vertentes ideológicas e metodológicas vêm
tentando explicar as grandes variações de relações de terras, pelo tempo e pelo
espaço, as quais são o objeto principal deste documento. A maior parte das
discordâncias entre esses pesquisadores está intimamente ligada à sua esco-
lha de estratégias de modelagem e às suas hipóteses. Este epílogo relata os

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 113
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

resultados analíticos e as variações observadas nas relações de terra discuti-


das ao longo deste documento, num nível mínimo de pressuposições, neces-
sárias para se obter o resultado ou explicar as variações. Distinguimos diversos
tipos de pressuposições.
O nível A pressupõe um comportamento de auto-interesse, como a
maximização da utilidade esperada ou outras formas de comportamento
deliberado, por parte de todos os atores, que competem num campo de
batalha equilibrado, num ambiente de risco, utilizando transações voluntá-
rias, com informações simetricamente distribuídas, e dotações de terra,
capital e habilidades exogenamente concedidos. A tecnologia é caracteriza-
da por retornos de escala constantes ou decrescentes. Praticamente ne-
nhuma das variações de relações de terras discutidas neste documento
pode ser explicada apenas com essas suposições.
O nível B acrescenta restrições no mercado de crédito ou assume que o
mercado está inteiramente ausente. Os modelos formais de valores do exce-
dente, desde Marx até a versão generalizada de Roemer, 1982, usam este enfoque
para explicar a exploração capitalista e a diferenciação endógena da maximização
dos agentes econômicos individuais – os quais operam num ambiente compe-
titivo com transações voluntárias – em classes econômicas, como conseqüên-
cia das diferenças entre as suas dotações exógenas de capital físico e merca-
dos de crédito ausentes. Eswaran e Kotwal, 1985, empregaram o método de
Roemer para a agricultura, impondo custos constantes (Seção 4).
O nível C acrescenta a informação assimétrica, o risco moral, e proble-
mas de incentivo, chegando ao aparato analítico da teoria do agenciamento.
Como foi resumido por Stiglitz,1986, essas pressuposições são suficientes
para explicar o racionamento de crédito, dando, desta forma, um fundamento
analítico aos modelos do nível B. Essas pressuposições também explicam as
diversas combinações de motivos que levam ao compartilhamento de safras e
créditos interligados (Seção 6). São também suficientes para estabelecer a su-
perioridade das fazendas familiares, como foi discutido no modelo matemático
de Feder (Seção 4 e Anexo 2), e o uso historicamente muito difundido do
arrendamento entre os grandes proprietários de terras, em ambientes com uma
densidade populacional moderada, para contornar as deseconomias de escala
(Seção 2). As questões dos incentivos das fazendas coletivas também foram
analisadas de acordo com este aparato analítico. (Seção 4).
Os modelos de nível C oferecem uma visão limitada do processo pelo
qual a posse de grandes propriedades se acumularia, ou seria perpetuada, nos
sistemas caracterizados por transações e competição voluntárias, e com retor-
nos constantes ou decrescentes.
O nível D acrescenta diversas condições materiais relacionadas es-
pecificamente à produção agrícola, o que gerou o aparato analítico usado
por Melliasoux,1981, e Binswanger, Rosenzweig e McIntire, 1986/1987. As

114 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

condições materiais usadas com mais freqüência no presente documento


são a covariância de riscos e de retorno entre os agricultores e colonos,
numa determinada região agrícola, a imobilidade da terra, a qual – quando é
escassa – a transforma numa forma preferencial de acúmulo de riquezas
(com relação a ações ou gado, por exemplo) e de garantia, e a densidade
populacional dada exogenamente, e as características de processamento
de determinadas mercadorias agrícolas.
A covariância cria dificuldades enormes para os mercados intertemporais,
para o seguro da safra e para o crédito. Um benefício securitário e de garantia é
associado à posse de terras, devido ao papel preferencial da terra de agir como
fator de acúmulo de riqueza e de garantia. Junto com o fracasso dos mercados
intertemporais, este papel preferencial explica a prevalência das vendas de
emergência e a acumulação de vastas áreas de terras, até mesmo num ambiente
competitivo, com contratos estritamente voluntários e deseconomias de esca-
la (Seção 5). O fracasso potencial dos mercados de venda de terras em aumen-
tar a eficiência, num ambiente com mercados intertemporais ausentes ou im-
perfeitos, é uma ilustração historicamente relevante e forte do teorema do se-
gundo melhor (Lipsey e Lancaster, 1957) da economia neoclássica.
As explicações das variações ao longo do tempo e do espaço, dos direi-
tos de propriedade a glebas específicas (Seções 1 e 2), requer a introdução da
densidade populacional e a sua ligação com os sistemas agrícolas, e as
tecnologias agrícolas, como foi explicado por Boserup, 1965. A sazonalidade
da produção, as exigências de tempo de algumas lavouras específicas e as
economias de escala das indústrias de processamento e da infra-estrutura de
transporte, são condições materiais necessárias para explicar a sobrevivência,
em apenas algumas culturas específicas, das plantações assalariadas, na au-
sência da escravatura ou do trabalho servil (Seção 4). Observe-se que antropó-
logos como Marvin Harris, que utilizam enfoques comportamentais materialis-
tas, especificaram cuidadosamente suas pressuposições materiais, embora os
seus temas estejam bem além das questões discutidas neste documento.
O nível E abandona parcialmente a pressuposição dos contratos vo-
luntários (para os casos da escravatura e da servidão) e estende a análise para
além dos enfoques e transações individuais, ao introduzir o favorecimento
político, a formação de coalizões e o poder coercivo do estado para fazer
cumprir as leis. Esses acréscimos facilitam a explicação do uso da servidão e
da escravidão, os sistemas de cobrança de tributo, a alocação pelo Estado de
direitos preferenciais à terra e da responsabilidade pelo cumprimento das leis
aos grupos dominantes, as distorções nos mercados de commodities, e a
distorção dos gastos públicos, com o propósito específico de extrair receita
e tornar as grandes fazendas operacionais e competitivas com relação às
fazendas familiares independentes (Seções 2 e 3). A literatura histórica vem
fazendo uma forte diferenciação entre os métodos coercitivos e não-coerciti-
vos de coleta de aluguel e tem sempre condicionado a eliminação dos meios
coercitivos ao nivelamento das regras do jogo. Ao passo que existem certa-

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mente diferenças qualitativas importantes, entre os métodos coercitivos e


não-coercitivos, a diferenciação parece ter obscurecido a continuidade do
favorecimento político, ou a extração do excedente, ao longo de caminhos
alternativos como a tributação dos camponeses, a alocação de terras, o mo-
nopólio do mercado e a alocação dos gastos públicos.
O nível E explica o surgimento e a persistência, ao longo do tempo, de
estruturas de tamanho de propriedades altamente dualistas, como resultado
de uma cadeia, dificilmente rompida, de favorecimento político (Seções 2 e 3).
Ele explica o fraco desempenho econômico de muitos desses sistemas como
um resultado da dissipação de receitas em custos de competição (por essas
receitas) entre os grupos que buscam o favorecimento político (rent-seeking).28
Dentro da cadeia de favorecimento político, o conjunto de instrumentos legíti-
mos de rent-seeking sancionados pelo Estado podem progressivamente ser redu-
zidos pela eliminação gradual da escravatura e da servidão, do tributo e da
corvéia e do aluguel da terra, até o ponto em que permanecerão apenas a
produção, as distorções dos fatores de mercado e as alocações diferenciadas
de gastos públicos. Com a variação exógena no conjunto de instrumentos
disponíveis para o rent-seeking, este arcabouço analítico pode explicar uma pro-
porção significativa dessa variação, pelo tempo e pelo espaço, em nível do uso
de cada um dos instrumentos disponíveis. Para determinados instrumentos, a
modelagem no nível D pode também, em princípio, investigar as distribuições
de renda e os custos de eficiência associados às distorções resultantes, ao
passo que a teoria do comportamento rent-seeking (Tollison, 1982) pode ser
usada para investigar até que ponto as receitas são dissipadas no processo de
competição por essas receitas.
Por último, o nível F levanta as questões que foram abordadas ape-
nas ligeiramente neste documento, sobre o quê determina endogenamente
as transformações do conjunto de instrumentos disponíveis para o rent-
seeking e para a extração do excedente, num determinado país, numa deter-
minada época. A densidade populacional e a sua distribuição espacial, tor-
nam-se uma variável endógena. As indagações incluem o debate, intensa-
mente travado, sobre a extinção do feudalismo e da servidão (Marx; Dobb,
1977; Brenner, 1985); a abolição da escravatura (Fogel e Engerman, 1977;
Meilassoux, 1991); a eliminação da corvéia, tributos de vassalo e dívida de
peonagem; o poder de monopolizar os mercados de produção e de insumos
(Anderson e Hayami, 1986); a eliminação da opção de aluguel da terra; e a

28
Brenner, 1975/1985, argumenta que, sob o feudalismo, os aluguéis coletados dos camponeses pelas elites abastadas eram
quase que completamente dissipados e que o resultante fracasso dos camponeses e senhores em reinvestir em melhorias da
terra, e em animais de tração foi responsável pela extensão da agricultura arável às terras marginais e à produtividade
decrescente, associada ao crescimento populacional na agricultura européia feudal. Portanto, foi o próprio rent-seeking que
levou à crise de subsistência Neo-Malthusiana ou Ricardiana dos séculos XII e XIII, em vez das seqüências de Boserup positivas,
induzidas pela população. Seqüências essas de investimento, mudança, tecnologia, aumento da divisão de trabalho e cres-
cimento da produtividade agrícola. Essa explicação de uma produtididade estagnada ou em declínio assemelha-se àquela
documentada por Krueger, Schiff e Valdes, 1992, para explicar a recente estagnação da agricultura e limitada evolução
tecnológica em boa parte da África, como conseqüência da tributação extraordinariamente alta da agricultura em muitos
países africanos por Estados urbanos.

116 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

reforma agrária (DeJanvy, 1981). As questões analisadas também incluem


porque, em alguns casos, as revoltas e revoluções são necessárias, en-
quanto que em outros uma mudança no conjunto de instrumentos dispo-
níveis é conseguida com êxito, mediante reformas, e porque algumas refor-
mas conduzem a relações de produção estáveis e eficientes, ao passo que
outras resultam em instituições ineficientes, tanto do ponto de vista da
eqüidade, quanto da eficiência.
Estes são os grandes temas dos historiadores, dos economistas clás-
sicos e das análises materialistas históricas marxistas. Essas questões, em
geral envolvem coalizões (ou a sua derrocada) que, à exceção das socieda-
des puramente agrárias, estendem-se além dos grupos rurais oponentes,
incluindo interesses industriais, comerciais, financeiros, burocráticos e até
interesses externos. Portanto, elementos exógenos adicionais (incluindo
elementos materiais), de fora da agricultura, devem ser incluídos num
arcabouço exploratório. Muito do trabalho sobre esses temas, nem especi-
ficam explicitamente as pressuposições sobre a distribuição da informação
(nível C), nem incluem, formalmente na análise, as condições materiais es-
pecíficas da agricultura (introduzidas no nível D), ou de outros setores da
economia. Ao mesmo tempo em que o rent-seeking do nível E está implícito
na questão levantada, e as coalizões ou o desmoronamento destas são
discutidos, a formação de coalizões, associada ao rent-seeking, raramente é
modelada explicitamente. Pode haver algum ganho a ser auferido, com a
consideração formal desses elementos omitidos, e a sua incorporação na
estrutura da análise desses grandes temas.

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Anexo 1
Intervenções para estabelecer e apoiar as grandes propriedades
A literatura sobre o surgimento e evolução dos latifúndios e das rela-
ções de produção que prevaleciam nessas propriedades, focalizou-se em exem-
plos da Europa (principalmente a Grã- Bretanha, a França, a Alemanha e a Euro-
pa Oriental). Este Anexo, que explica a Tabela 1 deste texto, apresenta a evidên-
cia do estabelecimento e da evolução dos sistemas de grandes propriedades,
num quadro mais amplo, cobrindo um período maior.
Todos os exemplos aqui discutidos sugerem que, nem o estabeleci-
mento nem a persistência da existência de grandes fazendas, deveu-se à
superioridade de sua eficiência econômica, e/ou à presença de economias
de escala na produção agrícola. A formação de grandes fazendas deveu-se
às intervenções governamentais em favor dos grandes latifundiários, medi-
ante a doação de terras e taxação diferenciada. A retirada desses privilégios
levou ou à sua desintegração em latifúndios menores, ou a uma mudança
em direção ao favorecimento político, ou outras formas mais sutis de ampa-
ro às grandes fazendas.

Ásia
Índia (Norte)
Intervenções no Mercado de Terras. O sistema de estâncias já havia sido
descrito na Arthshastra do século IV a.C. No século I, as doações de terra,
abrangendo dez ou mais vilarejos cada uma, foram concedidas a clérigos e
a uns poucos membros das famílias dominantes e altos funcionários do
governo (Sharma, 1965). Este processo de doação de terras “culminou nos
séculos XI e XII, quando o Norte da Índia foi parcelado em diversas unidades
políticas, boa parte das quais em mãos de donatários civis ou religiosos,
que desfrutavam dos vilarejos presenteados como algo um pouco melhor
do que os latifúndios.” (Sharma, 1965:273).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. A corvéia surgiu no sécu-
lo II e prevaleceu até o século X. Entre os séculos V e X, quando a densidade
populacional já havia atingido um patamar suficiente, como em Gujarat,
Rajasthan e Maharastra, os agricultores permanentes foram reduzidos a
colonos voluntários. Nas regiões onde a densidade populacional era baixa,
os colonos e artesãos eram agrilhoados à terra da mesma maneira que eram
os vassalos na Europa medieval (Sharma, 1965),

China (Sul)
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. O sistema de alocação igua-
litária de terra, introduzido por volta do ano 600, em condições de abundância

118 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

de terras, distribuiu igualitariamente entre todos os membros da comunidade,


em troca de pagamento de impostos. Os escravos recebiam o tamanho de gleba
padrão, mas eram obrigados a pagar apenas a metade dos impostos exigidos
dos não-escravos (Chao, 1986). Os camponeses, no entanto, não podiam esca-
par da carga tributária, já que os fazendeiros que haviam fugido para terras não
cultivadas, foram forçados a regressar às suas vilas pelas autoridades. DeFrancis,
1956, cita registros de 600.000 “refugiados” detidos num único ano (544). Para
evadirem-se dos impostos, muitos agricultores se apresentavam como servos
ou “vassalos” aos senhores feudais ou aos mosteiros, o que levou ao surgimento
de grandes propriedades. Numa grande reforma agrária efetuada em 1369, du-
rante a dinastia Ming, essas propriedades foram parceladas em pequenas fa-
zendas (Eastman, 1988). Instaurada a reforma agrária, criou-se a figura do coletor
de impostos, para administrar a coleta de tributos, em unidades com 110 domi-
cílios cada uma, e para entregarem os impostos, em grãos, para os silos do
governo. Esses fiscais utilizavam a corvéia e o trabalho dos vassalos para
desmatar terras e aumentar a sua base de receita (Shih, 1992). Eles chegaram a
acumular domínios próprios, graças à sua capacidade de prover crédito. O
gradual aumento das exigências tributárias (para financiar as guerras), deixou
muitos desses fiscais tributários em situação desesperadora.
A nova classe de aristocratas que começou a surgir no século XIV era
isenta tanto dos impostos quanto dos serviços braçais. Já que os aristocra-
tas da terra não pagavam impostos, eles tinham condições de colher retor-
nos mais altos da terra e acumular riqueza. Eles também tinham condições
de aumentar ainda mais os seus domínios, após os períodos de intempéri-
es, mediante a apropriação de terras que lhes haviam sido dadas como
garantia de crédito (Shih, 1992). Essas vantagens davam condições aos
membros da aristocracia de acumular terras, diminuir a base de receitas
tributárias dos fiscais de tributos e, por fim, comprar as terras desses fis-
cais falidos, os quais, ao final daquele século já haviam perdido a maior
parte de suas terras para os aristocratas. À medida que os aristocratas
latifundiários aumentavam suas atividades de agiotagem, os pequenos pro-
prietários, em dificuldades financeiras, tinham que apelar para a venda de
suas terras, ou a venda de si próprios, como servos ou vassalos, obtendo,
desta forma, uma isenção parcial de suas obrigações tributárias. O tamanho
das propriedades dos aristocratas cresceu em milhares de hectares, com
uma força de trabalho de mais de 10.000. Muitas vezes, essas propriedades
eram subdivididas em fazendas menores, de cerca de 500 hectares, e admi-
nistradas por vassalos especialmente educados para este fim (Shih, 1992).
Com a mudança da dinastia Ming para a dinastia Qing, em 1644, os se-
nhores aristocratas perderam os seus privilégios tributários. A população agríco-
la em declínio e o surgimento de melhores oportunidades de emprego fora da
agricultura, no período 1630-50, aumentaram o volume de terras disponível e,
como aconteceu na Europa Ocidental, melhorou a posição dos camponeses
(Shih, 1992). Na segunda metade do século XVII, eliminou-se a hereditariedade

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

do status de vassalo, e os servos foram totalmente emancipados em 1728. A


operação de grandes fazendas-sede com a utilização de trabalho assalariado,
passou a não ser mais lucrativa, surgindo assim os latifúndios (Wiens 1980),
melhorando consideravelmente as condições dos colonos. O arrendamento per-
mitiu que as propriedades operacionais ajustassem seus tamanhos, o que resul-
tou num cultivo muito intensivo, com alta produtividade (Feuerwerker, 1980).

Japão
Intervenções nos Mercados de Terras. Para prover os incentivos necessários
para a transformação de terras incultas em campos de arroz, a Lei de Recuperação
de Terras, de 723, transformou essas terras em propriedade hereditária pessoal
do incorporador. Este dispositivo deu origem ao surgimento de uma categoria
especial de terra particular, que era isenta de impostos, e excluída do sistema de
domínio, pelo qual, a cada seis anos, a terra era redistribuída entre os membros
da comunidade (Takekoshi, 1967).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Em troca dessa alocação
de terras, os agricultores tinham que pagar imposto em espécie, bem como
conceder serviços especiais, que chegaram a 140 dias por ano (Takekoshi,
1967). As terras desmatadas, as terras dos templos religiosos, bem como as
terras pertencentes à nobreza, eram isentas de todos os impostos. De modo
a obter imunidade tributária, muitos proprietários transferiam suas terras
para os templos, ou para membros da nobreza. Ao passo que eles tinham
que abrir mão dos direitos hereditários à terra, os proprietários originais, na
maioria dos casos continuavam a administrar suas terras, e o cultivo das
fazendas-sede permaneceu mínimo. Os oficiais superiores podiam acumu-
lar propriedades enormes, mas, por sua vez, tinham que transferir as propri-
edades para indivíduos mais graduados, de modo a proteger a imunidade de
seus domínios dos rigores tributários, dando origem a uma hierarquia de
domínio bastante complexa, nas quais as participações das herdades e os
direitos associados às receitas da terra eram comercializados no mercado
(Sato, 1977). Já pelo final do século XIV, a crescente escassez de terras,
conforme está evidenciada pela fragmentação física dos campos, devido às
transferências entre gerações, levaram a uma conversão gradual em latifún-
dios (Keirstead, 1985), que perdurou até os séculos XIX e XX.

Java e Sumatra
Intervenções nos Mercados de Terras. A Lei da Reforma Agrária, de 1870, decla-
rou toda as terras incultas como de propriedade inalienável do Estado, e as
alugou a companhias européias que ali fundaram plantações de grande escala.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Essas plantações eram
operadas quase que exclusivamente com a utilização de trabalho servil

120 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

(Breman, 1989). Leis como a “postura coolie”* , de 1880, impunham penali-


dades severas aos trabalhadores que abandonavam o trabalho, e coloca-
vam na prisão aqueles que dessem emprego a esses fugitivos, o que é um
indicativo de escassez de mão-de-obra (Stoler, 1985). O cultivo em larga
escala limitava-se a essas plantações. Nos lugares onde as propriedades
individuais camponesas prevaleciam, no início do domínio colonial, as au-
toridades usavam o “sistema de cultivo” (1820), para se apropriar do exce-
dente sem despender recursos em investimento de capital, apoiando-se em
arranjos tradicionais de domínio de terras. Esse sistema exigia que os agri-
cultores cultivassem safras pré-negociadas (predominantemente café e cana-
de-açúcar) para o governo, em um quinto das terras do vilarejo, em lugar de
um imposto territorial (Hart, 1985). Ambas as safras eram integradas ao
sistema local de cultivo de arroz ou cultivo das terras altas (Geertz, 1963).

Filipinas
Intervenções nos Mercados de Terras. As terras foram concedidas a indivíduos
e a ordens religiosas a partir de 1571 (Roth, 1977) e já em 1700, todas a melho-
res terras estavam sob controle de grandes latifúndios (Cushner, 1976).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. As Filipinas, como al-
guns países da América Latina, tinha tanto a encomienda – direito de
tributar em trabalho braçal, dinheiro, ou espécie, de uma determinada
região – e o repartimiento – que distribuía os trabalhadores em obras
públicas e negócios privados dos espanhóis. Esses sistemas, no entanto,
eram diferentes daqueles usados na América Latina, onde o direito a servi-
ços braçais era hereditário, e freqüentemente incluía vilarejos inteiros. Os
trabalhadores das estâncias em mãos dos europeus ficavam isentos de
impostos e do trabalho pesado nas obras públicas, o que tornava o em-
prego nas estâncias altamente atraente. Apesar desta vantagem, a falta de
economias de escala levou à quase imediata desintegração das fazendas
cultivadoras de arroz, que se transformaram em latifúndios. Ademais, já
no século XIX, a produção e o processamento do açúcar eram controlados
também pelos arrendatários (Roth, 1977).

Sri Lanka
Intervenções nos Mercados de Terras. As terras altas, onde se praticava o cul-
tivo em matas de queimada, foram declaradas terras da Coroa, em 1840
(Sandarage, 1983), e vendidas a cultivadores privados, a maioria dos quais
ingleses, que lá estabeleceram plantações de café.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. O trabalho de corvéia foi
abolido das terras públicas em 1818 e substituído por um imposto em grãos,
totalizando 10% da produção bruta. A agricultura de exportação – bem como

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 121
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

toda a terra dedicada à plantação de café, algodão, açúcar, índigo, ópio e seda –
eram isentas de impostos (Bandarage, 1983).
Ao passo que os interesses das classes abastadas conseguiram se
opor, com sucesso, à imposição de uma lei tributária geral, a oportunidade
de se auferir receitas com o cultivo do café, juntamente com a ausência de
uma casta de trabalhadores sem-terra, limitou severamente a disposição
das populações locais de suprir mão-de-obra para as propriedades. Assim,
quase a totalidade da mão-de-obra agrícola das plantações de café teve que
ser importada. Estimativas do Censo indicam que em 1871 e 1881, 97% dos
cerca de 200.000 trabalhadores nas plantações eram de origem tâmil, prin-
cipalmente da Índia. Os 3% de trabalhadores das plantações, de origem
local, eram em sua maioria artesãos, a quem eram pagos salários competiti-
vos, e que usavam sua posição para acumular capital para sua própria aqui-
sição de terras (Bandarage, 1983).

Europa
Prússia
Intervenções nos Mercados de Terras. As doações de terras na Prússia
começaram no século III, e eram concedidas aos fidalgos e nobres, que
tinham a missão de colonizar esse vasto território pouco populoso, e
fornecer serviço militar ao rei. No início, a densidade populacional era tão
baixa, que eram precisos termos bastantes favoráveis para atrair os cam-
poneses. Os camponeses recebiam o direito de usufruto hereditário a
cerca de 32 hectares cada um. Os nobres cavaleiros operavam domínios
de tamanho modesto, de cerca de duas ou três vezes o tamanho das
glebas designadas aos assentados (Hagen, 1985), para complementar os
aluguéis que eles recebiam dos camponeses. Eles eram “não os senhores,
mas os vizinhos” do agricultor, e em termos econômicos, tinham desem-
penho pior do que os camponeses (Lütge 1979). A queda de população,
causada pela Peste Negra, aumentou a quantidade de terra disponível
para a nobreza, que tornou-se “rica em terras, mas pobre em mão-de-
obra”. O uso produtivo dessa terra só poderia ser mantido com a busca e
com o assentamento de novos agricultores, freqüentemente em termos
bastante favoráveis para os assentados.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Ao passo que os agriculto-
res assentados tinham o direito legal de partir, sem o consentimento dos se-
nhores, até 1484 (Hagen, 1985), a Landesverordnung, de 1526, já não mais
mencionava o direito do agricultor de acionar legalmente o senhorio que não
lhe permitisse partir (Abel, 1978), o que indicava o crescente poder de barganha
dos senhores da terra (devido à densidade populacional mais alta). Essas restri-
ções à mobilidade dos camponeses facilitou a adoção, muito difundida do
aluguel de mão-de-obra, e um aumento das exigências trabalhistas que em

122 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

1560, eram dois dias de serviço por semana, para os camponeses, até chegar a
três dias, por volta de 1600 (Hagen, 1985). Mesmo assim, os nobres tinham que
recorrer aos trabalhadores contratados, em complemento aos serviços braçais
obrigatórios. As propriedades eram relativamente pequenas: em 1624, os do-
mínios junker perfaziam apenas 18% da terra cultivada (Hagen, 1985). O maior
benefício dos serviços braçais, auferido pelos senhores, era a obrigação dos
camponeses de prover um par de bois ou cavalos, e um condutor destes, em
lugar da contribuição feita pelos agricultores de tempo parcial (nicht spannfähige
Bauern) ao cultivo dos domínios.
Embora tenham os nobres cavaleiros aumentado o tamanho de seus
domínios, com o acréscimo das terras pertencentes às famílias que morreram
durante os anos da peste negra do século XIV, ou aquelas que morreram na
Guerra dos Trinta Anos de 1618-48, as grandes fazendas começaram a predo-
minar na Prússia somente depois da reforma agrária efetuada no período 1807-
50 (Lütge, 1979). Três aspectos dessa reforma contribuíram para o surgimento
das grandes fazendas: os termos de separação, que exigiam que os agricultores
detentores de aluguéis perenes, hereditários ou não, cedessem entre um terço
e a metade de suas terras aos junkers, em troca da liberdade; a limitação inicial
dos benefícios da reforma aos “camponeses de tempo integral”, e sua posterior
extensão para os outros camponeses, não detentores de contratos de longo
prazo, apenas em 1850 quando, a maioria concorda, já “era muito tarde” (Dickler,
1975); e a rejeição das leis de proteção do inquilinato, que existiam desde
1750. Esses fatores permitiram aos junkers ampliar em muito os seus domíni-
os, e a contar com uma combinação de trabalho assalariado. O estilo típico de
cultivo dos junkers, com trabalhadores permanentes, residentes em lotes com
casa, surgiu como forma predominante de organização da produção (Lütge,
1979). Depois que os colonos adquiriram a liberdade de migrar em 1863, e
passaram a mover-se em direção ao ocidente (Wunderlich, 1961), eles foram
gradativamente substituídos por trabalhadores assalariados, nômades e sazo-
nais, oriundos principalmente da Polônia, onde a densidade populacional era
alta e havia muita gente sem terra (Dickler, 1975).
Intervenções nos Mercados de Produção e de Insumos. Desde o início da era
dos assentamentos, os fidalgos detinham certos direitos de jurisdição e
monopólio sobre a moagem e sobre a fabricação e venda de álcool. Entre-
tanto, o fato de que eles estavam dispostos a ceder uma boa parte de seus
privilégios ligados ao comércio, a empreendedores engajados no
desmatamento de terras, atraindo desbravadores do ocidente, ilustra o quan-
to a escassez de mão-de-obra era premente.

Rússia
Intervenções nos Mercados de Terras. No século XIV, os príncipes, consideran-
do toda a terra de seus principados como seu patrimônio (votchina), doaram
terras aos nobres que podiam fornecer a mão-de-obra necessária para cultivar

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 123
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

a terra e pagar os impostos. Esses senhores, por sua vez, tinham que atrair
camponeses, com termos muito vantajosos. O pagamento em espécie (obrok)
passou a ser o tipo predominante de obrigação do camponês e, devido a limita-
da capacidade de impor aluguéis (barshchina), o cultivo da fazenda-sede era
quase inexistente (Blum, 1961).
Em 1565, Ivan IV confiscou a propriedade (votchina) de quase todos os
antigos principados, e as converteu em terras do estado (oprichnina), usando-
as, então, como doação, em recompensa aos seus soldados. Esses soldados
não receberam a titulação plena, adquirindo apenas os direitos de usufruto sob
domínio de serviço (pomestye), que tornou-se a forma dominante de domínio
laico nobiliárquico. Como resultado, “a posse pessoal das propriedades imobi-
liárias tornou-se o monopólio de uma única classe da sociedade russa – os
soldados do Czar” (Blum, 1961;169). Uma vez que os direitos da terra podiam
ser retomados, a bel prazer pelo Czar, a continuidade da posse da terra ficava
condicionada ao desempenho dos serviços para o Estado. Com efeito, os se-
nhores que não conseguiam pagar, em serviço ou dinheiro, eram despejados, e
essa classe de servidores ficou sujeita a uma grande flutuação. A competição
por trabalho era violenta, e o cultivo das fazendas familiares permaneceu muito
limitado. A situação econômica do servidor era freqüentemente precária, até
que a posse tornou-se gradativamente hereditária no século XVII (Blum, 1961).
Restrições à Mobilidade do Trabalho e Taxação Diferenciada. O grau de escassez
de mão-de-obra é ilustrado pelas restrições cada vez mais severas à mobilidade
dos camponeses agricultores. Entre os anos de 1400 e 1450, o direito dos
colonos de terminar os seus contratos e partir para os domínios de um outro
senhorio, se restringia a duas semanas por ano. Até mesmo os camponeses
eram obrigados a pagar “taxas de saída” exorbitantes (equivalente a 300 alqueires
de aveia ou 120 alqueires de trigo; Blum, 1961), antes de partir. Os proprietários
competiam ferozmente por mão-de-obra e recorriam à “pirataria de mão-de-
obra”, isto é, atraíam trabalhadores de outras propriedades, com promessas de
melhores condições. Na verdade, essa pirataria de mão-de-obra tornou-se “o
principal meio legal pelo qual os colonos se transferiam de um senhor para o
outro”, embora também se lançasse mão de outros meios ilegais (Elum, 1961).
A introdução, em 1588, dos “anos proibidos”, durante os quais o direito dos
agricultores de se movimentar foi suspenso temporariamente, não impediu a
pirataria de mão-de-obra, porque era difícil fazer cumprir a lei. Decretos expedi-
dos em 1597 e posteriormente em 1607, confinaram todos os camponeses aos
lugares onde eles residiam à época do censo de 1592, o que facilitou o cumpri-
mento da lei. O Código de Assembléia, de 1649, que vigorou até cerca de 1850,
aboliu os estatutos de limitação sobre o retorno de camponeses fugitivos para
o seu patrão original. O Código também transformou a servidão em condição
hereditária, ao proibir a mobilidade dos cônjuges e da prole dos camponeses.
Após 1661, as multas impostas sobre o aliciamento de colonos tinham que ser
pagas “em servos”. Para cada trabalhador ilegal flagrado em propriedades dos
senhores, este senhor tinha que ceder uma das famílias de criados residente

124 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

em sua propriedade. Os vassalos podiam ser vendidos livremente; as restrições


que proibiam a venda de servos sem terra não lograram êxito. Eles também
podiam ser usados como garantia, para serem leiloados, quando o proprietário
falisse. Em 1859, dois terços dos vassalos estavam hipotecados. Após 1719,
os privilégios dos camponeses - principalmente aqueles em áreas de fronteiras
– que haviam fugido da servidão, foram aos poucos eliminados. Eles foram
transformados em camponeses do estado, sujeitos a impostos, taxas e traba-
lhos forçados para o governo. Por volta de 1850, mais de 90% da população
masculina constituía-se de servos (Blum, 1961).
Em 1580, as fazendas-sede dos senhores feudais (domínios) tornaram-
se isentas de impostos. Com as exigências de receitas também crescentes, a
carga tributária imposta aos camponeses aumentou substancialmente, dimi-
nuindo, significativamente, o retorno potencial do cultivo (Blum, 1961). Os
camponeses reagiam, fugindo para as áreas de fronteira, onde os senhores iam
atrair mão-de-obra e, por causa da isenção temporária de impostos, tinham
condições de fazer ofertas mais atraentes.
Os senhores feudais tentaram prender os camponeses aos seus do-
mínios, por meio de dívida de peonagem. De acordo com as leis sanciona-
das entre 1586 e 1597, um devedor caía automaticamente em servidão, no
caso de não conseguir pagar uma dívida no prazo. Assim, ele teria que
trabalhar continuamente para o credor, apenas para pagar os juros recorren-
tes. Sem a menor possibilidade de pagar o principal da dívida, a única van-
tagem que essas pessoas tinham sobre os escravos era a de que eles eram
libertados após a morte do credor (Blum, 1961).
Intervenções nos mercados de produção e de insumos. Já que nem os servos nem
os camponeses do Estado tinham permissão de se engajar em negócios inde-
pendentes, os senhores desfrutavam um monopólio de fato, sobre o comércio
em sua área, além do monopólio formal sobre a fabricação e venda de álcool.

América Latina
Chile
Intervenções nos Mercados de Terra. Em meados do século XVI, as câmaras
municipais, livres da fiscalização central de um vice-rei ou governador, que era
comum no México e no Peru, distribuíam terras para os colonos “com a maior
generosidade e (...) a despeito da existência de legislação da coroa dispondo em
contrário” (Bauer, 1980:4). Em contraste com outros países latino-americanos,
onde o direito de cobrar tributo distinguia-se legalmente da doação de terras, e
onde a proteção de fato das terras comunais indígenas era cumprida pelas auto-
ridades centrais, os encomenderos do Chile receberam dotações de terras no meio
de “suas” terras indígenas comunais. Assim, os encomenderos dispunham de
mão-de-obra abundante e barata, de modo que “na altura do ano de 1650, a

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posse de terras e a encomienda estavam inteiramente integradas ... [e] a encomienda


foi absorvida pela terra” (Bauer, 1980:8).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. O meio principal de supri-
mento de mão-de-obra para as minas era a mita, que exigia que todos os assen-
tamentos indígenas suprissem uma determinada proporção de sua força de
trabalho para a agricultura, ou para obras públicas, mas, na maioria dos casos,
para as minas. Os trabalhadores das estâncias eram isentos da mita, e muitos
índios buscaram refúgio para se protegerem das exigências cruéis dos traba-
lhos forçados, juntando-se às fileiras dos yanaconas, um grupo que havia aban-
donado todos os laços com suas comunidades originais, incluindo o direito à
terra, para viver, em total servidão, com os senhores espanhóis, formando as-
sim a mão-de-obra nuclear dos Estados espanhóis.
Um aumento na demanda por trigo em Lima, em 1687, deu origem a um
aumento considerável dessas exigências de trabalho, e os senhores se ampara-
ram nas encomiendas ou nos yanaconas, que eram virtualmente escravizados e só
tinham direito a três dias por ano, para cuidar de seus lotes (Pearse, 1975).
Como ocorreu com as propriedades junker da Europa Oriental, os colonos capa-
citados eram usados como “corretores de mão-de-obra”, e eram obrigados a
suprir mão-de-obra para as estâncias (peones obligados ou reemplazantes), pratica-
mente o ano inteiro (Kay, 1977).
Intervenções nos Mercados de Produção e de Insumos. As grandes fazendas de
cultivo de trigo da região central, não podiam competir com o trigo produzido nas
fazendas mais dinâmicas (e menores) do sul, sendo assim, convertidas em fazen-
das de pecuária. Para se proteger da competição com a Argentina, os fazendeiros
criaram um lobby poderoso, e tiveram êxito com a imposição de taxas de importa-
ção sobre carne bovina, ao final do século XIX. Esses impostos foram mantidos,
apesar de sublevações levadas a cabo pelos consumidores em 1905, causadas
pelos altos preços dos alimentos (Kay, 1992). Neste século, os grandes proprietá-
rios receberam tratamento especial, para reduzirem os custos da mecanização.
Eles recebiam isenção de tarifas de importação, e empréstimos a taxas de juros
mais baixas. As taxas de juros reais, sobre os empréstimos para a mecanização,
na maioria dos países latino-americanos, nos anos cinqüenta e início da década
de sessenta, eram, na verdade, negativos. Os fazendeiros do Chile, Argentina,
Brasil e Venezuela pagavam apenas entre 50% a 80% contra seus empréstimos
para a compra de equipamentos (Abercombie, 1972).

El Salvador
Intervenções nos Mercados de Terra. A partir de 1857, as terras públicas eram
doadas a qualquer um que nelas plantasse café, em pelo menos dois terços da
gleba (Lindo Fuentes, 1990). Um amplo programa de titulação de terras, iniciado
em 1882, com o objetivo de acelerar o crescimento da plantação de café, afetou
diretamente cerca de 40% do território do país (Lindo Fuentes, 1990), e deu

126 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

origem a uma extraordinária concentração de posse de terras. A Lei de 1882


exigia que todos os ocupantes das terras registrassem seus requerimentos
(isto é, provassem que estavam cultivando a terra e pagassem a taxa de titulação),
num período não superior a seis meses. Toda a terra não encaminhada desta
forma era vendida em leilões públicos. Os índios analfabetos, com freqüência
não tomavam conhecimento dessas exigências, e os indivíduos com boas rela-
ções tiravam um bom proveito da legislação. A meta de se criar uma agricultura
de exportação bem sucedida poderia ter sido alcançada, mediante a moderni-
zação do sistema de crédito, bem como pela educação dos nativos, já que os
índios já haviam, anteriormente, provado que tinham condições de serem ab-
sorvidos pelos incentivos de mercado. A escolha do mercado de terra, como
instrumento para se alcançar a transformação, revela as dificuldades adminis-
trativas, bem como o poder das elites, que se beneficiaram dessa legislação
(Lindo Fuentes, 1990).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Em 1825, foram sanciona-
das leis contra vadiagem, exigindo que os índios passassem a portar cartões de
trabalho, comprovando um emprego (Lindo Fuentes, 1990). A pena por vadia-
gem era o cárcere. Em 1847, os proprietários que tivessem mais de 15.000
mudas de café plantadas em suas propriedades, ficaram isentos de prestarem
serviço público e militar, tanto os donos quanto os colonos.

Guatemala
Intervenções no Mercado de Terras. Embora os espanhóis tivessem efetuado
algumas doações de terras na Guatemala, no século XVI, a sua principal inter-
venção no mercado de terras foi o reassentamento da população indígena em
vilarejos centralizados, de modo a facilitar a administração tributária e a conver-
são dos índios ao cristianismo. Eles limitavam as suas atividades à pecuária,
para a qual não era necessária a titulação das terras (MacLeod, 1973). Os títulos
que foram emitidos para os espanhóis, mediante doações de terras, tornaram-
se importantes apenas no período 1590-1630, após um redirecionamento para
o cultivo do índigo.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. No início, os espanhóis
tinham pouco interesse no estabelecimento de uma agricultura intensiva,
preferindo cobrar tributo (esse tributo cobrado aos índios contribuiu com
mais de 80% das receitas da Coroa; Brockett, 1990). A partir de 1540, os
tributos passaram a ser cobrados em dinheiro, e a necessidade de uma
renda em dinheiro tornou-se uma força importante, que induziu os índios,
habitantes das terras altas, a migrarem para as áreas das plantações (MacLeod,
1973). Por volta das décadas de 1560 e 1570, os índios que haviam migrado
dos planaltos, constituíam a maioria da população indígena costeira.
A partir de 1600, passou-se a exigir que os chefes das tribos supris-
sem contingentes de trabalhadores (mandamiento) – que podia atingir até um

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

quarto da força de trabalho – para serviços de interesse público (MacLeod,


295). O trabalho mandamiento se ajustava perfeitamente à demanda sazonal
para o processamento do índigo.
O emprego de índios nas fábricas de índigo era bem difundido, apesar
da proibição legal imposta para evitar o continuado declínio da já dizimada
população indígena (Lindo Fuentes, 1990). O sistema de mandamiento sobrevi-
veu até meados da década de 1880, quando era usado para suprir mão-de-obra
barata para as plantações de café em mãos dos europeus (Cambranes, 1985).
A dívida de peonagem foi legalizada em 1877, e ao forçar os devedores
a trabalhar, em pagamento de suas dívidas, forneceu os meios oficiais para que
os senhores continuassem a contar com um fluxo de mão-de-obra barata. Após
a abolição da dívida de peonagem, as leis de vadiagem foram adotadas em
1933, como resposta a uma séria escassez de mão-de-obra. Todos os índios
que não conseguissem provar a posse e operação de um mínimo de 1,1 a 2,8
hectares de terra, eram obrigados a trabalhar – especialmente nas plantações –
entre 100 a 150 dias por ano, para pagar seus “débitos perante a sociedade”. As
exigências de portar um cartão de trabalho facilitavam o controle e o cumpri-
mento dessa lei (Pearse, 1975).

México
Intervenções no Mercado de Terras. O reassentamento de índios que teve
início em 1540, privou-os de suas terras tradicionais e os colocou em
domínios menores e menos produtivos. Embora a intenção do programa
de reassentamento fosse, primordialmente, levantar dinheiro para a Co-
roa, a venda das terras dos nativos aos europeus, a desapropriação redu-
ziu significativamente a base produtiva da economia agrícola indígena
(Gibson, 1965; Taylor, 1988).
As terras comunais foram expropriadas por volta de 1850 e à medida
que a terra tornava-se gradativamente escassa, abriam-se cada vez menos opor-
tunidades alternativas para potenciais colonos. A desapropriação dos vilarejos
comunais deu origem a duas tendências conflitantes. Por um lado, a mão-de-
obra barata e temporária tornou-se mais prontamente disponível do que antes.
Com isso, do ponto de vista econômico, a dependência no trabalho forçado
tornou-se, aos poucos, desnecessária, nas estâncias da região central do Méxi-
co. Por outro lado, à medida que as estâncias adquiriam cada vez mais terras,
muitas das quais de qualidade medíocre, elas passaram a dar preferência ao
compartilhamento de safras e ao arrendamento. As condições em que viviam
esses assentados eram tão precárias que, muitos deles (...) inevitavelmente
contraíram dívidas, as quais não podiam pagar” (Katz, 1974:41).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Os colonizadores es-
panhóis receberam, após 1490, encomiendas, isto é, direitos sobre

128 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

vilarejos indígenas, dos quais extraíam tributos em espécie ou em traba-


lho braçal. Em algumas regiões foram impostas algumas restrições, que
limitavam o uso do trabalho braçal como forma de pagamento dos tribu-
tos, de modo a garantir a oferta de trabalho para as obras públicas.
Em 1542, as encomiendas originais ficaram restritas ao direito de
coletar tributos e o sistema de repartimiento passou a ser usado para distri-
buir a mão -de-obra indígena, supostamente de modo mais equânime.
Embora isto restringisse o poder dos beneficiários das encomiendas, o sis-
tema piorou a situação dos nativos, que tinham que pagar tributos aos
encomenderos e prestar serviços braçais sob o regime de repartimiento.
As exigências tributárias permaneceram as mesmas, mas podiam ser
evitadas com o trabalho nas estâncias (a estância pagava o tributo). Em
muitos casos, exigia-se que os tributos fossem pagos em dinheiro, forçan-
do muitos índios das terras altas a migrar para as planícies, em busca do
dinheiro necessário (Moerner, 1978).
A dívida de peonagem não tinha muito significado nos períodos
iniciais da colonização, embora mais tarde tenha adquirido importância
considerável, como forma de prender os colonos às terras da estância e
de reduzir os seus salários. Em 1790, 80% dos peões numa determinada
área tinham dívidas totais que ultrapassavam o limite legal; a dívida média
dessas pessoas era equivalente a onze meses de salário (Taylor, 1972). À
medida que os senhores deixavam a dívida acumular até o ponto do valor
futuro esperado pelo trabalho exercido, o sistema chegou muito próximo
da escravidão (os peões endividados eram até mesmo comercializados,
mediante o resgate de suas dívidas para com o seu patrão). Uma lei sanci-
onada em 1843 assegurava não só a competência do estado de “coletar”
dívidas contraídas junto às estâncias, como também tornou ilegal a
contratação de colonos que haviam abandonado suas estâncias sem hon-
rar seus débitos, determinando que eles fossem devolvidos (Katz, 1974).
As leis contra a vadiagem foram sancionadas em 1877 e foram cumpridas
com rigor, o que deu origem a um aumento considerável de emprego de
colonos deportados e de “criminosos” (Katz, 1974).

Vice-Reinado do Peru
(atualmente Peru, Bolívia e Equador)
Intervenções no Mercado de Terra. A partir de 1540, tornaram-se comuns as
doações de terras nesta região, com concessões de 120 a 800 hectares, obti-
das com relativa facilidade. Os principais beneficiários eram os encomenderos,
isto é, senhores espanhóis que haviam recebido direitos a serviços braçais de
vilarejos inteiros (ver a seguir), uma vez que sem mão-de-obra para trabalhar a

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Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

terra, esta não tinha, virtualmente, nenhum valor. Quando toda a terra reservada
para esse propósito se exauriu, por volta de 1557, as terras indígenas “particu-
lares” foram expropriadas e distribuídas entre fidalgos espanhóis (González,
1985; Davies, 1984).
Nas áreas costeiras, o reassentamento efetuado sob o vice-reinado de
Toledo, em 1570, transferiu os índios para vilas recém instaladas, onde eles
ganharam terras agrícolas, geralmente de qualidade inferior. Em 1589, foram
introduzidos programas destinados a rever a titulação de terras concedidas aos
espanhóis, pelos quais “os espanhóis podiam adquirir legalmente as terras que
haviam usurpado dos índios, mediante o pagamento de uma taxa à Coroa”
(González, 1985:15). Em 1641, o mesmo esquema foi empregado, desta vez
com mais rigor, para melhorar a posição financeira da Coroa Espanhola: houve
expropriações em larga escala de terras indígenas, e toda a terra excedente foi
vendida aos europeus. Os índios “sofreram uma redução considerável de seus
domínios; passaram a possuir as piores terras agrícolas do vale” (Davies,
1984:130). No Vale do Arequipa, os homens adultos casados recebiam terras
cuja área não ultrapassava meio hectare.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Por volta de 1530, asencomiendas
conferiram aos europeus que substituíram os senhores locais, direitos de extrair
tributos (em trabalho braçal, dinheiro ou espécie) de determinadas regiões. Os
detentores desses privilégios (encomenderos) não tinham, pelo menos no início, ne-
nhum tipo de regulação com relação ao volume ou à forma de cobrança desses
tributos (Ramirez, 1986). Ao passo que muitos usavam o tributo pago em trabalho
braçal, para o cultivo das grandes propriedades, o cálculo do tributo em dinheiro
forçou os índios a tomarem dinheiro emprestado, ou a venderem terras abandona-
das para honrarem suas dívidas (Davies, 1984). O direito usufruído individualmen-
te pelos encomenderos, ao uso exclusivo do trabalho braçal dos nativos para serviços
pessoais, foi abolido em 1550 devido, principalmente, à necessidade de mão-de-
obra gratuita nas obras públicas e nas minas. No entanto, permaneceram os de-
mais benefícios das encomiendas.
Com a abolição da encomienda, os espanhóis transformaram a mita, uma
instituição Inca de recrutamento de mão-de-obra para trabalhar em obras públi-
cas, num arranjo permanente de recrutamento de mão-de-obra para o trabalho
nas minas. Além de pagar o tributo ao encomendero, cada vilarejo tinha que suprir
um percentual de sua força de trabalho para “obras públicas”, o que significava,
na verdade, trabalho nas minas. Já que o trabalho nas estâncias espanholas era
isento de mita e de exigências tributárias, muitos trabalhadores do altiplano
passaram a aceitar trabalhar nessas estâncias. Surgiu assim, a classe dos
yanaconas, que residia nas estâncias e havia abandonado totalmente a sua iden-
tidade cultural (Pearse, 1975).
A escravatura foi difundida, a partir de 1580, nos vales costeiros de
cultivo de cana-de-açúcar, algodão e vinho (Davies, 1984). Quando a escra-
vatura foi abolida, as plantações de cana-de-açúcar passaram a contar com

130 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

o trabalho servil da mão-de-obra importada da China e do Japão, que perfa-


zia mais de 90% da força de trabalho em alguns Estados (Gonzáles, 1985).
Outras lavouras, predominando o algodão, eram, entretanto, cultivadas em
regimes de contratos de arrendamento (Gonzáles, 1991), quando a escravi-
dão já havia sido abolida, sugerindo que esta forma de trabalho era mais
lucrativa do que a agricultura das grandes fazendas.

África
Argélia
Intervenções no Mercado de Terra. Com a ocupação francesa, todas as ter-
ras de grupos religiosos e tribais passaram a ser propriedade do Estado. As
terras incultas ou ociosas ficavam sujeitas à titulação, o que permitiu aos
colonizadores adquirirem terras a um valor ínfimo, “que chegava à beira do
roubo” (Ageron, 1991). Em alguns casos, essa titulação deixou os muçulma-
nos com pouco mais de 5% de área de terra, e boa parte da terra declarada
ociosa incluiu as terras de pastagens utilizadas pelos nômades em suas pere-
grinações. Já que o número de assentados permaneceu limitado, diversos
tipos de assentamento (inclusive o estabelecimento de vilarejos nativos) fo-
ram experimentados, para tornar a colônia economicamente viável.
O desejo de impor o domínio francês na Argélia, depois da rebelião
de 1870/71, deu origem ao início de um amplo programa de colonização e
assentamento, entre 1871 e 1872. A um custo altíssimo para o governo,
os colonos ganharam terra e infra-estrutura gratuitas, porém ou venderam
ou cultivaram suas terras com o auxílio de arranjos de compartilhamento
de safra contratados com os nativos (Ageron, 1991). A auto-intitulada “lei
dos colonizadores”, de 1873, permitiu aos europeus adquirir os direitos
sobre vastas áreas de terras das comunidades, com a compra de peque-
nas frações, o que levou ao acúmulo de grandes propriedades, a um custo
baixo (Ageron, 1991).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. A partir de 1849, todos
os árabes foram obrigados a pagar impostos individuais, exceto aqueles
que trabalhavam como compartilhadores de safras ou trabalhadores assa-
lariados, nas fazendas em mãos de europeus (Bennoune, 1988). Ainda as-
sim, embora “eles estivessem sempre dispostos a cultivar para os france-
ses, na qualidade de khammes, ou compartilhadores de colheita”, no começo
do século XX apenas 12% dos árabes trabalhavam como colonos em fazen-
das. Os viticultores franceses dependiam da mão-de-obra estrangeira, em
geral trabalhadores imigrantes dos países mediterrâneos. A provisão dife-
renciada de crédito aos europeus levou a um acelerado crescimento do
cultivo do vinho. As flutuações do mercado, juntamente com mais doações
de terras para os novos e ricos colonizadores resultou na consolidação de
grandes propriedades de cerca de 4.000 e 5.000 hectares.

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Angola
Intervenções no Mercado de Terra. Em 1838, e, posteriormente, em 1865,
toda a terra “desocupada” poderia ser doada a europeus, na forma de con-
cessões. “Os colonizadores receberam terras, sementes, implementos e es-
cravos, do governo, e medidas foram tomadas para assegurar a
comercialização de sua produção” (Clarence-Smith, 1979:15). Entre 1907 e
1932, 98 milhas quadradas foram demarcadas como reservas nativas, 4 mi-
lhas quadradas foram doadas aos africanos, juntamente com os títulos, e
cerca de 1.800 milhas quadradas de terras da mais alta qualidade foram doa-
das aos colonizadores portugueses e outros estrangeiros (Bender, 1978).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Mesmo após a abolição
da escravatura interna em 1875, a escravidão persistiu em diversas formas,
mas devido a uma formidável demanda de mão-de-obra para as plantações
de coco em São Tomé, os preços dos escravos subiram rapidamente, tor-
nando mais lucrativo exportar escravos do que usá-los nas ineficientes
propriedades dos colonizadores (Clarence-Smith, 1979). As leis contra va-
diagem, sancionadas em 1875, sujeitaram todos os africanos “improduti-
vos” a contratos de trabalho não-remunerado (Bender, 1978). As leis foram
substituídas, em 1926, por leis nativas, que restauraram os salários, mas
mantiveram o dispositivo que determinava que todos os africanos eram
obrigados a trabalhar para patrões europeus, ou poderiam ser contratados
pelo Estado (Henderson, 1980).

Egito
Intervenções no Mercado de Terras. As doações de terra efetuadas na década
de 1840, concederam cerca de 40% da terra para senhores turcos e egípcios, e
facilitaram a formação de vastas propriedades (Richards, 1982). A expropriação
de terras comunais, ocorrida entre 1850 e 1870 fortaleceu esta tendência. Em
1856, os impostos territoriais (por alqueire), que incidiam sobre as pequenas
propriedades, eram entre quatro a seis vezes maiores do que para as grandes
propriedades (Richards, 1982) e, em muitos casos, os grandes proprietários
sequer pagavam impostos (Owen, 1986).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Contrariando a prática usual,
os otomanos do século XVI não distribuíram as terras egípcias para os chefes
militares, mas coletavam imposto coletivo. Eles tentavam evitar a interrupção da
produção agrícola no Egito, “o celeiro do Império Otomano” (Richards, 1983:7).
Trabalhadores em regime corvéia foram recrutados, inicialmente para obras pú-
blicas, para construir um extenso sistema de irrigação e, mais tarde, para a produ-
ção de algodão nas fazendas-sede dos patrões. Seguindo-se às doações de ter-
ras efetuadas na década de 1840, “os grandes proprietários passaram a empregar
trabalhadores em regime corvéia em suas propriedade, ao mesmo tempo em que
conseguiram isentar os seus colonos desse mesmo regime (Richards, 1982:23),
assemelhando-se aos eventos das estâncias latino-americanas.

132 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Os grandes proprietários obtiveram um grande volume de subsídios go-


vernamentais diretos, dirigidos a programas de estabilização dos preços do algo-
dão, entre as décadas de 1920 e 1930. Essas medidas foram complementadas
pela imposição oficial de um limite sobre a quantidade de algodão que era plan-
tada, bem como pelo apoio financeiro aos grandes proprietários, com baixas
taxas de juros. Por volta de 1930, esses fazendeiros já estavam bastante
endividados. Outras medidas, como a imposição de tarifas sobre a farinha impor-
tada, e a proteção de mercado para o açúcar produzido internamente, decretadas
em 1932 e 1934, ampararam diretamente os grandes proprietários (Owen, 1986).

Quênia29
Intervenções no Mercado de Terra. Com a chegada dos europeus, toda a terra
desocupada foi declarada como terra da Coroa e vendida aos colonizadores
europeus, em condições extremamente favoráveis. Boa parte da terra conti-
nuou a ser cultivada por colonos africanos, que eram chamados de grileiros
(Mosley, 1983). Os direitos dos africanos sobre a terra ficaram limitados às
reservas, e uma proibição formal de transações de terras, por africanos, fora
dessas reservas, foi decretada em 1926.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Os britânicos impuseram
inúmeros impostos domiciliares e individuais, de modo a “aumentar o custo de
vida dos nativos” (Berman, 1990:509). Inicialmente, os africanos não buscaram
trabalho assalariado, para pagar esses impostos. Em vez disso, aumentaram a
produção, basicamente em terras arrendadas. Apesar dos insistentes pedidos,
por parte dos colonizadores, em favor da concessão de isenção de impostos
para os africanos que se dispusessem a trabalhar nas propriedades dos euro-
peus, eles não foram atendidos. Assim, as grandes propriedades, baseadas no
trabalho assalariado, permaneceram relativamente pouco lucrativas, em com-
paração com o arrendamento.
Uma lei promulgada em 1918 determinou que os colonos teriam que
prover pelo menos 180 dias por ano de serviços braçais a seus senhores, com
um salário que não podia exceder dois terços do salário da mão-de-obra
desqualificada. Esse dispositivo legal foi sujeito a duas revisões (em 1926 e
1939), em ambos os casos para aumentar a quantidade mínima de serviço
braçal (que aumentou para 270 dias por ano, em 1939). A lei também limitou a
área destinada ao cultivo pelos colonos e tornou mais fácil o despejo. Os
passes de trabalho, que haviam sido introduzidos em 1908, limitavam a mobi-
lidade dos africanos. Partir, sem o consentimento do patrão, era considerado
crime (Berman, 1990).
Intervenções nos Mercados de Insumos e Produção. Um sistema dual de pre-
ços, adotado nos anos trinta, reduziu os lucros que os agricultores africa-
29
Para maiores detalhes sobre o Quênia, África do Sul e Zimbábue, ver Deininger e Binswanger, 1992.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 133
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

nos poderiam auferir pelo mesmo produto ofertado pelos agricultores euro-
peus e, além disso, descarregou a maior parte do risco de preço nos africa-
nos (Mosley, 1983).
Para as culturas mais importantes, formaram-se associações de
plantadores, que excluíam os africanos. As altas taxas de licenciamento manti-
veram os africanos fora da produção de piretro. Eles eram também terminante-
mente proibidos de plantar café (Berman, 1990). Durante a Segunda Guerra, os
fazendeiros europeus receberam subsídios diretos para mecanizarem suas ter-
ras (Cone e Lipscomb, 1972).

Califado de Sokotho
(Atualmente Burkina Faso, Camarões, Níger e Norte da Nigéria)
Intervenções no Mercado de Terra. A partir de 1804, a terra foi doada aos
colonizadores pelo governo do califado, nas áreas em torno dos centros de
defesa. A quantidade de terra dependia da quantidade de escravos que o se-
nhorio possuía. Assim, “qualquer pessoa que possuísse escravos poderia ga-
nhar terra e dar início a uma plantação” (Lovejoy, 1980). Havia entre 100 e 200
escravos por plantação, embora alguns registos apontem a existência de pro-
priedades com mais de 1.000 escravos (Lovejoy, 1978).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. O padrão de escravidão nessa
área, habitada por Hauçás e Fulanis, não era diferente do padrão encontrado em
muitos pontos da África no século XIX (Lovejoy, 1980)30 . Os escravos, que perfazi-
am entre 50% e 75% da população local, eram adquiridos por meio de conflitos
armados, captura direta, ou tributo, pago por tribos subjugadas. O limitado merca-
do de exportação e o preço relativamente baixo dos escravos (os senhores podiam
repor seu estoque de mão-de-obra cativa mediante ataques de surpresa (reides)
Lovejoy, 1980), permitia um tratamento relativamente brando para com os escra-
vos, que desfrutavam, inclusive, de mais direitos do que os escravos comprados
para as plantações nas Américas. Esses direitos incluíam, por exemplo, a posse de
lotes hereditários (Hogendorn, 1977), e o direito à auto-alforria, resgatada com
recursos acumulados com o cultivo de terras excedentes (Hill, 1978). No entanto,
a ausência de economias de escala impunha que os donos de escravos tomassem
providências para impedir que os escravos fugissem, e estabelecessem os seus
próprios domínios (Hogendorn, 1977). Eventualmente, esses fatores levaram ao
desaparecimento dessas grandes propriedades (Hopkins, 1973).

Malawi
Intervenções no Mercado de Terras. Em 1894, os europeus ganharam mais de
1,5 milhão de hectares, ou seja, 15% do total das terras agricultáveis.
30
A literatura apresenta algumas discussões sobre a nomenclatura apropriada para esse sistema, que combina elementos de
escravidão e servidão.

134 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. As tentativas de introdu-


zir o trabalho arrendado nas terras algodoeiras em mãos dos europeus não
tiveram êxito, pois os agricultores abandonaram a terra e partiram para glebas
incultas da Coroa. A situação só melhorou após a introdução de uma lei, em
1908, que permitiu que os africanos obtivessem uma redução significativa
do imposto individual que eles eram obrigados a pagar, por trabalhar para
os cultivadores de algodão europeus, pelo menos durante um mês ao ano.
Devido a pressões dos senhores, a possibilidade de os africanos ganharem
a mesma redução do imposto individual, com a produção de algodão em
terras arrendadas, foi eliminada (Mandala, 1990).

Moçambique
Intervenções no Mercado de Terras. No início do século XIX, foram conce-
didos direitos exclusivos sobre terras, e um poder quase de governo, a
arrendatários (em geral companhias), por um período de três gerações, sob
o regime de prazo. O detentor do prazo era obrigado a fornecer um mínimo de
serviços públicos, cultivar parte da propriedade, pagar um dízimo, mas po-
dia cobrar tributos (em dinheiro, espécie ou trabalho) da população local e
(ver a seguir) tinha o completo monopólio sobre todo o comércio, dentro e
fora da área (Vail e White, 1980).
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Os impostos sobre os domi-
cílios foram estabelecidos em 1854. A partir de 1880, pelo menos a metade dos
impostos tinha que ser paga ao detentor do prazo na forma de serviços braçais
(Vail e White, 1980).
Pela Lei contra a Vadiagem, todos os africanos do sexo masculino entre
catorze e sessenta anos eram legalmente obrigados a trabalhar. A área das
lavouras a serem cultivadas, ou o trabalho assalariado exigido para preencher
essa obrigação, podiam ser mudados segundo a vontade dos senhores, o que
lhes deu muitos instrumentos para aumentar o suprimento de mão-de-obra.
Contingentes de mão-de-obra itinerante eram “vendidos” com freqüência para
outras áreas (como a África do Sul), onde a mão-de-obra era relativamente
escassa (Vail e White, 1980). As leis de vadiagem foram abolidas em 1926 –
mais ou menos à época da expiração dos prazos – e o uso de trabalho forçado
para “objetivos particulares” (isto é, produção sem quota) foi proibido. A lei
trabalhista de 1942 instituiu uma exigência de trabalho de seis meses para
todos os africanos do sexo masculino.
Intervenções nos Mercados de Insumos e de Produção. Em 1892, foi abolido todo
o comércio itinerante dentro dos prazos, o que conferiu o monopólio aos deten-
tores dos prazos sobre todo o comércio (Vail e White, 1980:132). Os prazos
transformaram-se numa espécie de mini-estado, cada qual com sua economia
fechada própria. Os detentores dessas áreas tinham liberdade ilimitada para
determinar os termos do comércio, e privaram os comerciantes de prover uma

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 135
Hans P. Binswanger, Klaus Deininger e Gershon Feder

saída para seus produtos “que tinha tornado a produção camponesa tão atra-
ente para a população local”. Os africanos se afastaram quase que completa-
mente da produção agrícola e os prazos transformaram-se em “ilhas particulares
de mão-de-obra, as quais as companhias, por força direta ou pela manipulação
indireta da economia, podiam compelir a bel prazer” (Vail e White, 1980:132).
Após a sua expiração em 1930, os prazos foram substituídos por um “sistema
de concessão”. Os concessionários recebiam direito de monopólio para com-
prar algodão e arroz, a preços baixos, administrados pelo Estado, de plantadores
africanos, em troca do cumprimento das obrigações de trabalho dos africanos,
além de fornecerem insumos para a fiscalização (Isaacman, 1992). Embora a
cobrança de impostos dos africanos continuasse rigorosa (forçada), toda a
produção, à exceção do açúcar, reverteu para as fazendas de menor escala, em
vez das grandes fazendas.

África do Sul
Intervenções no Mercado de Terras. As reservas nativas já estavam firmemen-
te estabelecidas no final do século XIX, embora só tenham sido legalmente
definidas em 1912. Por exemplo, no Transvaal, em 1870, a área alocada para as
reservas africanas perfaziam apenas um centésimo da área concedida aos bran-
cos (Bundy, 1985). Dentro das reservas, a Lei Glen Grey (1894) restringiu a
posse de terra a lotes que não podiam exceder três hectares e instituiu uma
forma perversa de “arrendamento comunal”, que proibia a venda, o aluguel e a
subdivisão da terra, de modo a evitar o surgimento de uma classe de pequenos
proprietários africanos independentes (Hendricks, 1990). A incapacidade de
vender terras nas reservas, que persiste até hoje, é reconhecida como sendo
um dos grandes motivos da baixa produtividade da agricultura nas terras an-
cestrais (Lyne e Nieuwodt, 1991).
Os inúmeros dispositivos legais, que foram preparados com o intuito de
desencorajar o arrendamento das propriedades em mãos de europeus, tais
como a imposição de limites sobre a quantidade de colonos por fazenda (1895)
e a instituição de taxas de licenciamento para os colonos (1896), não conduziu
aos resultados esperados. A Lei de Terras Nativas, 1912, circunscreveu a exten-
são das reservas africanas e declarou o arrendamento ilegal, nas fazendas dos
europeus, forçando todos os colonos africanos a tornarem-se ou trabalhado-
res assalariados ou retornarem às suas reservas.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Antes da intervenção do
Estado em seu favor, uma quantidade muito pequena da produção de mercado
dos agricultores europeus se baseava no trabalho escravo, ou (após a abolição
da escravatura em 1834) em trabalho servil.
A Lei dos Patrões e dos Servos e a Lei das Minas e Mineiros, 1911,
restringiram a mobilidade ocupacional dos africanos e os excluíram das profis-
sões especializadas, em todos os setores, com exceção da agricultura (Lipton,

136 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

1985). As restrições sobre a mobilidade foram reforçadas e tornaram-se mais


rigorosas com as leis de passes (controles dos fluxos internos) de 1922, e com
o estabelecimento de repartições trabalhistas destinadas a fazer cumprir a le-
gislação (1951) (Lipton, 1985).
Além de limitar a capacidade dos africanos de conseguir emprego
fora da agricultura, essas leis de passes, mais rígidas, e o rigoroso cumpri-
mento dessas leis, abriram caminho para um fluxo de mão-de-obra barata
para os agricultores brancos. Estima-se que, em 1949, cerca de 40.000
infratores dessas leis de passes foram cedidos às fazendas, como mão-de-
obra aprisionada (Wilson, 1971).
Intervenções nos Mercados de Insumos e de Produção. Os agricultores europeus
eram amparados por uma variedade de instituições de monopólio dos merca-
dos de commodities, e subsídios diretos ao crédito. Em 1967, o volume de recur-
sos despendidos para subvencionar cerca de 100.000 fazendas em mãos dos
brancos europeus, foi praticamente o dobro da quantidade gasta na educação
de mais de dez milhões de africanos (Wilson, 1971).

Tanganica (parte da atual Tanzânia)


Intervenções no Mercado de Terras. No período compreendido entre o final da
década de 1890 e o ano de 1904, era prática comum conceder diversos vilarejos
para os colonizadores alemães que estavam chegando.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Em 1896, foi instituído
um imposto domiciliar, pago em dinheiro ou serviço braçal, “nem tanto pela
receita advinda desse imposto, mas para forçá-los a entrar no mercado de
trabalho” (Rodney, 1979:131), embora a metade desse imposto domiciliar
fosse direto para os conselhos distritais dos colonizadores. Os chefes dos
vilarejos eram obrigados a prover um número fixo de trabalhadores a cada
dia, de modo a suprir mão-de-obra para os colonizadores cultivarem suas
plantações de borracha e sisal. Foi emitido um cartão de trabalho para to-
dos os africanos, obrigando-os a prestar serviço a um empregador, durante
120 dias por ano, em troca de um salário fixo, ou então a trabalhar em obras
públicas (Illife, 1979). Em 1902, os alemães introduziram a produção com-
pulsória de algodão em determinadas áreas costeiras. Considera-se que
esse esquema foi uma das causas principais da deflagração da revolta Maji
Maji, em 1905 (Coulson, 1982).
A Lei de Crédito dos Nativos, de 1931, excluiu os africanos do aces-
so ao crédito, e exigia que todos os africanos obtivessem uma permissão
específica do governo, antes mesmo de solicitar um empréstimo bancário
(Coulson, 1982). Em 1937, algumas tentativas encetadas pelos africanos,
de estabelecer cooperativas comerciais de café, foram bloqueadas por ini-

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ciativas que buscavam proibir práticas tradicionais de plantio de café, dan-


do origem a sublevações. Nos anos quarenta, foram estabelecidos mono-
pólios sobre o comércio das lavouras cultivadas pelos africanos, domina-
dos pelos colonizadores, que retinham a melhor parte dos lucros dessas
safras (Coulson, 1982).

Zimbábue
Intervenções no Mercado de Terras. Em 1896, foram estabelecidas as reservas
para os povos africanos, em áreas remotas, de baixa fertilidade, embora as
fronteiras dessas reservas tenham sofrido alterações até 1931 (Palmer, 1977),
quando as transações de terras fora das reservas, e as “Áreas de Compra para
Africanos” foram declaradas ilegais.
Tributação Diferenciada e Impostos Trabalhistas. Embora todos os africanos
fossem obrigados a pagar impostos individual e domiciliar, a partir de 1909,
impostos específicos passaram a impor discriminação sobre o aluguel em di-
nheiro e o compartilhamento do arrendamento (Palmer, 1979). A expectativa de
se aliviar (temporariamente) a carga tributária, resultou numa migração maciça
de africanos em direção às reservas, onde os preços das commodities era extre-
mamente baixo, no início dos anos vinte (Arrigi, 1970).
Intervenções nos Mercados de Insumos e de Produção. A volatilidade e a que-
da dos mercados de produção foram suavizadas por intervenções governa-
mentais, tais como o aumento de empréstimos bancários para a compra de
terras, e a moratória da dívida (principalmente durante a depressão, em
1930). Um intenso lobby, efetuado pelos produtores europeus, levou ao
estabelecimento de conselhos de monopólios comerciais (para o tabaco,
laticínios, suínos e algodão) em lavouras selecionadas, e à criação de subsí-
dios à exportação.
Os produtores de milho e pecuaristas africanos foram discriminados
pelos sistemas de preços duais. As pressões dos mineiros europeus, que ti-
nham interesse no suprimento de milho barato, limitaram o grau de discrimina-
ção contra os produtores africanos. As exigências de quarentena sobre as
vendas de gado africano, inicialmente levaram ao acúmulo de grandes reba-
nhos, e a degradação do solo nas reservas. Para resolver o problema, foi decre-
tada uma queima de estoque em 1939. Os preços pagos pelo gado africano
situavam-se entre um terço e um sexto dos preços cobrados por estoques
europeus equivalentes (Mosley, 1983).

138 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Anexo 2
Como as imperfeições de mercado afetam o tamanho da fazenda –
uma relação de produtividade.

Consideremos uma região onde cada domicílio agrícola consiste de


F membros familiares, capazes de conduzir a operação das atividades
agrícolas, bem como fiscalizar o trabalho dos empregados contratados.31 O
domicílio possui V alqueires de terra, mas o tamanho da fazenda que real-
mente é agricultado, denotado por A, é determinado pelo arrendamento da
terra, à taxa de aluguel R. A produção depende do trabalho efetivo (L) e da
terra (A). O trabalho efetivo é definido como o produto do número de indi-
víduos empregados e o esforço de trabalho (e) que eles dedicam sobre a
terra. Embora possa se esperar que os membros da família desempenhem
suas tarefas com o esforço máximo de trabalho, digamos, ê, o trabalho dos
empregados contratados depende da intensidade da fiscalização. A intensi-
dade da fiscalização é representada pela proporção entre os membros do
domicílio e o tamanho operacional da fazenda (F/A). Presume-se que os
retornos marginais da intensidade da supervisão são decrescentes,
e = e (F/A), e’ > 0, e’’ < 0, lim e = ê (1)

F/A →∞
Com N trabalhadores contratados por alqueire agricultado e um total de
F membros do domicílio, o insumo efetivo de trabalho é dado por
L = F . ê + A . N . e (F/A). (2)

A produção é determinada por uma função de produção neoclássica,


que depende do trabalho efetivo e da terra,
Q = Q (L , A). (3)

Assumindo-se um retorno de escala constante, e substituindo-se a equa-


ção 2 na equação 3, a produção, por alqueire operacional é dada por
q = Q [ê . (F/A) + N . e (F/A);1] = q [ê . (F/A) + N . e (F/A)], (4)

onde q = Q/A e q’> 0, q’’ < 0.

31
Este anexo baseia-se em Feder (1985).

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Uma maneira simples, porém realista, de se introduzir uma imperfeição


do mercado de crédito ao presente modelo é assumir que a oferta de crédito
depende da quantidade de terra possuída pelo domicílio, denotada por S:
S = S (V), S 1 > 0 (5)
Denotando a taxa salarial como w, os custos intermediários dos insumos
por alqueire como c, e o gasto com consumo, por membro da família durante a
estação por θ, as necessidades de dinheiro de uma família possuidora de domí-
nios operacionais de tamanho A são w·N ·A + c ·A+R . (A – V) + θ ·F, e a
restrição do capital de giro é:
w . N . A + c . A + R . (A – V) + θ . F ≤ S (V). (6)
O objetivo do agricultor é maximizar os lucros de fim de safra
(contabilizando a cobrança de juros i por dólar tomado emprestado), sujeito à
restrição do capital de giro. Formalmente,
max II = A . q [ê . (F/A) + N . e (F/A)]
A,N
-[w . N . A + c . A + R . (A – V)] . (1 + i),

sujeito à desigualdade (6) e A ≥ 0, N ≥ 0.

Definindo a função de Lagrange Ψ = II + λ . [S(V) – w . N . A-c . A-R . (A – V) -


θ . F], onde λé o preço sombra da restrição ao crédito, a condição de otimização
Kuhn-Tucker implica em:
ψ/ A = q – q 1 [e.(F/A) + N.(F/A). e1] – (w.N +c + R) . (1 + i + λ) ≤ 0 (7a)

ψ/ A . A = 0 (7b)

. . (8a)

(8b)

. θ (9a)

(9b)

(10)

140 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Começamos com o caso onde a limitação ao crédito não é restritiva


(λ = 0). Ao resolver as condições de primeira ordem (7 a) e (8 a), os valores
ótimos de A e N e produtos diferenciados:
(11)

(12)

A equação (11) subentende que, na ausência de limitações restritivas ao


crédito, a elasticidade do tamanho operacional ótimo, com relação ao tamanho
do domicílio, é a unidade, isto é, existe um domínio operacional fixo para a
proporção do tamanho do domicílio. A quantidade de terra possuída não afeta
a proporção ótima. Este resultado é intuitivamente esperado, numa situação de
retornos de escala constantes, com mercados de aluguel e de capital perfeitos.
A equação (12) subentende que o número ótimo de trabalhadores contra-
tados por alqueire não é afetado pelo tamanho do domicílio (nem é afetado pela
extensão de terra possuída). Já que os primeiros resultados implicam que o domí-
nio operacional é proporcional ao tamanho do domicílio, presume-se que o nú-
mero de empregados contratados por hectare é idêntico para todas as fazendas,
qualquer que seja o tamanho do domínio operacional (e que a proporção entre
trabalho familiar e trabalho contratado declina, com o tamanho do domínio
operacional). Uma extensão trivial desses resultados é a observação de que o
nível de trabalho efetivo por alqueire é idêntico para todas as fazendas (já que a
proporção F/A é fixa e o N é o mesmo em todas as fazendas), presumindo-se que
todas as outras fazendas, e atributos dos agricultores são idênticos. Resulta
então que, a produção por unidade de terra agricultada não é afetada pelo tama-
nho da fazenda operacional ou pela quantidade de terra possuída.
A análise e a apresentação, no caso onde a limitação de crédito é restritiva
(λ > 0), ficam bastante simplificadas ao assumirmos que as funçõesq ( · ) e e ( · ) têm
elasticidade fixa, com relação aos seus argumentos, quer dizer, que ( q’/ q ). (L/A) ≡ η,
a elasticidade da produção, com relação ao trabalho efetivo, e ( e’/ e ) . (F/A) ≡ µ a
elasticidade do esforço de trabalho, com relação à fiscalização, e quando

µ e η são parâmetros dentro do intervalo (0,1). O tratamento padrão


dado ao trabalho, pela literatura – a presunção de que o trabalho contratado
não é afetado pela fiscalização familiar – é então o caso especial µ = 0, no
presente modelo.

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Após algumas manipulações, o diferencial das equações (7 a), (8 a), (9 a),


na hipótese de uma solução interna dão origem a:

O denominador pode ser demonstrado como positivo, se a con-


dição de segunda ordem se mantiver. Resulta que o sinal da equação
(13) é determinado pelo sinal de (1 – η – η. µ), que é o valor limite da
elasticidade da produção total, com relação à terra, à medida que a
participação do trabalho familiar tende a zero.
Para demonstrar que a relação entre a produção por hectare e o tamanho
da propriedade operacional, podem seguir padrões diferentes, no arcabouço
do presente modelo, utilizamos a definição de trabalho efetivo e as condições
de primeira ordem para calcular o insumo de trabalho ótimo, por hectare:

O diferencial da equação (14) com relação ao tamanho da terra pos-


suída V resulta em:

Claramente, se o mercado de trabalho for perfeito, (µ = 0), o trabalho


por hectare de terra não varia com o estilo de fazenda. Examinando a equação
13, verificamos que dV e o sinal da equação (15) depende, então dos termos
entre os colchetes.
No caso onde 1−η−η.µ > 0, a relação entre o insumo efetivo de traba-
lho por hectare e o tamanho da terra possuída pode ser negativa ou positiva.
Consideremos, por exemplo, o caso onde a elasticidade da produção η é igual
a ½. As condições de primeira ordem implicam [(1-η)(ê/e)] . (F/A)- η . [(c+R)/
w ] < 0 , portanto, no caso onde η = ½, resultará que d( L/A)/ dV < 0 , isto é,
o insumo efetivo de trabalho (e de produção) declina com o tamanho da terra
possuída. O mesmo resultado pode ser obtido para todos η < ½. Por um
argumento de continuidade, uma vez que 1−η−η.µ=0 isso assegura que
d(L/A)/ dV >0 (neste caso há um tamanho operacional final que não depende
da riqueza), assim devem existir valores pequenos (mas positivos) para a
expressão 1−η−η.µ para os quais d(L/A)/dV>0 é observado . A conclusão é,
dessa forma, que se pode observar relações positivas ou negativas entre
tamanhos de propriedade operacional e rendimentos por hectare, dependen-
do da magnitude de h e de m. No caso de 1−η−η.µ=0 não haverá correlação
entre tamanho de propriedade operacional e rendimentos por hectare.

142 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Glossário
Independente de suas origens culturais ou ideológicas, os termos abaixo
são usados, neste texto, com a definição dada a seguir:
Fazenda coletiva: uma fazenda de propriedade conjunta e operada
por uma administração única, para o benefício de, e com o insumo de trabalho
dos proprietários do coletivo.
Sistema de propriedade comunal: um sistema de propriedade de terra
pelo qual determinadas frações de terra são alocadas, temporariamente ou perma-
nentemente aos membros para o cultivo familiar, enquanto que outras áreas são
mantidas em comum, para pastagem, florestas, colheita de plantas silvestres e
caça. Os lotes individuais podem ou não ser hereditários ou comercializáveis nos
mercados internos de venda ou arrendamento. Todavia, a venda para não-mem-
bros é sempre proibida ou sujeita à aprovação da comunidade.
Safra negociada: um contrato entre o fazendeiro e um comprador, em
antecipação ao plantio, pela quantidade específica, qualidade e data de entrega
de uma safra agrícola, a um preço ou fórmula de preço antecipadamente acerta-
do. O contrato fornece ao agricultor uma venda garantida da safra e, por vezes,
inclui assistência técnica, crédito, serviços ou insumos pelo comprador.
Corvéia: trabalho não-remunerado e, eventualmente o serviço de ani-
mais de tração fornecido por colonos, arrendatários ou detentores de direitos
de usufruto ao proprietário do latifúndio.
Dívida de peonagem, serviços por trabalhos não-realizados: um
pagamento de tributos ou serviço braçal originário de dívidas não-honradas.
Fazenda familiar: uma fazenda que opera, primariamente, por meio de
trabalho familiar, com algum nível de contratação. Os sistemas de fazendas
familiares podem ser estratificados socialmente, com uma ampla dispersão
nos tamanhos das glebas e nos níveis tecnológicos.
Estância: um latifúndio no qual parte da propriedade é cultivada como
própria do seu dono, e outra parte é cultivada na forma de fazendas familiares
de serviçais, detentores de direitos de usufruto ou arrendatários.
Fazenda-sede: aquela parte do latifúndio ou grande propriedade culti-
vada pelo senhorio, arrendatário ou proprietário, sob sua própria administra-
ção, que utiliza corvéia e, às vezes, trabalho parcialmente remunerado.
Propriedade do senhorio: um latifúndio onde toda a terra é cultivada pelos
arrendatários ou pelos detentores dos direitos de usufruto.
Propriedades junker*: uma grande propriedade, que produz um con-
junto diversificado de bens, operada sob uma administração única, com traba-
* Nota do Tradutor: Junker: (Hist.) Na Alemanha, um junker era um membro da classe privilegiada, militarista, latifundiária;
aristocrata prussiano.

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lho contratado. Os trabalhadores não recebem uma fração de terra para seu
próprio cultivo, como parte de sua remuneração, à exceção, talvez, de uma
casa com um quintal.
Grande fazenda comercial: uma grande propriedade que produz uma
variedade de produtos, operada por uma única administração, com alto grau de
mecanização, utilizando a contratação de poucos trabalhadores de longo pra-
zo, os quais podem residir na fazenda, ou trabalhadores sazonais que não têm
residência fixa permanente no local.
Latifúndio: uma área de terra alocada temporariamente ou perma-
nentemente como de propriedade permanente a um senhor feudal, que
detém os direitos de cobrar tributos, ou pagamentos em dinheiro, em
espécie ou em corvéia, dos colonos que vivem na propriedade. Neste
documento, o termo é usado tanto para os colonos que lá trabalham por
livre escolha, quanto para aqueles que estão ali retidos por restrições à
sua mobilidade. Os latifúndios podem ser organizados como proprieda-
des do senhorio ou como estâncias.
O termo rent (receita, aluguel) é utilizado de diferentes formas:
• Receita residual: o pagamento residual por um fator de produção em
oferta não-elástica, após a remuneração de todos os fatores a suas respectivas
taxas de mercado, com o mercado competitivo ou não.
• Receita rent-seeking: a recompensa adicional recebida como resultado de
regulações e restrições, que aumentam o nível da receita acima de seu nível não-
distorcido. Proceder à medição dessa receita em mercados fracos e pouco com-
petitivos pode ser bem difícil.*
• Aluguel da terra: O pagamento feito pelo arrendatário ao proprietário,
em relação contratual voluntária. O aluguel pode ser pago como pagamento
fixo ou proporcional, em espécie ou trabalho físico. Pode ou não ser igual à
receita residual. Se a reserva de utilidade dos arrendatários for reduzida por
distorções ligadas ao rent-seeking, a receita da terra incluirá um componente de
favorecimento político
Reserva de utilidade ou reserva de salário: o nível de utilidade
(incluindo os atributos de risco), ou o salário que está disponível fora do lati-
fúndio, para um potencial arrendatário ou trabalhador do latifúndio.
Contrato de parceria: um contrato de aluguel pelo qual o agricultor
paga uma parte ou a totalidade de seu aluguel com a entrega de determinada
proporção da produção, a parte da safra, ao proprietário.

* Nota do tradutor: O termo rent-seeking, também chamado de political parasitism – parasitismo político, foi cunhado (ou, pelo
menos, popularizado na economia política moderna) pelo economista Gordon Tullock, para designar a troca de favores entre
políticos, latifundiários e empresários, para se beneficiarem mutuamente de vantagens advindas de regulações de seu
interesse, e da criação de tributos e taxas indevidas. Rent-seeking rent pode ser traduzido como receita de favorecimento
político ou receita de conchavo.

144 Estudos NEAD 5


Poder, distorções, revolta e reforma nas relações de terras agrícolas

Fazendas do Estado: uma fazenda pertencente ao Estado, e gerida


como uma propriedade junker ou grande propriedade industrial, sob administra-
ção única, com a mão-de-obra residindo no lugar, recebendo salários e, às
vezes, participando nos lucros, em dinheiro ou espécie. Os trabalhadores po-
dem ter direito a um pequeno lote.
Excedente: excedente de trabalho disponível além do necessário para
reconstituir e manter a energia e a vida dos camponeses, colonos ou escravos.
Tributo: um pagamento em espécie ou em serviços, feito ao proprietá-
rio, baseado em restrições à mobilidade e/ou outra forma de coação sanciona-
da pelo Estado. O tributo pode também ser chamado de aluguel ou corvéia.
Direito de usufruto: direito ao uso da terra. Pode ser temporário, de
longo prazo, para toda a vida, ou hereditário, mas sempre exclui o direito irrestrito
à venda da terra.
Plantação assalariada: uma grande propriedade, especializada numa
única cultura, sob administração única, que utiliza mão-de-obra assalariada,
boa parte da qual mora no local, e que não recebe mais do que uma pequena
gleba para autocultivo, como parte da remuneração.

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160 Estudos NEAD 5


Desigualdade de
Renda, Restrição de
Riqueza e Desempenho
Econômico

Pranab Bardhan
Universidade da California, Berkeley

Samuel Bowles
Herbert Gintis
Universidade de Massachusetts, Amherst

Agradecimentos a Jean Marie Baland, Roland Bénabou, Timothy Besley, Michael Carter, Gregory Dow, François Bourguignon, Karla Hoff
e Eric Vehoogen pelos subsíduos na elaboração desse artigo. Nós gostaríamos de agradecer Jeffrey Dayton-Johnson* e Yongmei Zhou pela sua
assistência de pesquisa e ao financiamento concedido por MacArthur Foundation.
Os ingleses estão imbuídos daquela doutrina, que é pelo menos questionável,
de que as grandes propriedades são necessárias para o melhoramento da
agricultura, e eles parecem estar convencidos de que a extrema desigualdade
de riqueza é a ordem natural das coisas.

Alexis de Tocqueville, Journey to England (1833)

1. Introdução

S
abe-se que se os contratos executáveis sem custo regulassem todas as
ações dos agentes econômicos no sentido do bem-estar dos demais,
os equilíbrios competitivos seriam equilíbrios eficientes de Pareto não
obstante a distribuição de riqueza. Todavia, onde as ações tais como tomada
de risco e trabalho árduo não estão sujeitas a tais contratos, a atribuição de
reivindicação residual sobre o fluxo de rendas e o controle sobre os ativos
afetarão a viabilidade, o custo e a efetividade das provisões contratuais e dos
outros dispositivos de incentivo que podem ser usados, entre outras coisas,
para abrandar os problemas que surgem do fato de os contratos serem incom-
pletos e não exeqüíveis. Nesse sentido, como será apresentado nesse artigo,
algumas distribuições de ativos dão sustentação a alocações eficientes ou
quase eficientes, enquanto outras impedem uma organização contratual indutora
de eficiência. O difundido uso dos contratos de propriedade residencial e agrí-
cola são alguns exemplos do que veremos mais adiante. Dessa forma, merca-
dos onde os contratos são incompletos ou não executáveis, como acontece
nos mercados de trabalho e de crédito, a distribuição de riqueza tem um impor-
tante papel para a eficiência alocativa.
Os contratos incompletos e não executáveis surgem quando os agentes
econômicos têm informação que ou é privada ou é inadmissível do ponto de
vista do procedimento judicial e, portanto, não pode ser usada para se fazer
cumprir os contratos. Um contrato incompleto também pode surgir nos casos
onde as instituições judiciais são deficientes, como no caso da dívida soberana

162 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

entre nações, ou onde os potenciais usuários de recursos comuns não podem


ser facilmente excluídos do acesso a estes. Nesses casos, a distribuição de
riqueza afeta a alocação dos recursos por meio de impactos sobre coisas como:
(a) reivindicação residual sobre fluxos de renda e, portanto, incentivos
para as ações dos próprios agentes e para o monitoramento das ações
dos outros;
(b) as opções de saída nas situações de barganha;
(c) a capacidade relativa dos agentes de explorar recursos comuns;
(d) a capacidade de punir aqueles indivíduos que desviam das soluções
cooperativas; e
(e) o padrão de aversão ao risco e de custo subjetivo de capital na
população.
Nesse capítulo nós examinaremos o pensamento econômico recente
em torno dos efeitos da riqueza sobre a eficiência alocativa nos casos onde a
assimetria de informação e a impossibilidade de se checar ou excluir usuários
de recursos públicos, faz com que os contratos completos não sejam factíveis.
Deve-se entender que a classe dos casos mencionados nesse artigo não
é extensiva, uma vez que o arcabouço institucional é estendido do comporta-
mento competitivo regido por preços paramétricos para um ambiente mais
geral no qual o processo de barganha privada entre um pequeno número de
agentes é factível. Em casos onde os direitos sobre os ativos podem ser nego-
ciados e não existem impedimentos à barganha eficiente, a atribuição ineficiente
de controle e de reivindicação residual de direitos sobre ativos serão elimina-
dos por troca voluntária. Esse critério coasiano motiva a esperança de que em
economias com mercados competitivos, os ativos sejam obtidos por aqueles
agentes que podem usá-los mais efetivamente, independentemente da sua ri-
queza.1 Se o arrendatário, por exemplo, pudesse fazer melhor uso da terra do
que o proprietário, a terra deveria ter mais valor para o primeiro do que para o
último e, portanto, poderia se esperar que o arrendatário comprasse o bem.
Entretanto, muitas das assimetrias de informação que fazem com que
algumas atribuições dos direitos de propriedade sejam mais produtivas do que
outras, também impedem, sistematicamente, uma nova transferência de direi-
tos de propriedade indutoras de produtividade. Em particular, agentes despro-
vidos de riqueza podem ser restritos por crédito e, portanto, podem não ter a
chance de adquirir aqueles ativos para os quais o seu exercício de reivindicante
residual e de controlador de direitos resulte em ganhos de eficiência. Em con-
traste, onde a transferência de ativos produtivos para as mãos de agentes com
riqueza resultam em ganhos de eficiência (dando incentivos suficientes para
1
Grossman e Hart (1986): 694 usam essa razão, por exemplo, para “explicar a propriedade do ativo” enquanto Hölmstrom
e Tirole (1988) escrevem que “desenhos de contratos... são criados para minimizar os custos de transação... Isto segue a
hipótese original de Coase de que as instituições... podem ser melhor entendidas como acomodações ótimas das restrições
contratuais...”.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 163
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

monitorar os empregados ou gerentes, por exemplo), a contratação privada


geralmente irá gerar uma nova transferência de direitos de produtividade
indutoras de produtividade, já que o rico não é restrito por crédito.
Portanto, o critério coesiano pode não ser aplicado. As atribuições dos
direitos de propriedade competitivamente determinados podem ser tecnica-
mente ineficientes no sentido padrão, uma vez que existem alocações alterna-
tivas que produzem os produtos com menos do que pelo menos um insumo.
Essas ineficiências podem ser atenuadas pelas transferências de não mercado de
ativos de agentes mais ricos para aqueles menos ricos.2
Entretanto, as perdas potenciais de eficiência podem resultar de trans-
ferências igualitárias de ativos onde, como geralmente é o caso, elas resultam
em transferência do controle sobre a tomada de risco produtivo para aqueles
relativamente avessos ao risco. Um importante aspecto, e indutor de produtivi-
dade, dos altos níveis de desigualdade de riqueza é que os ativos são controla-
dos por agentes que são neutros ao risco e, que portanto, escolhem um nível de
risco mais próximo do socialmente ótimo.3
A concentração de riqueza pode sustentar alocações indutoras de pro-
dutividade de outras formas, entre elas, pode-se exemplificar o abrandamento
dos problemas do efeito “carona” no monitoramento dos gerentes pelos pro-
prietários (Demsetz and Lehn, 1985) ou em problemas mais padrões de ação
coletiva (Olson, 1965). Semelhantemente, os princípios da ética da participa-
ção igualitária, que permeiam muitas sociedades simples, podem reduzir os
incentivos aos investimentos individuais, já que os retornos, se eles forem
materializados, serão repartidos ao passo que os custos serão individualmente
partilhados (Hayami e Platteau, 1997). Assim, pode não existir uma conclusão
a priori a respeito dos efeitos de eficiência da redistribuição igualitária de ativos.
O leitor notará em nosso argumento que nós usaremos o termo “indutor
de produtividade” em lugar do termo mais familiar “Pareto eficiente”. Nós defini-
mos uma política como indutora de produtividade se os ganhadores podem compensar os
perdedores e, ainda sim, continuar melhor, exceto nos casos em que a compensação implicada
não necessita ser implementada sob condições informacionais e outras restrições na economia.
As razões abaixo explicam o porquê de usarmos esse termo.
Já que estamos analisando as distribuições de ativos
(e, portanto, do acesso à renda e ao bem-estar), o conceito padrão de Pareto
eficiência será inaplicável. A transferência de um ativo para um ex-funcionário
que resulte em ganhos de eficiência, por meio da redução de monitoramento

2
Apresentamos estudos recentes que sugerem que algumas classes de redistribuições igualitárias podem ter efeitos positivos
de eficiência. Veja além dos trabalhos citados acima Legros and Newman (1997), Moene (1992), Manning (1992), Mookerjee
(forthcoming) e Bénabou (1997). O argumento exposto tem sido modelado por muitos autores utilizando as recentes teorias
de salário eficiência baseadas na nutrição.
3
Assumimos nesse artigo que “o nível de risco socialmente ótimo” para um projeto individual é aquele que maximiza o retorno
esperado. Isso é estritamente verdadeiro somente se existem muitos projetos individuais e os retornos a esses projetos são
não correlacionados, ou se são correlacionados existe algum mecanismo macroeconômico para suavizar os retornos entre
os períodos a custo zero.

164 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

dos insumos, por exemplo, provavelmente não representaria uma melhora de


Pareto sem compensação de um ganhador para um perdedor, e a compensa-
ção requerida, se implementada, inverteria o efeito de transferência inicial de
ativos e amorteceria os efeitos dos incentivos associados. Além disso, se
houvesse uma melhora de Pareto, a transferência estaria acoplada a trocas
particulares até o ponto onde a barganha sobre a atribuição dos direitos de
propriedade fosse livre,
Se o critério de Pareto é tão rigoroso, a alternativa cardinalista, baseada
na “utilidade agregada” é insuficientemente precisa para poder levar em consi-
deração uma redistribuição igualitária indutora de eficiência simplesmente por
meio da utilidade marginal decrescente da renda, ainda que essa redistribuição
resulte em perdas de eficiência técnica.4 Transferir renda do rico para o pobre
poderia, assim, passar, sem dificuldades, num teste de eficiência ainda que ele
fosse efetuado usando muitos “baldes que vazam muito” (usando a expressão
de Okun para mecanismo de transferência ineficiente). Geralmente, usar o pro-
duto líquido para medir a utilidade individual e, assim, impedir a avaliação das
variações relevantes no bem-estar resultantes do esforço no trabalho e do
risco, representa uma séria fraqueza para uma análise na qual esses comporta-
mentos não-contratáveis, mas de relevância para o bem-estar, têm um papel
central. Semelhantemente, o uso do critério de maximização do excedente con-
junto é aplicável somente onde as utilidades são consideradas aditivamente
lineares, requerendo, para isso, a hipótese de neutralidade ao risco e, assim,
falhando na abordagem de questões centrais no que diz respeito ao comporta-
mento do risco e do seguro.
O critério de eficiência técnica – mais produto com menos do que pelos
menos um insumo escasso – é indiscutível se os insumos são suficientemente
amplos por definição, mas falha no que diz respeito ao ordenamento da deci-
são no caso de muitas distribuições.
Finalmente, o critério usual de compensação, que considera uma mu-
dança como sendo eficiente se os ganhadores podem compensar os
perdedores, são geralmente inaplicáveis, já que os incentivos que fazem com
que a redistribuição seja atrativa seriam perdidos se a compensação fosse feita.
Por exemplo, transferir terra para um lavrador que não a possua é viável porque
aumenta a sua riqueza, reduzindo, dessa forma, o custo subjetivo do aumento
do risco para o qual o lavrador, como proprietário de terra, está sujeito, então
obrigando o componês a compensar o proprietário anterior pode eliminar o
efeito da transferência, reduzindo a aversão ao risco, deixando o componês
numa situação pior do que aquela que ele se encontrava antes da transferência.

4
Bénabou (1996) encaminha esse problema por meio do desenvolvimento de uma medida de “eficiência econômica que
incorpora os efeitos do investimento, os efeitos da oferta de trabalho e os efeitos do seguro, mas não involve quaisquer
comparações de utilidade”. (p.13). Ele conclui isso fazendo a distinção entre a elasticidade intertemporal de substituição
dos indivíduos (a qual é incorporada na sua medida, juntamente com a aversão ao risco) e a estimação igualitária da
elasticidade de substituição interpessoal da sociedade, que ele trata separadamente como uma medida normativa (mas
não eficientemente relacionada).

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 165
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

Por essas razões, nós preferimos o critério indutor de produtividade às


alternativas mais tradicionais para a finalidade de política.
Na seção 2 estudamos o primeiro dos nossos casos: a deficiência
das alocaçãoes no mercado de crédito quando alguns agentes são neutros
ao risco mas, por outro lado, restritos por riqueza. Um contrato incompleto
surge, nesse caso, da assimetria de informação do agente em relação ao
risco, e a inexequibilidade surge das restrições de responsabilidade limitada.
O principal resultado obtido é que em virtude dos projetos inferiores serem
financiados e dos projetos superiores não serem implementados, quando
alguns agentes têm riqueza limitada, uma redistribuição de ativos pode
resultar em indução de produtividade no sentido acima. Na seção 3
consideramos a persitência da ineficiente relação contratual que prepondera
nas terras (incluindo a insegurança da posse do ativo, arrendamento, salários
entre outras coisas). O principal resultado dessa seção é que devido ao fato
dos mercados de crédito serem incompletos e de outros aspectos da
estrutura social agrária, a atribuição da reivindicação residual pelo mercado
e o controle dos direitos não resultam no melhor uso da terra por parte das
partes envolvidas.
Na seção 4, estudamos as conseqüências das políticas redistributivas
para a tomada de risco e para a exposição ao risco quando agentes desprovidos
de riqueza são avessos ao risco. Identificamos tanto efeitos positivos quanto
negativos. Aumentos na riqueza dos agentes pobres favorecem a tomada de
altos níveis de risco entre este grupo, ao passo que, concentrando a riqueza no
proprietário dos ativos, com os quais eles trabalham, o efeito resultante é opos-
to. Uma redistribuição da reivindicação residual e controle dos direitos de pro-
priedade dos indivíduos ricos para os pobres, provavelmente induzirá a uma
redução no nível agregado de tomada de risco, com prováveis conseqüências
adversas para a inovação e a eficiência no longo prazo. Consideramos o papel
das políticas de subsídios em forma de taxas e seguro contra risco exógeno
para atenuar essas conseqüências.
A seção 5 estende a análise da seção 2 para o problema da produção em
equipe. Exploramos as distorções alocativas que podem surgir quando, por
exemplo, o esforço do funcionário não é contratável, porque a informação
relevante não é verificável, e os membros da equipe de produção (digo em uma
firma) são restritos por riqueza. Nós investigamos as implicações alocativas de
uma reatribuição de reivindicação residual e de controle de direitos dos empre-
gados por meio da introdução do monitora-mento mútuo. Mostramos que a
transferência de ativos para os membros da equipe pode ser do tipo indutora
de produtividade, mesmo quando as equipes são grandes.
No caso final, apresentado na seção 6, mostramos a relação entre as
distribuições de riqueza e a provisão de bens públicos locais. Exploramos
as relações possíveis entre as desigualdades nas dotações iniciais e a

166 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

habilidade de um grupo de indivíduos em resolver problemas de ação coletiva


em locais comuns, onde as ineficiências alocativas podem surgir de proble-
mas de não-exclusão.
Existe um grande número de maneiras pelas quais as desigualdades de
renda podem comprimir a produtividade, as quais não abordaremos. Talvez, a
mais importante seja a possibilidade de que os altos níveis de desigualdade (de
riqueza ou de renda) induzem a políticas de instabilidade e insegurança dos
direitos de propriedade, os quais por sua vez, deprimem o investimento e o
crescimento da produtividade.5 O fato de que os indivíduos mais pobres so-
frem redução na produtividade devido a questões nutricionais e a outros pro-
blemas de saúde, e que esses problemas podem ser abrandados por uma
redistribuição de ativos igualitária (Leibenstein, 1957; Dasgupta and Ray, 1986,
1987) não será aqui abordado.
Não avaliamos processos de poupança, investimento em capital huma-
no, heranças ou processos políticos e políticas que influenciam o andamento
das redistribuições de riqueza, uma vez que este é assunto de outra parte nesse
volume. Desta forma, enquanto nós levamos em consideração o fato de que a
factibilidade da redistribuição de ativos requer sustentabilidade no equilíbrio
competitivo, não estudamos a evolução de longo prazo da influência das
distribuições de ativos nos contratos incompletos, no seguro público e nas
políticas de redistribuição por nós consideradas.6 Finalmente, enquanto
acreditamos que o esforço não-contratável, a tomada de risco e outras ações,
no qual o nosso argumento se articula, são decisivos para sustentar altos
níveis de desempenho econômico, e que os incentivos associados com a
reivindicação residual pelos agentes sobre as conseqüências de suas ações
podem ter um impacto substancial na produtividade, não abordamos a magni-
tude dos efeitos relevantes.7

2. Riqueza e eficiência quando o risco é não-contratável


Esta seção utiliza um modelo simples para ilustrar o resultado de que os
agentes pobres estão em desvantagem no acesso ao crédito e que, dessa for-
ma, seus projetos podem não ser bem sucedidos, mesmo quando projetos
socialmente menos produtivos de produtores ricos são financiados.

5
Para a primeira relação ver Alesina and Perotti (1996), Barro (1996), Keefer and Knack (1995), Perotti (1992) e Perotti (1993) e
para a segunda relação todas as referências anteriores mais Svensson (1993) e Venieris and Gupta (1986). Todavia, a esses resultados
em corte transversal podem fornecer pouca compreensão a respeito da relação no tempo dentro dos países. Este fato é verificado
devido à falha na medida de desigualdade, na verdade obteve-se coeficiente predito negativo no modelo de efeitos fixos em um país
ao predizer investimento (Benhabib and Speigel, 1997). Na realidade seu coeficiente é positivo e significante.
6
Robinson (1996) resenha as interações entre as distribuições de riqueza e equilíbrio político afetando as políticas macroeconômicas,
a redistribuição explícita, políticas em direção aos sindicatos trabalhistas a distribuição de direitos políticos.
7
Nós nos referimos a literatura empírica relevante como um todo. Lazear (1996) estudou uma mudança da remuneração horária
para a remuneração por peça em uma grande companhia dos Estados Unidos da América e encontrou efeitos de produtividade
extremamente amplos. Semelhantemente, um estudo dos efeitos da mudança na gerência assalariada para a gerência por um
reivindicante residual (bem como mudanças em outra direção) numa grande cadeia de restaurantes norte americanos revelou
fortes efeitos de reivindicação residual (Shelton, 1957).

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 167
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

Uma série de recentes artigos seguindo o trabalho de Loury (1981)


analisa as limitações de crédito defrontadas pelos agentes pobres e seus
efeitos de eficiência.8 Esses modelos mostram que quando é impossível
escrever contratos completos contingentes nas circunstâncias, a
imparcialidade que um produtor deposita no projeto reduz os problemas
de seleção adversa e de perigo moral por meio da sinalização da qualidade
do seu projeto e do aumento dos incentivos do produtor de trabalhar duro
e assumir um nível apropriado de risco. Entretanto, se existe restrição de
riqueza que limite à imparcialidade dos agentes a sua riqueza, os agentes
pobres podem não ser capazes de sinalizar a qualidade dos seus projetos
e submeterem-se eles mesmos a um nível apropriado de esforço e risco.
Sob essas condições, uma redistribuição de riqueza dos ricos para os
pobres pode melhorar a eficiência da economia, fomentando a substitui-
ção da produção mais eficiente garantida pelos pobres para a produção
menos eficiente dos ricos.
Tais restrições de crédito são na verdade eficientes? Vários estudos
têm mostrado que produtores com baixa riqueza nos países em
desenvolvimento podem estar totalmente fora dos mercados de crédito, ou
dos contratos de trabalho ou de aluguel de terra e, ainda assim, exercer um
alto esforço (Laffont and Matoussi, 1995; Carter and Mesbah, 1993; Barham,
Boucher and Carter, 1996; Carter and Barham,1996; Sial and Carter, 1996).
Outros estudos em países de baixa renda (Rosensweig and Wolpin, 1993)
mostram que o patrimônio líquido afeta fortemente os investimentos nas
fazendas e a baixa riqueza resulta em baixos retornos para produção agrícola
independente (Rosensweig and Binswanger, 1993; Laffont and Matoussi,
1995). Semelhantemente, baixo patrimônio líquido surge para reduzir as
oportunidades do mercado de trabalho (Bardhan, 1984).
Retornando às economias avançadas, Blanchflower and Oswald
(em andamento) encontraram que uma herança de $10,000 duplica a
probabilidade de um típico jovem britânico se estabelecer em um negócio,
e outro estudo britânico (Holtz-Eakin, Joulfaian and Rosen, 1994b; Holtz-
Eakin, Joulfaian and Rosen, 1994 a) encontrou uma elasticidade de auto-
emprego com respeito a ativos herdados de 0,52, e que a herança leva o
conta própria a aumentar a escala das suas operações consideravelmen-
te. Um terceiro estudo britânico (Black, De Mez and Jeffreys, 1996)
encontrou que 10% de aumento no valor dos ativos que funcionam como
colateral para residências no Reino Unido aumenta o número de novos
negócios em 5%. Evans e Jovanovic (1989) encontraram que entre homens
brancos nos Estados Unidos da América, os níveis de riqueza são
barreiras para eles se tornarem empreendedores, e que as restrições de

8
Ver Stiglitz (1974), Gintis (1989), Banerjee and Newman (1993), Rosensweig and Wolpin (1993), Galor and Zeira (1993), Bowles
and Gintis (1994), Barham, Boadway, Marchand and Pestieau (1995), Hoff and Lyon (1995), Hoff (1996b), Legros and Newman
(em andamento), Aghion and Bolton (em andamento), Bénabou (1996), Piketty (em andamento).

168 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

crédito tipicamente limitam a abertura de novos negócios à capitaliza-


ção de não mais do que 1,5 vez seus ativos iniciais: “muitos indivíduos
que atuam como conta própria se defrontam com restrições ativas de
liquidez e como resultado possuem montante de capital subótimo para
começar o seu negócio”. (810) 9
Consistente com a hipótese de que os pobres são restritos por
crédito é a forte relação inversa entre as rendas individuais e as taxas de
impaciência. Hausman (1979) estimou as taxas de impaciência dos
compradores individuais de uma faixa de modelos de condicionadores
de ar no Estados Unidos e observou que eles fazem escolhas implícitas
entre o desembolso inicial e os custos de operação. Ele encontrou que
enquanto os compradores com alto nível de renda exibem taxas implícitas
de impaciência próximas à taxa principal, compradores abaixo do nível
de renda médio exibem taxas cinco vezes maiores. Green, Myerson,
Lichtman, Rosen e Fry (1996) extraíram (hiperbólicas) taxas de desconto
dos altos e baixos respondentes nos Estados Unidos da América usando
o método do questionário. As taxas estimadas para o grupo de baixa
renda foram quatro vezes as taxas estimadas para o grupo de alta renda.
Tanto no trabalho de Green et alii quanto no estudo de Hausman a
elasticidade da taxa de impaciência com relação à renda foi
aproximadamente menor do que a unidade.
Nós apresentamos um modelo simples ilustrando esse fenômeno.
Considere um conjunto de “produtores”, cada um com acesso a um
projeto de investimento e o retorno depende do nível de risco assumido pelo
produtor. Assumimos que os projetos em si não podem ser trocados entre os
agentes. Os produtores têm que financiar o projeto com recursos fora de sua
própria riqueza ou tomando emprestado no mercado. Nós assumimos que
todos os agentes são neutros ao risco, e os mercados de crédito são competi-
tivos, no sentido de que em equilíbrio os concessores de empréstimos rece-
bem um retorno esperado igual ao risco livre da taxa de juros.
Os resultados abaixo são verdadeiros se as três condições a seguir se
verificam: (i) o nível de risco assumido pelo produtor é de informação privada e,
portanto, não pode ser contratado por um concessor de empréstimos; (ii) qual-
quer contrato de empréstimo tem uma provisão limitada de encargos de tal
forma que esse compromisso pode ser não obrigatório; e (iii) o projeto tem um
tamanho mínimo.
Nessa situação mostramos o seguinte:

• projetos socialmente produtivos de produtores de baixa renda podem


não ser financiados e, portanto, podem não ser empreendidos;

9
Ver também Evans e Leighton (1989).

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 169
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

• projetos relativamente menos produtivos de agentes ricos podem ser


financiados em circunstâncias onde os projetos relativamente mais
produtivos de agentes menos ricos não sejam financiados;
• agentes ricos financiarão projetos maiores do que os agentes
menos ricos;
• se alguns produtores são restritos por crédito, uma redistrituição
de renda dos concessores de empréstimos para tais produtores
será indutora de eficiência; reciprocamente alguns produtores são
restritos pelo tamanho enquanto que outros são irrestritos, de tal
forma que uma transferência de um ativo de um produtor com
restrição por tamanho para um produtor mais rico irrestrito pode
ser indutora de eficiência;
• se os produtores têm projetos de qualidade distinta, pode existir uma
transferência de ativos indutora de eficiência de um projeto de um
produtor rico com baixa qualidade mais lucrativo para um produtor
restrito por crédito com um projeto de alta qualidade; e
• se existirem retornos decrescentes de escala, então se existirem pro-
dutores os quais são restritos por crédito e outros os quais são sufici-
entemente ricos, existirão redistribuições indutoras de produtividade
dos agentes ricos para os não ricos.
Considere um projeto em que a relação entre risco e retorno esperado
seja φ ( p ) , onde p ∈ [ 0,1] é a probabilidade de falha, ou seja, uma medida
do risco do projeto, e φ ( p ) seja o retorno líquido esperado de todos os custos
exceto os custos de capital do projeto de tamanho unitário e qualidade. A qua-
lidade do risco do projeto pode ser determinada como a combinação da escolha
da técnica (o tipo de semente plantada ou a velocidade de operação do equipa-
mento) e o nível de esforço ou cuidado tomado pelo produtor. Nós assumimos
que φ ( p ) tem um formato de U invertido, significando que φ″ < 0 e
φ′ (p opt ) = 0 para algum p opt ∈ (0,1) .10
Suponha que o produto tenha uma riqueza ω com projeto de tamanho
α ≥ 1 que requer capital αk > 0 , o qual é totalmente depreciado em um
período, e tenha um retorno esperado αβφ( p) , onde β > 0 é um parâmetro
representando a qualidade do projeto. Os retornos esperados αβφ ( p) são
mostrados na parte superior da Figura 1. Note que os projetos têm tamanho
mínimo de uma unidade, mas podem ser expandidos com retornos constantes
de escala acima do tamanho mínimo.
10
Usamos essas hipóteses pelas seguintes razões: primeiro, as técnicas de produção que oferecem retornos positivos estão
geralmente associados com níveis estritamente positivos de risco. Portanto, o retorno esperado é uma função crescente do
risco para baixos níveis de risco. Entretanto, firmas geralmente têm acesso a técnicas de produção que têm altos retornos
quando bem utilizadas, mas com baixa probabilidade de sucesso (uma firma pode ter baixos custos por não diversificar a sua
linha de produtos ou por assumir a disponibilidade de insumos particulares de produção). Tais projetos com alto risco, os quais
têm baixo retorno esperado, podem ser atrativos para os produtores desde que concessores de empréstimos fiquem com parte
das perdas no caso de falha. Se o esforço dos produtores reduz o risco a uma taxa constante, e o custo do esforço é convexo,
a função φ que tem um formato em U-invertido pode independer da escolha da tecnologia.

170 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Retorno B
Esperado αβφ (p)

opt *
0 p P 1 p

Probabilidade de falha
Benefícios
e custos
marginais 0 c
− (1 − )(1 + r)
αk
c
-- (1-- -------)(1+r)
β αk
φ `(p )
k φ′

Figure 1: Risco excessivo no Mercado de Crédito.

Claramente p opt é o nível de risco ótimo de Pareto, desde que este


maximize o retorno esperado do projeto, e ambos produtor e concessor de
empréstimos sejam neutros ao risco. Nós dizemos que o projeto é produtivo se

βφ ( p opt ) k > 1 + ρ , (1)

onde ρ > 0 é a taxa de juros livre de risco. Assim, um projeto é produtivo


quando o retorno esperado por dólar de investimento a probabilidade p o p t
excede o retorno seguro livre de risco e, portanto, seria atrativo para o investidor
neutro ao risco.
Um empréstimo garantido pelo capital com montante de riqueza própria
do produtor c e taxa de juros r é um contrato no qual o produtor com riqueza ω
contribui com c ≤ ω com o intuíto de financiar o projeto e o concessor de
empréstimos oferta ao produtor o restante αk − c . O produtor então paga
(1 + r )(αk − c ) se o projeto se concretiza com sucesso e não paga nada em
caso contrário. Nós assumimos que o mercado de crédito é competitivo e existe
uma perfeita elasticidade de oferta dos concessores de empréstimo neutros ao
risco a taxa de juros livre de risco ρ . O produtor pode, dessa forma, obter um
empréstimo garantido pelo capital sempre que o retorno esperado para o
concessor de empréstimos é ρ . Nós assumimos que os concessores de emprés-
timos sabem o retorno esperado dos produtores βφ ( p) , e podem contratar

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 171
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

níveis particulares de c e α, mas o nível de risco p escolhido pelo produtor não


está sujeito a um contrato exeqüível gratuito, desde que a escolha da tecnologia
e o nível de esforço do produtor sejam ambos de informação privada do produ-
tor. Temos assim uma relação de agente principal no qual o produtor é o agente
e o concessor de empréstimos, que é o principal, sabe que a taxa de juros r afeta
a escolha do risco não-contratável p pelo agente. Dados c, β e α o produtor
escolhe p de tal forma a maximizar o retorno esperado menos o custo de finan-
ciamento do projeto, ou os lucros esperados os quais, lembrando-se que ne-
nhum montante é pago se o projeto não é implementado, é

v = αβφ( p) − [(1 − ρ )(α k − c)(1 + r ) + c(1 + ρ )] , (2)

para o qual a condição de primeira ordem é

v p = αβφ`( p) + (αk − c)(1 + r ) = 0 . (3)

O resultado é ilustrado na parte inferior da Figura 1, o qual reproduz a


equação (3), tendo normalizado o custo do capital do projeto αk : a taxa de
(1 − c)
alavancagem λ, definida por λ = , é a fração do custo do projeto
αk
financiado pelo concessor de empréstimos. A condição de primeira ordem e a
figura podem ser interpretados como segue. O produtor escolhe p de tal forma
que o benefício marginal de aumentar o risco (isto é, os benefícios do aumento
(1 − c )
da probabilidade do não-pagamento do empréstimo) ou (1 + r ) , é
βφ′` αk
igualado ao custo marginal do risco aumentado .
k
Fica latente pela Figura 1 que o nível de risco escolhido p* é comparado
com p opt , que é o nível de risco ótimo de Pareto, desde que tanto o tomador
quanto o concessor de empréstimos sejam neutros ao risco. Este resultado
depende somente de λ e r sendo diferente de zero e da função de retornos da
forma u-invertido. A função de melhor resposta p * = p * (r), que é solução da
equação (3) para vários valores de r, é descrita na Figura 2. Esta função é o lugar
geométrico dos pontos representados pela tangente sobre a iso-retorno do pro-
dutor dados pela equação (2) para vários valores de v. A curva de iso-retorno do
produtor, por (3), é positivamente inclinada para p < p * (r) e negativamente
inclinada para p > p * (r), como mostrado por meio do ponto A até o ponto C.11

11
Isto é verdade porque se diferenciando totalmente a equação de iso-lucro

αβφ ( p ) − [(1 − ρ )(αk − c)(1 + r ) + c(1 + ρ )] = v ,


nós conseguimos
dp (1 − ρ )(αk − c )
= , onde o denominador é zero para p*, por (3).
dr = vv
vv=
αβϕ′`( p) + (αk − c )(1 + r)

172 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Probabilidade de falha

C
B
A
Função melhor
resposta do
produtor
Curvas de p*=p*(r)
iso-lucro do
produtor

Taxa de juros

Figura 2: Função de melhor resposta do produtor: tomada de risco como uma


função da taxa de juros.

Teorema 1. A função de melhor resposta do produtor p = p * ( r ; c, α , β ) é uma função


crescente em r, deslocamentos para cima acontecem com o aumento no tamanho do projeto α,
e mudanças para baixo acontecem com aumentos no montante de riqueza própria do produ-
tor c ou na qualidade do projeto β.12
A intuição por trás desse teorema está representada de forma clara na
Figura 1. Um aumento em r aumenta o benefício marginal da tomada de risco
e induz a um alto nível de risco, como num grande projeto (para um dado
montante de riqueza própria do produtor c) para mudanças em grandes fra-
ções do custo de falha do concessor de empréstimos. Reciprocamente, um
aumento na qualidade do projeto aumenta o custo marginal da toma de risco
e induz a menos risco.
A Figura 3 ilustra o Teorema 1 de uma forma particularmente simples,
mas não implausível. Suponha que o retorno bruto para um projeto bem sucedi-
do com probabilidade de falha p seja αβp, logo φ ( p) = p(1 − p) . Então a
condição de primeira ordem (3) torna-se αβ (1 − 2 ρ ) + (αk − c)(1 + r ) = 0 ,
rearrumando a condição de primeira ordem, uma função de melhor
resposta é uma função linear de r:

1 αk − c
p* = + (1 + r ) .
2 2αβ

12
A prova desse e dos teoremas subseqüentes não estão incluídas no artigo, no entanto, estão disponíveis com os
autores.

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Projeto
Projeto de
de
tamanho
Tamanho
grande
grande
p

Função de
Probabilidade melhor
de falha P(r; α,β,c)
resposta

Projetos de alta
qualidade ou
grande lucro

r
0
Taxa de juros

Figura 3: Um exemplo: Reação da função de melhor resposta do produtor a


mudanças no tamanho do projeto, qualidade do projeto e colateral do produtor
quando φ ( p ) = p (1 − p ) .

Pode-se observar dessa expressão que um aumento no tamanho do


projeto α desloca o intercepto para cima e aumenta a inclinação desta função
linear, e um aumento na qualidade do projeto β desloca o intercepto para baixo
e reduz a inclinação da função.
Como r é determinado? Em razão do mercado de crédito ser competitivo,
qualquer taxa de juros de equilíbrio e taxa de falha (r, p(r)) tem que se encontrar
sobre a curva de iso-retorno esperada do concessor de empréstimos ao retorno

(1 + r )(1 − p * ( r)) = 1 + ρ , (4)

que é uma hipérbole crescente e convexa em relação ao eixo p. A taxa de juros r


de equilíbrio no espaço p – r tem que ser consistente com a função de melhor
resposta do produtor. O contrato de equilíbrio será assim a interseção da função
de melhor resposta p* (r) e as curvas de iso-retorno esperado do concessor de
empréstimos a taxa de retorno ρ (tal interseção deve existir). Sendo assim, usan-
do a equação (4), temos

p * (r) + ρ ,
r= (5)
1 − p * (r)
O ponto B na Figura 4 ilustra tal equilíbrio. Esta figura se sobrepõe às curvas de
iso-retorno esperado do concessor de empréstimos sob parte da Figura 2.

174 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Curvas de iso-lucro Curva de iso-retorno do


do produtor concessor de empréstimos
p competitivo

p (r; , , )
p*
B Função de melhor resposta
para o produtor

opt
A
p
opt
p=p

r* taxa de juros r

Figura 4: Escolha da taxa de juros nominal de equilíbrio r e do risco do projeto


p: o equilíbrio é o ponto B. Ótimo de Pareto satisfazendo a restrição de participa-
ção do concessor de empréstimos acontece no ponto A, quando comparado com
o equilíbrio B na figura.

Dizemos que um empréstimo garantido pelo capital é viável se ele ofere-


ce um lucro esperado positivo para o produtor e fornece ao concessor de
empréstimos um retorno esperado pelo menos tão grande quanto a taxa de
juros livre de risco. A taxa de juros nominal r requerida para induzir um concessor
de empréstimos a participar no contrato é função do montante de riqueza
própria do produtor c, da qualidade do projeto β e do tamanho do projeto α ,
desde que estes parâmetros afetem a escolha do risco dos produtores (não-
contratável). Conforme temos observado, a função de melhor resposta do pro-
dutor depende do tamanho do projeto α e do montante de riqueza própria do
produtor c no projeto, diferentes valores dessas variáveis resultam em diferen-
tes níveis de equilíbrio de p e r como definido pela equação (5). O produtor
assim varia α e c de tal forma a maximizar os lucros, levando em consideração
o fato de que a sua função de melhor resposta e, portanto, a taxa de juros

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 175
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

factível r depende dessas variáveis. Este problema de maximização implicará


numa taxa de alavancagem, λ*, isto é, aquela que equilibra os benefícios margi-
nais de se tomar emprestado (habilidade para deslocar perdas para o concessor
de empréstimos) contra os custos marginais (aumento dos riscos de falha oca-
sionados pela escolha do nível de risco do próprio produtor sob o incentivo
implicado pela taxa de alavancagem). Como se pode verificar produtores po-
bres em ativos, ainda que sejam capazes de adquirir um empréstimo, podem
ser incapazes de implementar λ*.
Dizemos que um projeto pode ser totalmente financiado se um
produtor pode obter um empréstimo para financiar o projeto com nenhum
montante de riqueza própria.

Teorema 2. Existem projetos produtivos que não podem ser totalmente financiados.
A razão por trás do Teorema 2 é que uma vez que a melhor resposta para
o produtor é selecionar p > p opt , o fato de o projeto ser produtivo, isto é, que
βφ ( p opt ) > k (1 + ρ ) , não assegura que o retorno esperado para o concessor
de empréstimos se iguale ou exceda (1 + ρ ) quando p*(r) é escolhido pelo
produtor ao invés de p opt . Assim, a função de melhor resposta de um produtor
desprovido de riqueza com um projeto produtivo não necessariamente inter-
cepta a curva de iso-retorno do concessor de empréstimos. Nesse sentido, tais
produtores não serão financiados. Existem, desse modo, projetos produtivos
que não podem ser totalmente financiados.
Estamos particularmente interessados naqueles casos onde os projetos
não podem ser totalmente financiados. Nesta situação, existirão três tipos de
produtores com projetos de qualidade equivalente. Um grupo, que chamare-
mos restrito por crédito, que será incapaz de financiar até mesmo o projeto de
tamanho mínimo, indiferente ao valor de λ. Um segundo, o chamado irrestrito,
tem riqueza suficiente para financiar projetos acima do tamanho mínimo. Eles
selecionam o tamanho do projeto, dada a sua riqueza, para implementar a taxa
ótima de alavancagem λ = 1 − c αk . Um terceiro grupo, o restrito por
*

tamanho, que somente é capaz de financiar um projeto de tamanho mínimo,


com a taxa de alavancagem sendo λ > λ . Eles, na verdade, preferem o menor
*

projeto, já que isso implica numa taxa de alavancagem menor, próxima do


ótimo, a qual, por sua vez, induz a um menor nível de risco e a um maior retorno
no projeto. Mas isso é tecnologicamente vetado pelo tamanho mínimo do
projeto α ≥ 1 . Nesse sentido, temos:

Teorema 3. Suponha que um produtor com riqueza ω tenha um projeto produtivo e


selecione o nível de risco p, um montante de riqueza própria c ≤ ω e o tamanho do projeto α
de tal forma a maximizar os lucros sujeito a garantir um retorno esperado ao concessor de
empréstimos igual à taxa de juros livre de risco ρ . Suponha que r, c e α sejam contratáveis mas
ρ não, e que o projeto não possa ser totalmente financiado. Então existem níveis de riqueza
−−
0 < ω <ω < κ tais que as seguintes afirmações se evidenciem:

176 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

a) para ω < ω , não existe um empréstimo garantido pelo capital factível, então
o produtor não pode financiar o projeto;
b) para ω ≥ ω
(i) existe um empréstimo garantido por capital factível, o produtor contribui
com um montante próprio de riqueza c=ω e o projeto é empreendido;
(ii) a probabilidade de falha p escolhida pelo produtor excede popt, então a
escolha do risco não é eficiente de Pareto;
−−
c) para ω ≤ ω < ω os produtores são restritos por tamanho e
(i) o risco declina e a eficiência do projeto aumenta com o crescimento da
riqueza do produtor;
(ii) a taxa de retorno sobre a riqueza do produtor, αβφ / ω, aumenta com o
crescimento da sua riqueza;
−−
d) para ω ≥ ω os produtores são irrestritos, logo o nível de risco escolhido e a taxa
de retorno são independentes da riqueza, e o tamanho do projeto aumenta com
a riqueza do produtor. Portanto, o retorno total do projeto aumenta com a
riqueza do produtor.
A parte (a) é uma extensão imediata do Teorema 2: se os produtores
com riqueza zero são restritos por crédito, o mesmo será verdade para
aqueles produtores com qualquer nível de riqueza insuficiente para produ-
zir uma função de melhor resposta que intercepte a curva de iso-retorno do
concessor de empréstimos.
Os dois limites da riqueza podem ser interpretados como segue. O limite
inferior é aquele onde o nível de riqueza para o qual a função de melhor resposta
do produtor é tangente a curva de iso-retorno do concessor de empréstimos
competitivo. O limite superior é o nível de riqueza para o qual o tamanho mínimo
do projeto implementa o grau ótimo de alavancagem, dada a riqueza do produtor
−−
(isto é,ω = kλ∗ ).
Para ver porque o concessor de empréstimos contribui com tanto capital
quanto possível para o projeto (parte b(i) do teorema), note que dada a condição
de equilíbrio do mercado de crédito competitivo (5), a função objetivo do produ-
tor pode ser escrita como:

v = α [βφ (p(α, c)) − k (1+ρ) = ], (6)

onde p(α , c) é o nível de risco escolhido pelo produtor para obter um


empréstimo garantido por capital com um colateral c e um tamanho de projeto α.
Nesse sentido, o custo financeiro esperado do projeto, incluindo o serviço da
dívida e o custo de oportunidade de ofertar o seu montante de riqueza própria,
é αk (1 + ρ ) independente de quanto da sua riqueza própria o produtor investe.
Desde que um aumento em c reduza p e φ′ (p) < 0 na região re- levante, o
produtor fixará c = ω .

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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

A parte b(ii) se verifica porque o concessor de empréstimos paga uma


parte do custo negativo do risco, que é verificado na condição de primeira ordem
do produtor. A Figura 4 ilustra este resultado. No equilíbrio competitivo (ponto
B) a curva de iso-lucro do produtor tem uma tangente vertical uma vez que ele é
um ponto sobre o qual está a função de melhor resposta do produtor – ver
Figura 2. Entretanto, a curva de iso-retorno do concessor de empréstimos tem
uma inclinação positiva nesse ponto. Embora a tangência mútua das curvas de
iso-retorno do produtor e do concessor de empréstimos seja a condição de
Pareto eficiência, B não é Pareto eficiente. Os pontos eficientes de Pareto
correspondem à restrição de participação do concessor de empréstimos no
ponto A na Figura 4, e sempre estão vinculados a uma menor probabilidade
e a uma menor taxa de juros do que aquela alcançada no equilíbrio de
mercado. As melhoras de Pareto são indicadas pela região em formato de
lente, ABC. Esses pontos são não factíveis, uma vez que eles não estão
sobre a função de melhor resposta do produtor. Note que o locus eficiente
do contrato é horizontal ao nível po p t, e não possui pontos em comum com
a função de melhor resposta do produtor.
A parte (c) do teorema é verdadeira pela mesma razão que motivou a parte
(a). Para produtores restritos por tamanho, investir mais riqueza não muda o
custo financeiro esperado do projeto, mas aumenta o retorno esperado porque
induz a uma menor taxa de juros nominal e, portanto, a um menor nível de risco.
Para um dado limite de riqueza, menores taxas de alavancagem reduzem a
distorção alocacional identificada em b(ii), como é verificado em (3) e na Figura 1.
−−
A intuição por trás da parte (d) é que ω ≥ ω permite ao produtor variar
o tamanho do projeto para implementar a taxa de alavancagem ótima, de tal
forma que aumentos na riqueza impliquem em projetos de grande dimensão
mas, por outro lado, idênticos.

Teorema 4. Para qualquer ω > 0, existe um nível de qualidade β _ (ω) tal que o projeto
do produtor será financiado quando β ≥ β _ (ω). O nível mínimo de riqueza ω para o qual
o projeto do produtor pode ser financiado decresce à medida que a qualidade β desse projeto
aumenta. Para uma dada riqueza do produtor ω, o tamanho do projeto ótimo α (ω) é uma
função crescente da sua qualidade β para β ≥ β _ (ω).
Os Teoremas 3 e 4 estão ilustrados na Figura 5. O segmento de reta AA′
separa as regiões do projeto factível (ao noroeste e à direita de α = 1) e do projeto
não-factível (sudeste) para o produtor de riqueza ω0, projetos maiores são capa-
zes de serem convertidos em ativos se eles são de qualidade superior. O seg-
mento de reta CC′ refere-se ao produtor mais rico. É fácil verificar que dos dois
agentes com projetos de mesma qualidade β _ (ω0), o agente mais rico pode ter
um projeto maior (de tamanho α (ω1) no ponto B) do que o agente menos rico
(tamanho α (ω0) no ponto A). Além disso, o agente mais rico pode financiar um
projeto de qualidade menor (qualidade β _ (ω1) no ponto C) do que a qualidade
mínima que pode ser financiada por um agente menos rico (que é de qualidade
_ (ω0) no ponto A).
β

178 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Tamanho Mínimo A′
do Projeto Factível

Qualidade = 0
C′
do Projeto

A = >
( ) 1 0
− 0
B

( )
− 1
C

=1 >1

( 0 ) ( 1 )
Tamanho do Projeto

Figura 5: A riqueza elevada permite que projetos de alta e baixa qualidade sejam
financiados.

Uma implicação do Teorema 3 é que a taxa de retorno da riqueza aumenta


com o nível de riqueza, conforme ilustrado na Figura 6. Proprietários com peque-
na riqueza que são restritos por crédito recebem ρ , enquanto que da equação (2)
nós vemos que o produtor irrestrito recebe uma renda de v + cρ, dando a eles
uma taxa de retorno de v/ω + ρ. Posicionando-se entre esses dois casos, o
produtor restrito por tamanho recebe um retorno que aumenta da taxa livre de
risco à taxa irrestrita αβφ( p( λ* )) / ω > 1 + ρ , à medida que a riqueza aumenta
−−
de ω para ω . A Figura 6 também ilustra o fato de que a taxa de juros estipulada
no contrato de empréstimo declina no intervalo (ω , ϖ ) e é constante para altos
níveis de renda. Porque as taxas de retorno esperadas são menores para os
produtores menos ricos, as desigualdades de riqueza podem crescer no tempo.
Note, entretanto, que a não-convexidade tecnológica constituída pelo projeto
mínimo α ≥ 1 é essencial para o resultado: como Galor e Zeira (1993) indicam, as
restrições de riqueza nos mercados de crédito inerentes a esse próprio mercado
não conduzem a esta implicação. Se os projetos de qualquer tamanho fossem
possíveis, aqueles agentes com riqueza limitada produziriam projetos peque-
nos com taxas de alavancagem limitadas, λ*, recebendo, no entanto, a mesma
taxa esperada de retorno que os agentes ricos.
Porque nós tratamos os níveis de riqueza dos indivíduos como exógenos
e não levamos em consideração os incentivos de poupança e a evolução de
longo prazo da distribuição de riqueza, nós mencionaremos, somente de passa-

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 179
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

Taxa
de
juros

Retorno
v

ω

Restrito Restrito Irrestrito


por por
crédito tamanho

ω−
ϖω Riquezaω

Figura 6: A taxa de retorno aumenta com a riqueza do produtor.

gem, uma importante implicação do Teorema 3. Indivíduos possuindo riqueza


além (ou próxima) do intervalo irrestrito (ω , ϖ ) tem incentivos para aumento de
poupança e podem até mesmo se beneficiar mais da poupança do que da rique-
za (apesar do fato de que os retornos médios da riqueza aumentam com a
riqueza, como foi visto). A razão é que para os proprietários ricos neste intervalo,
aumentos na riqueza sustentam contratos mais próximos do ótimo e permitem
retornos mais elevados sobre essa riqueza, provendo, dessa forma, incentivos
adicionais a poupança. Nesse sentido, se o retorno esperado de reter a riqueza
ω é r (ω), o incentivo para adicionar uma unidade a mais desse capital é
r (ω) + r’ (ω)ω, onde o segundo termo pode ser suficientemente grande de tal
forma que os incentivos de poupança para aqueles agentes que estão no raio de
ação da restrição por tamanho excedam o incentivo para os agentes que estão
no raio de ação dos irrestritos. Se este for o caso, os agentes situados no raio de
ação dos restritos por tamanho podem, por si só, poupar ao longo do tempo
sem restrição de riqueza. Semelhantemente, incentivos, embora menores, exis-
tem para aqueles em que o baixo capital os deixa restritos por crédito, mas que
a poupança no raio de ação dos restritos por tamanho é factível. Dessa forma,

180 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

nós não podemos dizer que as desigualdades de riqueza crescerão extraordina-


riamente no tempo, mesmo quando a estrutura de retorno é como a descrita na
Figura 7. um tratamento adequado dessa exigência requer não somente deci-
sões de poupança endógenas (acima), mas conhecimento das escolhas de retor-
no ao risco dos indivíduos de vários níveis de riqueza, esse é um tópico para o
qual retornaremos mais adiante.13
De forma não surpreendente, a redistribuição de ativos pode ser indutora
de produtividade sob as condições dadas.

Teorema 5. Suponha que todos os projetos sejam da mesma qualidade. Se alguns produ-
tores são restritos por crédito, uma redistribuição da riqueza dos concessores de empréstimos
para os tais produtores será indutora de eficência. Se alguns produtores são restritos por
tamanho enquanto outros são irrestritos, a transferência de ativos de um produtor restrito por
tamanho para um produtor irrestrito mais rico pode ser indutora de eficiência.
A primeira parte do teorema vem do fato de que os concessor de emprés-
timos recebem um retorno esperado αk (1 + ρ ) sobre o investimento de αk ,
enquanto que o produtor restrito por crédito recebe um retorno esperado
αβφ ( p ) > αk (1 + ρ ) sobre o seu investimento. A segunda parte do teorema
segue do resultado de que os agentes irrestritos selecionam níveis de risco
menores (e, portanto, são Pareto superiores). Suponha que a transferência seja
grande o suficiente para converter o produtor restrito por tamanho a condição
de não produtor restrito por crédito. Então o efeito da transferência é simples-
mente expandir um projeto que será operado de uma maneira menos excessiva-
mente arriscada, uma vez que o projeto que é executado de maneira muito
arriscada foi eliminado.14
Nós agora relaxaremos duas hipóteses simplificadoras. Suponha primei-
ro que a qualidade do projeto β varie entre os produtores. Nós sabemos, do
Teorema 4, que em situações onde tanto a qualidade do projeto e quanto a
riqueza do produtor diferem, poderão existir projetos superiores que não sejam
viáveis devido a insuficiência de riqueza do produtor, enquanto que projetos
inferiores são financiados. Esta conclusão motiva um resultado importante que
é consistente com nossa pretensão de que a redistribuições igualitárias de ati-
vos indutoras de eficiência são possíveis.

Teorema 6. Suponha que os indivíduos tenham projetos que difiram em qualidade e, que
alguns projetos produtivos sejam restritos por crédito enquanto outros sejam restritos por
tamanho. Sendo assim, pode existir uma transferência de ativos indutora de eficiência dos
produtores mais ricos para aqueles restritos por crédito.

13
Zimmerman e Carter (1997) calibraram um modelo de escolha de portfólio dinâmico desse processo, usando dados de três
regiões de Burkina Faro. Birdsall, Pinckney e Sabot (1996) desenvolveram um modelo de incentivos a poupança para famílias
pobres restritas por crédito.
14
Note que as trocas voluntárias não ocasionarão esta mudança indutora de eficiência desigual, uma vez que o agente mais rico
não deseja tomar emprestado nem mesmo a taxa de juros livre de risco.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 181
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

O Teorema 6 é uma conseqüência imediata dos teoremas prévios. Sob as


condições estabelecidas será geralmente possível transferir riqueza do produtor
irrestrito com um projeto relativamente pobre (com β = βˆ ) para um produtor
~
inicialmente com restrição de crédito com um projeto superior (com β = β > βˆ ).
Para verificar como isso pode acontecer, imagine que um produtor sem riqueza
tenha um projeto de alta qualidade. Se o montante transferido é suficiente para
dar, de forma prévia, ao produtor restrito por crédito um montante de riqueza
pelo menos tão grande quanto ϖ sem reduzir a sua riqueza abaixo desse nível,
então o único efeito da transferência é a redução do tamanho do projeto inferior
para ϖ / λ , enquanto introduzindo um projeto superior de tamanho equivalente.
~
O aumento resultante no produto agregado é ϖ ( β − βˆ )αφ ( p ( λ* )) . Os ganhos
para os beneficiários da transferência obviamente excedem as perdas da rique-
za, e enquanto não é óbvio de que forma os perdedores seriam compensa-
dos, isso não será exigido pela nossa definição de transferência de ativos
indutora de produtividade.
Nós agora relaxaremos a segunda hipótese. Suponha que cada projeto
se defronte com um aumento no custo médio, ocasionado pelo fato de que
enquanto o projeto de tamanho mínimo pode ser operado pelo produtor como
um reivindicante residual, projetos grandes necessitam emprego de mão-de-
obra, ocasionando custo de supervisão. Especificamente, suponha que quando
o tamanho do projeto é α ≥ 1, o retorno esperado será:

α [1 – s ( α ) ] b f ( p ) , (7)
onde s(1) = 0, s’(α) > 0 para α ≥ 1, e s(α) ≥ 1 para α suficientemente grande.
Nesse sentido, nós temos:

Teorema 7. Suponha que existam retornos decrescentes de escala conforme equação


(7). Então se alguns produtores são restritos por crédito e outros produtores são sufici-
entemente ricos, então existe redistribuições indutoras de produtividade dos agentes
ricos para os menos ricos.
A intuição por trás desse teorema é a seguinte. Para o produtor com
riqueza ω suficiente para garantir um empréstimo garantido pelo capital, existe
um tamanho de projeto α(ω) que maximiza o lucro. Seja ω* o aumento de
riqueza que maximiza o retorno esperado por unidade de capital.
v(α (ω ), ω ) / kα (ω )(1 + ρ ) . Então, os produtores que têm riqueza ω > ω* podem
transferir ω - ω* para os produtores restritos por crédito, o que permite-lhes operar
o projeto com tamanho α(ω*).
Em suma, distorções alocativas associadas com contratos de emprésti-
mos surgem em razão das garantias limitadas as quais protegem os tomadores
de empréstimo dos riscos adversos, o que faz com que o eles não sejam
reivindicantes residuais sobre os resultados das suas ações. Para as restrições
de crédito, as distorções são particularmente maiores quando a limitação da
riqueza os induz a assumir uma menor participação da reivindicação residual do

182 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

que aqueles agentes com maior riqueza. Aqueles agentes com riqueza suficiente
para assumir a reivindicação residual total – abandonando a tomada de emprés-
timos – adotam o nível de esforço e fazem a escolha do risco que é Pareto
eficiente. Quando as redistribuições de ativos afetam a redistribuição de reivin-
dicação residual, conforme foi visto, elas podem atenuar ou eliminar as distorções
alocativas apresentadas acima.

3. Contratos da terra

Entre os mais importantes e estudados casos de contratos incompletos


e efeitos riqueza sobre a eficiência alocativa está o arrendamento agrícola, de
quem os efeitos mais prejudiciais sobre a produtividade foram elucidados de
forma grandiosa não somente por Tocqueville, mas também por John Stuart Mill
e Alfred Marshall. Em muitos países pobres a evidência empírica sugere que
economias de escala na produção agrícola sejam insignificantes (exceto em
algumas colheitas, e mais no processamento e marketing do que na produção) e
quando acompanhado por um seguro apropriado e instituições de crédito, a
pequena família componesa pode se inserir numa unidade de produção mais
produtiva.15 Mesmo assim, a violenta e tortuosa história da reforma da terra
nesses países sugere que existam numerosos obstáculos no caminho das
realocações mais eficientes dos direitos da terra. Porque os grandes proprietári-
os de terra não vendem voluntariamente sua terra para as pequenas famílias
componesas e usam o seu poder de mercado e de barganha para obter o exce-
dente resultante dessa realocação?
Primeiro, os pequenos fazendeiros, como agentes desprovidos de rique-
za, se defrontam com desvantagens no crédito e nos mercados de seguros
descritos nas seções 2 e 4 e, portanto, geralmente não estão em condições de
comprar ou alugar mais terra.16 Segundo, a terra, como um ativo, pode servir
para algumas funções especiais para o rico, uma vez que os pobres são menos
capazes de usá-la e, portanto, essa incapacidade não é refletida pelos preços
oferecidos por esses últimos. Por exemplo, possuir terra pode oferecer vanta-
gens de tributação ou oportunidades especulativas ou ser um veículo de inves-
timento seguro para o rico (particularmente quando as oportunidades de inves-
timento fora do setor agrícola são limitadas ou envolvem muito risco) que não é
particularmente relevante para pequenos fazendeiros. Semelhantemente, gran-
des extensões de terra podem dar aos seus proprietários posição social especial
ou poder político, de tal forma que o efeito de posição social de um indivíduo
dono de 100 hectares de terra, por exemplo, é maior do que o efeito da posição

15
Ver, por exemplo, Berry e Cline (1979) e Prosterman e Riedinger (1979), capítulo 2. Para uma resenha mais recente da
evidência e das fraquezas metodológicas dos estudos empíricos, ver Binswanger, Deininger e Feder (1995). Existem muitas
razões para essa regularidade, entre elas está a análise dos problemas de agência que nós abordaremos acima (Shaban 1987,
Laffont e Matoussi 1995).
16
Mookherjee (em andamento) desenvolveu um modelo de assimetria de informação onde o fato de o esforço do fornecedor não
ser observado gerou ganhos de informação para esse último. Este modelo fornece razões adicionais de porque existe folga para
as vendas de terra mutuamente lucrativas dos proprietários de terra para os arrendatários.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 183
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

social combinado de 50 novos fazendeiros com 2 hectares cada um. Binswanger


et al. (1995) salienta que a terra é freqüentemente usada como um colateral no
mercado de crédito e, assim, se transforma em algo maior do que simplesmente
um ativo produtivo. O preço da terra, então, pode estar acima do valor capitaliza-
do do fluxo de renda da agricultura até mesmo para os pequenos produtores
mais produtivos, apesar de a venda de terra hipotecada ser pouco comum –
desde que a terra hipotecada não possa ser usada como colateral para aumentar
o capital de giro do comprador.
Por todas essas razões, o proprietário de terra não passa de grande a
pequeno fazendeiro e, de acordo com isso, o mercado de terra é muito estreito.
Em países ricos uma grande parte das transações com terra pode estar relacio-
nada ao ciclo de vida: as pessoas idosas vendem terras para compradores no
estágio acumulativo do seu ciclo de vida. Em muitas famílias nos países pobres,
por outro lado, essas transações entre gerações são geralmente raras. Nos paí-
ses pobres, as vendas de terra vão no sentido oposto do que é sugerido pela
evidência dos pequenos fazendeiros mais eficientes: as terras passam dos pe-
quenos proprietários de terra desamparados para grandes proprietários e agio-
tas. Esta tendência aumenta com o enfraquecimento do tradicional mecanismo
de tomada recíproca, e os fazendeiros podem ter que depender mais das vendas
das terras em tempo de crise.
Analisaremos como a distribuição de riqueza inicial afeta a eficiência
estática do mercado de arrendamento. Aventamos a possibilidade da existência
de uma “escala de arrendamentos” para arrendatários que se defrontam com
diferentes restrições de riqueza. Se os arrendatários neutros ao risco não estão
restritos por riqueza, ou se o produto não depende tanto do esforço do arrenda-
tário, o proprietário de terra será capaz de desenhar um contrato assegurando o
nível de esforço eficiente de Pareto do arrendatário, mesmo no caso onde o
esforço deste não seja verificável. Entretanto,
• onde arrendatários têm pouca riqueza ou onde o produto esperado
depende fortemente do seu esforço, os contratos ineficientes serão
obtidos com o grau de ineficiência alocativa variando inversamente
com a riqueza do arrendatário;
• por esta razão, uma transferência de riqueza para arrendatários po-
bres de ativos pode ser indutora de produtividade, ainda que o mon-
tante transferido seja insuficiente para permitir ao inquilino se tornar o
proprietário.
Usamos um modelo de principal-agente que enfatiza, com perigo moral,
a restrição de encargos limitada, isto é, o arrendatário está sujeito ao seu próprio
nível de riqueza w ≥ 0.17 Nós nos abstraímos das questões de repartição de risco
17
Modelos teóricos recentes na literatura com restrição de encargos limitada são aqueles produzidos por Sappington (1983)
e Shetty (1988). Em seu mais recente artigo, Laffont e Matoussi (1995) usam um conjunto de dados da região de El Oulja na
Tunísia para dar sustentação ao seu resultado teórico de que as restrições financeiras têm um impacto significante no tipo
de contrato de arrendamento escolhido e, portanto, na eficiência produtiva.

184 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

e assumimos que ambos, o arrendatário e o proprietário de terra, são neutros ao


risco (não discutiremos essas questões de risco subseqüentemente).
Considere um pedaço de terra que necessite de um insumo de uma
unidade de trabalho e que produza uma safra de H ou de L > H. A probabilidade
da safra H depende do esforço do arrendatário, e sem perda de generalidade
podemos representar essa probabilidade do estado bom por e ∈[0,1], onde e é o
esforço aplicado na terra pelo trabalhador. Suponha que o dono de um pedaço
de terra, o senhorio, contrate um arrendatário para ofertar trabalho. Nós assumi-
mos que o esforço e tem desutilidade d(e) para o arrendatário, onde d(e) é
crescente e convexa, com d(0) = d’ (0) = 0.
Comecemos com o caso onde e é totalmente observável. Dada a
convexidade de d(e), existe um único valor de e que maximiza o resultado combi-
nado do proprietário de terra e do arrendatário, e H + (1 – e )L – d (e) . Denotemos
esse primeiro melhor e como e*. Nesse sentido, é imediato verificar que o nível
de esforço ótimo será aquele para o qual

d’ (e*) = H – L (8)

ou o produto marginal esperado do esforço se igual a desutilidade marginal do


esforço. Se e é totalmente observável, o proprietário de terra pode oferecer ao
arrendatário um contrato do tipo pegar ou largar, que paga ao último (dado) a
renda de reserva m ≥ 0 quando o esforço observado e é e*, e 0 se o esforço e
observado é qualquer outro e.
Mas o esforço não é observável, então para incentivar o arrendatário a
ofertar um nível apropriado de esforço, o proprietário de terra oferece um contra-
to (h,l ), sob o qual o arrendatário paga H – h quando H é realizado e L – l quando
L é realizado, retendo o resíduo do produto, h no estado bom e l no estado ruim.
Nós assumimos que o arrendatário tem riqueza ω ≥ 0 e está sujeito a encargos
limitados, então as restrições h +ω ≥ 0 e l +ω ≥ 0 não podem ser violadas.
Somente a última desigualdade é de interesse, desde que sob qualquer esquema
de incentivos que proprietário de terra escolha, h seja maior do que l (veja
abaixo). Dessa forma, para induzir o arrendatário ao esforço, o senhorio tem que
desenhar um contrato que satisfaça uma restrição de compatibilidade de incen-
tivos (ICC), uma restrição de participação (PC) e uma restrição de encargos limi-
tados (LLC). Isto é, dado tal contrato, no qual o proprietário de terra não pode
exigir um pagamento de uma quantia por parte do arrendatário maior do que a
sua riqueza w (LCC), o arrendatário escolhe e como uma melhor resposta (ICC), e
recebe uma utilidade não menor do que m (PC). Assim, o senhorio varia h e l
de tal forma a maximizar

π = max e(H – h) + (1 – e)(L –l) ,


h,l

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 185
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

subjeito a

(PC) eh + (1 − e )l − d (e) ≥ m,
(ICC) e ∈ arg max e~ ~
e h + (1 − ~
e )l − d (~
e ),
(LLC) l +ω ≥ 0 .
A restrição (ICC) tem sempre que valer com igualdade, então ela pode
ser substituída pela condição de primeira ordem correspondente, mais pre-
cisamente

h – l = d’ (e ) (9)

Esta restrição de igualdade pode ser usada para eliminar a variável h,


reduzindo o problema de maximização do proprietário de terra a:

π = max e(H – h – d’(e)) + (1 – e)(L–l) (10)


l,e

sujeito a

(PC) l + ed’ (e) – d (e) – m ³ 0,


(LLC) l + w ³ 0.
Para resolver esse problema nós montamos o lagrangeano
L = e(H – l – d’ (e)) + (1 – e)(L – l) + λ (l + ω) + µ(l + ed’(e) – d (e) – m)

As condições de primeira ordem para o sistema são:

H – L – d’ (e) – (1 – µ)ed”(e) = 0 (11)

λ + µ =1 (12)

λ (l + ω ) = 0 (13)

µ(l + ed’ (e) – d(e) – m) = 0 (14)

mais as duas restrições de desigualdade (PC) e (LLC). Veremos que, depen-


dendo do nível de riqueza do arrendatário, uma ou ambas as restrições
devem ser ativas.
Suponha primeiro que µ = 0, então a restrição (PC) não é ativa. Logo, a
restrição (11) determina o nível de esforço e* tal que

H – L = d’ (e* ) + e* d”(e* ) (15)

186 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

e desde que λ = 1 e l = –ω, então o contrato estipula que no estado ruim o


arrendatário entrega sua riqueza total ao proprietário de terra. A restrição PC não
pode também ser violada, logo

ω ≤ ω* ≡ e* d’ (e* ) – d (e* ) – m. (16)

Dessa forma, para a riqueza no intervalo [0, ω∗ ], a restrição LCC é ativa, a


restrição PC não é ativa (o arrendatário busca um nível de utilidade superior
àquela obtida na sua posição anterior; isto é, ele ganha um excedente, exceto
com ω = ω∗ ) e o esforço é fixado em e* . Finalmente, o retorno do proprietário de
terra é uma função crescente da riqueza do arrendatário ω. Isto pode ser visto em
(10), de tal forma que substituindo l = –ω o lucro torna-se:

π = ω + L + e* (H – L – d’(e* )).

Comparando-se (8) e (15), nós verificamos que d’(e* ) < d’(e* ), então a convexidade
de d (e ) implica em e* < e* . Nós concluímos que o nível de esforço do arrendatário
com baixa riqueza é menor do que o nível ótimo de Pareto – que é aquele que
maximiza o excedente conjunto.
Suponha, por contraste, que λ = 0, então a restrição LLC não é ativa.
Nesse caso µ = 1, e a restrição PC vale com igualdade (o arrendatário recebe seu
valor de reserva). Então (11) implica em H – L = d’(e) , logo o nível de esforço é o
e* , como em (8), onde o esforço é totalmente observado e o excedente conjunto
maximizado. Nós observamos que em virtude da restrição PC ser satisfeita com
igualdade (usando (14)), a renda do arrendatário no caso de baixa produção é
agora dada por:

l = m – e* d’(e*) + d(e*),
e satisfaz a restrição LLC, de tal forma que tenhamos

ω ≥ ω* ≡ e*d’(e*) – d(e*) – m

Para ω ∈ [ω , ∞)] o esforço é fixado em e * , o pagamento no


*

caso de ocorrência de produção baixa é fixado em l = –ω∗ , e a restrição LLC não


é ativa. Os níveis de riqueza do arrendatário são tão grandes quanto ω∗ , de tal
forma que o contrato sustente um resultado ótimo de Pareto.
A única possibilidade remanescente em (11)-(14) é que ambos λ e µ
sejam diferentes de zero. Esse caso, no qual as restrições LLC e PC são ativas,
representa uma solução para o problema de maximização do proprietário da
terra somente para ω ∈ [ω * , ω * ].18 Nesse intervalo, da restrição LLC nós

18
Isto acontece porque, dadas as duas restrições, a escolha do proprietário de terra não pode melhorar os seus resultados
em relação às alternativas que apresentam apenas uma restrição, que estão disponíveis para ele fora do intervalo [ω ∗ , ω ∗ ].

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 187
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sabemos que l = –ω e da restrição PC que o nível de esforço satisfaz

ω = e0d’(e0) – d(e0) – m (18)

Note que de 0 /d ω = 1 / e0d” (e 0) >0, então e0 (ω ) aumenta de e * para


e* quando ω se move de ω* para ω* . Também, l cai de –ω* para –ω* nesse
intervalo, enquanto h aumenta de d (e* ) − ω para d ( e* ) − ω .19 O efeito de se
precipitar a inclinação do gradiente de pagamento h – l é o alinhar os incentivos
de esforço do arrendatário o mais próximo possível do resultado do proprietário
de terra, se aproximando do resultado ótimo de Pareto à medida que ω s e
aproxima de ω* .

Teorema 8. Escalas de Arrendamento e os Contratos Ineficientes. Onde o esfor-


ço do arrendatário afeta o produto esperado e não é contratável, e onde o nível de riqueza ω
do arrendatário é o máximo encargo para o qual ele pode ser exposto pelos termos do contrato
de arrendamento do proprietário de terra, existem os níveis de riquezaω∗ e ω∗ > ω∗ tais que
o contrato ótimo do proprietário de terra tem as seguintes propriedades:
(i) para ω ≥ω∗ o arrendatário escolhe o nível de esforço ótimo e* , o seu
retorno esperado se iguala a sua posição de reserva, e o proprietá-
rio de terra garante o excedente total;
(ii) para ω <ω∗ o arrendatário escolhe o esforço e∗ < e∗ independente-
mente de ω, o retorno esperado do arrendatário é superior a sua
posição de reserva e declina com a sua riqueza, enquanto que a
quota do proprietário de terra no produto é crescente na riqueza do
arrendatário; e finalmente,
(iii) para ω∗ ≤ ω ≤ ω∗ , o esforço do arrendatário é crescente na sua
riqueza (de e∗ para e∗ ), o retorno esperado do arrendatário se
iguala a sua posição de reserva e a quota absoluta e relativa do
proprietário de terra no excedente do projeto é crescente na rique-
za do arrendatário.
A Figura 7 ilustra este teorema. A eficiência alocativa aumenta com
a riqueza do arrendatário porque pela lógica da eficiência o gradiente de
pagamento (h – l) deve se igualar ao produto marginal esperado do esfor-
ço (H – L), mas onde a máxima penalidade que o proprietário de terra pode
impor ao arrendatário no estado ruim é pequena, fixando o gradiente de
pagamento igual ao produto marginal esperado do esforço que pode ser
executado somente aumentando-se h e não reduzindo l; porque sob essas
circunstâncias aumentando-se h não somente aumenta a eficiência, mas
também distribui alguns ganhos de eficiência para o arrendatário. Os in-
centivos privados para o proprietário de terra são insuficientes para
implementar o ótimo social.

19
Para verificar que h aumenta, nós diferenciamos d’(e0 (ω)) – ω com respeito a ω , obtendo d”e’0 – 1 = 1 / e0 – 1 > 0.

188 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Faixa da PC

Faixa da LLC

Produto potencial não


realizado

Participação do proprietário
de terra no produto
Excedente
conjunto Posição de
reserva do
arrendatário
m
Participação do arrendatário no produto
Riqueza do
arrendatário

Figura 7: Riqueza do Arrendatário e Ineficiência Alocativa. Contratos eficientes


requerem ω ≥ ω∗. Baixos níveis de riqueza acarretam em um nível de esforço e
produto esperado subótimo e (para ω < ω∗ ) uma menor quota do arrendatário no
excedente conjunto.

A intuição por trás do Teorema (8), isto é, que a riqueza do arrendatá-


rio atenua as ineficiências alocativas surgidas do fato do contrato não ser
completo, sugere que os limites de riqueza serão mais precisos nos casos
onde o efeito do insumo não contratável é particularmente importante na
indução de um bom resultado, ou seja, onde H – L é grande, motivando,
dessa forma, o seguinte teorema:

Teorema 9. Restrições de Riqueza e Insumos Não-Contratáveis. Os limites de


renda ω∗ e ω∗ definidos no Teorema 8 variam com a importância do esforço na determinação
dos produtos, isto é, com H – L.
A razão, que pode ser confirmada pelas equações (11), (16) e (17), é que
quando H – L aumenta, o esforço ótimo é maior, então o gradiente de pagamento
ótimo de Pareto tem inclinação acentuada e, portanto, a restrição LLC é ativa
para grandes níveis de renda do arrendatário.
Finalmente, temos:

Teorema 10. Redistribuições Indutoras de Produtividade para os arren-


datários. Para os contratos definidos no Teorema (8), uma redistribuição de riqueza
de um proprietário de terra para um arrendatário com riqueza ω’∈ [ω∗ , ω∗ ] induz
a eficiência alocativa.

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A razão, que pode ser confirmada pela inspeção da equação (18), é que
acima desse intervalo de riqueza a utilidade esperada do arrendatário é igual a
m +ω e, portanto, acréscimos na riqueza do arrendatário o beneficiam direta-
mente, enquanto que o induzido crescimento no seu esforço (isto é,
de/dω = 1/ed” (e)) beneficia o proprietário de terra, compensando parcialmente
o custo de transferência.
Existe um nível de riqueza ωmax para o qual a terra em questão será
valorizada mais pelo arrendatário do que pelo proprietário de terra, levando-
se em conta o crédito disponível e outras considerações discutidas no
princípio. Como dono, o arrendatário implementará o nível de esforço da
maximização do excedente.
É possível, geralmente em muitos casos, que a posição m de reserva do
arrendatário não seja independente da sua riqueza – como no caso, por exem-
plo, onde a riqueza do arrendatário é representada na forma de coisas sem valor.
Se m varia com ω, e se o nível de riqueza ω∗ é definido como m = m(ω) onde
m’ > 0 , a quota do arrendatário no produto aumentará com a sua riqueza para
ω >ω∗ , com a participação do proprietário caindo de forma não ambigüa para
ω >ω∗ e com o efeito do aumento da riqueza do arrendatário sobre a quota do
proprietário de terra sendo incerto no intervalo ω∗ , ω∗ , e o sinal dependerá do
vigor da relação m(ω).
No modelo até o momento discutido nós consideramos
somente um jogo de um período. No entanto, no modelo multi-período existem
dimensões extras interessantes dos efeitos dos incentivos sobre o arrendamen-
to. O proprietário de terra pode aliviar o problema de subaplicação dos insumos
não-contratáveis usando a ameaça de despejo quando o produto for baixo.20
A ameaça pode ser efetiva em nosso modelo com encargos limitados, dado que
para ω >ω∗ os arrendatários ganham algum renda excedente e acima de sua
renda de reserva m, que eles perderiam se fossem despejados. No modelo de
multiperíodo, afora o esforço do trabalho (e a escolha de outros insumos
correntes), o incentivo para investir pode também ser afetado pela ameaça
de despejo. Tal ameaça pode desencorajar as melhorias de longo prazo
sobre a terra (que freqüentemente são não-contratáveis).21 A possibilidade
de remoção dessa ameaça (digo, por meio do programa de reforma da terra
que forneça segurança para o direito de posse) pode também aumentar o
poder de barganha do arrendatário, e o investimento pode ser encorajado,
uma vez que o arrendatário tem a esperança de conseguir uma maior quota
do produto adicional gerado pelo seu investimento.
Mas, como Banerjee e Ghatak (1996) indicaram, existem duas maneiras
pelas quais a ameaça de despejo pode também ter efeitos positivos sobre os

20
Esta observação se remete a Johnson (1950) e foi formalizada por Bardhan (1984) e Dutta, Ray e Sengupta (1989).
21
Os economistas clássicos enfatizaram esse efeito adverso da insegurança relativa ao direito de posse sobre o investimento. John
Stuart Mill, por exemplo, considerava este como sendo o maior defeito do arrendamento na França. Este efeito é formalizado por
Bardhan (1984) e Banerjee e Ghatak (1996).

190 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

incentivos de investimento. Primeiro, a ameaça de despejo aumenta o esforço


corrente de trabalho porque os arrendatários se preocupam com o valor espera-
do dos ganhos futuros e, portanto, a perspectiva de perdas desses ganhos os
induz a trabalhar duro. Semelhantemente, o investimento hoje aumenta as
chances de um bom desempenho amanhã e, como conseqüência, garante o
negócio depois de amanhã. Assim eles podem responder positivamente às ame-
aças de despejo. Segundo, se as ameaças de despejo aumentam o esforço cor-
rente, elas também aumentam a chance de sucesso no próximo período, o que
faz com que este efeito seja favorável ao investimento. Tudo isso colocado
conjuntamente, faz com que o efeito líquido das ameaças de despejo sobre o
investimento seja ambíguo. A evidência empírica de Banerjee e Ghatak obtida do
programa de reforma do arrendamento em Bengala oeste (na forma de melhora-
mentos na segurança do arrendamento) sugere que o efeito líquido do programa
sobre a taxa de crescimento da produtividade da agricultura é positivo.
Uma das grandes limitações dos modelos de encargos limitados no con-
texto das áreas rurais nos países pobres, é que alguns dos principais resultados
são dirigidos pela hipótese de que o arrendatário pobre em ativos não pode ser
suficientemente penalizado pelo proprietário de terra por negligência. Fora a
linearidade da função de utilidade assumida, a qual é claramente não plausível
quando o consumo está próximo de zero, as relações de longo prazo dos propri-
etários de terra das comunidades rurais fechadas podem muitas vezes resolver
este problema com a concessão de crédito para o arrendatário a ser pago em
tempos de prosperidade. Para um modelo de contratos de arrendamento com
crédito, ver Kotwal (1985). Informação histórica sobre produção agrícola sob
diferentes condições climáticas, bem como informações sobre produção em
fazendas contíguas podem ser usadas pelos proprietários de terra no desenho
de contratos de incentivo em tais casos. Deve também ser lembrado que, num
contexto de povoado tradicional, o proprietário de terra tem acesso a várias
formas não econômicas de punição do desvio de conduta do arrendatário.

4. Riqueza, aversão ao risco e seguro

Há casos onde não é possível fazer valer contratos completos para servi-
ços de produção (por exemplo: gerentes, trabalhadores ou fazendeiros) determi-
nando reivindicação residual para os produtores para melhorar os incentivos de
produção e, portanto, aumentar a eficiência alocativa. Para que os incentivos
tenham os efeitos desejáveis, a determinação da reivindicação residual para os
produtores deve estar também vinculada a especificação de direitos de proprie-
dade sobre os ativos relevantes. Como argumentamos anteriormente, no caso
onde os produtores possuem riqueza, direitos relevantes nas transações de
mercado garantirão uma atribuição eficiente de direitos. Desta forma, os
beneficiários das transferências dos ativos indutoras de eficiência, por meio de
intervenções de políticas de política econômica, são geralmente aqueles agen-
tes desprovidos de riqueza e, portanto, agentes mais avesos ao risco. Como

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conseqüência, existe geralmente um processo de escolha entre a eficiência


alocativa estática e as escolhas de risco socialmente subótimas quando a trans-
ferência dos ativos confere reivindicação residual aos produtores desprovidos
de riqueza, de quem os comportamentos relevantes da produtividade não estão
sujeitos aos contratos completos.22
Diversas investigações empíricas indicam que a aversão ao risco por
parte dos agentes desprovidos de riqueza é um fenômeno importante. Baixa
riqueza acarreta baixo retorno para a produção agrícola independente porque os
fazendeiros sacrificam retornos esperados em troca de maiores retornos garan-
tidos. Rosensweig e Wolpin (1993), por exemplo, constataram que os fazendei-
ros indianos de mais baixa renda procuram, como forma de garantia para fluxos
de consumo mais estáveis, criar novilhos, que são formas líquidas de capital, ao
invés de comprar bombas, que apresentaram baixa liqüidez mas têm um alto
retorno esperado. Os efeitos relevantes não são pequenos. Rosenzweig e
Binswanger, encontraram, por exemplo, que um desvio padrão de uma unidade
no risco do clima poderia aumentar os lucros médios em pelo menos um terço
entre os fazendeiros situados no quartil mais baixo da distriuição (p.75). Nerlove
e Soedjiana (1996) encontram um efeito similar na Indonésia com as ovelhas (ver
Hoff (1996a) para uma discussão disso e dos estudos relacionados).
Por esta razão, a transferência dos direitos de propriedade para os pro-
dutores de menor riqueza pode ser insustentável ainda que a reivindicação
residual seja colocada nas mãos dos produtores de quem as ações não-
contratáveis resultem em falhas alocacionais conforme identificado acima. Carter,
Barham e Mesgah (1996) apresentam um exemplo brilhante: no Vale Central do
Chile, três quartos das famílias residentes naquele local as quais receberam
títulos individuais de transmissão de direitos da terra, no programa de
redistribuição da terra nos anos 70, os venderam.
Entretanto, a disponibilidade de seguro pode conduzir a um aumento da
tomada de risco, e vários autores sugerem que o mercado de seguros que pro-
move a tomada de risco na produção pode ser imperfeito. Domar e Musgrave
(1944) é uma afirmação clássica dessa visão, a qual é desenvolvida em Atkinson
e Stiglitz (1980). Seguindo esse mesmo raciocínio, Sinn (1995) argumenta que o
estado de bem-estar nas economias avançadas pode ser entendido, em parte,
como um conjunto bem sucedido de medidas de políticas para melhorar o com-
portamento da tomada de risco do agente desprovido de riqueza. Shiller (1993)
provê várias aplicações, argumentando que as imperfeições do mercado de ca-
pitais mesmo nos países avançados conduzem a ausência de mercado de segu-
ros para as maiores fontes de insegurança individual e desigualdade. Por exem-
plo, a maior forma de insegurança de riqueza em muitas famílias é o valor capital

22
Se alguns membros de uma população são aversos ao risco e não podem ser segurados totalmente de forma eficinete contra
variações em seus retornos, e se o seu bem-estar tem peso positivo na função de bem-estar social agregada, o nível de risco
socialmente ótimo é menor do que aquele que maximizaria os retornos esperados. Nós assumimos que as escolhas de risco
tomadas a gente pobre em ativos serão menos arriscadas do que o nível socialmente ótimo.

192 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

de suas casas, devido às flutuações de médio para longo prazo dos preços
médios das casas na região. Nenhum seguro para tais flutuações está disponí-
vel, mas Shiller sugere que este e outros mercados de seguro similares podem
ser ativados por meio de intervenções financeiras apropriadas.
Por outro lado, muitas tentativas de preservar o pequeno produtor inde-
pendente por meio da disponibilidade de crédito e seguro de safras, fracassaram
(Carter e Coles 1997), essas falhas podem ser devido às formas de seguro que não
são compatíveis com incentivos (Newbery 1989). Por exemplo, segurar safras
individuais reintroduz os mesmos problemas de agência que os observados no
caso do meeiro e no trabalho assalariado. Em contrapartida, como nós mostrare-
mos abaixo, permitir aos produtores que comprem seguro para cobrir alguma
condição geral que esteja correlacionada com o risco da safra individual mas que
não afete os incentivos de produção individual, pode ser eficaz na indução da
tomada de risco por parte dos agentes desprovidos de riqueza sem incorrer em
perdas de eficiência. Um programa de seguro de safras na Índia, por exemplo,
baseou os pagamentos na produção média da safra em regiões agroclimáticas
homogêneas (Dandekar 1985). Ou pagamentos de seguros podem ser baseados
em fontes exógenas de risco em si, se elas são mensuráveis. Um exemplo disso é
o seguro contra enxurradas, onde o produtor paga um prêmio fixo e recebe uma
lista de retornos dependendo da chuva média na região ao longo da estação.23
Semelhantemente, benefícios de seguro desemprego individual estão
às vezes associados à fase do ciclo de negócios ou ao local das taxas de
desemprego.
Seguindo a mesma linha, mostramos abaixo que sob condições razoá-
veis, a redução de exposição dos agentes desprovidos de riqueza a flutuações
estocásticas independentes das suas atividades produtivas pode levar ao
aumento da tomadas de risco na produção e, portanto, pode, de uma outra
maneira, ajudar a sustentar redistribuições de ativos insustentáveis. Platteau,
Murickan, Palatty e Delbar (1980), Sanderatne (1986), e Ravallion, Datt e
Chaudhuri (1993) provêm alguma evidência para este fenômeno.
O modelo desenvolvido abaixo mostra que, a exposição ao risco associ-
ada com a reivindicação residual, produtores pobres em ativos
• podem evitar comprar projetos mesmo quando eles são financeira-
mente capazes de fazê-lo, podem vender ao invés de operar projetos
que são transferidos para eles, e escolher níveis subótimos de risco
para o projeto que eles mantêm ou operam;
• existe uma classe de redistribuições igualitárias de ativos indutoras de
produtividade que não ocorrerão por meio das trocas de mercado; esta
classe de redistribuições igualitárias indutoras de produtividade pode

23
Semelhantemente, a taxação dos lucros agrícolas pode ser baseada em condições de crescimento gerais ao invés daquelas
medidas pelo produto da fazenda, assim combinando seguro e metas de receita-produção.

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ser expandida oferecendo seguro justo para os ativos dos agentes


não-ricos; tais seguros podem tanto proteger o produtor contra o
risco não associado com o processo de produção (seguro saúde,
estabilização dos preços dos bens de consumo) quanto proteger
produtores independentes contra o “risco da indústria” que não está
relacionada com a qualidade das suas próprias decisões; e enquanto
o mercado pode ofertar algumas formas de seguro desse tipo, ele o
fará geralmente de maneira subótima.
Considere um empregador neutro ao risco que possui um ativo e emprega
um trabalhador. O trabalhador recebe uma salário ω, e usa um projeto com bens
de capital não depreciáveis com valor k. Nós assumimos que o empregador tem
que supervisionar o trabalhador para garantir o desempenho, com custo de
supervisão m > 0. Nós também assumimos que o projeto consiste de um contínuo
de tecnologias de vários níveis de risco e retornos esperados, com alto risco
sendo associado com alto retorno para um dado intervalo apropriado. Nós
resumimos a tecnologia a uma lista de receita líquida esperada φ(σ), que depende
do desvio padrão da receita σ . Especificamente, nós escrevemos a receita bruta
do empregador π (σ) como

π (σ ) = σz + φ (σ ) − ρk − m − ω (19)

onde z é uma variável aleatória com média zero e desvio padrão unitário,
ρ é a taxa de juros livre de risco, e φ (σ) é côncava e tem um máximo em
algum σ * > 0.24
O empregador, que é neutro ao risco, maximiza Eπ (σ), que é o valor
esperado dos lucros, dando a condição de primeira ordem
(Eπ)σ = φ’ ( σ ) = 0, (20)
determinando o nível de risco que maximiza o lucro σ∗ . Nós assumimos que o
projeto é parte de um sistema competitivo com livre entrada, então o lucro tem
que ser zero em equilíbrio. Assim, desde que o empregador seja neutro ao risco,
a taxa salarial de equilíbrio ω∗ será dada por

ω * = φ (σ * ) − ρk − m (21)
Suponha que o ganhador do salário considera tornar-se um produtor
independente alugando capital e empreendendo a produção. Para abstrair dos
problemas de disponibilidade de crédito, que nós tratamos anteriormente, nós
assumimos para esse caso que os empréstimos estão livremente disponíveis a

24
Apresentamos argumentos sustentando o formato da função φ (.) na seção 2. Note que no modelo corrente, os produtores
operam do lado esquerdo ao invés do lado direito do máximo de φ (.), desde que nós assumamos a condição de aversão ao risco,
os agentes são não restritos por crédito.

194 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

uma taxa de juros ρ, e os juros ρ k são pagos com certeza. O payoff líquido do
produtor independente é então dado por
y(σ ) = σz + φ (σ ) − ρk , (22)
desde que ele seja um autônomo (por conta própria), o produtor não paga salário
nem incorre em custos de monitoramento. Na verdade, o fato de que o produtor
não incorre em custos de monitoramento captura nossa hipótese de que a
eficiência produtiva melhora quando o produtor deixa de ser um assalariado e
passa a ser um reivindicante residual.
Nós assumimos que o produtor exibe medida de aversão ao risco abso-
luta decrescente (isto é, a medida de aversão ao risco de Arrow-Pratt é decres-
cente na riqueza). Nós mostramos em Bowles e Gintis (1997) que a função de
utilidade do produtor pode se expressa como25
u ( y (σ )) = v(σ , µ ( y(σ ))) (23)

onde

µ(y(σ)) = Ey(σ) = φ(σ) – ρk (24)

como ilustrado na Figura 8.


De Meyer (1987) e Sinn (1990), que é resumido na Proposição 1 de Bowles
e Gintis (1997), nós sabemos que as curvas de indiferença de v(σ, µ) para um
produtor com função de utilidade crescente e côncava que maximiza a utilidade
esperada, apresentada na Figura 8. Elas são crescentes, convexas e achatadas
em σ = 0, tornando-se mais planas para aumentos em µ quando σ > 0 e tornan-
do-se mais inclinada para aumentos em σ . Assim, movimentos para o norte e
para oeste indicam melhora do bem-estar e curvas de indiferença mais planas.
O produtor então escolhe σ de tal forma a maximizar (23) sujeito a (24).
Definindo

s (σ , µ ) = − ,

como sendo a inclinação das curvas de indiferença do produtor independente
no espaço σ – µ, nós temos a condição de primeira ordem

uσ = v µ [φ’(σ) – s(σ, µ(σ))] = 0 (25)

25
É sabido a bastante tempo que esta representação é suficiente para representar o comportamento de maximização de
utilidade esperada sobre (σ, µ ) se z é normalmente distribuído. Entretanto, Kolm (1969) e Rothschild e Stiglitz (1970), seguindo
Hardy, Littlewood e Polya (1934), mostram que tal representação é geralmente válida somente se o agente tem uma função
de utilidade quadrática – na verdade um caso altamente restrito. O problema desaparece, no entanto, se as variáveis
aleatórias envolvidas formam uma classe linear no sentido de que todas são funções lineares de uma simples variável aleatória
z. As propriedades básicas da classe linear foram estabelecidas por Meyer (1987) e Sinn (1990) e estão devidamente estendidas
para nossas necessidades em Bowles e Gintis (1997).

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que indica que a taxa marginal de transformação do risco nos lucros esperados,
φ`(σ), tem que ser igual à taxa marginal de substituição entre o risco e o resulta-
do esperado, s(σ, µ). O problema do produtor como um reivindicante residual é
descrito na Figura 8. Nesse caso, o produtor escolhe a curva de indiferença mais
alta de v(σ, µ) que satisfaça a restrição (24), que é simplesmente o ponto de
tangência em σ 0 . A aversão ao risco do produtor implica que s(σ, µ) > 0, que por
(25) requer que σ 0 > σ ∗, então o produtor independente escolhe um nível de
risco mais baixo do que aquele escolhido pelo empregador neutro ao risco.

m0

m(s)

σ0 σ

Figura 8: Curvas de Indiferença da Função de Utilidade v(σ, µ)

Para comparar o bem-estar do produtor quando ele é um reivindicante


residual com a situação de assalariado, note que quando o empregado esco-
lhe σ, por (21) o payoff de equilíbrio para o empregado acontece no ponto
máximo σ∗ da equação ω = φ (σ) – pk – m, como mostrado no ponto A na
Figura 9(a). A Figura 9(a) mostra o caso onde o produtor está melhor traba-
lhando como reivindicante residual do que como assalariado, esse fato acon-
tece desde que a curva de indiferença passando pelo par ordenado (σ 0, µ (σ 0))
seja mais alta do que aquela passando por (0, ω∗ ). Em contraposição, a Figura
9(b) mostra o caso em que o produtor está melhor trabalhando para o empre-
gador, desde que a curva de indiferença passando por (σ 0, µ (σ 0) ) esteja
abaixo daquela passando por (0, ω∗ ). Note que no caso em que o produtor
tem renda esperada maior como reivindicante residual do que como assalari-
ado, ele está exposto a um nível excessivo de risco. A diferença entre os dois
casos é o alto grau de aversão ao risco assumido no segundo caso, conforme
é indicado pelo mapa de indiferença mais inclinado.

196 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Nós agora consideramos se a análise seria alterada se acontecesse uma


transferência direta de k para o empregado, sendo necessário alugar estes ati-
vos. Deve ser entendido que o resultado não muda quando o retorno por perío-
do do produtor de vender o ativo ρk é exatamente o custo de aluguel, então a
transferência do ativo simplesmente converte o custo direto (o custo de aluguel
do capital) em custo de oportunidade (o custo de renunciar o aluguel de capital
para outro agente), deixando a análise inalterada.

m
m
m( s) = f ( s) − r k

A
w* w*
m

σ σ
(a) σ0 σ* (b) σ0 σ*

Figura 9: Comparando os Ganhos Salariais e a Produção Independente. Note que


em (a) o produtor está melhor atuando como reivindicante residual e em (b) a
inversa é verdadeira.

Mas essa inferência não está comprovada. A proposição 1(v) em Bowles


e Gintis (1997) confirma que se o produtor é decrescentemente avesso ao risco
então à medida que a riqueza do produtor aumenta, as curvas de indiferença no
espaço σ – µ tornam-se mais achatadas. Isso mostra que existem transferências
de riqueza da seguinte forma: antes da transferência, o produtor prefere traba-
lhar para o proprietário de quem o estoque de capital é k. Quando um montante
k de riqueza é transferido para o produtor, as curvas de indiferença tornam-se
mais achatadas, e a nova situação garante o ativo produtivo e tornar-se um
produtor independente é uma alternativa preferível.
Isto é ilustrado na Figura (10). Nela, as curvas de indiferença antes da
transferência para o agente são as curvas tracejadas. Claramente, o trabalho
assalariado domina a produção independente. Depois da transferência, situa-
ção indicada pelas curvas sólidas, o decréscimo na aversão ao risco do agente
faz com que a produção independente seja superior ao trabalho assalariado.26
Dessa forma, tanto a pré-transferência quanto a pós-transferência de atribui-
ções dos direitos de propriedade podem ser garantidas por um equilíbrio com-

26
Os níveis de utilidade correspondendo às curvas de indiferença representados por linhas pontilhadas e sólidas não são,
obviamente, as mesmas. Em particular, a curva de indiferença pontilhada que passa pelo ponto (0, ω ∗ ) corresponde a um nível
de utilidade menor do que a curva de indiferença sólida que passa pelo ponto (0,ω ∗ ), desde que no último caso o agente possua
uma maior riqueza.

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petitivo, apesar do fato de que a transferência é uma redistribuição indutora de


produtividade. Isto prova:

Pré-Transferência
m

Pós-Transferência
A
B

w*

σ
σ0 σ*
Figura 10: Exemplo de Redistribuição de um Ativo com Acréscimo de Produ-
tividade.

Teorema 11. Sob condições apropriadas, as redistribuições indutoras de produtividade


existem e podem ser sustentadas em equilíbrios competitivos.
A escolha feita entre os ganhos alocativos e as perdas de risco subótimo
que ocorrem quando o ativo é especificado para o produtor carente de ativos é
ilustrado na Figura 11. Essa figura descreve a situação de pós-transferência de
ativos, na qual o produtor está melhor possuindo o ativo produtivo, dando o
nível de bem-estar v = v0 que é maior do que o nível de bem-estar v = vk associ-
ado com a venda do ativo e com o fato de trabalhar para o proprietário. O ganho
alocativo é o aumento no retorno esperado de ω (σ ∗ ) para o ponto D, que
maximiza o retorno esperado da produção independente. A perda de risco
subótimo é representada por D – F refletindo o fato de que o produtor prefere
a situação de aversão ao risco representada pelo ponto A ao ponto C com
relação ao esquema de retorno ao risco.
Ocorre que medidas que conferem menos aversão ao risco ao produtor,
ou reduzem o risco envolvido na produção, diminuem as perdas de alocação de
risco associadas com a produção independente. Um produtor que adquire um
ativo produtivo por meio de uma política de redistribuição igualitária, mas que
em caso contrário preferiria vendê-lo, poderia ser induzido por tais medidas a
permanecer um reivindicador residual sobre o uso do ativo. Adicionalmente, tais

198 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

medidas reduziriam as perdas de evitação do risco pelos produtores


propensamente engajados na produção independente. Nós sugerimos várias
medidas plausíveis desse tipo.

m v = v0

D
C
F
A

v = vk
w*
B

σ
σ*
Figura 11: A escolha entre os ganhos no retorno esperado e as perdas em
tomar o risco subótimo.

Primeiro, suponha que a riqueza do produtor seja independente da sua


participação na produção, ω, e que tenha um elemento estocástico γζ, onde ζ
tem média zero e é independentemente distribuído em z, e y é uma constante
positiva. Nós chamamos esse elemento estocástico de risco exógeno e assumi-
mos que uma redução em γ é uma redução no risco exógeno (risco endógeno é
aquele escolhido pelo produtor, isto é σz). Nós chamamos um produtor de cau-
teloso se λ’ (ω) < 0 e λ” (ω) ≥ 0, onde λ(ω) = – u”(ω)/u’(ω) é a medida de
aversão ao risco de Arrow-Pratt ao nível de riqueza ω para o agente com função
de utilidade u’(ω). Note que a aversão ao risco absoluto decrescente requer
somente que λ’ (ω) < 0 , enquanto que a aversão ao risco constante implica que
λ”(ω) < 0 e λ” (ω) = –2λ’ (ω)/ω > 0, que é uma condição mais forte do que
condição de cautela. Nesse sentido, nós temos:

Teorema 12. Uma redução no risco exógeno leva um produtor cauteloso a aumentar o nível
de risco da produção.
A intuição por trás desse resultado é obvia: uma redução no “motivo” do
risco defrontado pelo produtor independente diminui o “custo marginal” da
tomada de risco na produção. Um pouco mais formalmente, nós mostramos em
Bowles e Gintis (1997) que na presença de risco exógeno, podemos descreve o
produtor como sendo um agente que está otimizando no espaço σ – µ, e as

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curvas de indiferença têm as mesmas propriedades quando γ > 0 e quando


γ = 0. Então nós mostramos que se o produtor é cauteloso, reduzindo γ
achata as curvas de indiferença em cada ponto no espaço σ – µ e, portanto, induz o
produtor a assumir mais risco.
Nós concluímos que as medidas de política econômica que reduzem o grau
de incerteza encarado pelos produtores não estão relacionadas com os ativos produtivos
em si, por exemplo, seguro saúde, estabilização dos preços ao consumidor, e estabilização
do ciclo de negócios pode aumentar o ambiente de aplicação das redistribuições iguali-
tárias indutoras de produtividade e induzir produtores desprovidos de riqueza a assu-
mir altos níveis de risco na produção.
Terceiro, suponha que exista uma forma de risco público η da seguinte
natureza: η é uma variável aleatória que está positivamente relacionada com o
elemento estocástico z na produção e, é publicamente observável no final do
período, sendo dessa forma, contratável (por exemplo, índice pluviométrico mé-
dio numa região durante uma estação, como discutido). Considere um mercado
justo para apólice de seguros sobre o risco público que paga aos produtores
uma quantia l e obriga o produtor a pagar um montante bη no final do período de
produção. Nós chamamos esse tipo de apólice de apólice de seguro de risco
público. Provamos um teorema em Bowles e Gintis (1997) que implica em:

Teorema 13. Um fornecedor de um apólice de seguro de risco público pode desenhar um


contrato (b, l) em que os produtores individuais comprarão a apólice e maximizarão lucros
operando ao nível de risco socialmente ótimo.
Nós mostramos que em um mercado competitivo não se pode obter o
mesmo resultado, assumindo que a competição de mercado entre seguradoras
neutras ao risco resulta em prêmio de seguro justo, quando l é escolhido para
maximizar lucros, o nível de risco socialmente ótimo é obtido se, e somente se,
η é perfeitamente correlacionada com z. A intuição por trás desse resultado é
que a apólice de seguro de risco público permite aos produtores se protegerem
contra o risco de produção que eles se defrontam. Desde que os produtores
sejam avessos ao risco, a sua escolha voluntária do nível de proteção será
excessivamente maior do que o nível socialmente ótimo.
Claramente, o seguro do risco público não está sujeito à seleção adversa.
Entretanto, associado com a não obtenção do resultado socialmente ótimo,
uma indústria privada que vende seguro do risco público pode não ser capaz de
operar de forma neutra ao risco. O sinal η é uma variável macroeconômica que é
perfeitamente correlacionada com todos os compradores de seguro. Muito em-
bora os lucros médios de tais companhias seguradoras convirjam para zero no
tempo com probabilidade um, está claro que digressões arbitrariamente grandes
diferentes de zero ocorrem com probabilidade positiva. Por essa razão, as segu-
radoras não podem usar a lei dos grandes números para lidar com a volatilidade
dos seus resultados. Além do mais, se existe incerteza em relação a η, ou se η se
altera no tempo, a posição de risco das seguradoras torna-se mais incerta.

200 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Nesse caso, a política governamental deve ser direcionada para a


implementação do resultado socialmente ótimo. Primeiro, o setor público pode
requerer que todas as partes relevantes sejam seguradas igualmente, evitando,
dessa forma, o problema de seleção adversa. Segundo, em virtude da sua maior
facilidade de acesso aos mercados de crédito doméstico e mundial e da sua
habilidade para implementar o compartilhamento do risco intertemporal e
intergeracional, o Estado pode ser capaz de diversificar de diversas formas, o
que não é possível para as firmas seguradoras.
É claro que uma análise das deficiências da solução de mercado para
o problema de risco do produtor independente tem que se complementada
por uma análise das falhas do setor público como provedor de seguro. Em
particular, na ausência de um mecanismo que garanta sua executabilidade,
os formuladores da decisão pública escolherão o nível e o tipo de seguro
para o produtor independente de tal forma a atingir múltiplos objetivos,
entre eles a produção socialmente ótima.
Assim, elucidamos problemas contratuais que surgem quando um único
principal (concessor de empréstimos ou proprietário de terra) se defronta com
um único agente (tomador de empréstimos ou arrendatário). Casos onde um
grande número de indivíduos interage, como nas equipes de produção emprega-
das pelo principal, ou em casos de provisão de bens públicos em locais comuns,
são também muito importantes – discutivelmente mais importante do que o
caso de um único principal e um único agente. Nas próximas duas seções abor-
daremos essas duas questões, estudando casos complementarmente diferen-
tes de impacto da distribuição de ativos sobre a produção da equipe e a gerência
local de recursos comuns.

5. Restrições de riqueza e reivindicação residual na produção


em equipe

Em muitos casos, os indivíduos contribuem conjuntamente para um


resultado comum ou um bem comum – em fábricas, vizinhanças, entre outras.
Nessa seção exploramos os efeitos de eficiência de se determinar a situação da
reivindicação residual e, portanto, analisar os proprietários dos ativos em equi-
pe ao invés de produtor individual. Existem muitos efeitos riqueza em tais ca-
sos? Nós podemos supor que não, já que a reivindicação residual deve ter um
pequeno efeito sobre o comportamento de cada membro da equipe, uma vez
que a quota de cada um no produto comum é somente uma pequena parte do
todo. Esse é o caso, por exemplo, de uma equipe de n produtores com a mesma
participação, onde os membros recebem simplesmente 1/n da sua contribuição
individual ao produto total. Mais complexo, mas não muito diferente é o caso
dos residentes em uma determinada vizinhança. Os moradores que pagam alu-
guel não internalizam a valorização do ativo resultante do seu esforço para
manter amenidades comuns tais como: ruas limpas, boas escolas e segurança

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 201
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

pessoal. Entretanto, mesmo entre os proprietários, somente capturam parte


desses benefícios aqueles associados com o valor estimado do seu próprio
imóvel – enquanto que muitos dos benefícios das amenidades do bairro,
resultantes de melhorias comunitárias, são conferidos aos proprietários
das casas vizinhas.
De acordo com dois resultados padrões, o problema básico do “carona”
no modelo de principal-agente múltiplo pode ser analisado sem apontar a rela-
ção de propriedade dos ativos nos membros da equipe. O primeiro, devido a
Alchian e Demsetz (1972), mostrou que a reivindicação residual deve ser atribu-
ída a um indivíduo designado para monitorar os membros da equipe, de tal
forma a assegurar a compatibilidade dos incentivos para a (não-contratável)
atividade de monitoramento em si, bem como fornecer ameaças por meio de
demissão para aqueles membros que se utilizam do expediente de “carona”.
Esta visão da “firma clássica”, como eles a chamam, pode ser contrastada com
uma visão alternativa na qual os membros da equipe são reivindicantes residu-
ais e seu monitor contratado, eles devem ter um, é induzido a trabalhar por outra
coisa que não a reivindicação residual. Alchian e Demsetz endossam o primeiro
enfoque baseados na seguinte hipótese: “nós assumimos que se a repartição de
lucro tem que ser confiada a todos os membros da equipe, as perdas ocasiona-
das pelo resultante aumento da negligência da supervisão central excederá os
ganhos do produto do aumento nos incentivos dos outros membros da equipe
que não faltam ao dever”. (1972):786 conforme foi visto, sua confiança sobre o
chamado “problema 1/n” para motivar essa hipótese não é inteiramente adequa-
da. Afora isso, a firma clássica que eles descrevem não é uma descrição cuida-
dosa da forma como as convencionais firmas capitalistas – exceto para aquelas
muito pequenas – encaram o problema do monitoramento, uma vez que poucos
desses monitores são reivindicantes residuais.
A segunda aproximação, pioneiramente estudada por Hölmstron (1982),
mostra que em modelos de principal-agent múltiplos pode-se alcançar situa-
ções de eficiência ou qualquer coisa próxima a isso por meio de contratos que
efetivamente fazem com que os membros da equipe sejam reivindicantes resi-
duais sobre os efeitos de suas próprias ações sem conferir direitos de proprie-
dade a eles. Contratos desse tipo tipicamente impõem grandes penalidades aos
trabalhadores que fogem ao dever e requerem grandes pagamentos adiantados
por parte dos agentes, ou eles pagam a cada membro da equipe o produto
completo da equipe menos uma constante e assim, na presença de influências
estocásticas sobre a produção, vincula pagamentos negativos em alguns perío-
dos. Nós consideramos estes acordos factíveis nos casos onde os membros da
equipe têm riqueza limitada.
A aplicabilidade limitada da abordagem proprietário-monitor e os contra-
tos ótimos proveem uma motivação para explorar a relação entre a posse do
ativo, a reivindicação residual e a eficiência alocacional nas equipes. A outra
motivação é empírica. Existe alguma evidência de que reivindicação residual em
grupo é eficaz, se comparada com pagamentos não relacionados ao produto do

202 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

grupo, mesmo em equipes muito numerosas (Hansen 1997, Craig e Pencavel


1995). Não é surpreendente, como Coleman (1988) nos lembra, que membros
de equipes de esporte se esforçam tão avidamente quanto os competidores
individuais. Semelhantemente, nós não acreditamos que os jogadores de fute-
bol façam mais “corpo mole” do que os jogadores de basquetebol simplesmente
por causa das diferenças nos tamanhos dos times. Assim, nós necessitamos
reconsiderar o problema 1/n, isto é, a relação entre os efeitos de reivindicação
residual e o tamanho da equipe.
A localização da reivindicação residual mesmo em grandes equipes pode
ter efeitos positivos sobre os incentivos, desde que os membros da equipe
possam ter acesso a informações priviligiadas no que diz respeito às atividades
dos outros membros da equipe, e possam ter recursos para disciplinar os maus
trabalhadores e recompensar o trabalho duro daqueles trabalhadores que se
empenham. Como reivindicador residual, além disso, os membros da equipe
podem ter incentivo para usar essa informação e exercitar seu poder de sanção.
Assim, enquanto Alchian e Demsetz estão corretos em dizer que a reivindicação
residual em equipes numerosas não reduz substancialmente o incentivo ao
efeito “pegar carona”, ela pode impor expedientes de sancionamento e, portan-
to, desencorajar o efeito “carona” por meio do mecanismo de monitoramento
mútuo. 27 Aplicar sanções aos companheiros de equipe é custoso, e se os bene-
fícios de modificar o comportamento dos membros da equipe forem distribuí-
dos entre um grupo suficientemente grande, o monitoramento mútuo pode de-
sembocar num problema do carona tão intratável quanto o problema de incen-
tivo que ele tentava resolver.
Entretanto, nós pensamos que essa avaliação é excessivamente negati-
va. Nessa seção mostraremos que a reivindicação residual por membros de uma
equipe pode fornecer incentivos suficientes para o monitoramente mútuo e,
assim, sustentar altos níveis de desempenho da equipe. O elemento-chave para
esse caso, o qual foi elucidado pelas recentes contribuições de Kandel e Lazear
(1992), Besley e Coate (1995) e Rotemburg (1994) é que nossos modelos são
baseados na forma como podem ser estipuladas as preferências sociais, que
enquanto são nada convencionais entre os economistas, acreditamos que são
fortemente sustentadas pelos experimentos recentes e outras pesquisas.
Nós assumimos que embora os membros de uma equipe observem as
atividades de produtividade uns dos outros, eles não têm acesso legal às infor-
mações a respeito das outras ações e, portanto, não podem desenhar contratos
obrigatórios sobre elas. Nós também assumimos que os bens de capital estão
sujeitos a depreciação a uma taxa determinada pelas ações não-contratáveis
dos agentes que controlam o seu uso, de tal forma que as ineficiências surgem,

27
Alguns modelos de monitoramento mútuo são apresentados em Varian (1990), Kandel e Lazear (1992), Wissing e
Ostrom (1991), Dong e Dow (1993b), Dong e Dow (1993 a), e Banerjee, Besley e Guinnane (1994). Outros modelos de
incentivos em equipes incluem Hölmstrom (1982), McAfee e McMillan (1991), Legros e Matthews (1993), Besley e
Coate (1995) e Rotemburg (1994).

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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

geralmente, da separação do direito de posse do controle do estoque de capital.


Em particular, transferir reivindicação residual, mas não propriedade de ativos
para uma equipe criar incentivos para o time deprecia esses ativos, pode ter o
custo muito mais do que compensado pelos ganhos do monitoramento mútuo. 28
Assim, surgem custos proibitivos se a reivindicação residual está separada da
posse: a equipe não pode alugar os seus bens de capital, nem pode o proprietá-
rio dos bens de capital da equipe contratar a equipe de trabalhadores usando
reivindicação residual ao invés de salários como uma forma de incentivo.
Nessa situação nós mostramos que:

• sob condições apropriadas, a atribuição de reivindicação residual para


membros de uma equipe atenuará os problemas de incentivo no que
diz respeito ao desempenho das ações não-contratáveis dos mem-
bros mesmo quando a equipe é numerosa.

O monitoramento mútuo baseado em reivindicação residual aparenta


eficácia na regulação de recursos comuns tais como indústrias de pescado, a
irrigação e as terras de pastagem (Oltrom, 1990), na regulação do esforço do
trabalho em cooperativas (Craig e Pencavel, 1995; Greenberg, 1986) e na
obrigatoriedade dos contratos de crédito sem colateral (Hossain, 1998). Estu-
dos experimentais (Frohlich, Godard, Oppenheimer e Starke 1997) fornecem
suporte adicional para os efeitos da reivindicação residual na indução de meno-
res custos de supervisão e alta produtividade em (pequenas) equipes de traba-
lho. Ademais, o fato de nos Estados Unidos da América o proprietário de uma
residência ter uma participação significante nas organizações comunitárias e
nas políticas locais (mas não tão significativamente nas políticas nacionais) bem
como ter disposição para monitorar e aplicar sanções a vizinhos que transgri-
dam as normas sociais, sugere que a reivindicação residual pode prover incenti-
vos para monitoramento mesmo em situações complexas e em grandes grupos
(Verba, Schlozman e Brady (1995): 453; Sampson, Raudenbush e Earls (1997)).
Duas características comuns de monitoramento mútuo são
inquestionáveis: a informação que diz respeito às ações não verificáveis dos
membros da equipe disponível para outros membros da equipe, e o papel da
reivindicação residual na motivação dos membros para adquirir e usar essa
informação de tal forma a aumentar a produtividade. Menos claro é que a manei-
ra na qual a reivindicação residual motiva o monitoramento custoso em grupos
de grande tamanho.29
28
Obviamente, em casos especiais a diligência ao estoque de capital pode ser especificada no contrato, e nossa objeção não
tem força. Essa situação surge raramente para muitos bens de capital que são possuídos pelas firmas ao invés de alugados.
29
O problema de motivar os monitoramento de colegas não surgiria, claro, se os membros da equipe fossem altruisticamente
beneficiados em direção ao companheiro de equipe. Nesse caso, os membros simplesmente internalizariam os benefícios
conferidos aos outros pelo seu monitoramento. Rotemburg (1994) desenvolveu um modelo desse tipo. Mais geralmente, Robert
Frank escreve: "Em regime de participação nos lucros planos, o prejuízo causado por um ato de vadiagem afeta não somente
os acionistas da firma, mas também os colegas de trabalho. Trabalhadores individuais que se preocupam com seus colegas
de trabalho relutarão em impor esses custos (...) mesmo quando é impossível para os colegas observarem os atos de vadiagem."
(1991):168. Nesse sentido, se os membros de uma equipe fossem altruístas, não existiria problema de "carona".

204 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Muitos tratamentos estão limitados a pequenos grupos (Stiglitz, 1993)


ou apoiados em designações não explicadas de benefícios para colegas monitors
(Wissing e Ostrom, 1991).30
Entretanto, estes e outros experimentos de bens públicos fornecem
um fundo motivacional para o monitoramento mútuo baseado em reivindi-
cação residual: as pessoas estão dispostas a incorrer em custos para punir
aqueles indivíduos de quem eles sofreram prejuízos ou algum tipo de mau
trato.31 Em experimentos de bens públicos, estruturados para motivar os
indivíduos a se engajarem em dispêndios com punição de tal forma a punir
aqueles que contribuíram pouco em períodos anteriores, a punição é im-
posta, e os níveis moderados de contribuição tipicamente observados no
início tendem a aumentar em períodos subseqüentes até próximo do nível
máximo, ao invés de declinar para níveis insustentáveis como no caso de
não punição (Fehr e Gächter, 1996; Fehr e Tyran, 1996).32
Uma extensa parte da evidência empírica demonstra a existência de pro-
pensão a punir, e mostra que sob condições apropriadas ela é suficientemente
forte para induzir cooperação entre os membros da equipes que se defronta
com os problemas de “carona”. A disposição para punir afigura-se como a parte
mais complexa da síndrome de comportamento, a qual chamamos imparcialida-
de recíproca: a propensão dos indivíduos a abordar interações estratégicas que
envolvam problemas de “carona” em equipes que têm propensão a cooperar,
para responder a cooperação dos outros. Isto é corroborado pelas evidências
empíricas, que indicam que em praticamente todos os cenários experimentais,
uma determinada fração dos indivíduos não revida, seja porque eles são
egocêntricos ou porque são puramente altruístas.33
Para observarmos como funciona o monitoramento mútuo, considere-
mos um grupo com n integrantes, onde cada um pode ou trabalhar, suprindo
uma unidade de esforço, ou esquivar-se de trabalhar, suprindo uma unidade de
esforço zero. Nós assumimos que os membros da equipe estão em nível de
igualdade como reivindicadores residuais pela produção da equipe, mas que
pode haver outros participantes desses resíduos que estão fora da equipe (por
exemplo, acionistas que não trabalham na produção, ou o governo que tributa a
produção). Para simplificar, se nos referirmos a i, ou j, assumimos que eles são

30
Dong e Dow (1993b), Legros e Matthews (1993) assumem que a equipe pode impor coletivamente sanções materiais sobre os
membros que não cumprem com as suas obrigações. Nós evitamos essa solução porque ela não é clara uma vez que isso não pode
ser simplesmente copiado pelo proprietário de uma firma tradicional. Dong e Dow (1993a) assumem que a "vadiagem" pode ser
controlada por ameaças aos trabalhadores não vádios de saída da equipe. Nós evitamos essa solução porque a ameaça de demissão
somente é crível se os membros da equipe têm posições de reserva muito sólidas (no modelo de Dong e Dow isso toma a forma de
produção independente).
31
Coleman (1988) desenvolve o ponto paralelo que o efeito "carona" em rede pode ser evitado se os membros da rede provêem
recompensa para cooperação. Kandel e Lazear (1992) desenvolveu um modelo similar ao nosso, mas eles fazem hipóteses especiais
que os leva a concluir que os benefícios do monitoramento mútuo necessariamente declina com o tamanho crescente da equipe.
32
A habitual rejeição observada de ofertas positivas substanciais nos jogos experimentais de ultimato (Camerer e Thaler, 1995) é
consistente com essa interpretação, mas é menos diretamente análoga no caso da produção da equipe.
33
Para um exemplo claro, ver Blount (1995). Fehr e Schmidt (1997) apresentam um levantamento das taxas de rejeição
em jogos de ultimato.

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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

membros de equipe em {1,...,n}, a mesmo que seja dito o contrário, e que, ao


nos referirmos a i e a Q, assumimos que i ≠ j. Nós assumimos que os agentes têm
funções lineares.
Seja σj a probabilidade de que um membro j se esquive de trabalhar. O
valor do produto líquido da equipe dos custos não trabalho, Q, é simplesmente
o número de trabalhadores (isto é, trabalhadores não “vadios") vezes q, o produ-
to médio (e marginal) do esforço, que podemos escrever como

Q = (n + 1) (1 –σ)q ,
onde é a probabilidade que um membro vadie. O payoff de cada membro é
αQ
y + -------------- = y + (1 –σ)αq,
n+1

onde α∈[0,1] é definido como a participação residual da equipe, e y é o salário


dos membros da equipe recebidos em resposta a sua participação nesse resí-
duo. A perda para a equipe de um membro vagabundo é αq. O ganho para um
indivíduo que se esquiva de trabalhar é b > 0, a desutilidade do esforço. Nós
assumimos que q ≥ b.
Estudemos primeiro o comportamento de um único membro, digamos
(n + 1)-ésimo membro, o qual está decidindo se oferta esforço quando se
defrontar com o comportamento de monitoramento dos outros n membros da
equipe. Nós chamamos o membro único de “fornecedor” e os demais de
“monitores”. Nossas conclusões são baseadas no tratamento idêntico de to-
dos os membros, onde cada um deles é tratado como um fornecedor, e n vezes
como um monitor. Um monitor pode ou inspecionar o fornecedor (I) ao custo
ci > 0, ou confiar (não monitorar) no fornecedor ( T ) a um custo zero. Se o
monitor i detecta que o fornecedor está se esquivando, ele impõe um custo si >
0 sob a “vadiagem”. O custo pode incluir desaprovação pública, afastamento
ou coisa semelhante.
Nós capturamos o incentivo para o monitor inspecionar o fornecedor
supondo que o monitor i experimenta um ganho subjetivo de ρ i (α) ≥ 0 de disci-
plinar um fornecedor em que ele detecte a “vadiagem”, que ocorre com probabi-
lidade pi se o fornecedor está se esquivando, e zero em caso contrário.34 Porque
o fornecedor que se esquiva do trabalho acarreta um custo para os membros da
equipe proporcional a α, nós assumimos que ρ i (0) = 0 e
ρ α (α) > 0 para todo i = 1,...,n. Nós chamamos ρ α (α ) a propensão do monitor i de
punir os preguiçosos.35

34
Note que, diferentemente de participação de um membro na receita líquida de uma firma, o ganho subjetivo de punição
não declina com o tamanho da equipe. Nós motivamos essa hipótese e discutimos os efeitos do tamanho da equipe abaixo.
35
Por simplicidade, assumimos que a propensão a punir de um agente, ρ i , não é afetada pelas propensões a punir ou as taxas
observadas de punição de outros membros da equipe. Substituindo esse fato pela hipótese de que as propensões a punir são
positivamente relacionadas, abre a possibilidade de equilíbrios múltiplos, alguns envolvendo altos níveis de punição e outros
baixos. Nós não exploramos essa alternativa.

206 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Seja µi , i = 1,...,n a probabilidade com que o monitor i inspeciona,


seja σ a probabilidade do fornecedor se esquivar do trabalho, e seja Es a
punição esperada imposta sobre o fornecedor pelos monitores se ele vadi-
ar. Claramente, temos
n

Es = ∑ pi µi si , (26)
1

O ganho esperado de se esquivar do trabalho é dado por

αq
b – ––––– – Es. (27)
n+1

Nós assumimos que o fornecedor se esquiva com certeza se ele ganha


com a vadiagem, e trabalhará com certeza se o custo de se esquivar do trabalho
excede os benefícios.
Se um monitor inspeciona um fornecedor a probabilidade de detectar
vadiagem é σpi , então o custo líquido de inspecionar sobre confiança é

ci – σpi ρ i (α). (28)

Claramente se b < αq /(n + 1) então existe um equilíbrio de Nash eficiente


de Pareto, onde o fornecedor trabalha e todos os monitores confiam. Este é o
caso onde a reivindicação residual sozinha oferece incentivos suficientes para
assegurar eficiência.
Este caso não é de interesse, entretanto, nós supomos de agora em
diante que b > q /(n + 1), mesmo com reivindicação residual total, a vadiagem é
a melhor resposta individual na ausência de monitoramento. Nesse caso, não
existe um equilíbrio de Nash com vadiagem zero, desde que se σ = 0, então de
(28) o custo líquido de inspecionar sobre confiança positivo, logo µ = 0. Mas
então (27) é estritamente positiva garantindo que σ =1 , o que é uma contradição.
Também, estamos interessados no equilíbrio de Nash no qual 0 < 1, ou nenhuma
produção acontece. Assim, nós temos que investigar condições sob as quais
0 < σ < 1 e um equilíbrio de Nash. Nesse caso (27) é zero e nós temos

αq
b – –––––– = Es. (29)
(n + 1)

Dado que σ > 0, a equação (28) implica que ou µi = 1 (o monitor i inspe-


ciona com certeza), que ocorre quando ci < σpi ρ i (α), ou µi = 0 (o monitor i não
inspeciona), que ocorre com ci > σpi ρ i (α), ou finalmente 0 < µι < 1, que ocorre
quando ci = σpi ρ i (α), ou equivalentemente,

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 207
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

ci
σ = ––––––– (30)
pi ρ i (α)

Considere o caso onde os monitores são homogêneos, então ci = c, pi = p,


ρ i (α) = ρ (α), e si = s para i = 1,...,n. Nesse caso, Es = npµs e nós temos:

Teorema 14. No caso de monitores homogêneos, se c < pρ (α),


(a) existe um único equilíbrio de Nash com estratégias mistas no qual o fornecedor se esquiva
de trabalhar com probabilidade
c
σ = –––––– (31)
pρ (α)

e cada monitor inspeciona com probabilidade

b – αq/(n + 1)
µ = –––––––––––––– ; (32)
nps

(b) a incidência da vadiagem declina com o aumento da reivindicação residual e é indepen-


dente do tamanho da equipe;
(c) a diferença de bem-estar social por membro equipe entre um primeiro melhor no qual
ninguém se esquiva ao trabalho e o equilíbrio desse jogo é σq , o qual é declinante no grau
de reivindicação residual e é independente do tamanho da equipe.
A intuição por trás desse teorema é a seguinte. Quando σ é maior do que
o seu valor de equilíbrio (31), os benefícios de inspecionar σpρ excede os custos
c. Monitores que inspecionam com alta probabilidade receberão pagamentos
maiores do que os monitores que inspecionam com baixa probabilidade, indu-
zindo o último a aumentar sua probabilidade de inspeção. Como a probabilida-
de de inspeção aumenta, os ganhos de se esquivar ao trabalho declinam, levan-
do os fornecedores a reduzir σ. Esta dinâmica continuará até que a equação (31)
seja satisfeita. Uma dinâmica similar ocorre quando é menor do que o seu valor
de equilíbrio. Quando µ é maior do que seu valor de equilíbrio (32), os custos de
punição µnps excedem os benefícios b – αq / (n +1). Os fornecedores que
trabalham com alta probabilidade receberão pagamentos maiores do que os
fornecedores que vadiam com alta probabilidade, induzindo o último a reduzir a
sua taxa de vadiagem. Como a taxa de vadiagem declina, os ganhos para inspe-
cionar declinam, levando os monitores a reduzir µ. Esta dinâmica continuará até
que a equação (32) seja satisfeita. Uma dinâmica similar ocorre quando µ é
menor do que o valor de equilíbrio dado por (32).
A parte (b) é verdadeira pela equação (31) devido ao fato de a propensão
a punir preguiçosos crescer com a participação residual. A parte (c) é verdadeiro
pela seguinte razão. Com ausência de vadiagem, o excedente líquido por mem-

208 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

bro da equipe é simplesmente q – b . Quando todos os membros se esquivam ao


trabalho com probabilidade σ, o produto é reduzido a σp por membro, e devido
ao fato de que os ganhos esperados de vadiar e trabalhar são iguais, todos
passaram a experimentar a desutilidade de trabalho b. Em seu papel como
monitores, a confiança incorre na ausência de custos e não produz benefícios
de tal forma que em equilíbrio os monitores experimentam ausência de ganhos
liquidos. O excedente líquido do membro por equipe é assim (1 – σ) q – b, do
qual os resultados seguem.
Deve ser notado que é plausível tratar ρ como sendo uma função
decrescente do tamanho da equipe, sob o argumento de que a força da
síndrome da imparcialidade recíproca pode se enfraquecer à medida que a
equipe torna-se grande e, assim, a propensão a punir qualquer ato de vadi-
agem cairá. Ao que se sabe, não existem evidências claras que sustentem
essa noção, existindo muitos fatos estilizados contradizendo esse fato. Por
exemplo, as pessoas torcem pelas suas equipes locais, suas equipes de
regionais, e suas equipes nacionais com igual dedicação.
Existem, é claro, caminhos adicionais por meio dos quais o aumento do
tamanho da equipe pode enfraquecer o mecanismo de monitoramento mútuo.
O aumento de n pode reduzir o custo s que um monitor aplica a um trabalhador
vadio, desde que a “distância social média” entre um par de trabalhadores pode
aumentar à medida que a equipe torna-se mais numerosa. Fica claro (31) que
reduzindo p reduz-se a eficiência da equipe, enquanto que a equação (32) mos-
tra que ambos os mecanismos levam a um aumento no nível de monitoramento
requerido para se prevenir a vagabundagem. Desde que uma mudança em µ não
afete a eficiência do sistema, nós somente investigaremos o efeito anterior.
Para modelar a relação entre o tamanho da equipe e a probabilidade de
detecção de esquivamento do trabalho de uma maneira plausível, dispensare-
mos a nossa hipótese de homogeneidade. Nesse sentido, assumiremos que
para qualquer dois membros da equipe i e j, ou i pode ver j, o que nós escreve-
mos como i → j ou i não pode ver j, o que nós escreveremos como i + j.
Suponha que se j vadie e i inspeciona j, a probabilidade de i detectar j se esqui-
vando ao trabalho é p se i → j, e zero em caso contrário. Suponha em todas as
outras considerações, o modelo é descrito conforme acima. Então nós temos

Teorema 15. Suponha que existe um inteiro k ≥ 1 tal que quando o tamanho da equipe
n ≥ k aumenta, cada membro vê exatamente os k outros membros da equipe. Então as
asserções do Teorema 14 se verificam, com k substituindo n no denominador de (32).
Na seção 2 nós resenhamos as vantagens de estabelecer-se a reivindica-
ção residual e, portanto, a posse dos ativos para os agentes tomadores de
decisões não-contratáveis relacionadas com a produção, com a prescrição de
eficiência alocativa resultante, onde todos os agentes são avessos ao risco,
aqueles que controlam as ações não-contratáveis devem também possuir os
resultados das suas ações, exigindo assim, que os produtores mantivessem os

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 209
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

seus ativos relevantes. Nessa seção nós perguntamos sob que condições a
lógica dessa prescrição pode se estendida do caso de produtores individu-
ais para produtores em equipe. Encontramos que o mecanismo de imparci-
alidade recíproca pode operar mesmo em grandes equipes, de tal forma que
mesmo em equipes numerosas o caso de eficiência alocativa para a reivin-
dicação residual e, portanto, a manutenção de ativos pelos membros da
equipe, não seja necessariamente enfraquecida.
Nós vimos na seção 2 que os produtores desprovidos de riqueza
podem ser impedidos de adquirir a propriedade de ativos produtivos e isso
obviamente impede que membros não ricos de equipes produtivas adqui-
ram a propriedade necessária para pagar um monitoramento mútuo eficaz.
Poderíamos perguntar se a atribuição de reivindicação residual competiti-
vamente determinada e o controle são ineficientes no sentido de que a
redistribuição indutora de produtividade dos ativos do tipo definido na
introdução pode ser possível. Esta questão não pode ser adequadamente
analisada sem se eliminar a hipótese geral de neutralidade ao risco.
Nós temos assim que levar em consideração o fato de que aqueles agen-
tes com riqueza limitada são provavelmente avessos ao risco, e a conseqüência
de que as melhoras alocacionais que podem ser facilitadas por uma redistribuição
igualitária de ativos, pode ser compensada pelas distorções alocacionais ocasi-
onadas pela aversão ao risco dos agentes desprovidos de riqueza. Veremos que
isso é realmente o caso para uma grande classe de problemas.

6. Desigualdade inicial de ativos e cooperação comunitária

Um dos importantes, talvez um pouco negligenciado, caminhos nos quais


a desigualdade de ativos pode afetar a eficiência econômica é por meio do poder
de influência na probabilidade de cooperação na gerência dos bens públicos
comunitários, que varia de seguros pessoais e regras de boa convivência na
vizinhança em áreas residenciais urbanas até situações de recursos públicos
comuns. Em particular, o sustento diário de uma vasta massa de pobres rurais
em muitos países depende do sucesso com o qual os recursos comuns (CPRs)
– tais como florestas, áreas de pastagens, indústrias de pescado e água de
irrigação – são gerenciados, e as conseqüências ambientais da sua gerência. A
CPR é definida por Ostrom (1990), p. 30, como “um sistema de recursos naturais
ou feitos pelo homem que é suficientemente grande e que é custoso (mas não
impossível) excluir beneficiários potenciais da obtenção de benefícios do seu
uso”. Existem vários exemplos documentados de cooperação sobre CPRs ao
nível local bem sucedidos em diferentes partes do mundo – ver Ostrom (1990)
para mais exemplos – mas existem também numerosos casos de falha de coo-
peração. Entender os fatores que levam ao sucesso ou ao fracasso do
gerenciamento comunitário desses recursos é parte mais crítica.

210 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

O gerenciamento do CPR é um dilema de ação coletiva: uma situação na


qual a cooperação mútua é coletivamente racional para o grupo como um todo,
mas a cooperação individual pode não ser racional para cada membro. Um fator
que nem sempre tem sido reconhecido como crítico para o resultado dos dile-
mas de ações coletivas é a heterogeneidade entre os jogadores. Sendo assim,
nossa atenção nessa seção estará, é claro, fortemente restrita por um único tipo
de heterogeneidade: desigualdade de ativos.
Olson (1965) fez a hipótese de que a desigualdade pode ser benéfica
para a provisão do bem público:

Em grupos menores marcados por considerável grau de desigualda-


de – isto é, em grupos com membros de “tamanho” desigual ou
amplitude de interesse no bem coletivo – existe uma grande proba-
bilidade de que o bem coletivo seja provido; quanto maior o interes-
se de um membro no bem coletivo, maior será a probabilidade desse
membro de conseguir uma proporção significante do benefício total
do bem coletivo que ele ganhará desde que o bem seja provido,
ainda que ele tenha que pagar todos os custos. (p. 34)

A desigualdade, nesse contexto, pode assim facilitar a provisão do bem


coletivo, com pequenos jogadores “pegando carona” na contribuição dos maio-
res. Sustentando essa posição, Bergstrom, Blume e Varian (1986) mostram que,
numa estrutura muito geral, as redistribuições que aumentam a riqueza de um
contribuidor positivo para o bem público levarão o último a demandar mais
(e, portanto, sustentar um aumento na oferta) do bem público.36 Estas análises
da oferta de bens públicos são relevantes para a conservação entre os utilizadores
do CPR. Restrições no uso do recurso é analiticamente equivalente a contribuir
para um bem público. Seguindo esses estudos, nós esperaríamos que o grupo
heterogêneo fosse conduzido para a gerência efetiva dos CPRs.
Não obstante, os estudos de campo da gerência do CPR têm mostrado
com freqüência que a relação entre a desigualdade e a ação coletiva é mais
complexa. Bardhan (1995) revê a literatura de estudos de caso considerando a
relação entre a desigualdade e a cooperação dos sistemas de irrigação localmen-
te gerenciados, primeiramente na Ásia, e encontra que enquanto a igualdade
tende, em muitos casos, a favorecer as gerências, as estruturas tradicionais de
autoridade altamente desiguais podem também servir de companheiros eficien-
tes dos recursos. Baland e Plateau (1997), do mesmo modo, sumarizaram mui-
tos exemplos relevantes da literatura de estudos de caso; eles focaram mais
sobre as florestas, a indústria de pescado e as áreas pastagens e sobre os casos
africanos. Em um estudo econométrico dos determinantes da cooperação em
104 comitês camponeses locais no Paraguai, Molinas (1998) mostra que a rela-

36
Chan, Mestelman, Moir e Muller (1996) salientam que quando o modelo de Bergstrom-Blume-Varian é testado em labora-
tório, ele corretamente prediz a direção (não a magnitude) da mudança nas contribuições do grupo quando a renda é
redistribuída em direção ao contribuidor positivo. O trabalho não tem uma boa predição do comportamento individual:
indivíduos com baixa renda contribuem em excesso para o bem público, e indivíduos de alta renda contribuem pouco.

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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

ção entre desigualdade da distribuição de terra e desempenho cooperativo (em


atividades que incluem a gerência de CPR e provisão de bens locais públicos)
tem um formato de U. Recorrendo a recursos da análise teórica e empírica,
Baland e Platteau mostram que a desigualdade no uso dos direitos de posse
dos recursos tem um impacto ambíguo sobre a eficiência do resultado de
equilíbrio no caso completamente não regulado. No entanto, no caso regu-
lado, a desigualdade não é uma regra que faz com que a regulação da propri-
edade comum seja fácil.
No resto desta seção proveremos alguns argumentos teóricos simples e
gerais para analisar os efeitos da desigualdade de ativos sobre a cooperação
dentro de um grupo, e para tanto utilizaremos o modelo de Dayton-Johnson e
Bardhan (1997). Embora o modelo seja expresso em termos da indústria de
pescado, os resultados qualitativos devem ser, em princípio, transferidos para o
caso de outras CPRs. Em modelo não-cooperativo de dois jogadores explora-
mos as condições necessárias e suficientes para que a conservação do recurso
seja um equilíbrio de Nash, e mostramos que,
• contrário à implicação da hipótese de Olson, aumentos da desigual-
dade, em geral, não favorecem a conservação total. Entretanto,
• uma vez que a desigualdade é suficientemente grande, tal desigualda-
de pode empurrar os jogadores para a eficiência.
Assim, o modelo teórico pode gerar, para relação entre a desigualdade e
a eficiência econômica, uma curva em formato de U.
Nas seções precedentes focamos sobre uma estrutura de incentivos e
restrições que surgiam de escolhas de contratos por deliberação. Nessa seção,
ao contrário, a estrutura pode ser considerada mais como uma norma. A norma
é vista como auto-sustentável se ela é um equilíbrio de Nash num jogo de
movimentos simultâneos. O jogo é caracterizado por mercados com informação
completa, entretanto, é incompleto porque é difícil restringir o acesso aos recur-
sos comuns (o mercado incompleto nas seções prévias surge porque algumas
ações que afetam os ganhos de trocas são de informação privada).
Considere um lago no qual os peixes nascem na primavera e tornam-se
adultos no outono. Se os pescadores têm acesso ao lago, é eficiente para eles
cooperar, esperando até o outono para pescar o peixe. No entanto, um pescador
pode burlar as regras e pescar na primavera, quando não existe competição de
outros pescadores. Sabendo disso, pode ser lucrativo para o segundo pescador
fazer o mesmo. Além do mais, se um pescador sem riqueza não pode competir
efetivamente contra o pescador rico, cooperar nunca é uma melhor resposta
para pescador sem riqueza. Portanto, o resultado eficiente pode exigir um nível
considerável de igualdade de riqueza. Por outro lado, se houver uma grande
desigualdade de riqueza, pode-se chegar próximo da produção eficiente, sim-
plesmente porque o pescador mais pobre tem meios para capturar apenas uma
pequena parte do estoque de peixes do lago na primavera.

212 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Suponha que os pescadores sejam indexados por i = 1,2 , e que cada


pescador i tenha riqueza dada por ωi > 0 . Isso representa a capacidade que os
bens de capital do pescador (barcos, varas de pesca, anzóis etc.) têm de capturar
peixes, medida pelo número de unidades de peixes obtidos num período. Exis-
tem dois períodos t = 1,2 (primavera e outono) nos quais cada pescador pode
exercer toda a sua capacidade para explorar o lago.
Suponha que F seja o estoque de peixes do lago. No primeiro período, o
pescador i deve optar pelo uso de uma parte k i de sua riqueza ωi e, portanto,
k i ≤ ωi. A produção de peixes será então dada por:

ki
φ= kf i
––––––
k1 + k2

para k1 + k2 ≤ F.
A intuição diz que se a captura total for menor do que F, os pescadores
poderão pescar até o limite de sua capacidade, em caso contrário, os pescado-
res compartilharão F na proporção das respectivas capacidades que eles empre-
gam para explorar o lago.
Entre a primavera e o outono, a quantidade de peixes cresce a uma taxa
g > 0, de tal modo que no período 2 a oferta de peixe é (1 + g)(F – φ1 – φ2 ).37
Assumimos que não existam descontos futuros, de tal modo que a utilidade
de cada pescador seja simplesmente o total de peixes que ele captura. Nesse
sentido, pode-se observar que para qualquer resultado eficiente não ocorrerá
pesca no período 1.
No segundo período, cada pescador i tem que novamente empregar
parte de sua riqueza ωi para explorar o lago. Dessa forma, nós elaboramos a
seguinte hipótese:

ω = ωi + ω2 > (1 + g) F (35)

onde ω = ωi + ω2 é a riqueza total dos dois pescadores.


Isso assegura que a ameaça de degradação do recurso natural é suficien-
temente aguda. Alternativamente, a equação (35) pode ser interpretada como
uma condição de viabilidade: os pescadores têm condições de capturar o cardu-
me inteiro se assim desejarem. No entanto, a ação do pescador no período 1
afetará o seu resultado no período 2 e vice-versa. Desta forma, nós nos concen-
tramos sobre as ações do pescador no primeiro período. Uma estratégia para
cada pescador é simplesmente a escolha da capacidade ki no primeiro período,
então uma estratégia para o jogo é um par {k1, k2 } . Nesse sentido, temos

37
Se g fosse negativo, não haveria nenhum dilema. O depauperamento do estoque no primeiro período seria um equi-
líbrio ótimo.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 213
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

Teorema 16. A estratégia {0,0} na qual nenhum pescador pesca no primeiro período
é um ótimo de Pareto.
Nós chamamos essa situação de um primeiro melhor.
A meta de conservação das indústrias de pescado é reduzir a pesca para
algum nível de tal forma que o estoque remanescente no final de todo o período
seja suficiente para garantir a sobrevivência da população de peixe. Em nosso
modelo simples, em que o nível é normalizado para zero no primeiro período.
O segundo período prolonga-se para o final dos horizontes econômicos rele-
vantes dos pescadores.38
O seguinte teorema aponta as condições sob as quais o resultado menos
eficiente é um equilíbrio de Nash.39
g
Teorema 17. Se ωi > −−−−−− F para i = 1,2, então {ω1, ω2 } {isto é sangria completa
1+g
de recursos} é um equilíbrio de Nash.
Se a desigualdade no Teorema 17 se verifica, cada pescador tem capaci-
dade suficiente de tal forma que se um outro pescador pescar na primavera,
reduzindo, portanto, a quantidade de pescado no outono, a melhor resposta
para ele é também pescar na primavera, repartindo o excedente ainda não pesca-
do. Note, em particular, que o Teorema 17 se verifica quando ωi > F para
i = 1,2, então cada pescador pode unilateralmente pescar o lago todo. Quando é
que a conservação total é um equilíbrio de Nash?

Teorema 18. Conservação total é um equilíbrio do modelo se, e somente se


ω
ωi ≥ −−−−−−− para i = 1,2.
1+g
Para ver porque isso é verdadeiro, suponha que o pescador 2 conser-
ve. Então para toda unidade que o pescador 1 pescar no primeiro período,
ele renuncia a (1 + g )ω1/ω no segundo. Assim, (1 + g )ω1/ω ≥ 1 o limiar
acima do qual o pescador 1 conservará, condicionado na conservação por
parte do pescador 2.
Esse teorema sugere o seguinte corolário. Seja
∆(ω ) = {ω1’, ω 2’)|ω1’, ω 2’ ≥ 0 e ω1’ + ω 2’ = ω}.

38
Nesse modelo nós nos abstraímos do problema das taxas de desconto com o objetivo de focar mais claramente sobre os incentivos
necessários para conservar um recurso. Formalmente, a taxa de desconto seria subtraída de g, a taxa de regeneração do recurso.
Se a taxa de desconto é maior do que g, a sangria da indústria de pescado é ótima e a conservação não é economicamente racional.
Além do mais, como vimos acima, é razoável supor que cada taxa de desconto do pescador é uma função decrescente da sua riqueza.
Nesse caso, quanto mais desigual a distribuição de dotações, mais difícil será a sustentação da conservação universal do recurso.
Levando em conta que a alta taxa de preferência no tempo do pescador pobre é equivalente a situação na qual o pescador pobre
se defronta com uma baixa taxa de crescimento do estoque e, portanto, tem pouco incentivo a conservar.
39
Para ver a prova desse teorema e dos subseqüentes nessa seção, ver Dayton-Johnson e Bardhan (1997).

214 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

o conjunto de todas as distribuições de ω. Nós dizemos que (ω1’, ω 2’)∈∆ (ω) é


um spread médio de preservação de {ω1, ω 2} se |ω1’, ω 2’|>|ω1 – ω2|. Nesse
sentido, nós temos:

Corolário 18.1. Se (ω1`, ω 2`) é uma spread médio de preservação de (ω1, ω 2), então
a conservação total é um equilíbrio com riqueza inicial (ω1`, ω 2`) somente se ela for um
equilíbrio com riqueza inicial (ω1, ω 2). Também, para todo (ω1, ω 2)∈∆ (ω) existe um
spread médio de preservação (ω1`, ω 2`) tal que a conservação total não é um equilíbrio com
riqueza inicial (ω1`, ω 2`).
A hipótese de Olson de que a desigualdade aumenta a perspectiva da
ação coletiva pode ser interpretada como uma análise de estática comparativa:
aumentar a desigualdade para um dado nível agregado de riqueza faz com que
a conservação total seja mais provável. O corolário acima sugere que isso não
acontece. A segunda parte do corolário afirma que, començando de qualquer
distribuição de riqueza, existe uma distribuição de riqueza menos igual tal que
a conservação não é um equilíbrio. Em particular, se a conservação total é um
equilíbrio sobre a distribuição inicial, então nós sabemos do Teorema 18
que ωi ≥ ω/(1+ g) para i = 1,2. Então a riqueza pode ser tomada de um
pescador até ωi < ω/(1+g) para aquele pescador. Portanto, a conservação
total não é um equilíbrio.
O corolário do Teorema 18 mostra que o aumento na desigualdade não
necessariamente leva a conservação do equilíbrio. O Teorema 19 mostra que
sob desigualdade máxima – isto é, quando um pescador se apodera de toda a
riqueza – a conservação é um equilíbrio.

Teorema 19. Se g ≥ 0 então sobre desigualdade perfeita (ω1 = 0 ou ω2 = 0, a conserva-


ção total é um equilíbrio.
Em parte, o Teorema 19 reflete a hipótese de Olson de que a cooperação
é mais difícil em um grupo com o maior número de membros. Em nossa indústria
de pescado, a conservação é um resultado de equilíbrio quando o número de
pescadores como riqueza positiva é reduzido a um. Os teoremas acima conside-
ram somente as condições sob as quais a conservação total por ambos os
pescadores é um equilíbrio. O caso mais realista numa indústria de pescado não
regulada, e o caso que está mais próximo do pensamento de Olson, é aquele
onde as mudanças na distribuição de riqueza alteram o nível de eficiência entre
o conjunto de equilíbrios ineficientes. Este é considerado no teorema seguinte.
O Teorema 20 diz que se a distribuição de riqueza é suficientemente desigual,
então fazendo-a mais desigual aumenta a eficiência.

Teorema 20. Defina F * (ω1, ω 2) como o montante mínimo de pesca do primeiro período
entre todos os equilíbrios de Nash do jogo quando a distribuição de dotações é (ω1, ω 2).
Sempre que ω >(1+g)F, existe ( ^ ω 1, ω
^ 2 )∈∆ (ω), tal que para todo spread médio de

preservação (ω ’, ω ’) de ( ω , ω ), nós temos que F* (ω1’, ω2’) < F * ( ω


1 2 ^1 ^ 2 ^1 , ω
^ 2 ).

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 215
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

Além disso, a prova do Teorema 20 demonstra que para a distribuição de


riqueza ( ^ω1, ^ ω 2) = (ω – gF/(1+g), gF/(1+g)) e todos os spreads médios de
preservação de (ω^1, ω ^2 ) o pescador 1 preservará independentemente do compor-

tamento dos outros. O teorema também ilustra que o equilíbrio da conservação


total sob perfeita desigualdade no Teorema 19 é um caso limite à medida que a
desigualdade cresce. Para distribuições tais como ( ω ^1 , ω
^ 2 ), um pescador captu-

rará uma parte suficientemente grande dos retornos da conservação que ele
conservará unilateralmente. Em particular, existe um equilíbrio no qual o maior
pescador conserva, o menor pescador não, e qualquer spread médio de preserva-
ção aumenta a eficiência. Se fosse verdade que a dotação do pescador i fosse
maior do que ω /(1+g), então pelo Teorema 18, o pescador i sempre iria conservar
se o pescado j também conservasse. Se fosse verdade que a dotação fosse maior
do que ω /(1+g), então pelo Teorema 18, i sempre conservaria se o pescador j
também o fizesse. Assim, qualquer spread médio de preservação
de (ω^1, ω
^2 ), pela redução da capacidade do pescador i, aumentará a eficiência, desde

que o pescador j jogue zero e mais pescaria seja adiada até o segundo período. Isso,
então, está de comum acordo com a hipótese de bens públicos de Olson.
Esta situação é sumarizada na Figura 12, a qual mostra (assumindo que
g > 1, que é claramente necessário para o equilíbrio cooperativo no caso de dois
jogadores, conforme examinado) que quando a participação do pescador 2 au-
menta de 1/2, a eficiência total é mantida até sua participação alcançar g/(1+g),
neste ponto o pescador 1 falha, reduzindo a pescaria total. Então quando a
participação do pescador 2 continua a aumentar, a eficiência do sistema aumen-
ta rapidamente, desde que o pescador 1 seja capaz de pescar uma fração decres-
cente do estoque de pescado no período 1. Quando o pescador 2 possui toda a
riqueza, a eficiência total é restaurada.40

Pescaria total

F(1+g)

F(1+g)-Fw1g

w2
1/2 g/(1+g) 1 w
Figura 12: Desigualdade e a eficiência da cooperação.

40
Esta figura é devida a J. M. Baland, comunicação pessoal.

216 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

No mundo das indústrias de pescado, freqüentemente se observa que


uma grande companhia com mais oportunidades para mover seus barcos para
qualquer outra parte (comparado aos pescadores locais de pequena escala)
está menos preocupado com a conservação dos recursos de pescado em um
dado local. Este fenômeno, de diferentes opções de saída dependendo do
diferencial dos níveis de riqueza, se estende também para outras CPRs. Por
outro lado, existem casos onde os utilizadores menores ou mais pobres podem
exerce uma opção de saída. Para analisar tais casos Dayton-Johnson e Bardhan
(1997) estendem o jogo básico apresentado acima para o caso quando existe
uma opção de saída dependendo do nível da dotação do pescador, ωi ; saída
refere-se ao investimento ou preparação do terreno em outro setor. 41 Em geral,
qualquer asserção a respeito da estática comparativa sobre se a conservação
total é um equilíbrio de Nash sob diferentes distribuições de riqueza, depende
da natureza da função de opção de saída. Nesse caso, Roland Bénabou indicou
que, consistente com a sua discussão de “desigualdade de renda versus desi-
gualdade de poder” em seu artigo (1996), o que preocupa não é a desigualdade
de renda em si, mas a desigualdade de riqueza relativa para opções de saída e
ameaças. Se o valor de uma opção de saída do pescador cresce mais rápido do
que um para um com sua riqueza, então a desigualdade de riqueza alimentará
ao invés de impedir a cooperação.
Se as opções de saída são funções côncavas na riqueza, o crescimento
da riqueza em geral não aumenta as perspectivas de conservação plena. Se a
conservação total é um equilíbrio numa situação de perfeita igualdade, então
existe um spread médio de preservação da distribuição de riqueza sob a qual a
conservação total não é um equilíbrio. Sob distribuição desigual de riqueza, é
o mais pobre pescador que tem interesse jogar a estratégia de saída. Mas se as
funções de opção saída são convexas, será o pescador mais pobre que terá
interesse na conservação condicional, enquanto que o pescador mais rico
preferirá a estratégia de saída. A natureza das funções de opção de saída é uma
questão empírica. Em muitas situações, a função de opção de saída poderia
ser linear acima de algum nível de riqueza, mas para baixos níveis de riqueza
ela deveria ser convexa como um resultado das restrições de tomada de
empréstimo.
O modelo não-cooperativo esquematizado acima aponta para a natureza
da relação complicada entre a desigualdade e a cooperação em situações de
recursos comuns não- regulados. Um dos temas enfatizados por muitos escrito-
res na discussão de políticas de recursos comuns é que tais problemas são mais
bem descritos nem sempre com o dilema dos prisioneiros, mas que em muitos
casos eles podem ser problemas de coordenação entre os equilíbrios múltiplos
(Runge, 1981; Ostrom, 1990). Essa asserção é participada pelo nosso modelo:
quando as condições do Teorema 18 são satisfeitas (isto é, ωi ≥ ω/(1+g)
para i = 1,2), ambas as degradações de recurso (sangria do estoque de pescado

41
Para muitos exemplos de saída por utilizadores grandes e pequenos, ver Baland e Platteau (1997).

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 217
Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

no período 1) e a conservação total (ausência de pesca no período 1) são equilí-


brios. Entretanto, sob muitas configurações de parâmetros, o problema é além
disso um dilema dos prisioneiros: conservação total, por meio do ótimo de
Pareto, não é um equilíbrio.
Pode-se presumir que nos problemas de recursos comuns no mundo
real, atores econômicos freqüentemente elaboram regras para regular o uso
comunitário dos recursos comuns. No contexto do nosso modelo não-coopera-
tivo de uma indústria de pescado, nós podemos discutir um possível mecanis-
mo regulatório que toma a forma de redistribuição de ativos: pescadores podem
decidir redistribuir riqueza antes que o jogo seja jogado para assegurar resulta-
dos ótimos de Pareto.42 Um fato interessante de se observar é se o resultado
primeiro melhor pode ser realizado, particularmente em casos onde um primeiro
melhor não é um resultado de equilíbrio de um jogo não-regulado.
Os Teoremas 17 até 19 acima e seus corolários, considerando o modelo
básico, são resultados de estática comparativa considerando o efeito sobre a
eficiência das mudanças na distribuição de riqueza. Se nós fazemos a hipótese
de que a riqueza pode ser redistribuída, esses resultados podem ser interpreta-
dos como afirmações sobre os efeitos da redistribuição. Assim, o Teorema 18
nos diz que, para distribuições de ativos que dão a cada pescador riqueza posi-
tiva, a conservação total é um equilíbrio se, e somente se, cada participação do
pescador sobre a riqueza total é maior do que 1/(1+g). Se g é pelo menos 1,
então sempre existirá uma transferência de riqueza (talvez negativa) do pescador
1 para o pescador 2 tal que a conservação total seja um resultado de equilíbrio.
Entretanto, podemos perguntar se ambos os pescadores (em particular o pesca-
dor que é perguntado se renuncia a alguma riqueza) concordariam com tal trans-
ferência – ou é, de fato, esse esquema de regulação social ótimo de Pareto?
Deixe-nos dizer que o pescador que tem que ceder alguma riqueza para
o outro é o pescador 2. Se os pescadores não concordam com a transferência de
s entre eles, inevitavelmente o pior equilíbrio será jogado. Nesse caso, o paga-
mento do jogador 2 será ω2 F/ω. Se a transferência é efetuada e o bom equilíbrio
acontece, o pagamento do jogador 2 será (ω2 – s)(1+g)F/ω. Será o último maior
do que o primeiro? Ele será se

g*ω 2
s < ----
1+g*

Esta condição sobre o tamanho da transferência é sempre satisfeita


se a condição no Teorema 18 é satisfeita após a transferência ser feita para
o pescador i.

42
Em sintonia com as nossas seções passadas de produção da terra e em equipe, nós estamos assumindo que as imperfeições
do mercado de crédito inibem a operação de um mercado de barcos e outros ativos no atingimento dos resultados
primeiro melhor .

218 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Nesta seção nos concentramos sobre o mecanismo particular que liga a


desigualdade de riqueza ao desempenho econômico.43 A literatura de estudos
de caso refere-se a uma variedade de mecanismos mais ricos. Em particular, as
normas sociais podem ser fortes obrigadoras de acordos cooperativos, mas
esse poder pode ser atenuado em ambientes extremamente desiguais. Indivídu-
os podem cumprir algumas normas cooperativas, mas apenas com em relação
ao conjunto de indivíduos que eles consideram como seus pares. Essa perspec-
tiva tem sua raiz na teoria da troca social, onde um dos fundadores, George
Homans, comenta: “quanto mais coercitivo é um grupo (...) maior é a mudança
que os membros podem produzir no comportamento dos outros membros na
direção de tornar essas atividades mais valorizadas”. As experiências com bens
públicos conduzidos por Kramer e Brewer (1984) que trazem à tona níveis de uso
de recursos em uma situação de tragédia, constataram que a identidade comum
do grupo (oposto à heterogeneidade dentro do grupo) contribuiu fortemente
para a conservação dos recursos comuns.
Essa posição recebe algum suporte da evidência experimental. Além do
mais, contrário a muitas idéias convencionais, a barganha dos agentes
freqüentemente falha no alcance da fronteira de barganha eficiente de Pareto
por razões inicialmente resenhadas por Johansen (1979). A desigualdade inicial
pode ser causa dessas falhas de barganha. A cooperação socialmente benéfica
freqüentemente falha principalmente onde os atores não podem concordar e
assumir compromissos para a divisão dos ganhos da cooperação. As quebras
resultantes da barganha acontecem provavelmente onde o poder de barganha
ou a riqueza dos atores é particularmente diferente. As evidências experimentais
sugerem que os indivíduos cujas opções alternativas são muito diferentes têm
menos probabilidade de chegar a um acordo do que os indivíduos em situações
mais parecidas (Lawler e Yon, 1996). Ademais, a amplitude da cooperação e,
portanto, o retorno médio desses jogos está inversamente relacionado a uma
distância social experimentalmente manipulada entre os indivíduos (Kollock,
1997). Os resultantes fracassos de barganha ocorrem porque a desigualdade
aumenta as assimetrias de informação entre os parceiros. Isto poque, ofertas
muito desiguais, baseadas em disparidades da riqueza inicial, ou do poder de
barganha provavelmente serão consideradas injustas e serão rejeitadas, como
no caso experimental do jogo do ultimato (Camerer e Thaler, 1995; Rabin,
1993), ou porque as mudanças das regras do jogo, necessárias para permitir
o pré-comprometimento em dividir os ganhos da cooperação ex post podem
ser vetadas pelos ricos, que podem temer o potencial redistributivo geral
dessas inovações institucionais.
Pode acontecer também que a desigualdade afete o alcance da vigência
das soluções socialmente reguladas. Os custos de transação dos mecanismos

43
Grande parte da literatura econômica concentra-se sobre os problemas de repartição de custos nos dilemas de ação coletiva.
Elster (1989) argumenta que problemas de repartição de benefícios podem freqüentemente levar à quebra da ação coletiva. O
último problema é geralmente de desigualdade de renda ao invés de desigualdade de riqueza, embora distribuições desiguais
de ativos iniciais estejam provavelmente exacerbando esse problema.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

regulatórios podem variar com o nível pré-existente de desigualdade. Essas idéi-


as ainda serão formalizadas.

7. Conclusão

O estudo dos contratos incompletos instigou duas reconsiderações so-


bre a relação entre a desigualdade de riqueza e a eficiência alocativa. A primeira,
uma preocupação teórica, levou muitos economistas a rejeitar o princípio de
que as questões alocativas e distribuitivas podem ser separadas e, a de reconhe-
cer que a presunção de separabilidade, estabelecida pelo Teorema Fundamental
da Economia do Bem-Estar e pelo teorema de Coase era muito rigorosa. A segun-
da, mais prática, foi a de se reconsiderar a relevância política da suposta decisão
de escolha entre eficiência e igualdade. Nas páginas acima, nós levantamos
alguns dos raciocínios que motivaram ambas as reconsiderações.
Nos casos onde a assimetria e a impossibilidade de se checar informa-
ções, ou onde a não exclusão de usuários tornam os contratos incompletos, ou
não-executáveis, ou onde existam empecilhos para uma barganha eficiente,
mostramos que os contratos particulares em geral não irão designar o controle
dos ativos e a reivindicação residual sobre os fluxos de renda dos projetos, para
que os mesmos alcancem resultados socialmente eficientes.
Pode uma redistribuição de riqueza, dos ricos para os agentes desprovi-
dos de riqueza – talvez conjuntamente com políticas dirigidas às falhas do
mercado que surgem do fato de os contratos serem incompletos, por exemplo,
o seguro – funcionar? Nós vimos que existem casos onde essa redistribuição
pode ser sustentada num equilíbrio competitivo e pode permitir que os não-
ricos se engajem em projetos produtivos que, de outro modo, não seriam execu-
tados, ou em implementar esses projetos de uma maneira mais próxima do
socialmente ótimo. Ou que apoiarão o uso mais socialmente eficiente dos recur-
sos de propriedade comum.
Portanto, a redistribuição de ativos planejada pode retificar ou atenuar as
falhas de mercado que resultam do fato de os contratos serem incompletos.
Todavia, existem motivos para se esperar que redistribuições planejadas devam
ser dos ricos para os não-ricos, em vez dos pobres para os ricos? Nas páginas
anteriores citamos três casos em que ativos altamente concentrados podem vir
a contribuir para a eficiência alocativa: ao atenuar os problemas dos recursos
comuns, ao prover incentivos para o monitoramento de gerentes e ao induzir um
nível ótimo de tomada de riscos. Todavia, nesses casos o ativo terá mais valor
para os ricos do que para os não-ricos, e o contrato particular é suficiente para
assegurar uma designação eficiente de direitos de propriedade, porque o rico
não enfrenta a dificuldade do mercado de crédito, que impede o não-rico de
adquirir direitos de reivindicação residual ou de controle. Portanto, o tipo de
redistribuição de ativos que é indutor de produtividade é predominantemente
aquele que vai do rico para o pobre.

220 Estudos NEAD 5


Desigualdade de Renda, Restrição de Riqueza e Desempenho Econômico

Há que se considerar cuidadosamente o custo das redistribuições de


ativos planejadas. Os ganhos de bem-estar social, advindos de uma redistribuição
de ativos indutora de produtividade vão para os beneficiários. Como destaca-
mos, talvez não haja meios viáveis de se recuperar os custos de redistribuição
dos receptores sem destruir os efeitos de incentivo dos quais dependem os
ganhos. Portanto, em geral o governo será obrigado a financiar essa redistribuição,
aumentando a sua receita por meio de tributação e outros instrumentos fiscais.
Os efeitos de desincentivo dessas medidas são bem conhecidos e são potenci-
almente sérios (Buchanan, Tollison e Tullock, 1980), mas não precisam sobre-
por-se aos benefícios alocativos de redistribuição (Hoff e Lyon, 1995). É claro
que esses efeitos de desincentivo recaem sobre todos os tipos de redistribuição
igualitária, inclusive o seguro saúde e desemprego, programas de geração de
emprego e transferência de renda, e não apenas as redistribuições que são
indutoras de produtividade.
Fica claro, portanto, que as questões alocativas e distributivas são
inextricáveis e, embora não possa haver a presunção de que a redistribuição
igualitária irá aumentar a eficiência, a hipótese convencional que pressupõe o
contrário também deve ser rejeitada.
O reconhecimento da importância dos contratos incompletos também
impôs uma outra conseqüência na economia: o reflorescimento da preocupa-
ção clássica dos economistas em “arrumar as instituições”. Hoje, é lugar comum
se atribuir as diferenças nacionais de desempenho econômico às diferenças das
estruturas institucionais, e se explicar o atraso econômico crônico pelas insti-
tuições que não conseguem alinhar os incentivos de modo que induza à produ-
tividade. Muitos economistas comparam a necessidade de “arrumar as institui-
ções” ao estabelecimento de direitos de propriedade não ambígüos, juntamente
com a criação de instituições destinadas a promover a transferência desimpedi-
da desses direitos. Nesse sentido, eles seguem Coase (1960): “...o que importa
(deixando de lado as questões de eqüidade) é que os direitos das várias partes
devem ser bem definidos...” (p.19).
Todavia, o próprio Coase destacou a natureza crucial de sua inferência
sobre custos de transação zero, portanto, não podemos relegar como utópica a
possibilidade de que os direitos de propriedade podem ser aperfeiçoados até o
ponto em que todos os efeitos externos sejam internalizados por meio de con-
tratos completos. Já que os contratos incompletos são inevitáveis, mostramos
que “o que importa” para a eficiência alocativa inclui que detém os direitos de
propriedade, e não simplesmente se os direitos estão bem definidos.
Os motivos se estendem muito além dos casos que consideramos aqui,
mas podem ser resumidos a seguir. Sabemos que diferentes distribuições inici-
ais de ativos persistirão por muito tempo. Além disso, o padrão de domínio
sobre os ativos exerce uma influência poderosa sobre a viabilidade de diferentes
estruturas de governança econômica. O efeito das diferenças de riqueza sobre
os padrões de reivindicação residual e de controle é exemplo disso. Também são

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Pranab Bardhan, Samuel Bowles e Herbert Gintis

exemplos característicos os agudos contrastes na estrutura instituicional das


sociedades agrícolas baseadas na pequena propriedade ao invés de latifúndio.
Embora as estruturas de governança altamente ineficientes não sejam favorecidas
na competição com outras estruturas consideravelmente mais eficientes, o pro-
cesso de seleção é ao mesmo tempo lento e imperfeito. Douglass North comen-
ta que “a história econômica é predominantemente uma estória de economias
que falharam na produção de um conjunto de regras econômicas do jogo (com
esforço) que leva ao crescimento econômico sustentado.” (1990):113
Assim, as instituições podem resistir por grandes períodos porque elas
são favorecidas pelos fortes grupos de que elas asseguram vantagens
distributivas. Por essa razão, a desigualdade de ativos pode impedir o desempe-
nho econômico por meio da obstrução da evolução das instituições indutoras
de produtividade. Em adição aos problemas sobre os quais nós focamos, este
pode ser verdadeiro porque a manutenção das distribuições altamente desi-
guais dos ativos pode ser dispendiosa em termos de recursos destinados à
aplicação das regras do jogo e, porque, pelo menos nas condições modernas, a
desigualdade pode militar contra a difusão das normas culturais tais como con-
fiança, que são valorizadas precisamente porque têm condições de atenuar os
problemas que surgem do fato dos contratos serem incompletos.

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Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 231
Transferência de
Poderes e Eficiência:
uma análise econômica
de um programa de
reforma de arrendamento
de terras da Índia
Abhjit V. Banerjee
Departamento de Economia, M.I.T., Haas School of Business,

Paul J. Gertler
Universidade da Califórnia, Berkeley

Maitreesh Ghatak
Departamento de Economia da Universidade de Chicago

Partes deste documento baseiam-se na tese de doutorado de Maitreesh Ghatak (1996), que havia circulado anteriormente como um documento
de trabalho intitulado “Qualificação e Eficiência: a economia da reforma dos arrendamentos” (Banerjee e Ghatak, 1996). Temos uma
profunda dívida de gratidão com M. G., sem cujo estímulo e apoio, em todas as fases e, especialmente na condução do levantamento, este
trabalho não teria sido possível. Agradecemos também a D. Bandyopadhyay, Nripen Bandyopadhyay, Amiya Bragchi, P. Bardhan, Anne
Case, Angus Deaton, Semanti Ghosh, J. Moduch, Ilya Segal, S. Sengupta, T. Sjostrm e T. Van Zandt pelos comentários úteis e discussões nos
diversos estágios. Agradecemos especialmente a Debra Jay pelas conversas estimulantes, que foram muitas, durante a fase inicial. Recebemos
comentários importantes dos participantes dos seminários em Berkeley, Chicago, Faculdade de Economia de Nova Delhi, Harvard, MIT, LSE,
Princeton, Rochester, Stanford e Yale. Agradecemos a A. Bhowmik, Lipi Ghatak, Arun Ghosh, Nahas Khalil, Amar Mitra, Prabir Niyogi,
Swapan Saha e Nga Vuong pela ajuda durante o processo de coleta, tratamento e análise dos dados.
1. Introdução

U
m governo de esquerda tomou subitamente o poder em 1977 no Estado
indiano de Bengala Ocidental e levou a cabo uma extensa reforma dos direitos
de propriedade na agricultura. 1 Como governo estadual, o partido de lideran-
ça comunista Left Front (LF) (Frente de Esquerda) não detinha o poder constitucional
para realizar o tipo de reforma radical de redistribuição de terras que os seus eleitores,
predominantemente os pobres das áreas rurais, nesta área com escassez de terras e
predominantemente agrícola, esperavam que ele fizesse. Como resultado, o governo
empenhou-se num programa de reforma do sistema de arrendamento, como o seu
maior instrumento para a realização de uma reforma agrária redistributiva. O ponto
central desta reforma foi o cadastramento dos colonos. Sob a lei de arrendamento de
terras vigente na Índia, se os colonos se cadastrassem junto à burocracia de registros
de terras, eles teriam direito ao domínio permanente e hereditário sobre a terra que
arrendavam, conquanto que pagassem ao senhorio uma fração de 25% da produção,
a título de aluguel. Entretanto, até então a lei tinha tido um impacto muito limitado,
seja porque continha muitas brechas, ou porque muito pouco havia sido feito para
facilitar o registro dos agricultores.2 Como resultado, o número dos cadastrados em
Bengala Ocidental não passava de 23% e muitos observadores relatam que o arren-
damento das safras situava-se num patamar significativamente abaixo do mínimo
legal (em torno de 50%), e o arrendamento era considerado como sendo altamente
inseguro.3
Um dos primeiros atos do novo governo foi efetuar emendas à legisla-
ção existente, de modo a facilitar sua implementação e lançar um programa
maciço de cadastramento dos colonos. Sob este programa, chamado Operação
Barga (OB), legiões de funcionários do governo percorreram os vilarejos, organi-

1
Sua vitória foi atribuída principalmente a uma onda nacional contra a permanência do Partido do Congresso, de centro, que
detinha o poder na maioria dos Estados, ininterruptamente, desde a independência, porque aquele partido havia suspendido
o processo democrático, ao declarar Emergência Nacional, em meados dos anos setenta.
2
A falta de vontade política e a falta de iniciativa burocrática são citadas freqüentemente como os principais motivos. Ver
Appu, 1975.
3
Ver Bardhan e Rudra, 1980.

234 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

zando acampamentos de registro.4 A OB foi considerada um grande sucesso:


embora a meta inicial do governo, de promover o registro de todos os agriculto-
res no período de um ano tenha se mostrado ingênua, em 1993 mais de 63%
dos 2,3 milhões de colonos haviam se cadastrado, o que tornou Bengala Oci-
dental o Estado com o maior número de cadastrados em toda a Índia. Os resul-
tados de diversos levantamentos confirmaram que a persistente implementação
das leis de arrendamento deu origem a um aumento significativo na quota da
safra destinada aos colonos e na segurança do domínio sobre a terra. No perí-
odo subseqüente, Bengala Ocidental alcançou um feito extraordinário na pro-
dutividade agrícola, o que o colocou na categoria de um dos Estados de cresci-
mento mais rápido da Índia. Observadores contemporâneos descobriram que “
(...) os sinais visíveis de indigência estão desaparecendo das áreas rurais de
Bengala Ocidental” (Bandyopadhyay, 1997), o que atraiu louvores ao governo,
vindos até dos rincões mais conservadores.5
O objetivo deste trabalho é avaliar a contribuição da Operação Barga
para o crescimento agrícola de Bengala Ocidental nos anos oitenta e início da
década de noventa. Esta é uma questão de importância geral. Apesar do amplo
apoio à reforma dos direitos de propriedade na agricultura (ver Banco Mundial,
1994), não há, virtualmente, nenhum estudo formal sobre as conseqüências da
eficiência de se transferir direitos de propriedade, feito em grande escala. Isto
se deve em parte ao fato de que existem poucos exemplos modernos, bem
sucedidos, de mudanças de larga escala dos direitos de propriedade, orienta-
dos por políticas, que não tenham acarretado grandes levantes e graves inqui-
etações sociais, e em parte às limitações de dados.6 Também, o fato de que a
estrutura do direito de propriedade é, por si só, endógena e evolui apenas
lentamente ao longo do tempo, torna difícil responder a essas questões.7 Uma
avaliação da Operação Barga oferece uma oportunidade rara de se examinar a
questão importante da relação entre direitos de propriedade e eficiência. Ade-
mais, sendo um programa que transferia direitos de propriedade dos ricos para
os pobres, ele nos permite fazer um reexame da questão para verificar se há,
necessariamente um tradeoff entre a eficiência e a eqüidade.
A Operação Barga é, no entanto, complicada, pelo fato de que a reforma
não implicou numa transferência inequívoca dos direitos de propriedade (como
numa reforma agrária), que, sem dúvida, melhoraria a eficiência, com a elimina-
ção dos custos de agenciamento. A lei e a sua efetiva implementação, concede-
ram ao colono arrendatário a opção de se cadastrar, e assim reivindicar uma
quota maior da safra e receber o domínio permanente. A nossa análise formal
do efeito dessa reforma sobre a oferta de trabalho dos arrendatários e outros

4
Barga é o termo local usado para designar colono.
5
Consultar The Economist (31 de julho de 1993), que traz um artigo sobre a bem sucedida reforma rural da Frente de Esquerda
em Bengala Ocidental, intitulado “Left Gets it Right” ou A Esquerda faz Direito.
6
Há uma exceção, que é o trabalho de Lin, 1992, sobre os efeitos da descoletivização da agricultura chinesa ao final da década
de setenta.
7
Ver Besley, 1995.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 235
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

insumos, apresentada na seção 3, mostra que o efeito global pode ser desdo-
brado em dois efeitos principais – um efeito de poder de barganha e um efeito
de segurança de domínio da terra. O poder de barganha, ou efeito empowerment
advém do fato de que a lei muda a relação de disputa entre o proprietário e o
arrendatário com relação ao pagamento e aos contratos – na verdade, o arren-
datário poderia, a partir de então, tratar o contrato legal como a sua “opção
externa”. Isto se refletiu no aumento observado no compartilhamento de safra
em favor do arrendatário, com os contratos renegociados após o jogo da refor-
ma, entre estes e os arrendatários. O efeito de segurança de domínio opera de
duas maneiras diferentes, que tomam direções opostas. Por um lado, em algu-
mas situações o proprietário pode usar a ameaça de despejo, quando a produ-
ção for baixa, induzindo o arrendatário a trabalhar com mais empenho.8 Desta
forma, mantidas todas as outras condições inalteradas, a proibição de despejo
restringiu o leque de contratos que o proprietário tinha a oferecer ao arrendatá-
rio e assim, poderia reduzir a eficiência. Ao mesmo tempo, uma maior seguran-
ça de domínio também provocou um efeito positivo, incentivando o arrendatá-
rio a investir, porque ele tem mais certeza de sua permanência na terra para
desfrutar os resultados de seu investimento, e também porque a mudança no
poder de barganha significa que ele agora espera obter uma porção maior da
produção adicional.
Na seção 4, utilizamos dados sobre contratos no período pré e pós-
reforma, de um levantamento de 480 agricultores, conduzido em 1995, para
avaliar nossos resultados teóricos. Em particular, os dados sugerem fortemen-
te que houve um aumento na quota da produção que cabe ao arrendatário,
resultado da reforma e, além disso, houve um aumento substancial na seguran-
ça do domínio. Também apresentamos evidências que sugerem que os efeitos
negativos das restrições sobre os contratos não foram significativos e que,
portanto, o efeito global parece ter sido positivo.
Na seção 5, estimamos o efeito da reforma do arrendamento sobre a
produtividade agrícola, usando dados de série histórica em nível de distrito
para Bengala Ocidental. Nossa especificação baseia-se na teoria de que, uma
vez que se tornam disponíveis as oportunidades de se cadastrar, a produtivida-
de será afetada, porque os contratos e, conseqüentemente os incentivos mu-
darão. Usamos a taxa de cadastramento distrital como uma medida das oportu-
nidades de cadastramento. Argumentamos que o modelo identifica-se pela
natureza burocrática do processo de implementação e diversos atritos no lado
da oferta, o que implicou que a disponibilidade efetiva de oportunidades de
cadastramento evoluiu lentamente nos vilarejos dentro dos distritos, e em ve-
locidade diferente entre os distritos. Para conferir a sensibilidade de nossas
estimativas, também as refizemos utilizando as taxas de cadastramento passa-
das como instrumento. Nossas estimativas indicam que a Operação Barga teve
8
Esta observação remete a Johnson, 1950. Ver Stiglitz e Weiss, 1983, Bardhan, 1984, e Dutta, Ray e Sengupta, 1989, para uma
análise formal.

236 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

efeitos amplos e positivos sobre a produtividade. Isto sugere que intervenções


limitadas sobre os direitos de propriedade, como foi o caso da Operação Barga,
que confere poderes aos arrendatários, sem conceder-lhes a posse inequívoca
da terra, pode exercer um efeito amplo e positivo sobre a produtividade. Já que
essas estratégias de conceder poderes tendem a ser politicamente mais fáceis
de implementar do que a transferência de ativos em grande escala, como é o
caso da reforma agrária, elas podem, em muitos casos, oferecer um caminho
alternativo, diverso do status quo.9

2. O cenário institucional
O arrendamento com compartilhamento de safra é a forma de arranjo
dominante em Bengala Ocidental, refletindo a distribuição desigual de terras e
a sua escassez relativa, com relação à mão-de-obra.10 Na época da reforma,
estimava-se que um terço do total de terras cultivadas estavam sob arrenda-
mento com compartilhamento de safra, enquanto que o número de domicílios
engajados nesse arranjo era de cerca de 2,3 milhões, mais de um quarto de todos
os domicílios rurais em Bengala Ocidental.11 Os colonos compartilhadores de
safra pertencem ao segmento mais pobre dos camponeses da Índia, e suas reivin-
dicações sempre foram uma plataforma política para os partidos de esquerda,
resultando, às vezes em movimentos militantes exigindo parte maior da produ-
ção e segurança de domínio.12
Após a independência, o governo da Índia buscou melhorar as condi-
ções dos colonos compartilhadores de safra, por meio da reforma do arrenda-
mento e redistribuição limitada de terras. A Lei de Arrendamento da Índia, com
relação aos colonos possui duas cláusulas principais.13 14
L1. Os compartilhadores de safra terão direito de domínio permanente, here-
ditário, embora não transferível sobre a terra que estiver registrada em seu nome,
conquanto paguem ao proprietário a fração estipulada por lei, não deixem a
terra sem cultivo, não a cultivem pessoalmente ou a menos que o proprietário
deseje reaver a terra para o cultivo pessoal.

9
Outros exemplos de estratégias que poderiam conferir poderes aos colonos são as leis de usura, leis de salário mínimo,
programas de geração de emprego e oferta de crédito subsidiado.
10
Ver Sharma, 1994, sobre a distribuição de terras em Bengala Ocidental. Distribuição de Domínios de Terras na Índia Rural,
EPW, setembro 24.
11
Ver Datta, 1981, Boyce, 1987, e Gazdar e Sengupta, 1997.
12
Ver Bose, 1987, para uma análise dos movimentos camponeses liderados por partidos políticos de esquerda, que foca-
lizavam explicitamente os direitos dos colonos arrendatários da Índia pré-independência, e, para o período subseqüente,
ver Desai, A. R., 1986, “Conflitos Agrários na Índia após a Independência”, OUP, Delhi.
13
Ver a Lei de Reforma Agrária de 1955, do governo da Índia, e as sucessivas emendas em 1965, 1966, 1969, 1970 e 1972.
14
As leis de arrendamento, em geral prescrevem tanto o aluguel máximo e a garantia da segurança de domínio. Isto porque,
se a lei simplesmente regular o aluguel, sem estabelecer seu teto máximo, então o proprietário poderia esquivar-se de
cumpri-la, ameaçando o colono de despejo, caso ele insista em não pagar um centavo a mais do que o aluguel estabelecido
em lei. Da mesma forma, se a lei estipula que o colono não pode ser despejado, conquanto que pague o aluguel, mas não
estabelece o teto a ser cobrado, o proprietário cobrará um aluguel tão alto que o colono abandonará a terra voluntari-
amente, prevendo que será despejado por força da lei, por não ter condições de pagar o aluguel estipulado. Assim, a menos
que ambas as cláusulas estejam presentes, juntas na lei de arrendamento, estas provavelmente se tornarão ineficazes e
impossíveis de ser cumpridas.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 237
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

L2. A fração que o proprietário poderá exigir de um arrendatário cadas-


trado não será superior a 25%.15
Esta etapa da reforma do arrendamento é amplamente reconhecida
como um fracasso em Bengala Ocidental, bem como em outros Estados indi-
anos, por dois motivos principais.16 Isto se deveu em parte às brechas na lei,
que permitiam aos proprietários ameaçar a retomada da terra para o cultivo
pessoal, caso os arrendatários optassem por se cadastrar. Em parte, foi tam-
bém resultado da maneira como a lei foi implementada: o colono era respon-
sável por seu cadastramento e não foi previsto nenhum apoio institucional
que lhe desse condições de assim proceder. Não é de se surpreender que
poucos colonos tenham exercido o seu direito legal, porque os proprietários
tinham muito poder dentro do vilarejo, em função de sua riqueza (e,
freqüentemente, em razão de sua casta superior). Os arrendatários também
dependiam dos proprietários para contrair empréstimos. Para coroar isso
tudo, na eventualidade de uma disputa, toda a burocracia local, na maioria
dos casos, ficava do lado do proprietário.17
O novo governo promulgou a emenda à Lei de Reforma do Arrendamen-
to, em 1977, estabelecendo condições rigorosas e bem definidas, dispondo
sobre as maneiras pelas quais o proprietário poderia valer-se da cláusula do
cultivo pessoal para despejar um arrendatário.18 Em segundo lugar, já que o
arrendatário precisava de algum tipo de comprovante de seu status para poder
se cadastrar (tradicionalmente, os contratos eram verbais), tornou-se obrigató-
rio que os proprietários emitissem um recibo para o arrendatário, contra o
recebimento de sua parte da safra. Esse recibo seria a prova de sua condição,
caso ele desejasse se cadastrar. Além disso, se o proprietário se recusasse a dar
o recibo, o arrendatário poderia depositar a fração em juízo, junto à burocracia
local, e obter o recibo.
Ao mesmo tempo, o governo lançou um programa de implementação
destinado a diminuir o custo do cadastramento para os colonos. O programa,
chamado Operação Barga, constituiu-se numa campanha maciça e bem
divulgada, conclamando os colonos a se cadastrar, dentro de um período de
tempo pré-estabelecido, e tornou-se a prioridade número um da agenda do
governo no primeiro mandato.19 Neste programa, a instituição formal usada
para cadastrar os colonos, os campos de assentamento, foi reformada de modo
a facilitar o cadastramento dos agricultores. Os funcionários das agências de

15
No caso em que proprietário arca com os custos de todos os insumos não trabalhistas, a lei amplia a sua parte para 50%.
Todavia, diversos estudos demonstraram que (ver Bardhan e Rudra, 1980, por exemplo) nunca se observou um caso assim,
sendo a norma o compartilhamento dos custos dos insumos específicos em diversas proporções. Assim, esta cláusula não
se aplicou, em geral.
16
Ver P. S. Appu , 1975, e Kohli, 1987.
17
Não havia muita pressão oficial vinda de cima, no sentido de se implementar as leis de arrendamento existentes, já que
o Partido do Congresso, que dominava a política, dependia do apoio político dos proprietários nas zonas rurais.
18
Houve diversas emendas à Lei de Reforma Agrária de Bengala Ocidental, de 1955. Todavia, o proprietário ainda podia
despejar um colono cadastrado, se este não cultivasse a terra, se a sublocasse, ou não pagasse o aluguel.
19
Ademais, as duas pessoas escolhidas para tocar o programa, o Ministro da Reforma Agrária, sr. B. Chowdhurry, e o recém-
nomeado Comissário de Reforma Agrária, sr. D. Bandyopadhyay, eram pessoas amplamente respeitadas nos círculos polí-
ticos por sua integridade e eficiência.

238 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

terras estabeleciam esses acampamentos temporários nos vilarejos, para criar,


atualizar e rever os registros de terras, inclusive os aluguéis de arrendamento.
Antes da Operação Barga, esses acampamentos estavam organizados de uma
maneira que não era muito adequada para proceder ao cadastramento. Por
exemplo, eles funcionavam no horário quando o colono estava trabalhando no
campo e num local onde eles se sentiam intimidados de comparecer (geralmen-
te na residência de algum proprietário). Com a nova estratégia, levas de funcio-
nários percorriam cada vilarejo, instalando acampamentos de três dias. No
primeiro dia, organizavam-se reuniões de grupo, em horários e locais que fos-
sem convenientes para os colonos, durante as quais se explicava a nova lei e se
preparava uma lista daqueles que desejavam se cadastrar; no dia seguinte, a
lista era conferida publicamente, em visitas a campo, e afixada em local público
de grande visibilidade. No terceiro e último dia, eram apreciadas as objeções
dos proprietários, em público, e eram emitidos certificados de registro, para os
arrendatários habilitados. De acordo com o Comissário de Registro de Terras,
esta estratégia de colocar um grupo grande de funcionários do governo no
vilarejo durante três dias, organizando reuniões noturnas em lugares públicos,
onde todos os colonos eram reunidos sob o mesmo teto, teve o efeito de dar
aos colonos a confiança para comparecer e se cadastrar, imprimindo ao pro-
cesso uma transparência que garantiu que os proprietários jamais conseguiri-
am prejudicar o processo, seja pela força ou suborno.20
Além de organizar essas reuniões, os funcionários da receita tinham a in-
cumbência de identificar ativamente os colonos. Ademais, a Frente de Esquerda
instruiu as suas próprias organizações políticas de base, dentro dos vilarejos, a
desempenhar um papel no processo de cadastramento, garantindo que os propri-
etários não intimidassem os colonos, ou que os funcionários não entrassem em
conluio com os proprietários. Igualmente importante foi o fato de que, após a
partida dos funcionários, esses militantes políticos tivessem o dever de assegurar
que os colonos não iriam sofrer represálias dos proprietários e de ajudar os arren-
datários que resolvessem se cadastrar tardiamente.21
Durante o primeiro mandato da Frente de Esquerda (1977-82), foram
organizados mais de 8.000 acampamentos de registro e cerca de 0,67 milhões
de colonos foram cadastrados, de um total estimado de 2,3 milhões.22 Isto
oferece um contraste agudo com o desempenho das três décadas anteriores:
apenas 60.000 colonos foram registrados durante todo aquele período. No
segundo mandato, (1982-1987), a prioridade do programa caiu para segundo
plano e a freqüência dos acampamentos de registro continuou em ritmo mais
lento. Nos mandatos subseqüentes, os acampamentos de registro ficaram re-
duzidos a pequenas operações de rotina que ainda operam periodicamente. O
cadastramento ainda ocorre, embora mais em nível individual. Proporcional-
mente ao declínio da intensidade do programa, o número de novos registros
caiu para um número insignificante desde 1987 (ver Figura 1).

20
Entrevista pessoal com D. Bandyopadhyay , 1997.
21
Um colono podia se cadastrar mesmo depois que esses acampamentos temporários encerraram suas atividades, inscreven-
do-se no órgão encarregado e após verificação de seu status.
22
Ver Datta, 1981, para conhecer dados sobre o número de colonos compartilhadores de safra em Bengala Ocidental.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 239
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

Um aumento substancial e sustentado da produtividade agrícola em


Bengala Ocidental, a partir de meados dos anos 80, passou a receber atenção
generalizada no fim daquela década (ver Figura 2).23 Era um contraste agudo, se
comparado com o fraco desempenho do Estado no passado, bem como com o
desempenho comparativo de outros Estados indianos. Por exemplo, entre 1968
e 1981, a taxa média anual de crescimento da produtividade de grãos em Ben-
gala Ocidental era de 0,43%, ao passo que na Índia era de 1,94%. Entretanto,
entre 1981 e 1992, as respectivas taxas de crescimento foram 5,05% e 3,08%.
Na próxima seção, nós analisamos as possíveis ligações teóricas entre a
implementação efetiva das leis de arrendamento e o crescimento da produtivi-
dade agrícola em Bengala Ocidental. Na seção econométrico, nós identificamos
o efeito da reforma sobre o crescimento da produtividade agrícola em Bengala
Ocidental, após levar em conta o crescimento temporal e os efeitos de outras
reformas realizadas pelo governo, como os investimentos públicos em irriga-
ção e infra-estrutura.

3. Contratos ótimos de arrendamento e ameaças de despejo


Nesta seção, desenvolvemos um modelo teórico simples de
compartilhamento de safra baseado no perigo moral e, na seção seguinte, aplica-
mos o modelo para compreender como os contratos e a produtividade mudaram,
em resposta à reforma do arrendamento implementada em Bengala Ocidental. Su-
ponhamos que exista um proprietário de terras que vive eternamente e possui uma
gleba de terra que não tem condições de cultivar pessoalmente. A cada período, ele
contrata exatamente um colono para cultivar a terra. Existe, entretanto, uma popu-
lação muito grande de colonos, igualmente eternos, dispostos a trabalhar para o
senhorio, conquanto que este lhes pague sua utilidade de reserva, m, naquele
período. O proprietário e o arrendatário são, ambos, neutros a riscos e comparti-
lham o mesmo fator de desconto δ < 1.
Vamos supor que, a cada período, a produção venha a assumir dois
valores, YH = 1 (“alto” ou “sucesso”) e YL = 0 (“baixo” ou “fracasso”), com
probabilidade e e 1 – e, respectivamente. O arrendatário escolhe e, (“esforço”),
que lhe custa c (e), assumida como quadrática, para simplificar, c (e) = ½ ce2. As
realizações da produção são independentes ao longo do tempo.
As pressuposições-chave deste modelo são:
• O arrendatário não possui riqueza e não pode poupar. Ele tem, entretan-
to, uma renda externa w, de modo que o menos que ele pode receber no período
é –w. Ou seja, o proprietário enfrenta uma restrição de encargos limitado.24

23
Ver Saha e Swaminathan, 1994, e Sawant e Achuthan, 1995.
24
Existem modelos de compartilhamento de safra baseados no risco moral que não usam a hipótese da limited liability (ver
Stiglitz, 1974, e Eswaran e Kotwal, 1985). Nós a utilizamos porque ela provê uma maneira simples, analiticamente, de gerar
receita para os colonos (o que é necessário, para que as ameaças de despejo ganhem significado), bem como a ineficiência
estática ligada ao arrendamento. Ver Shetty, 1988, Dutta, Ray e Sengupta, 1989, e Mookherjee, 1994, para modelos alterna-
tivos de compartilhamento de safra baseados em limited liability .

240 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

• A escolha do esforço e pelo arrendatário não é observável, portanto


não pode constar do contrato.
• As realizações passadas e presentes da produção são, no entanto,
contratáveis. Especificamente, nós assumimos que no começo de cada perío-
do o senhorio pode comprometer-se com um contrato de um período que
mapeie as realizações atuais e passadas da produção em (a) pagamentos cor-
rentes a cada arrendatário potencial e (b) uma decisão sobre qual arrendatário
trabalhará para ele no período seguinte.
Em razão de tanto o proprietário como o arrendatário serem eternos,
isto define um jogo infinito na forma extensiva entre os dois, que, em prin-
cípio, pode ter muitos equilíbrios. Aqui, nos restringimos ao estudo dos
equilíbrios deste jogo, no qual estratégias em cada período são independentes
da história, porque a identidade do atual colono da propriedade é determina-
da por sua história passada.25 Ademais, de acordo com a pressuposição de
que existem muitos arrendatários potenciais e um proprietário, nós focali-
zaremos no equilíbrio que maximize os lucros do proprietário no período.
Ao final desta seção, comentamos o que aconteceria se escolhêssemos um
conceito diferente de equilíbrio.
Deve ficar claro que, neste jogo, não há motivo para pagar aqueles arren-
datários que não estejam trabalhando para o proprietário no período em curso
– de modo que o contrato precisa especificar apenas os pagamentos efetuados
ao colono que atualmente trabalha para o senhorio. Da mesma forma, o propri-
etário não tem motivos para discriminar entre aqueles que não estão trabalhan-
do para ele no período em curso. Portanto, se e quando ele decidir contratar um
novo arrendatário, ele pode simplesmente escolher aleatoriamente entre aque-
les que não estão trabalhando para ele no período (aqui, fazemos a pressupo-
sição de que existem muitos arrendatários potenciais; do contrário, o proprie-
tário apenas escolheria aleatoriamente entre aqueles que nunca haviam traba-
lhado para ele). Ademais, com a pressuposição de independência da histó-
ria, o contrato, com relação ao colono, dependerá apenas da realização
atual da produção. Portanto, o contrato, em qualquer período, precisará
especificar apenas quatro números – o pagamento efetuado ao arrendatário
e a probabilidade de ele continuar no emprego quando a produção for boa
(denotados respectivamente de h e ϕ) e os mesmos dois números quando
for baixa (l e ψ). Consideramos conveniente referirmo-nos a h e l como salá-
rios por sucesso e por fracasso, respectivamente.26

25
Formalmente, nós estamos tratando de um equilíbrio Markov, onde a variável é a identidade do atual arrendatário. Ver
Fudenberg e Tirole, 1991.
26
Vale notar que nós poderíamos, em vez disso, ter conduzido nossa análise em termos de um contrato linear sY – r, onde s
denota a fração compartilhada da produção de arrendatário e r um componente de aluguel fixo, com s = h – l, e r = – l. Isto
é porque, já que a produção assume apenas dois valores neste modelo, todos os contratos podem ser expressos como contratos lineares.

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3.1 O contrato ótimo quando o despejo é impossível


Primeiro resolvemos o problema do proprietário, sob a presunção de
que os arrendatários não podem ser despejados e continuarão, portanto, a ser
arrendatários em todos os períodos futuros. Neste caso, o problema se reduz à
resolução da contratação por um período. O que apreendemos com a solução
deste problema pode ser resumido em quatro resultados simples. Para conhe-
cer a análise formal, o leitor deverá consultar o Anexo.
Resultado 1: O colono arrendatário ganha menos do que o produ-
to marginal de seu esforço e, portanto, empreende menos esforço do que
seria o nível ótimo.
Resultado 2: Conquanto que a opção externa do arrendatário, m, não
seja tão atraente, ele aufere receitas ao entrar na relação de arrendamento (i.e.,
sua restrição de participação não o sujeita). Portanto, ele estará certamente em
melhores condições do que estaria se fosse despejado da terra.
Resultado 3: Uma melhoria na opção externa do arrendatário, m, sem-
pre (fracamente) aumenta o salário pelo sucesso e o esforço e, ao longo de uma
gama de valores de m, esses aumentos são estritos.
Cada um desses resultados possui intuições simples. Normalmente, quan-
do as duas partes são neutras a riscos e o melhor contrato é um de aluguel fixo
que obriga o arrendatário a pagar um valor fixo ao patrão, independente do nível
da produção, e manter a produção residual para si próprio. Isto permite que o
arrendatário aufira inteiramente o produto marginal de seu esforço e não há
desvio do resultado com informações completas. Todavia, em razão da limitada
riqueza do arrendatário, essas transferências fixas eficientes, do colono para o
proprietário, teriam um limite superior, quer dizer, w. Se o arrendatário possui
pouca riqueza, isto certamente restringirá seriamente a capacidade do proprietá-
rio de extrair um excedente substancial da relação, principalmente quando a
reserva de pagamento m, do arrendatário, for baixa. O proprietário teria, portanto
que lançar mão do único instrumento alternativo à sua disposição, a produção da
terra, quando esta for alta, para servir a dois objetivos – prover incentivos ao arrenda-
tário e transferir dinheiro do arrendatário para o proprietário. Isto cria uma distorção e
no contrato ótimo o colono ganha menos do que o produto marginal de seu esforço.
Isto reduz o incentivo do arrendatário de produzir boas safras e o nível de esforço
estará abaixo do primeiro melhor nível, mas o proprietário estará em melhores condi-
ções. Este contrato tem a mesma estrutura do clássico contrato de compartilhamento
de safra. Pode-se argumentar que, se os mercados de crédito estivessem em bom
funcionamento, os bancos estariam emprestando aos arrendatários para que estes
pudessem comprar a terra dos senhores, de modo a atenuar essa ineficiência. Afinal
de contas, neste modelo, se o colono possuísse a terra não haveria problemas de
agenciamento. Todavia, depois que o banco empresta dinheiro ao colono para que
este adquira a terra, este é obrigado a pagar sua dívida junto ao banco, com recursos
oriundos da produção da própria terra. Assim, o banco coloca-se exatamente na
mesma posição que o proprietário, relativamente ao arrendatário, e os mesmos proble-

242 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

mas de agenciamento ressurgem. Assim, os mercados de crédito não terão condi-


ções de livrar-se da ineficiência do mercado de arrendamento de terras, por causa do
mesmo problema subjacente do risco moral. 27
Os arrendatários podem auferir receitas porque o proprietário conclui que
só poderá reduzir o excedente do colono diminuindo a parte que lhe cabe da
produção, quando esta for alta (i.e., seu salário “sucesso”). Porém, como isto
incorrerá, obviamente, em efeitos adversos sobre os incentivos, o proprietário
geralmente não tentará extrair o total do excedente quando o m for muito baixo.28
Um aumento de m forçará o proprietário a pagar mais ao arrendatário,
presumindo-se que inicialmente o arrendatário não esteja auferindo receita. Con-
quanto que o arrendatário receba menos do que o total do produto marginal do
esforço, isto é, 1 > h – l, o proprietário irá preferir a situação de sucesso a
situação de fracasso, como 1 – h > – l. Então, supondo que o proprietário tenha,
de qualquer maneira, que pagar ao arrendatário esse valor adicional de dinheiro,
será melhor para ele pagar na forma de um aumento do salário “sucesso”. Este
resultado forma a base do que chamamos de efeito do poder de barganha da
reforma: um aumento do poder de barganha do arrendatário, mantidas todas as
outras condições constantes, leva a um aumento de sua quota e, portanto a
melhores incentivos. A Figura 3 mostra o esforço como função da reserva de
pagamento do arrendatário.

3.2 O contrato ótimo com despejo


O proprietário pode não optar por oferecer o tipo único de contrato
descrito acima. No cenário em que o colono arrendatário não pode ser despe-
jado, nós mostramos, na última subseção, que o arrendatário irá auferir recei-
tas, a menos que sua opção externa seja o suficientemente boa. Todavia, isto
significa que o arrendatário continuará preferindo ser arrendatário. Portanto, a
ameaça de despejá-lo, se a produção fracassar, pode ser usada como um dispo-
sitivo de incentivo (novamente, a menos que sua opção externa seja boa o
suficiente). Vamos convencionar m como o valor crítico de m, de modo que
quando m < m a limitação de participação não apareça no modelo de um
período. Deixemos V denotar o equilíbrio utilidade perene do arrendatário no
próximo período e M denotar o equilíbrio utilidade perene de alguém que não
seja atualmente um colono arrendatário: M ≡ m/ (1 – δ), onde, como antes, m é
o valor por período da opção externa. A hipótese da independência da história
implica em que o proprietário não pode comprometer previamente nada além
do contrato de incentivo do período em curso, (h, l) e as probabilidades de
despejo, (1 – ϕ, 1 – ψ). Assim, a utilidade perene do arrendatário a partir do
próximo período, V , é considerada como exógena nesse período, para ambas
as partes. Assim, temos que:
27
Ver Mookherjee, 1995, para uma análise formal deste argumento.
28
Isto é semelhante à curva de Lafler na literatura das finanças públicas: taxas de imposto mais altas podem reduzir a oferta
de mão-de-obra, de maneira tal que o governo passará a arrecadar menos receitas tributárias.

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Resultado 4: Quando m estiver abaixo de m, as ameaças de despejo


serão usadas como um dispositivo de incentivo adicional. E o valor de e será
mais alto do que é, quando não é possível efetuar despejos (porém, menos do
que o primeiro melhor nível). Para m ≥ m as ameaças de despejo não são usadas
e os resultados do modelo estático permanecem.
Resultado 5: À medida que m cresce em direção a m , o valor de
e decresce.
Resultado 6: A utilidade perene esperada do arrendatário, V , é
mais baixa quando as ameaças de despejo são usadas, se comparadas ao
modelo estático.
Para uma análise formal consulte o Anexo. Mais uma vez, os resultados
têm uma lógica simples. O que a possibilidade de despejo faz é permitir que o
proprietário utilize as receitas criadas, na presença de responsabilidade limita-
da, como substituto aos dispendiosos custos correntes, h. Assim, o arrendatá-
rio trabalha, apesar de receber menos, porque ele teme perder as receitas
advindas do arrendamento em condições de responsabilidade limitada. Entre-
tanto, quanto menor for m maiores serão as receitas dentro dessas relações e,
assim, menor será o esforço extra motivado pelas ameaças de despejo. Quando
h for menor, num equilíbrio de despejo, juntamente com um maior esforço, a
utilidade do arrendatário por período terá que ser mais baixa. Já que o arrenda-
tário desconta mais o futuro, devido à presença de ameaças de despejo, a sua
utilidade perene é mais baixa também. Assim, os colonos estão em condições
melhores com uma segurança de domínio maior, embora o esforço seja diminu-
ído (mantendo m fixo).
A Figura 4 mostra o esforço, como função da reserva de pagamento do
arrendatário no modelo em que é permitido o despejo. Para comparar, ela tam-
bém mostra o esforço quando não há a opção de despejo.

3.3 Ameaças de despejo e incentivos ao investimento


Até aqui, a maneira como modelamos a tecnologia de produção ignora
qualquer papel desempenhado pelo investimento. Argumenta-se, com freqüên-
cia, que a insegurança do domínio desencoraja o investimento por parte do
arrendatário, e isto geralmente molda o argumento de eficiência mais forte em
favor do arrendamento ou da reforma agrária (ver Myrdal, 1968). Todavia, esse
argumento não dá resposta à pergunta de porque o próprio proprietário não
assume esses investimentos diretamente (já que ele provavelmente tem menos
limitações de crédito do que o arrendatário), ou indiretamente por meio de
incentivos ao arrendatário, com a utilização de meios contratuais adequados.
Para analisar esta questão com cuidado, achamos que seria útil distinguir entre
os seguintes tipos de investimentos. Algumas formas de investimento, tais
como a decisão de instalar equipamentos de irrigação, adotando nova tecnologia

244 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

(por exemplo, variedades de sementes de alta qualidade), nivelamento do solo,


seccionamento do solo, plantação de árvores, instalação de lagoas, são fáceis
de monitorar. Todavia, dependendo da capacidade das duas partes de se com-
prometerem em contratos de longo prazo, ou da maneira como as partes
interagem com outros insumos que estão sujeitos ao risco moral na função de
produção, elas ainda obterão o nível abaixo do eficiente. Por outro lado, muitas
das outras formas de investimento, como a decisão sobre quanto experimentar
com novas técnicas, cuidado e manutenção, ou o uso de estrume (cujo efeito
dura mais de um período) são muito semelhantes à escolha de insumos corren-
tes como o esforço, no sentido de que eles são passíveis de estarem sujeitos ao
risco moral, sendo que a única diferença é que o efeito sobre a produção opera
com mais lentidão.
Nós podemos modificar nosso modelo base introduzindo estes tipos
alternativos de investimentos. Considere-se uma variante do modelo estático
da seção 2, no qual existe agora uma escolha entre tecnologias alternativas, a
qual não está sujeita a nenhum problema de monitoramento.29 Além do esfor-
ço oferecido pelo arrendatário, existe uma variável de escolha, x ∈ [0,1], que
afeta a produtividade da terra. Vamos assumir que x é uma decisão única que
afeta a produtividade da terra permanentemente e assim continuamos a usar o
modelo de um período. Em particular, se o arrendatário escolher um nível de
insumo e, a produção pode ser 1, com probabilidade p (e,x) ou zero, com proba-
bilidade 1 – p (e,x). Vamos supor que p (e,x) satisfaz as características padrão de
uma função neoclássica típica, côncava, de dois insumos e que o custo por
unidade de insumo seja uma constante ρ. Em geral, o proprietário e o arrendatá-
rio poderiam dividir os custos do insumo pelos valores ρxl e ρxt, onde xl e xt
referem-se às quotas do proprietário e do arrendatário, respectivamente. Em
razão de x ser contratável, também é o gasto total sobre este e então podemos
apresentar o problema como aquele onde o proprietário é a parte que escolhe o
x.30 Então poderemos demonstrar que, conquanto que as elasticidades de cada
um dos insumos na função de produção não dependam do nível do outro
insumo (um exemplo disso é quando p (e, x) assume a forma Cobb-Douglas), o
lucro marginal para o proprietário, ao se aumentar x é exatamente igual ao seu
retorno social marginal px (e, x), dada a oferta de esforço empreendido pelo
arrendatário. Todavia, a oferta de e está sujeita ao risco moral e já que o retorno
marginal de x é crescente em e, um aumento em m além de ter um efeito positivo
direto em e (Resultado 3), terá um efeito positivo indireto em x.
Resultado 7: Quanto mais alto for o poder de barganha do arrendatário,
maior será o retorno marginal ao proprietário de aumentar investimentos contratáveis
complementares ao esforço.

29
Ver Braverman e Stiglitz, 1996, para uma análise geral das escolhas tecnológicas nos arrendamentos.
30
Em particular, considerando que pxt é uma pura transferência do arrendatário para o proprietário, que deve aparecer na
limitação da responsabilidade limitada, ao se definir h’= h – pxt e l’= l – pxt a análise anterior irá se realizar.

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Nossa análise do caso anterior pressupõe que o insumo do investimen-


to é contratável. Ademais, sendo este um modelo de um período em que os
resultados do investimento são realizados imediatamente, não há a questão do
compromisso com um contrato de longo prazo. Todavia, mesmo se o investi-
mento for observável, ele é realizado com atraso e as partes não têm condições
de se comprometerem num contrato de longo prazo, então a possibilidade de
negociar ex post pode prejudicar o incentivo de investir ex ante. Por exemplo,
suponhamos que o proprietário não possa comprometer-se a não usar a ame-
aça de despejo para reivindicar uma quota maior dos frutos de um investimento
não alienável específico da terra do arrendatário, quando o investimento fracassou,
digamos, com o aumento do aluguel. Antecipando-se a isto, o arrendatário
investirá menos do que o nível eficiente. Esse efeito pode ser modelado de
maneira semelhante à análise do problema do atraso na literatura dos contratos
incompletos (ver Hart, 1995, para uma revisão detalhada).31 Consideremos
uma extensão simples de dois períodos do nosso modelo básico da seção 3.1.
No primeiro período o modelo permanece como antes, mas agora o arrendatá-
rio pode efetuar investimentos específicos da terra, os quais aumentam a pro-
dutividade desta no período posterior da seguinte maneira: a produção é YH =
1 + x, com probabilidade e e YL = x com probabilidade 1 – e. Esse investimento
custa ½ γx2 para o arrendatário. Para simplificar, vamos assumir que a remune-
ração do segundo período não seja descontada, isto é, o fator de desconto é 1.
Se x for contratável, então o proprietário poderia simplesmente “comprar” do
arrendatário ao nível eficiente, dado por x = 1/γ, independente da relação de
arrendamento. Até mesmo se x não for contratável ex ante o nível eficiente de
investimento ainda pode ser alcançado, conquanto que o proprietário possa se
comprometer com um contrato de dois períodos com o arrendatário. Para veri-
ficar isto, vamos denotar a remuneração do proprietário quando a produção for
boa, como rh ≡ YH – h, e quando for baixa por rι ≡ YL – l. Se no período em curso
o contrato ótimo é (h, l), (partindo da análise da seção 3.1), então ao se compro-
meter em reter o arrendatário pelo período subseqüente e aumentar o aluguel
por um valor fixo ∆ no período seguinte (para uma safra boa ou ruim), o propri-
etário pode tornar o arrendatário um reclamante residual dos frutos de seu
investimento. Todavia, se o proprietário não puder comprometer-se a contratos
de longo prazo, então, já que o investimento específico da terra está “enterra-
do” nela, ele irá reotimizar e aumentar o aluguel em exatamente o mesmo valor
do investimento. O arrendatário não tem nenhum poder de barganha ex post
porque ele pode ser substituído por outro colono, e antecipando este fato, não
investirá nada. A literatura sugere que para evitar esta ineficiência, o arren-
datário deveria ser o dono da terra. Como foi discutido anteriormente, há
pouca probabilidade disso ocorrer, caso o arrendatário não possua riqueza
suficiente e tiver restrição de crédito. Nesses casos, se uma mudança no
ambiente contratual, ela facilitará para que o proprietário se comprometa
31
Ver também Besley, 1995, um modelo demonstrando os melhores direitos de propriedade da terra em que a segurança do
domínio melhora os incentivos de investimento.

246 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

em não despejar o colono, aumentarão os incentivos deste arrendatário


para efetuar investimentos.32
Resultado 8: Ao se tornar o despejo impossível cria-se condições para
que o proprietário comprometa-se com contratos de longo prazo, e então o
arrendatário irá aumentar sua oferta de investimento na terra.
Por último, consideremos o caso em que o investimento a ser realizado
pelo arrendatário, esteja sujeito a risco moral. Embora a ameaça de despejo
alivie o problema do risco moral na oferta de insumos correntes, como vimos
na seção anterior, ela pode piorar o problema do risco moral na oferta de insumos
de investimento porque, na presença da ameaça de despejo, o arrendatário
descontará o futuro mais pesadamente. Esta é a base do argumento padrão de
que a insegurança do domínio conduz a uma taxa mais baixa de investimento
na terra.33 Todavia, esse argumento geralmente ignora o fato de que o proprie-
tário também pode aperceber-se desse problema e se ele for muito sério, de
forma a dar origem a um excedente líquido inferior, não usará as ameaças de
despejo. Ademais, existem duas maneiras pelas quais as ameaças de despejo
podem ter um efeito positivo sobre o nível de investimento. O primeiro efeito
iguala-se exatamente ao das ameaças de despejo sobre o incentivo de se em-
preender esforço. O motivo pelo qual a ameaça de despejo aumenta o esforço
empreendido é porque o arrendatário preocupa-se com o valor esperado das
receitas futuras de seu emprego, e a perspectiva de perdê-los faz com que ele
trabalhe com mais dedicação. Da mesma forma, um investimento hoje aumenta
as chances de sucesso amanhã e, assim, de manter-se no emprego no dia se-
guinte ao amanhã, e conseqüentemente reagir positivamente às ameaças de
despejo. Em segundo lugar, se as ameaças de despejo aumentam o esforço
corrente, então isso irá aumentar as chances de manter o emprego no período
subseqüente e este efeito, também, é favorável ao investimento. O efeito das
ameaças de despejo sobre o investimento pode ser ambíguo. Mais ainda se per-
mitirmos que os esforços corrente e de investimento sejam tecnologicamente
complementares. Já analisamos este caso com detalhe em outro trabalho
(Banerjee e Ghatak, 1998), ampliando nossa análise da seguinte maneira: a
produção assume dois valores, 1 e 0, e a probabilidade de sucesso no período
t é p (et, xt-1) = et + βx t-1 onde xt-1 é o valor do insumo de investimento não
observável que é ofertado no período t – 1. Quer dizer, o investimento no
período em curso é simplesmente um substituto para o esforço empreendido
no período subseqüente. Acontece que o efeito global das ameaças de despejo
sobre o investimento é, na verdade, negativo. Todavia, o proprietário pode
escolher usar as ameaças de despejo, contanto que o efeito sobre a produção
esperada seja positivo (levando em conta seu efeito sobre os insumos e in-
vestimentos correntes). Em particular, elas serão usadas quando m for muito

32
Normalmente, ao se envolver uma terceira pessoa, o problema pode ser atenuado (p. ex. o tribunal do vilarejo), conquanto
que não haja possibilidade de conluio, mas isto é improvável no contexto presente, dada a dominância do proprietário sobre
o vilarejo.
33
Ver Bardhan, 1984, para conhecer a análise formal do jogo com dois períodos.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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baixo (mais baixo do que no modelo sem investimento não contratável), de


modo que as ameaças de despejo sejam muito eficazes no aumento do esforço
(ver resultado 5). A predição comparativa estática do modelo, no que diz respei-
to a m, sobre a eficiência global, é idêntica à nossa análise anterior: um aumento
no poder de barganha do arrendatário tenderá a aumentar a eficiência, a restri-
ção das possibilidades de despejo tenderão a reduzir a eficiência, e o efeito
líquido dependerá do tamanho do efeito do poder de barganha.

3.4 Generalizando os resultados


Os resultados nas seções anteriores são derivados dentro do que é
claramente um modelo muito especial. Nesta subseção nós discutimos ligeira-
mente as implicações de se relaxar algumas pressuposições desse modelo.34
3.4.1 Se os arrendatários forem avessos a riscos
Até agora, a simplicidade da nossa análise deve-se muito à presunção
de neutralidade a riscos. Com arrendatários avessos a riscos, a análise não só
torna-se mais complicada como também o efeito líquido da mudança no poder
de barganha pode ser negativo, já que um aumento do poder de barganha do
arrendatário pode levar o proprietário a prover um excedente extra, por meio de
um aumento no salário fracasso em vez de aumentar o salário sucesso (porque
a utilidade marginal da renda é maior no Estado anterior), o que enfraquecerá os
incentivos. Em outro trabalho (Banerjee e Ghatak, 1998), nós mostramos que
um aumento do poder de barganha do arrendatário no mesmo modelo, agora
com agentes avessos a riscos, aumenta seu esforço, contanto que a sua restri-
ção de responsabilidade limitada seja, inicialmente sujeitante.35 Também, as
evidências de contratos em Bengala Ocidental, discutidas na seção seguinte,
mostram que os arrendamentos de safra realmente aumentaram após a refor-
ma, o que é consistente com o nosso enfoque.

3.4.2 Heterogeneidade dos arrendatários e competição entre


os proprietários
Vimos trabalhando com a presunção de que todos os arrendatários são
idênticos e que existe apenas um proprietário. Ambas as presunções podem
ser relaxadas, sem alterar, qualitativamente, os nossos resultados principais.
Suponhamos que os arrendatários variem, em termos de algumas característi-
cas, tais como quantidade de riqueza que possuem ou sua qualificação. Isso
segue diretamente a análise da seção 3.1, de que um aumento da riqueza do
arrendatário aumentará a eficiência, aumentando a extensão da punição que o
proprietário poderá infligir no colono quando a produção for baixa, o que au-

34
Ver Banerjee e Ghatak, 1998, para uma análise detalhada dessas e outras questões, num modelo mais geral.
35
Para uma análise mais detalhada deste caso, ver Mookherjee, 1996.

248 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

mentará o esforço. Também, quanto maior for a riqueza de um arrendatário,


maior excedente o proprietário poderá transferir, sem custo, do arrendatário
para si, para qualquer nível de opção externa que o colono tiver, e assim, será
menor a probabilidade deste último auferir receitas. Nós não modelamos espe-
cificamente a qualificação do arrendatário, mas isto pode ser feito com alguma
facilidade, se introduzirmos um parâmetro θ na tecnologia da produção, que
afete a probabilidade de alta produção dado o esforço ou o custo do esforço
(qualquer um dos efeitos marginais de e). Aqui também, mantendo constantes
outras características do arrendatário, a produtividade da fazenda e a remune-
ração do proprietário serão crescentes. À medida que os colonos mais capaci-
tados são mais difíceis de se substituir, o proprietário estará menos inclinado a
usar as ameaças de despejo contra eles. Depois, suponhamos que abandone-
mos a hipótese de que existem muitos colonos e apenas um proprietário, admitin-
do a presença de muitos senhores no vilarejo, que competem entre si pelos colo-
nos no mercado de arrendamento de terras. A oferta e a demanda de terra para
arrendamento determinará o equilíbrio do valor de m. Um proprietário irá tomar m
como dado e oferecer um contrato compatível ao colono, que lhe oferecerá uma
renda esperada de pelo menos m. A ameaça de despejo pode ainda ser efetivamen-
te usada num equilíbrio competitivo se o valor de mercado de m for menor que m.36
Se alguns colonos forem mais ricos ou mais capacitados do que o resto, todos os
proprietários irão preferir tê-los como arrendatários e, portanto, haverá maior com-
petição por eles. Conseqüentemente, esses colonos terão opções externas melho-
res do que o resto e as ameaças de despejo já não serão tão eficazes contra eles.
Assim, as ameaças de despejo serão passíveis de serem usadas apenas contra os
colonos que têm um grande número de substitutos próximos.37

3.4.3 Se a produção exigisse que o proprietário provesse al-


guns insumos
Como foi enfatizado por Eswaran e Kotwal,1986, os proprietários po-
dem prover insumos importantes ao processo de produção, tais como o
gerenciamento. Se esses insumos não forem contratáveis,38 então uma redu-
ção da quota da safra que cabe ao proprietário poderá reduzir a oferta desses
insumos, o que tenderá a diminuir a produção. Entretanto, se este problema for
suficientemente sério que reduza a produção (vale lembrar que o correspon-
dente aumento na quota do arrendatário tenderá a aumentar a produção), o
arrendatário e o proprietário poderão chegar a um acordo por um aumento da

36
A lógica é semelhante a dos modelos de salário eficiente (por exemplo, Shapiro e Stiglitz, 1984): Se os salários afetam os
incentivos ao trabalho então eles também não abrirão o mercado. Isto implioca que o desemprego pode existir no equilíbrio
competitivo e a ameaça de demissão pode ser usada como um dispositivo de incentivo.
37
Alternativamente, se a mudança implica em um custo, ou se a produção de um colono contiver alguma informação
sobre o seu tipo, ser despejado será dispendioso para o colono e assim, isso poderia dar condições para o proprietário
usar ameaças de despejo como um dispositivo de incentivo. Novamente, este custo será mais baixo para os colonos mais
ricos e mais capacitados.
38
Insumos contratáveis, tais como sementes e fertilizantes também são providos pelo proprietário, em muitos casos, mas a
lei de Barga prevê, explicitamente uma fração maior para o proprietário, no caso de este prover todos esses insumos.

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quota do proprietário, em troca de um pagamento ao arrendatário.39 Por outro


lado, se esses insumos tomarem a forma de crédito, então será possível que,
passada a reforma, os proprietários estejam menos desejosos de emprestar
aos colonos, porque isto não mais ameaçaria os colonos recalcitrantes ou
inadimplentes com o despejo da terra. Com efeito, para os colonos mais pobres
talvez seja possível que o efeito da restrição de contrato negativa sobre os
incentivos ao trabalho também domine o efeito positivo do poder de barganha
no período pós-reforma. À medida que a reforma impõe efeitos negativos subs-
tanciais sobre a produtividade desses colonos, o proprietário poderia efetuar
pagamentos por fora, e cultivar a terra usando algum outro tipo de arranjo
contratual (digamos, cultivo pelo proprietário). À medida que essas transferên-
cias acontecessem, e o nosso levantamento diz que sim, o efeito positivo da
reforma do arrendamento sobre a produtividade seria mais alto do que sugere
a nossa análise até agora.

3.4.4 Outras extensões


Numa versão prévia deste documento, consideramos um sem núme-
ro de outras extensões do modelo. Por exemplo, demonstramos que os
nossos resultados não mudam de modo significativo se considerarmos um
conceito de equilíbrio diferente para analisar o jogo entre o proprietário e o
arrendatário. É sabido que se os jogadores forem pacientes ao empregar
estratégias dependentes da história, podem alcançar uma maior eficiência.
Analisamos o melhor equilíbrio dependente da história desse jogo, no qual o
proprietário e o arrendatário concordam num tipo de contrato estacionário
e os desvios levam à reversão do contrato único ótimo, que é o pior equilí-
brio perfeito, do ponto de vista do proprietário.40 Acontece que, ao passo
que esse equilíbrio é sempre mais eficiente do que o melhor equilíbrio de-
pendente da história, ele não alcança a eficiência completa, mesmo quando o
arrendatário é muito paciente e a estática comparativa desse equilíbrio seja
muito parecida com a estática comparativa estudada acima.
É possível que a reforma tenha tido efeitos indiretos que vão além
de seu efeito sobre a relação contratual entre um determinado proprietá-
rio e um arrendatário. Por exemplo, ao tornar o mercado de arrendamento
de terras menos ativo, ela poderia afetar negativamente o processo de se
alocar glebas de terra com qualidades diferentes com os colonos detento-
res de qualificação diferenciada. Por outro lado, argumenta-se
freqüentemente (ver Boyce, 1987) que as ações coletivas, no seio das
sociedades rurais (por exemplo, com relação ao gerenciamento dos recur-
sos hídricos), são seriamente prejudicadas pela desigualdade dentro da
sociedade, devido ao pequeno tamanho das glebas e, por conseguinte, o
número de beneficiários potenciais. Na medida em que a Operação Barga

39
Isto presume que o proprietário não tem limitação de dinheiro, mas parece razoável, já que ele possui terras.
40
Este é o equilíbrio que foi estudado por Dutta, Ray e Sengupta, 1989, em seu trabalho, já mencionado anteriormente.

250 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

levou a uma queda da desigualdade rural, ela poderia aliviar parcialmente


esses problemas de ações coletivas.

4. Os efeitos da reforma do arrendamento sobre a


segurança do domínio e sobre os contratos
A análise da seção anterior sugere dois mecanismos pelos quais a
reforma do arrendamento pode ter afetado a produtividade. O primeiro,
por meio dos melhores incentivos em ofertar insumos não contratáveis,
devido às altas quotas da safra originadas do fortalecimento do poder de
barganha do arrendatário, como resultado da implementação da cláusula
da lei que impedia o despejo. Antes da reforma, o proprietário podia fazer
ofertas do tipo “é pegar ou largar” ao arrendatário, porque ele podia despejá-
los facilmente. Devido à abundante oferta de colonos numa economia
com escassez de terras, o senhor tinha todo o poder de barganha e isto
resultou que a quota da safra destinada ao colono caísse para o nível mais
baixo possível, o que é consistente com a provisão do valor mínimo de
incentivos. Após a reforma, o proprietário não mais podia simplesmente
chegar e dizer ao colono arrendatário para sair. A opção externa do colo-
no não era mais abandonar a terra e assumir uma outra atividade mal
remunerada, mas permanecer na terra, registrar e reivindicar a quota legal
de 75%. Nos termos do nosso modelo teórico da seção 3 isto quer dizer
que o pagamento de reserva m de um colono arrendatário subiu após a
reforma e, de acordo com os resultados 3 e 7, isto aumentou a oferta de
insumos não contratáveis que lhes eram complementares. O segundo efeito
aconteceu por meio do efeito direto da segurança do domínio. O fato de
que o proprietário não mais poderia despejar o colono significou que as
ameaças de despejo não mais poderiam ser usadas como dispositivo de
incentivo; conseqüentemente, menos insumos não contratáveis serão
ofertados e a produtividade será mais baixa (Resultado 5). Por outro lado,
uma melhor segurança de domínio estimula investimentos específicos da
terra, já que ela garante ao colono que ele terá condições de permanecer na
terra e desfrutar os frutos desses investimentos (Resultado 8).41
Nesta seção, investigamos se, de fato, os colonos compartilhadores de
safra desfrutaram um domínio da terra mais permanente e uma quota da safra
superior, após a reforma. Para proceder à análise, fizemos um levantamento de
uma amostra estratificada aleatória de 480 arrendatários em 48 vilarejos de

41
Poder-se-ia argumentar que se a incapacidade de se utilizar a ameaça de despejo como dispositivo de incentivo reduz
sensivelmente a eficiência, então as duas partes deveriam continuar a usá-la, com o proprietário pagando ao colono por
fora, refletindo o aumento de seu poder de barganha. Mas a duradoura presença da reforma do arrendamento e a chance
que os colonos tinham de se cadastrar e usar a lei em proveito próprio, criariam sérios problemas de compromisso, para
ambas as partes, em usar esse tipo de arranjo. Por exemplo, um colono pode não ter condições de comprometer-se num
contrato desse tipo, porque, quando a safra for ruim, e o senhorio lhe pede para partir, ele pode ficar tentado a tomar
proveito da lei do arrendamento e assim evitar o despejo. Afinal de contas, a lei do arrendamento apenas aumenta as
receitas auferidas pelos colonos.

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Bengala Ocidental. As entrevistas incluíram perguntas detalhadas sobre diver-


sos aspectos da relação contratual entre proprietários e arrendatários, antes e
a pós a reforma. Relatamos, a seguir, alguns dos resultados da pesquisa.42

4.1 Segurança do domínio


Um dos efeitos pretendidos da reforma foi melhorar a segurança do
domínio da terra. Consideramos que, neste aspecto, a reforma foi muito bem
sucedida. Os dados indicam que o domínio da terra arrendada não era muito
seguro no período anterior à reforma. 74% dos colonos entrevistados afirma-
ram que no período pré-reforma, seus contratos não continham, na sua maio-
ria, a duração do arrendamento e eram sujeitos à rescisão, em qualquer tempo,
pelo proprietário. As ameaças de despejo eram comuns. A Tabela 1 apresenta o
percentual de colonos que sofreram despejo, e que receberam ameaça de des-
pejo. 80% dos entrevistados relataram que os proprietários usaram ameaça de
despejo em seus vilarejos, ao passo que 30% indicaram que eles próprios ou
seus pais foram realmente ameaçados. Em ambos os casos, cerca de 40%
afirmaram que as ameaças de despejo estavam relacionadas com baixa produ-
tividade. Os outros principais motivos de ameaças de despejo eram diversos
tipos de disputas entre o proprietário e o colono. Isto sugere que as ameaças de
despejo eram usadas como um instrumento de barganha.
Com a reforma, as ameaças de despejo mais ou menos desapareceram.
Conforme está indicado na Tabela 2, 96% de todos os entrevistados afirmaram
ser difícil ou impossível despejar colonos cadastrados e 67% informaram ser
difícil ou impossível despejar colonos não cadastrados. Parte do motivo pode
ser que mesmo um colono não cadastrado pode se cadastrar, se ele notar com
antecedência que está sofrendo uma ameaça de despejo. Com efeito, a grande
maioria de todos os colonos de nossa pesquisa disse que é possível para um
colono não cadastrado se cadastrar na hora que assim o desejar. 43 Por último,
despejos reais, no período pós-reforma, são muito raros: apenas 30% dos en-
trevistados indicaram que conhecem algum colono que tenha sido despejado,
em seu vilarejo, nos últimos dez anos.
Enquanto o cadastramento garantia a segurança do domínio da terra,
nem todos os arrendatários optaram por se cadastrar. Cerca de 69% dos
480 colonos entrevistados estavam cadastrados, um número próximo à
taxa global de cadastramento do Estado (65%), à época do levantamento. A
maioria daqueles que não se cadastraram indicaram que o motivo foi que
eles tinham boas relações com os patrões (isto é, eles dependiam mais do

42
Ver Banerjee e Ghatak, 1998, para uma discussão mais detalhada desse levantamento.
43
A lei previa a possibilidade de despejo preventivo pelo proprietário. Ao mesmo tempo, foi estipulado que a terra seria
imediatamente devolvida ao colono, com indenização pelo período durante o qual ele não teve acesso à terra, caso ele tivesse
sido ilegalmente despejado, contanto que ele se candidatasse ao registro num período não superior a dois anos após o despejo
(e o proprietário não conseguisse provar que a pessoa não cultivou a terra que lhe pertencia por pelo menos um ano) Ver S19B,
a Emenda à Lei de Reforma Agrária de Bengala Ocidental, 1980.

252 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

patrão para o consumo, produção e empréstimos de emergência), ou ti-


nham relações de parentesco com o proprietário.

4.2 Compartilhamentos de safra


As quotas de safra aumentaram significativamente após a reforma. A
Figura 5 compara a distribuição das quotas da principal colheita de arroz, aman,
no período pré-reforma até o período pós-reforma. Houve uma mudança signi-
ficativa, de 50% ou menos, para mais de 50% e receita fixa.44 Ademais, as
quotas aumentaram tanto para os colonos registrados quanto para aqueles
que não se cadastraram.45

5. O efeito da reforma sobre a produtividade


Nesta seção, desenvolvemos metodologias para estimar o efeito da
Operação Barga na produtividade agrícola em Bengala Ocidental. Dado
que as ameaças de despejo não eram usadas amplamente como dispositi-
vo de incentivo no período pré-reforma, como sugerem as evidências da
pesquisa, poderíamos esperar o efeito líquido da reforma de aumento da
produtividade, devido ao efeito do aumento do poder de barganha dos
colonos sobre as suas quotas da safra e o efeito de uma segurança de
domínio mais alta sobre os incentivos ao investimento. Todavia, ao passo
que nós conseguimos examinar o efeito da reforma sobre a segurança do
domínio da terra e a mudança nas quotas de safras, usando dados retros-
pectivos relativos à fazenda sobre os contratos, a falta de dados compará-
veis de gerenciamento das fazendas nos forçou a apelar para dados de
série histórica, em nível de distrito, para avaliar os efeitos sobre a produ-
tividade. Nossa estratégia empírica é estimular o efeito do cadastramento
no distrito, sobre a produção daquele distrito.
Começamos com a subseção 5.1, derivando a especificação empírica.
Primeiro, especificamos a equação da produtividade da fazenda individual,
resultante do comportamento de maximização do lucro, de acordo com o con-
trato específico daquela fazenda. Nesse modelo, identificamos o efeito da re-
forma como a diferença da eficiência geral ou eficiência X de uma fazenda que
oferecia a oportunidade de se cadastrar e a eficiência X de uma fazenda que não
tinha essa oportunidade. Então agregamos o modelo da fazenda ao distrito e
derivamos uma especificação que regride o registro das safras do distrito sobre

44
Outras pesquisas de campo realizadas por Kohl, 1987, e Chadha e Blaumik, 1992, baseadas em amostras menores também
relatam um aumento significativo na quota da safra dos colonos, após a reforma.
45
Vale notar que nem todos os arrendatários reivindicavam a sua quota legal de 75%. Essa heterogeneidade de resultados
pode ser explicada pelo fato de que, ao passo que o contrato legal era, na verdade a mesma opção padrão para todos os colonos
após a reforma, nem todos iriam realizar o mesmo aumento efetivo do poder de barganha. O fato de um colono arrendatário
ter condições de não depender do patrão no processo produtivo (digamos, em termos de compartilhamento dos custos de
insumos adquiridos) dependia de seus próprios recursos, e isto ditava o quanto da quota da safra iria aumentar. Ver Banerjee
e Ghatak, 1998, para uma análise formal.

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a taxa de cadastramento, distrito e efeitos fixos no tempo, e um conjunto


específico de controles variáveis, por tempo e distrito. Já que o modelo
agregado foi derivado de primitivas individuais, obtivemos uma interpreta-
ção específica do coeficiente sobre a taxa de cadastramento. Demonstra-
mos que o coeficiente é a diferença entre a eficiência X média dos colonos
com acesso ao cadastramento e a eficiência X média dos colonos que não
tiveram essa oportunidade.
Na subseção 5.2, discutimos a identificação da especificação derivada
em 5.1. Nossa estratégia de identificação explora o fato de que, devido a esfor-
ços governamentais diferenciados e a diversos atritos do lado da oferta, a
disponibilidade de oportunidades de cadastramento prosseguiu lentamente,
em ritmos variados entre os vilarejos dentro dos distritos. O fato de alguns
distritos terem conseguido implementar a Operação Barga com mais rapidez
nos forneceu os distritos de controle e de tratamento. Uma segunda estratégia
utiliza um conjunto de dados de série histórica em nível de distrito, de Bangladesh
como controles. Nós então discutimos três fontes de heterogeneidade não
observadas que podem impor um viés à estimativa do impacto do cadastramento
sobre as safras. A primeira é o fato de que a implementação da OB não foi
aleatória e pode ser correlacionada com fatores de produtividade omitidos. A
segunda, é que a decisão de se cadastrar, dada a oportunidade, pode estar
correlacionada com fatores de produtividade omitidos. A última é que o
cadastramento pode estar correlacionado com outros programas públicos. Nós
argumentamos que essas fontes de viés são minimizadas mediante o uso de
um estimador instrumental de efeito fixo.
Por último, nos voltamos para os dados. Na subseção 5.3 descrevemos
os dados e as medições das variáveis. Na subseção 5.4 apresentamos e discu-
timos os resultados das estimativas.

5.1 Especificação empírica


5.1.1 Produtividade da fazenda
Nosso ponto de partida é uma equação de produtividade de forma
reduzida, derivada de um modelo estrutural de maximização dos lucros. A
produção depende dos insumos não contratáveis do colono arrendatário
(p. ex. esforço), insumos contratáveis (p. ex., fertilizantes ou irrigação),
insumos fornecidos pelo poder público (p. ex., irrigação e estradas) e preci-
pitação pluviométrica. Os agricultores escolhem o esforço e os insumos
contratáveis para maximizar os lucros, sujeito à função de produção agríco-
la, aos parâmetros do contrato de arrendamento, ao insumos do poder pú-
blico e à precipitação. Assim, podemos descrever o produto i maximizador
de lucro da fazenda, por hectare (safra), num tempo t, como:

254 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

j j

onde A é a eficiência X da fazenda, c é um vetor de componentes do contrato (p.


ex., quota de safra, probabilidade de despejo por diferentes valores da produ-
ção, etc.), θ i representa características fixas do arrendatário e da fazenda (p. ex.
riqueza, qualificação, qualidade da terra), o Pjt representa os preços de mercado
da produção e dos insumos contratáveis, Xjt representa os insumos públicos
fornecidos pelo governo (p. ex. canais de irrigação, estradas para o escoamento
da safra), rit é a quantidade de chuvas sobre a fazenda durante o período t, e εit
é um choque aleatório mediano da produtividade.
O parâmetro A de eficiência X capta o efeito líquido dos dois tipos
reações contratuais que surgiram em resposta às reformas. O primeiro é o
efeito da melhor quota de safra dos arrendatários na oferta de insumos não
contratáveis (p. ex. esforço). O segundo é o efeito líquido da permanência do
domínio sobre a escolha dos insumos (insumos correntes e insumos de inves-
timento). Observe-se que a equação de produção adquire a forma de Cobb-
Douglas, o que implica que a eficiência é funcionalmente restrita de tal forma
que ela afeta a produtividade.
O objetivo de mensuração é determinar o efeito da Operação Barga so-
bre a eficiência X da fazenda. Lembremos que foi observado que os arrendatá-
rios renegociaram seus contratos e obtiveram termos mais vantajosos, após a
oportunidade de se cadastrar ter se tornado disponível para eles, não importan-
do se eles optaram ou não por se cadastrar. Portanto, precisamos levar em
conta os dois tipos de arrendatários em nossa análise. Digamos que An denote
a eficiência de uma fazenda arrendada no período pré reforma. Também diga-
mos que Ar e Au denotem a eficiência das fazendas arrendadas, cujos contratos
foram renegociados após a reforma, sendo a primeira referente a uma fazenda
cultivada por um colono cadastrado e a segunda por um colono não cadastra-
do. Por último, digamos que Ao denote a eficiência de uma fazenda cultivada
pelo dono, cuja produtividade não é afetada pela reforma.

5.1.2 Produtividade do distrito


Uma vez que os dados sobre a produção total só existem em nível de
distrito, nós temos que agregar o modelo de produtividade individual da fazen-
da àquele nível. A reforma alcançou colonos na forma de oportunidades de se
cadastrar junto à burocracia de terras. O governo, entretanto, não tinha condi-
ções de tornar a oportunidade de se cadastrar disponível para todos os colo-
nos ao mesmo tempo, dentro e entre os distritos. Em vez disso, como discuti-
remos com detalhes na seção de identificação adiante, as oportunidades de
cadastramento se expandiram pelos distritos, de vilarejo em vilarejo. Portanto,
a eficiência X média de um distrito, em qualquer ponto do tempo, depende da

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proporção de agricultores que eram arrendatários, da proporção de arrendatá-


rios que tiveram a oportunidade de se cadastrar e a proporção de pessoas que
optaram por se cadastrar (doravante chamada de taxa de adesão). Formalmen-
te, digamos que sd seja a porção de terra que é cultivada por arrendatários no
distrito d, v dt seja a quota do arrendatário que teve a oportunidade de se cadas-
trar no distrito d, e λd seja a taxa de adesão. Assim, a eficiência X média de um
distrito no período t é:

Adt = sd{v dt (λd Ar + (1 – λd) Au) + (1 – v dt) An} + (1 – sd)Ao (2)

Em princípio, gostaríamos de identificar o efeito da reforma com o exame


do efeito das oportunidades de cadastramento sobre a produtividade em nível de
distrito. Entretanto, não existe informação sobre o número de colonos que tive-
ram esta oportunidade. Existem, entretanto, informações específicas de tempo
sobre a proporção de colonos que se cadastraram. Portanto, podemos reescrever
a equação acima em termos da proporção de colonos que se cadastraram, b dt =
λdv dt. Assim, a eficiência X média é:

Rearrumando os termos e levando em conta os registros, temos:

ln Adt = ln {1+------s----------- b (λ--------A----------+---------(1–


d
dt
d
r
-------------------------------------------------)+ ---------------- --------}+ln(1– s ) A (4)
d λ )A –A
u n
d
n s A
d
o

Uma vez que 1n(1+x) ≈ x, quando o x é baixo, escreveremos a primeira


equação como:

sd A λd Ar +(1 – λd)Au – A
onde πd = ----------- -------n + ln(1 – sd) Ao e δ = ----------------------------------------------
1 − sd Ao λd Ao

O coeficiente δ mede o efeito da reforma sobre a produtividade agrícola.


O numerador do coeficiente é a eficiência X média dos colonos que tiveram a
oportunidade de se cadastrar menos a eficiência X dos agricultores que não
tiveram a oportunidade de se cadastrar, que é apenas o aumento marginal na
produtividade advinda das oportunidades de se cadastrar. O aumento médio é
também ponderado por um na taxa de adesão. Isto converte as unidades das

256 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

mudanças na produtividade devido às mudanças nas oportunidades de


cadastramento em produtividade, devido a mudanças na taxa de cadastramento.
Em princípio, o coeficiente δ pode variar de distrito em distrito se a taxa de
adesão variar por distrito. Entretanto, nós não temos uma variação da série tempo-
ral longa o suficiente dentro dos distritos que nos permita estimar as curvas espe-
cíficas dos distritos com muita precisão. Em vez disto, podemos estimar o efeito
médio por todos os distritos. Neste contexto, nossa especificação poderia ser
interpretada como um modelo de coeficiente aleatório.
Outra limitação é que os dados dos distritos sobre os preços das
safras estão disponíveis apenas para um número muito limitado de anos.
Entretanto, seus movimentos ao longo do tempo não são muito diferentes
entre os distritos. O motivo disto é que a maioria dos insumos (p. ex. ferti-
lizantes, sementes etc.) são distribuídos por órgãos do setor público e sub-
sidiadas pelo governo federal. Além disso, o governo, por meio de diversos
órgãos, compra uma boa parte da safra para distribuição pública, exporta-
ção e armazenamento. Assim, o governo controla com mão de ferro os
preços dos insumos e da produção (ver Misra e Puri, 1997, sobre a regulação
exercida pelo governo sobre os mercados agrícolas da Índia).
Ao passo que existe pouca variação interseccional dos preços, existe
ainda uma significativa variação da série temporal. Para controlar isso, incluí-
mos variáveis dummy anuais para captar os movimentos comuns dos preços,
ao longo do tempo, nos distritos. Os efeitos fixos anuais também controlam
quaisquer outros fatores não observados, variáveis com o tempo, e que são
comuns aos distritos, tais como mudanças tecnológicas.
Assim, a equação a ser estimada é:

Σ
sd
ln ydt = πd + ψt + δ --------- b dt + βj ln χjt + γ rdt + εdt (6)
1– sd j

onde ψt são os interceptos específicos de ano.

5.2 A identificação com o uso da variação intradistrito


O objetivo do exercício é medir o impacto da reforma sobre a produtivi-
dade agrícola. O ideal seria compararmos a produtividade de um conjunto de
vilarejos escolhidos aleatoriamente, onde foi oferecida a oportunidade de
cadastramento, com outro conjunto onde esta oportunidade não foi oferecida.
Não pudemos fazer isto por três motivos. Primeiro, a seqüência de vilarejos onde
foi oferecida a oportunidade de cadastramento não foi necessariamente escolhida
aleatoriamente. Segundo, não observamos, de fato, a progressão dessas oportuni-
dades – observamos apenas o número de agricultores que se cadastraram. Por
último, a progressão de oportunidades de cadastramento poderia estar
correlacionada com a progressão de outros programas (omitidos).

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Adotamos três enfoques para a identificação. Nosso primeiro e princi-


pal enfoque é a utilização de um estimador de efeito fixo. Na primeira subseção,
argumentamos que a principal fonte de variação na taxa de cadastramento são
os atritos pelo lado da oferta, que limitou a capacidade do governo de tornar as
oportunidades de cadastramento disponíveis, em todos os lugares, ao mesmo
tempo. Depois, na segunda subseção, mencionamos os fatos institucionais,
para argumentar que a oferta de oportunidades de cadastramento foi alocada
com base em características fixas, de modo que um estimador de efeitos fixos
é passível de controlar o caráter endógeno da taxa de cadastramento. Entretan-
to, não podemos eliminar completamente a possibilidade de que parte da vari-
ação da taxa de cadastramento ocorre por meio da demanda. Ao passo que boa
parte da variação da demanda deve-se a características fixas, outras se devem
a choques de produção idiossincráticos. Neste caso, os efeitos fixos não
conseguem controlar as características endógenas da taxa de cadastramento.
Nosso segundo enfoque, então, será usar um estimador instrumental dos
efeitos das variáveis de efeitos fixos, usando a taxa de cadastramento como
o instrumento. Por último, nosso terceiro enfoque foi usar o país vizinho,
Bangladesh (que é muito semelhante, geograficamente, mas não teve reforma
do arrendamento) como controle.

5.2.1 Fontes de variação na taxa de cadastramento


Como ficou claro na descrição anterior, os acampamentos de registro
foram um determinante crucial da taxa de cadastramento. Ao mesmo tempo em
que era possível se cadastrar sem a presença de um acampamento, era muito
mais difícil fazê-lo sem eles (Chattopadhyay et al, 1984, e Bandyopadhyay, 1997).
Na verdade, mais de 76% dos entrevistados cadastrados de nosso levantamen-
to afirmaram que o papel dos funcionários do governo e dos acampamentos de
registro foi o fator mais importante que os conduziu à decisão de se cadastrar.
O restante citou os governos locais e as organizações camponesas (16,5%), ou
a ameaça iminente de despejo (7,5%). Entre aqueles que não tinham se cadas-
trado à época da pesquisa, um número significativo (30%) disse que estava
tendo dificuldades, devido à fraca implementação da lei do arrendamento em
seus vilarejos. Isto está consistente com a nossa argumentação de que a varia-
ção da taxa agregada de cadastramento reflete as mudanças na oferta de opor-
tunidades de se cadastrar.
A implementação dos acampamentos de registro aconteceu mais lenta-
mente do que o esperado, e em ritmo diferente, entre os distritos. O governo
esperava, inicialmente que o programa teria condições de cadastrar a maioria
dos agricultores no período de um ano. Entretanto, devido a problemas
operacionais não previstos, que afetaram a implementação dos acampamen-

258 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

tos, o governo só teve condições de cadastrar 13% dos agricultores no primeiro


ano. Assim, o processo teve que ser estendido por um período muito maior.
Esses atritos operacionais eram típicos numa situação onde uma burocra-
cia muito centralizada e hierárquica buscava implementar um programa dessa mag-
nitude numa área imensa e muito diversificada, envolvendo inúmeros indivíduos, e
exigindo uma coordenação entre diversos órgãos oficiais e não oficiais. As enchen-
tes sem precedentes ocorridas em 1978 foram outro fator importante que contri-
buíram para o arrefecimento do processo de cadastramento, pois desviaram a
atenção dos burocratas e dos governos locais (Lieten, 1992). Os problemas logísticos
foram agravados pela infra-estrutura rudimentar, e pelos novos e desconhecidos
métodos dos acampamentos de registro (Chattopadhyay et al , 1994). Além do
mais, a resistência dos proprietários reduziu a intensidade do progresso do
cadastramento e sobrecarregou o governo com gastos legais. Com efeito, o progra-
ma foi interrompido por muitos meses em 1979, para remover os obstáculos legais
criados pelos senhores da terra (Ghosh, 1981).
Para a nossa estratégia de identificação funcionar, é crucial que esses
itens de variação de tempo, na difusão do acesso às oportunidades de
cadastramento, tenham operado de maneira diferente entre os distritos. As-
sim, o fato de que as oportunidades de cadastramento se tornaram disponí-
veis em alguns distritos mais rapidamente que em outros, nos dá os distritos
de controle e tratamento. Existem diversos motivos pelos quais nós devería-
mos esperar que este fosse o caso. Primeiro, os distritos tinham diferentes
recursos burocráticos e infra-estrutura física, o que resultou em acampamen-
tos de registro com capacidades diferenciadas. Em segundo lugar, o Estado
alocou maiores recursos aos distritos com maior concentração de agriculto-
res compartilhadores de safra e onde as taxas de cadastramento da Operação
Barga eram relativamente mais baixas. Terceiro, a distribuição geográfica dos
arrendatários variava, de distrito a distrito, de modo que o custo marginal de
se oferecer oportunidades de cadastramento variava entre os distritos. Em
quarto lugar, as diferenças de forças políticas dos partidos políticos, o poder
dos proprietários e a história de movimentos camponeses significava que
havia muitas diferenças no apoio político ao processo de reforma (ver
Chattopadhyay et alii, 1984).
As informações obtidas de nossa pesquisa de 1995 apóiam a hipótese
de que a oferta de oportunidades não chegou a todos os vilarejos ao mesmo
tempo. Há uma quantidade considerável de variação entre os vilarejos, em
termos do ano pico de cadastramento (Figura 6). Ao passo que o ano de 1980
foi o de número mais alto de vilarejos que registraram um pico de cadastramento,
alguns vilarejos só alcançaram esse pico em 1994, dezesseis anos após o
lançamento do programa.
A Figura 7 mostra a variação entre distritos ao ritmo temporal da taxa de
cadastramento. Os argumentos nessa seção sugerem que a variação verificada na

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taxa de cadastramento observada ao longo do tempo, pode ser atribuída, em boa


parte, aos atritos do “lado da oferta” das oportunidades de cadastramento.

5.2.2 Fontes de condições endógenas pelo lado da oferta


Ao passo que os atritos do lado da oferta explicam a maior parte da
variação da taxa de cadastramento, a distribuição das oportunidades de
cadastramento não foi aleatória. Se o governo primeiro introduzisse oportuni-
dades de cadastramento em distritos com maior ou menor produtividade, en-
tão a taxa de cadastramento estaria correlacionada com características de pro-
dutividade não observadas e as nossas estimativas estariam inconsistentes.
Na verdade, as descrições institucionais do processo de cadastramento suge-
rem que foram alocados mais recursos aos distritos com maior concentração
de arrendatários e taxas de cadastramento mais baixas (Chattopadhyay et al.,
1984). Registre-se, entretanto que esses são fatores não variantes com o tem-
po. Portanto, o distrito fixou os efeitos de controle para esta fonte de viés.
Um problema semelhante poderia ocorrer se a ordem de vilarejos seleci-
onada dentro de um distrito fosse baseada na produtividade (nível de produti-
vidade ou potencial de crescimento). Por exemplo, os burocratas optam por ir
aos vilarejos onde a reforma teria, logo de cara, o máximo impacto. Em entrevis-
ta particular, o Comissário de Imposto Territorial encarregado de implementar a
Operação Barga afirmou que os vilarejos foram escolhidos unicamente com
base na concentração de arrendatários compartilhadores de safra. Quer dizer,
eles foram aos vilarejos onde havia a maior concentração de arrendatários para
que estes fossem registrados primeiro. Isto é confirmado por Chattopadhyay et
alii (1984), que relatam que a taxa de cadastramento era correlacionada positi-
vamente com a concentração de colonos arrendatários, em nível de vilarejo.
Chattopadhyay et alii também relatam que o cadastramento não era
correlacionado com outras características do vilarejo, como área irrigada como
fração da área cultivada ou distância até a estação de trem. Isto sugere que,
dentro da seleção do vilarejo no distrito, não há probabilidade de que esta
esteja correlacionada aos fatores de produção não observados.

5.2.3 Fontes de condições endógenas pelo lado da demanda


Ao passo que as variações causadas por atritos na oferta de oportuni-
dades de cadastramento serem claramente importantes, o cadastramento é,
em último lugar uma escolha, e nós temos também que nos preocupar com o
fato de que todas as pessoas são igualmente passíveis de se cadastrarem. A
decisão do colono de se cadastrar será provavelmente afetada por sua quali-
ficação, riqueza e parentesco com o patrão, ou outras características que
estejam ou associadas ao poder de barganha ou à dependência com relação
ao patrão. Os colonos mais ricos, mais empreendedores têm maiores possibi-

260 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

lidades de ser produtivos e de adotar tecnologias dirigidas ao aperfeiçoamen-


to da produtividade. Esses indivíduos também são mais passíveis de se ca-
dastrarem. Assim, um distrito que tenha uma proporção maior de arrendatá-
rios mais produtivos será passível de ter uma produção mais alta, bem como
um cadastramento maior. Conseqüentemente, é importante controlar a
heterogeneidade não observada que possa vir a confundir as estimativas.
Entretanto, já que essas características individuais serão constantes ao lon-
go do tempo, elas não apresentam nenhum problema, contanto que permita-
mos efeitos fixos em nível de distrito.
Podemos também nos preocupar com as mudanças nas condições de
mercado (p. ex. preços, salários e tecnologia) que afetam a produtividade, e que
podem também afetar a probabilidade de cadastramento. Como foi discutido
anteriormente, esses movimentos nas características do mercado ao longo do
tempo, são basicamente os mesmos, entre distritos, e são, portanto captadas
pelo mesmo efeito de tempo fixo.
Por último, uma pequena parte das decisões de se cadastrar pode
ser motivada por choques idiossincráticos, isto é, choques que variam ao
longo do tempo pelos distritos. Por exemplo, uma seca ou uma enchente,
afetaria a produtividade e, por conseguinte, a decisão de se cadastrar. Ao
passo que nós controlamos estritamente a precipitação, pode haver ou-
tros choques de produtividade, específicos dos distritos, que afetam as
opções de cadastramento. De modo a controlar esta fonte, nós
instrumentalizamos a taxa de cadastramento usando a taxa de
cadastramento atrasada. Presumindo que não há correlação em série, a
taxa de cadastramento feito com atraso não está correlacionada com cho-
ques de produtividade contemporâneos e, portanto é um instrumento vá-
lido. É improvável que esteja presente uma correlação em série, com a
implementação do programa, já que a oferta de oportunidades baseou-se
em fatores fixos e atritos operacionais. A outra possível fonte de correla-
ção em série vem por meio dos choques de produtividade idiossincráticos.
Isto nos parece improvável, porque a principal fonte de flutuações na
produção agrícola na Índia é o clima (Myrdal, 1968).

5.2.4 Programas omitidos, como fontes de viés


Uma fonte bem diferente de um potencial viés advém da possibilidade
de haver programas públicos que foram implementados ou fortalecidos na
mesma época que a Operação Barga. A própria OB não proveu nenhum outro
serviço público aos agricultores, além das oportunidades de se cadastrarem e
do cumprimento das leis de arrendamento. Entretanto, nós não podemos igno-
rar a possibilidade de que outros programas implementados independente-
mente da OB tenham sido mais bem implementados nos distritos com burocra-
cias mais competentes e que, portanto, podem ter correlação com a

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implementação da OB. Neste caso, o coeficiente sobre a OB incluiria o impacto


desses outros programas.
Durante esse período, houve três grandes programas que precisamos
levar em consideração. Em primeiro lugar, houve uma grande expansão da infra-
estrutura em Bengala Ocidental. Controlamos para o investimento público em
infra-estrutura, incluindo medidas da disponibilidade de irrigação pública e
estradas dentro dos distritos. Em segundo lugar, o governo da Frente de Es-
querda deu início a um programa de crédito subsidiado para os agricultores. No
entanto, o programa alcançou um sucesso limitado em termos de cobertura e
sustentabilidade, devido ao conhecido problema enfrentado pelo setor públi-
co, de emprestar nas áreas rurais, com altos custos de transação e baixos
retornos dos pagamentos pelos empréstimos (Kohli, 1987). Na verdade, 87%
dos entrevistados em nossa pesquisa indicaram que nunca haviam contraído
empréstimos com instituições governamentais ou comerciais. Por último, o
governo também distribuiu uma quantidade limitada de terra excedente (isto é,
acima do teto estabelecido pelas leis de reforma agrária da Índia) para os cam-
poneses pobres sem terra. Ao longo de todo o período (1977-93) de nossa
análise, a terra distribuída desta maneira constituiu-se em cerca de 2% da área
líquida cultivada do Estado. Com relação a este fato, a maioria desse trabalho
de distribuição de terras (cerca de 70% das terras distribuídas) já havia sido
feito antes de a Frente de Esquerda assumir o governo e, portanto, antes da
implementação da Operação Barga (Gazdar e Sengupta, 1997).
Por último, a taxa de cadastramento poderia estar pegando carona no
papel fortalecido dos governos locais (panchayats) na implementação de progra-
mas públicos em nível de vilarejo. Uma das principais maneiras pela qual a OB
fortaleceu o cumprimento das leis de arrendamento foi concedendo poderes
aos governos locais para que estes enfrentassem a influência dos senhores da
terra. Antes da OB, os latifundiários poderosos haviam solapado a alocação de
recursos públicos e o cumprimento das leis de arrendamento. Assim, um dos
efeitos colaterais da OB pode ter sido o de tornar os governos locais mais
eficientes no provimento de serviços e programas públicos (Kohli, 1987). Par-
tes dessa externalidade é captada por meio da quantidade de programas públi-
cos (irrigação, estradas etc.). No entanto, pode ter havido outros programas que
foram influenciados pela implementação mais eficiente, que não são captadas
por essas variáveis. Assim, não podemos excluir a possibilidade de que a taxa
de cadastramento pegou carona no fortalecimento da implementação de ou-
tros programas, estimulado pela OB, bem como os efeitos de produtividade da
reestruturação dos contratos e do aumento dos investimentos.

5.3 A identificação, usando Bangladesh como um controle


Uma estratégia de identificação alternativa é a utilização dos dados
de série histórica de Bangladesh como controle. Bangladesh não introduziu

262 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

reformas do arrendamento e, portanto, provê uma variação exógena para a


reforma das políticas. No entanto, para que aquele país seja um controle
válido, ele deve guardar semelhanças com Bengala Ocidental em outros
aspectos. Antes da independência em 1947, Bangladesh e Bengala Ociden-
tal constituíam um mesmo Estado (Bengala), na Índia não dividida. Atual-
mente, eles compartilham condições agroclimáticas semelhantes, a predo-
minância do arrendamento e tecnologia agrícolas (Boyce, 1987). Da mesma
forma, a população de Bangladesh e de Bengala Ocidental compartilham o
mesmo idioma e a mesma cultura. À exceção das fronteiras políticas e
religiosas, as duas regiões são bastante semelhantes. Quaisquer diferen-
ças originadas por fatores religiosos e outras características fixas são
captadas por meio dos efeitos fixos dos distritos. Nós também controla-
mos parachoques comuns nessas duas regiões num dado ano, variação
da precipitação e insumos públicos. Este enfoque oferece a vantagem de
resolver a questão do caráter endógeno da taxa de cadastramento. No
entanto, é possível que a Operação Barga não tenha sido a única fonte
restante de diferenças de tempo e entre distritos, na produtividade entre
Bengala Ocidental e Bangladesh durante o período. Outras diferenças im-
portantes, tais como a política macroeconômica, podem confundir-se com
o efeito estimado da reforma.

5.4 Estimativas e resultados


Estimamos o modelo utilizando dados em nível de distrito, de 1979
a 1993, construído a partir de dados de fontes oficiais do governo. Os
dados abrangem 15 anos de informação sobre 14 distritos de Bengala Oci-
dental e 15 distritos de Bangladesh. Dos distritos de Bengala Ocidental,
excluímos Calcutá, que é quase que completamente urbanizado, e Purulia,
para o qual não havia dados disponíveis sobre o cadastramento para um
número significativo de anos. Dentre os distritos de Bangladesh, excluímos
oito distritos, para os quais não havia dados disponíveis para um número
significativo de anos, especialmente pelas mudanças nas fronteiras admi-
nistrativas desses distritos. Os dados incluem informações sobre a produ-
ção agregada de todas as safras, safras de arroz, o percentual de agriculto-
res cadastrados, a área de cobertura da irrigação pública, extensão das
estradas construídas e mantidas pelos departamentos de obras públicas, e
a precipitação total anual.46 As duas primeiras da lista são variáveis depen-
dentes e as demais são variáveis independentes. As estatísticas descritivas
para as duas amostras são apresentadas na Tabela 3.
O modelo analítico sugere que a taxa de cadastramento deveria ser pon-
derada pela fração de terras cultivadas por colonos arrendatários nos distritos.
46
Os dados de produção, irrigação, estradas e precipitação de Bengala Ocidental foram retirados do Economic Review, 1977-
93, e do Statistical Abstract, 1990, publicados pelo governo de Bengala Ocidental. Os dados de cadastramento dos agricultores
foram obtidos do Núcleo de Estatística, Departamento de Reforma Agária, governo de Bengala Ocidental. Os dados de
Bangladesh foram obtidos do Anuário Estatístico de Bangladesh, Dacca: Escritório de Estatística de Bangladesh, Divisão de
Estatística, Ministério do Planejamento, Governo da República Popular de Bangladesh, 1977-93.

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No entanto, os dados mais confiáveis, nos distrito, sobre a porção de terras


cultivadas por arrendatários, são os do Censo de 1951 (existe uma certa con-
trovérsia sobre a porção estimada de terras cultivadas por arrendatários em
Bengala Ocidental. O principal motivo é a falta de registros de terras confiáveis
e a tendência de ocultar o arrendamento para burlar a lei do arrendamento
(Bardhan, 1970). O Censo de 1951 foi realizado antes da promulgação das leis
de arrendamento. Ele é considerado o estudo mais abrangente e confiável so-
bre o assunto. De acordo com alguns autores, a variação entre distritos, da
extensão do compartilhamento de safras provavelmente não mudou muito nas
duas décadas seguintes (Boyce, 1987). Nós estimamos ambos os modelos,
ponderado e não ponderado, o coeficiente da taxa de cadastramento subsume
a relação da fração de terras cultivadas por arrendatários a um menos a fração
de terras cultivadas por arrendatários.
Os dados de Bangladesh são menos completos do que os dados de
Bengala Ocidental. Não existem informações disponíveis sobre estradas, antes
de 1984, em Bangladesh. Ademais, esses países utilizam pesos e anos base
diferentes para o índice de produção agregada de todas as safras e, portanto,
não são comparáveis. Em razão de os dados de Bangladesh proverem informa-
ções superidentificadoras, nós estimamos modelos separados para a amostra
de Bengala Ocidental e para a amostra combinada. Também estimamos a amos-
tra combinada separadamente para todo o período, sem as estradas, e para o
período 1984-93 com as estradas.
As variáveis dependentes são os registros naturais da produção total e da
produção de arroz. Estimamos modelos para a produção de todas as safras e
para a produção de arroz. O arroz é o principal componente da produção agrícola
de Bengala Ocidental e Bangladesh, e é plantado em mais de 70% da área cultiva-
da. O índice de produção de todas as safras de Bengala Ocidental aumentou em
mais de 69% no período de quinze anos, sugerindo um grande aumento da
produtividade. Da mesma forma, a produção de arroz aumentou mais de 67% em
Bengala Ocidental e cerca de 45%, no mesmo período, em Bangladesh.
As variáveis independentes também apresentam um crescimento subs-
tancial ao longo do mesmo período. Em Bengala Ocidental, a taxa de cadastramento
aumentou de 23% para 65%. O governo de Bengala Ocidental também aumentou
os investimentos públicos em infra-estrutura nas áreas rurais, com ênfase espe-
cial na irrigação, transportes, comunicações, saúde e educação. Por exemplo, a
área com irrigação pública aumentou em 28% elevando a fração de área cultivada
com irrigação pública para 25% ao final do período. Da mesma forma, a extensão
de estradas aumentou em 8% no mesmo período.
Os resultados da regressão são apresentados nas Tabelas 4 e 5. A
Tabela 4 relata os resultados usando a taxa de cadastramento não ponderada,
e a Tabela 5 apresenta os resultados usando a taxa de cadastramento ponde-
rada. O coeficiente da taxa de cadastramento nos modelos ponderados não é
diretamente comparável aos modelos que utilizam a taxa de cadastramento

264 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

não ponderada. As tabelas são divididas em duas seções. As primeiras quatro


colunas apresentam os modelos estimados usando a amostra de Bengala
Ocidental, e as quatro últimas colunas apresentam os modelos estimados
usando as amostras combinadas de Bengala Ocidental e de Bangladesh. As
duas primeiras colunas da parte de Bengala Ocidental apresentam os efeitos
fixos e as estimativas dos efeitos fixos das variáveis instrumentais, usando o
registro natural da produção de todas as safras como a variável dependente,
e as duas segundas usando o registro natural da produção de arroz.47 Todos
os quatro modelos da seção da amostra combinada utilizam o registro natural
da produção de arroz como variável dependente.
O parâmetro chave de interesse é a taxa de cadastramento. 48 O coeficiente
estimado é positivo, e significativamente diferente de zero no nível de 5% ou no nível
de 1% em 14 dos 16 modelos. Os efeitos fixos das variáveis instrumentais, especial-
mente na amostra de Bengala Ocidental. Em termos globais, as estimativas das amos-
tras combinadas são ligeiramente maiores do que as da amostra de Bengala Ociden-
tal. Entretanto, em todos os casos, os intervalos de confiança de 95% das estimativas
por pontos incluem as estimativas por pontos dos outros modelos. Esses resultados
sugerem fortemente que a taxa de cadastramento está associada positivamente à
produtividade agrícola mais alta e estão consistentes com a hipótese de que a refor-
ma do arrendamento implementada pela Operação Barga aumentou a produtividade.
As ordens de magnitude estimadas dos efeitos são apresentadas
nas Tabelas 6 e 7. As colunas correspondem aos cabeçalhos das tabelas 4
e 5, respectivamente. A primeira linha relata o efeito da mudança observada
na taxa de cadastramento entre 1979 e 1993, sobre as safras agrícolas. Para
os modelos não ponderados, isto foi calculado por meio da multiplicação
do coeficiente de regressão da taxa de cadastramento pela mudança no
cadastramento. Já que a variável dependente é o registro das safras, o resul-
tado é interpretado como a mudança percentual. Para os modelos pondera-
dos, isto é multiplicado por sd/ (1 – sd). 49 As estimativas do efeito da

47
Todos os modelos que utilizaram a amostragem de Bengala Ocidental foram também estimados usando uma amostra
restrita ao período 1978-1988, quando ocorreu a maior mudança no cadastramento. Os resultados foram bastante seme-
lhantes a aqueles relatados aqui e, portanto, não foram incluídos. Estão, no entanto, disponíveis para consulta.
48
Os outros coeficientes estimados são consistentes com as expectativas. Em todos os modelos, os efeitos fixos dos distritos
e os efeitos fixos anuais são ambos conjuntamente bem diferentes de zero ao nível de 1%. A irrigação e as estradas são
associadas positivamente à produção. A precipitação é associada negativamente à produção. Isto reflete o fato de que a
principal safra é a tradicional variedade de arroz de monção, que em geral sofre mais com os efeitos das enchentes ou
problemas de drenagem do que de problemas de falta de chuva (o que é o caso das safras da estação seca do inverno). E
o efeito de flutuações muito agudas da precipitação, tais como uma grande enchente ou uma seca severa, sempre afetaram
toda a região oriental da Índia.
49
A maioria das estimativas oficiais e não oficiais do total da área cultivada sob arrendamento em Bengala Ocidental no
início dos anos setenta situa-se entre 18 – 40%. Ver Bandyopadhyay, 1997, Banerjee, 1973, e Bardhan, 1970. Acredita-se
que a estimativa mais baixa (18%), obtida pelo Levantamento Amostral Nacional (NSS) para 1971 esteja subestimada,
devido a problemas relacionados à definição de arrendamento (p. ex., os arrendatários que trabalhavam sob contratos de
longo prazo foram considerados proprietários), e à ocultação da real situação, para esquivar-se das leis de arrendamento
(ver Bardhan, 1970). Esta conclusão é corroborada pela descoberta de outros estudos de nível micro, sobre domínio de
terras, num dos vilarejos mais cuidadosamente estudados na Índia, Palanpur, no Estado de Uttar Pradesh. Sharma e Dreze
(1996) encontraram uma proporção de terras sob arrendamento como sendo 28%, ao passo que Bliss e Stern (1982)
chegaram ao número de 22%, diferente da estimativa de 18%. Nós utilizamos a estimativa de 30% do Censo de 1951, que
também está no meio do intervalo das outras estimativas.

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mudança observada no cadastramento sobre as safras, nos 16 diferentes


modelos variam de um aumento de 7,9% para 23%. As segundas linhas das
tabelas 6 e 7 relatam o efeito do cadastramento sobre as safras, como um
percentual da mudança total das safras, entre 1979 e 1993. Isto foi calcula-
do com a divisão da primeira linha pela percentagem de crescimento global
das safras entre 1979 e 1993, apresentado na tabela 3. A estimativa
percentual do crescimento total das safras, explicada pela mudança no
cadastramento dos 16 diferentes modelos varia de 11,4% a 34,3%. A última
linha das tabelas relata as mudanças da produtividade dos arrendatários,
necessárias para se alcançar as mudanças de todas as safras agrícolas apre-
sentadas na primeira linha. Obtém-se este resultado por meio da divisão da
primeira linha pelo percentual da terra cultivada por arrendatários. Estas
estimativas variam de 26,3% a 76,6%. Portanto, as nossas estimativas suge-
rem que o efeito das reformas do arrendamento, implementadas por meio
da Operação Barga, aumentou a produtividade das fazendas arrendadas
para compartilhamento de safras entre um quarto e três quartos, por meio
de contratos mais aperfeiçoados e maiores investimentos.
Ao passo que todos os modelos produziram estimativas razoavel-
mente próximas entre si, sugerindo que os nossos resultados são robus-
tos, o nosso modelo preferido é o de estimativas de efeitos fixos não
ponderados que usam a amostragem de Bengala Ocidental. Existem vários
motivos. Primeiro, as ponderações são de um levantamento realizado em
1951, conduzido mais de 25 anos antes do início de nosso período de
estudo. Em segundo lugar, embora não possamos ignorar completamente,
não acreditamos que choques idiossincráticos conduzam ao
cadastramento. Em terceiro lugar, tivemos alguma preocupação sobre se
seria apropriado usar Bangladesh como controles. Ao usar o nosso mode-
lo preferido, estimamos que a Operação Barga aumentou a produção de
todas as safras em 12,1%, o que perfaz 17,4% do aumento total das safras
no período de 15 anos. As safras arrendadas teriam que aumentar em
40,2% para alcançar o aumento global de 12,1%. Além disso, estimamos
que a Operação Barga aumentou a produção de arroz em 11,3%, o que
perfaz 16,9% do crescimento total da produção de arroz. As safras arren-
dadas teriam que aumentar em 37,8%.
Nossas estimativas estão consistentes com as estimativas de outros
estudos sobre o impacto de se mudar os incentivos sobre a produtividade
agrícola. Shaban, 1987, encontrou uma diferença de 38 pontos percentuais
na produtividade entre fazendas cultivadas pelos proprietários e fazendas
arrendadas na Índia. Laffont e Matoussi mostraram que, uma substituição do
sistema de arrendamento pelo sistema de aluguel fixo aumentou a produção
em 50% na Tunísia. Lin, 1992, estimou que houve um aumento de 42% na
produtividade agrícola após a substituição das fazendas coletivas pela agri-
cultura familiar na China. Belsey, 1995, descobriu que uma substituição dos

266 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

direitos comunitários de propriedade de terras por direitos individuais au-


mentou a probabilidade de investimento na terra em 28% em Gana.

6. Conclusão
Concluímos que, embora na teoria a reforma do arrendamento possa ter
efeito positivo ou negativo sobre a produtividade, as evidências de Bengala
Ocidental sugerem que a reforma desempenhou um papel importante no cres-
cimento da produtividade agrícola, por meio do aumento das quotas da safra
em mãos dos arrendatários e uma maior segurança do domínio da terra. No
entanto, o tipo de dado agregado que nós usamos aqui, para analisar os efeitos
da reforma do arrendamento sobre a produtividade agrícola, é claramente ina-
dequado para uma total compreensão da opção contratual e de seus efeitos
sobre a produtividade a nível micro. Trabalhos futuros, baseados em dados em
nível de propriedade, sobre escolha de insumos e a produtividade dos arrenda-
tários, tanto sobre a terra própria ou alugada, e sobre os contratos sob os quais
eles trabalham, incluindo a escolha por se cadastrar, são necessários para a
compreensão dessas questões importantes.

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7. Anexo

7.1 O problema do Contrato Ótimo na simulação para um período


Dados m e w o contrato ótimo é uma solução de maximização da remuneração
do senhorio:

max π = e – {eh + (1 – e) l} (7)


C = {e,h,l}

sujeito às seguintes restrições:

(i) A restrição da responsabilidade limitada (LLC) requer que a


quantidade de dinheiro cobrada do arrendatário em qualquer
estado do mundo é limitada acima pela sua riqueza (w) e
produção:

h ≥ − (1 + w), l ≥ − w (8)

(ii) A restrição de participação (PC) do arrendatário exige que (h,l)


assegure um pagamento esperado igual a m (dado
exogenamente) ao arrendatário, dado e:

v = eh + (1 – e) l – ½ ce² ≥ m (9)

(iii) A restrição de compatibilidade de incentivo (ICC) requer que


o arrendatário escolha o nível de esforço e de modo a maximizar
a sua remuneração particular, dados (h ,l), já que e não é
observável, portanto, não contratável:

e = arg max ( v = eh + (1 – e) l – ½ ce²)


e ∈[0,1]
(10)

= min ( 1, max {-----h------c–---- l , 0} )

Observe-se que o contrato de incentivo ótimo (h,l) tem que Ter h > l, porque se
h for menor ou igual a l, teremos do ICC, e = 0 e o proprietário receberá – l, ao
passo que para o mesmo l se ele estabelecer 1 menor ou igual a h > l ele obterá
e{1 – (h – l)} – l menor ou igual a –l. Isso implica também que uma das duas
restrições de responsabilidade limitada, h, menor ou igual a –(1 + w) não podem
ser vinculantes. O excedente total esperado, gerado por um projeto é:

S = e – ce²/2

268 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

Ao longo do texto nós assumimos que c > 1, para que o excedente total seja
maximizado no interior quando

e = 1/c ≡ e

O excedente total é, portanto

1
S = ----------- ≡ S
2c

É fácil verificar que nós nunca poderemos ter h – l > c num contrato ótimo.
Suponhamos que (h0, l0) seja um contrato ótimo, de modo que h0, l0 > c. Então
e0 = 1 da ICC , e as remunerações respectivas serão π = 1 – h 0 e
v = (h0 – 1) + 1 – ½ c. Agora vamos considerar o contrato (h1, l1), de modo que
h1– l1 = 1. Então, e = e = 1/c e π = – l1 e v = l1 + max e {e – 1/2ce2}. Ao
estabelecer l1 < h0 – 1 o patrão estará em melhor situação e considerando que
max e∈[0,1] {e – 1/2ce2} > 1 – 1/2c por definição o arrendatário também estará em
melhor situação. Isso implica que o ICC poderá ser reescrito como:

Vamos substituir e usando o ICC e reescrever a equação do contrato ótimo


como sendo:
h–l (h–l)²
max π (h,l) = ---------- – ---------- – l
(h,l) c c

sujeito a:

l≥ –w
(h – l)²
------------------ + l ≥ m
2c

Sendo π côncavo e as restrições convexas para h maior a l, maior ou igual a –


w, as condições Kuhn-Tucker dão o máximo global a este problema de progra-
mação. Digamos que λ e µ sejam os multiplicadores Lagrangeanos associa-
dos à LLC e à PC respectivamente. Observe-se que λ é maior ou igual a zero e
µ também, já que o w crescente e o m decrescente relaxam as restrições e
aumentam os lucros do senhorio. As condições de primeira ordem com rela-
ção a h e l são:

1 2 1
-----c----- – ----c- (h – l) + µ -----c--- (h – l) = 0 (11)

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1 2 1
– --------- + ---------- (h – l) – 1 + λ – µ ------ (h – l) + µ = 0 (12)
c c c

Ao somarmos (11) e (12) nós obtemos:

λ+µ= 1 (13)

Isto demonstra que, num contrato ótimo (h,l), pelo menos uma das duas
restrições, a LLC e a PC tem que ser vinculante.

Se a LLC não for vinculante então λ = 0 e µ = 1 na (13), h – l = 1 na (11).


Ao substituir na ICC, e = 1/c e na PC l = m – 1/2c. Este é, portanto um contrato
de renda fixa onde o esforço do arrendatário está no primeiro melhor nível e.
Num contrato desse tipo, o excedente total esperado é 1/2c, que é igual ao nível
primeiro melhor. Enquanto que w ≥ 1/2c – m, ou, m + w ≥ 1/2c, o arrendatário terá
condições de pagar um aluguel fixo igual à parte do senhorio, no excedente
esperado de primeiro melhor em todos os estados do mundo e esse contrato
eficiente será viável. Sendo a PC vinculante neste contrato, o arrendatário rece-
berá uma participação de m do primeiro melhor excedente e o proprietário
receberá o restante, ou seja 1/2c – m.
Nos casos onde tanto PC e LCC sejam vinculantes no contrato ótimo,
então ao resolvê-los nós obteremos l = – w e h = 2c(m + w) – w e do ICC,

e= 2 (m + w) .
c
Nesse contrato o excedente total esperado é 2 (m + w) – (m + w).
c
Observe-se que para m + w = 1/2c, a solução neste caso coincide com o caso
anterior. Além do mais, tanto o excedente de esforço quanto o excedente social
são crescentes e funções côncavas de (m + w) para 0 < m + w < 1/2c. Assim,
para m + w < 1/2c, o esforço e o excedente estão abaixo do primeiro melhor.
Nesse contrato, PC é vinculante, portanto a remuneração esperada do arrendatário
será m, e a do proprietário será o valor remanescente de excedente esperado.
Por último, se PC não for vinculante num contrato ótimo, nós obte-
mos l = – w do LLC,h = ½ – w da equação (11) e e = 1/2c do ICC. Neste caso, o
excedente social total será 3/8c. Observe-se que para m + w = 1/8c, a solução
neste caso coincide com o caso anterior. Por outro lado, considerando que
tanto o esforço quanto o excedente são crescentes em (m + w) para 0 < m + w
< 1/2c, ocorre que eles são maiores neste caso, quando m + w < 1/8c, ao
compararmos com o caso anterior, onde PC é vinculante. Neste caso o PC não
é mais vinculante e assim a remuneração do arrendatário é obtida na avaliação
de sua remuneração esperada sob este contrato, que é de 1/8c. A remuneração
do proprietário é, portanto, 1/4c.
Para resumir, quando temos m + w maior ou igual a 1/2c, um contrato
de renda fixa é viável e nós obteremos o primeiro melhor nível de esforço.

270 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

Assim, neste caso, mudanças no w não terão nenhum efeito sobre o contrato
ou sobre as remunerações. Do mesmo modo, os aumentos de m são acomoda-
dos ao se aumentar as remunerações pelo sucesso e fracasso na mesma pro-
porção, de modo a manter o esforço constante e assim, neste caso, a fronteira
possibilidade-utilidade será uma linha de 45 graus.
Caso m + w < 1/2c, então um contrato eficiente de renda fixa, como o
descrito no parágrafo anterior será viável, porém não mais maximizará os lucros
esperados do proprietário. O motivo é, conquanto que LLC não seja vinculante,
o arrendatário possui riqueza suficiente que pode ser utilizada para realizar
pagamentos por fora e, portanto, as partes irão maximizar o excedente total
esperado independentemente do poder de barganha. Contudo, se w for pequeno,
pode não convir ao proprietário exigir muito do arrendatário, principalmente se
m for baixo, e a fatia do bolo do proprietário for muito grande. Isto leva o
proprietário a tomar dinheiro do estado, onde for viável, ou seja, quando a
produção é alta. Neste caso, o arrendatário ganha menos do que a sua produção
marginal e isso reduz o incentivo de empreender mais esforço, reduzindo assim
o excedente total esperado, se comparado ao primeiro melhor nível, mas o
proprietário está em melhor situação. Também, neste caso, o excedente de
esforço e o excedente social são crescentes em m e w. Um aumento na riqueza
do arrendatário w relaxa a restrição de responsabilidade limitada, fonte de
ineficiência neste modelo, e assim aumenta e. Da mesma forma, contanto que o
arrendatário receba menos do que o produto marginal inteiro, ou seja, 1 > h – l,
o proprietário irá preferir o êxito ao fracasso, ou 1– h > – l. Assim, à medida
que cresce o m, já que, de qualquer modo o proprietário terá que pagar ao
arrendatário uma quantidade extra de dinheiro, ele ficará em melhor situação se
fizer o pagamento na forma de aumento na remuneração pelo êxito. Isto provoca
um aumento em e.50
Entretanto, há um ponto além do qual o benefício marginal obtido
pelo proprietário ao reduzir h, aumentando o valor do aluguel, é contraposto
pelo seu efeito de reduzir a chance de receber esse aluguel mais alto, ou seja, o
esforço. Em particular, para m + w <1/8c, o proprietário fica em melhores
condições se oferecer h = ½ – w, o que resulta num esforço de e = 1/2c do que
tentar segurar o arrendatário em sua remuneração de reserva m. Neste caso o
arrendatário ganha rendimentos porque a PC não vincula e por pressuposição,
a sua remuneração 1/8c > m + w > m. 51
50
Em outro texto, (Banerjee e Ghatak, 1998) nós mostramos que quando o arrendatário é avesso a riscos este raciocínio em
geral não se aplica, mas, quando a LCC é vinculante ele se comprova.
51
Observe-se que, contanto que a restrição de participação vincule, um arrendatário que possua maior riqueza terá que
pagar ao patrão um valor mais alto de aluguel fixo, mas ele obtém participação maior na produção e seu esforço também é
maior. Esses efeitos se eliminam já que a sua remuneração líquida é m, a mesma de outra pessoa com menos posses. Todavia,
se a restrição de participação não for vinculante, então um arrendatário com muito poucas posses receberá 1/8c, ao passo
que um arrendatário com muitas posses receberá m, porque, para ele a restrição de participação seria vinculante e assim os
inquilinos mais ricos seriam incentivados a esconder sua riqueza.

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7.2 O Problema do Contrato Ótimo e a Simulação Repetida Indefini-


damente
A utlilidade esperada de um arrendatário no período corrente, de
escolher hoje um nível e de esforço, V0, deve satisfazer a equação de Bellman:

(
V0 = Max{e ∈[0,1]} eh+ δ [ ϕe + (1 – e) ψ] (V – M) + δM – (1 – e)w – (½)ce² )
Levando em conta a hipótese de Markov, a utilidade esperada a partir do
próximo período, V , é independente da escolha atual de e. Isto produz uma
restrição de incentivo/compatibilidade:

h + w + d( V – M)(j – y ) = ce (14)

Ao compararmos com a restrição de incentivo/compatibilidade, na si-


mulação de um tempo, observamos que a existência do aluguel e a perspicácia
do arrendatário reduzem o custo marginal de se implementar e, a um valor de
d(V – M)( j – y) .
Primeiro demonstramos que j = 1 e y = 0 no contrato dinâmico
ótimo. Contanto que o arrendatário ainda esteja recebendo mais do que a sua
opção externa, o aumento da probabilidade de despejo oferece uma vantagem
importante sobre o aumento de h, em prover mais incentivos – ou seja, do
ponto de vista do proprietário isto não custa nada, não afeta diretamente a sua
receita, contanto que a restrição de participação não seja vinculante, a única
coisa que será afetada é a restrição de incentivo/compatibilidade e da equação
(14) observamos que ela será estabelecida a um valor mínimo possível, 0. Por
outro lado, nós não podemos obter j < 1 num nível ótimo com ameaças de
despejo, pois é dispendioso punir inquilinos pelo sucesso em termos de incen-
tivos e, ademais, isso reduz a eficácia dos atuais incentivos, ou seja h, que
custam caro do ponto de vista dos lucros do proprietário.
Assim, a equação (14) torna-se:

h + w + d(V – M) = ce (15)
A restrição de participação do arrendatário é:

V0 ≥ M
Ao contrário da simulação de um tempo, aqui o arrendatário tem visão
prospectiva e, portanto, preocupa-se com a expectativa de utilidade em vez da
utilidade do período atual. Como veremos, num equilíbrio com despejo a restri-
ção de participação não é vinculante – se fosse, as ameaças de despejo não
teriam nenhuma força. Num equilíbrio estático, V0 =
≥ V nós obtemos:
V – M = eh – (1 – e)w – ½ ce² – m
(16)
1 – de

272 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

a qual, ao se substituir a equação (15) na equação (16) obtemos:

V – M = ½ ce² – w – m (17)
Em seguida demonstramos que as ameaças de despejo são usadas so-
mente quando PC não é vinculante no modelo de um período, ou seja, m < m.
Observe-se que a PC (em termos de utilidade esperada) é vinculante neste
modelo se V – M = 0 , o que implica e = 2 (m + w) da equação (17), o valor
c
do esforço do equilíbrio para a gama de parâmetros para os quais PC é vinculante
no modelo de um período. Lembre-se que m = 1/8c – w é o valor de m no
modelo de um tempo, de modo que para m < m a restrição de participação não
é vinculante e para m maior ou igual a m PC é vinculante. Ao substituirmos m =
m na equação (17) e e = 2 (m + w) observamos que V – M é de fato igual a
c
zero. Assim, se V – M = 0 então PC é vinculante no modelo de um período. Da
mesma forma, se V – M = 0 , a ICC deste problema também se torna idêntica
a aquela do modelo de um período e, portanto, os resultados daquele
modelo se aplicam.
Estamos agora prontos para provar o seguinte: Quando m é menor que
m, as ameaças de despejo serão usadas como instrumento de incentivo adici-
onal e o valor de e será maior do que quando os despejos não são possíveis,
embora abaixo do primeiro melhor nível. À medida que m aumenta em direção a
m, o valor de e diminui e a utilidade esperada do arrendatário, V é mais baixa
quando as ameaças de despejo são usadas, quando comparadas com o mode-
lo estático. Pelo fato de haver um equilíbrio de Markov e de não existir poupan-
ça ou investimento no modelo, o problema do proprietário neste caso continua
sendo uma maximização estática. A única diferença com o caso analisado na seção
anterior advém da possibilidade de usar ameaças de despejo da terra como um
instrumento de incentivo. A chave dessa possibilidade está no fato, observado acima,
de que, no equilíbrio estático, um arrendatário que tem responsabilidade limitada poderá
ganhar receita. Como resultado, o arrendatário preferirá não perder o seu emprego. Por
outro lado, há disponibilidade de todos os tipos de inquilinos (em termos de riqueza) e,
portanto, não fará diferença para o proprietário reter ou despejar determinado colono. É,
portanto esperado que ele despeje um arrendatário cuja produção seja baixa e mantenha
o arrendatário que apresente alta produção. Assim, podemos presumir que o proprietário
pode comprometer-se a uma função de despejo que especifique a probabilidade de
despejo para cada safra. O problema da escolha ótima do contrato é:
Max{e,h,l} e(1 – h) – (1 – e)l
sujeito às restrições de participação, compatibilidade de incentivo e
responsabilidade limitada, ou seja, V – M maior ou igual a zero (13) e l maior ou
igual a –w. Já que apenas as duas últimas restrições são vinculantes num equi-
líbrio de despejo, podemos reescrever a função objetivo do proprietário como:

{e}
(18)

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O proprietário resolve, portanto, o que leva à condição de primeira ordem


(19)
Observe-se que a condição de segunda ordem do problema do proprie-
tário também é satisfeita. Das equações (19) e (17) podemos resolver para e e
para V como funções dos parâmetros do modelo, m, δ e c. Nossa hipótese
assegura que essas equações podem ser resolvidas para se obter um único
valor positivo real de e, que se situa entre 1/2c e 1/c, o que prova que o nível de
esforço é maior com ameaças de despejo, se comparado ao modelo de um
período, mas é inferior ao primeiro melhor. Observe-se que a equação (17)
define V – M como uma função de e continuamente crescente e côncava, de
modo que V – M = 1/8c – w – m, para e = 1/2c e V – M = 1/2c – w – m para
e = 1/c. Por outro lado, a equação (19) define V – M como uma função linear
crescente de e, de modo que V – M = 0, para e = 1/2c e V – M = 1/δ para
e = 1/c. Por suposição, nós temos um caso onde 1/8c – w – m > 0 (PC não é
vinculante na simulação de um período) e 0 < 1/2c – w – m < 1 < 1/δ, com
c > 1, δ < 1 e temos um caso onde 1/2c – w – m > 0 (de outro modo um contrato
de renda fixa alcançará o primeiro melhor). Ademais, quando e = 1 (17) temos
V – M = c/2 – w, ao passo que a equação (19) dá V – M = 2c – 1/δ, com a
primeira menor que a segunda, já que c > 1 e δ < 1. Isto demonstra que não
existe outro valor de e < 1 que satisfaça as equações (19) e (17).
Da mesma forma podemos resolver para as outras variáveis
endógenas, h e V. Diferenciando totalmente as equações (19) e (17) com
relação a m, nós obtemos:
¶e =– δ <0
¶m c – δe )
2(1
Ao substituir (15) na (19) observamos que:

h= ½ – d ½ (V – M) – w < ½ – w
Portanto, h é mais baixo no equilíbrio de despejo, quando comparamos
com o equilíbrio sem despejo. Aliado ao maior esforço, a utilidade do arrendatário
por período (v = eh – (1 – e) w – ½ce2) tem que ser inferior. Observe-se que v = m no
equilíbrio sem despejo e, portanto a utilidade esperada do arrendatário é m/1– δ,
que é maior do que a do equilíbrio de despejo, v/1– δe, ambos porque a utilidade
do arrendatário por período é inferior e a taxa efetiva de desconto é mais baixa .

7.3 O Problema do Contrato Ótimo com Investimento

7.3.1 Investimentos Contratáveis pelo Proprietário


Como vimos antes, a produção adquire dois valores, 1 e 0 e o proprietário
escolhe o quanto pagará ao colono quando a produção for alta e baixa, h e l.
Digamos que p(e, x) ∈ [0,1] seja a probabilidade de uma alta produção, onde e ∈
[1,0] é o insumo do esforço não observável, empreendido pelo colono e x é o

274 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
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nível de insumo de investimento inicial. Também assumimos que p(e, x) é uma


função de e, crescente e côncava. Assumimos uma função de custo do esforço
para o arrendatário, c(e), que presume-se seja crescente e convexa. O problema
do contrato ótimo será:
max π = p(e,x )(1 – h) – (1 – p(e, x))l
{e,h,l}

sujeito às restrições de compatibilidade do incentivo, responsabilidade limita-


da e participação: p(e,x )(h – l) = c’(e)
e

l≥ –w
p(e,x)h+(1 – p(e,x ))l – c(e) ≥ m

A equação de Lagrange é:

L = p(e, x)(1 – h) – (1 – p(e,x ))l + γ{p(e,


e x)(h – l) – c’(e)}
+λ (l + w) + µ {p(e,x)h + (1 – p(e,x ))l – c(e) – m}

onde γ, λ e µ são os multiplicadores Lagrange associados às restrições


(i), (ii) e (iii).

Vamos agora supor que x ∈ [0,1] seja um insumo contratável e que p(e,x)
satisfaça as propriedades padrão de uma clássica função neoclássica côncava
de dois insumos, incluindo as condições Inada. Suponhamos que o custo por
unidade desse insumo seja uma constante. Pela teoria envelope, temos:
¶p = ¶ L
¶ x ¶x
= p(e,x)
x – (1 – m)p(e,x)(h
x – l) + γp(e,x)(h
ex – l)

= p(e,x)
x [ e
c
1 + 1 – µ p(e,x) {p (e,x) p(e,x)p(e,x)
ex
p(e,x) – 1
e x
}]
p(e,x) c das condições de
usando os fatores g = l p(e,x) , l = 1 - m e (h – l) = p(e,x )
e e
primeira ordem. A classe de função de produção na qual as elasticidades
de cada um dos dois insumos não dependem do nível do outro insumo é
representada por p(e,x) = f(e)g(x), onde f(.) e g(.) são funções crescentes e
côncavas. Assim:
¶p = p(e,x) = f(e)g’(x)
x
¶x
se x é endógena, então o proprietário escolherá o seu nível de modo a
¶p
estabelecer ao seu custo marginal, p. Já que o retorno marginal de x é
¶x
crescente em e, o qual por sua vez é crescente em m, esses tipos de insumos
têm mais probabilidades de serem fornecidos após a reforma.

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Tabela 1: A Frequência das Ameaças de Despejo no Período Pré-Reforma

Em sua aldeia, Alguma vez os


os proprietários proprietários
usaram ameaças ameaçaram você
de despejo? ou seu pai com
o despejo?

Percentagem dos que responderam “sim” 79,9% 30,02%


Ameaçados, mas jamais despejados 32,0% 16,91%
Ameaçados e despejados 67,9% 13,11%

Das pessoas que admitiram sofrer ameaças de despejo, o principal motivo foi:
Baixa produção 49,0% 41,6%
Divergências na partilha 23,1% 9,6%
O colono se recusou a trabalhar de graça 20,0% 3,2%
O colono pediu compartilhamento do custo 0,00% 1,6%
O colono não arou a terra do proprietário primeiro 0,00% 2,4%
O colono não obedeceu instruções 13,9% 18,4%
Retomada da terra para auto cultivo 4,1% 23,2%
Número de entrevistados 478 473

Tabela 2: A Possibilidade de Despejo no Período Pós-Reforma


Porcentagem de Qual a dificuldade de Qual a dificuldade de
colonos que despejar um colono despejar um colono
indicaram cadastrado, contra a não-cadastrado,
sua vontade, após a contra a sua vontade,
reforma? após a reforma?

Muito fácil 0,0% 1,46%


Possível 2,3% 23,22%
É possível ou não 1,3% 9%
Difícil 65,5% 65,27%
Impossível 31,0% 1,05%
Número de entrevistados 478 480

280 Estudos NEAD 5


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Tabela 3: Sumário Estatístico


Variáveis Produção de Produção de Taxa de cadas- Irrigação Extensão Precipitação
todas as safras arroz (quilos tramento pública das estradas (milímetros)
(base: 1971 = 100) por hectare) (proporção) (hectare) (km)*

Bengala Ocidental (210 observações: 14 Distritos de 1979 a 1993)


Média
Geral 140,22 1.620,94 0,54 76.257,03 1190,00 1.880,06
Desvio
Padrão
(global) 34,60 482,32 0,19 94.807,97 512,08 821,46
Desvio
Padrão
(interno) 27,78 343,49 0,12 17.840,70 90,38 368,05
Média em
1979 104,11 1.220,82 0,23 66.672,90 1119,00 1.448,50
Média em
1993 176,35 2.040,04 0,65 84.739,70 1217,07 2.067,70
% de
mudança
79-93 69,38 67,10 182,61 27,09 8,76 42,74
Taxa de
crescimen-
to anual 4,03 4,11 2,30 1,68 0,37 1,45

Bangladesh (225 observações: 15 Distritos de 1979 a 1993)

Média
Geral - 1.543,01 0 120.632,3 687,53 2.312,05
Desvio
Padrão
(global) - 318,36 0 77.458,53 238,83 872,31
Desvio
Padrão
(interno) - 235,45 0 44.992,23 114,24 467,02
Média
em 1979 - 1.281,99 0 78.334,55 583,02 2.210,00
Média
em 1993 - 1.853,23 0 169.710,10 809,26 2.663,31
% de
mudança
79-93 - 44,54 0 116,64 38,80 20,51
Taxa de
cresci-
mento
anual - 2,79 0 5,75 5,14 -0,12
Nota: Os números relatados são médias anuais computadas de dados em nível de distrito. A última linha de cada tabela revela
a taxa percentual de crescimento anual computada ao se adaptar a tendência exponencial da fórmula in (y) = a + bt
*Para Bangladesh os dados por distrito relativos a estradas só estão disponíveis a partir de 1984. Assim, o ponto inicial da
série de dados rodoviários inicia-se a partir de 1984, e não a partir de 1979.

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Tabela 4:

282
Modelos de Produção Utilizando Taxa de Cadastramento Não-Ponderada; Coeficientes Estimados e Estatísticas T.
Amostra de Bengala Ocidental Amostra Combinada de Bengala Ocidental
e Bangladesh

Todas as safras Produção de arroz Produção de arroz Produção de arroz


Amostragem de 1979-1993 Amostragem de 1984-1993

Variável Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos


Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV

Taxa de Cadastramento 0.287 0.476 0.270 0.459 0.471 0.547 0.247 0.438
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

(2.11) (3.18) (1.84) (2.84) (6.09) (6.735) (1.95) (3.15)

Irrigação 0.037 0.035 0.025 0.023 0.093 0.096 0.027 0.028


(1.71) (1.63) (1.07) (1.01) (5.98) (6.11) (1.66) (1.65)

Estradas 0.294 0.304 0.289 0.299 – – -0.02 -0.008


(3.00) (3.09) (2.74) (2.82) (-0.54) (-0.20)

Precipitação -0.113 -0.104 -0.075 -0.066 0.004 -0.000 -0.067 -0.063


(2.51) (2.30) (-1.55) (-1.37) (0.14) (-0.01) (-2.08) (-1.96)h

Estatísticas F para significação conjunta


de efeitos conjuntos por Distrito 23.57 23.97 13.19 13.58 22.21 111.14 21.09 120.15

Estatísticas F para significação conjunta


dos efeitos dos anos fixos 21.11 19.58 27.6 26.34 29.23 27.69 37.51 35.40

R2 ajustado 0.87 – 0.90 – 0.85 – 0.88 –

Tamanho da Amostra 210 210 210 210 428 428 357 357

Estudos NEAD 5
Tabela 5:
Modelos de Produção Utilizando Taxa de Cadastramento Não-Ponderada; Coeficientes Estimados e Estatísticas T.

Amostra de Bengala Ocidental Amostra Combinada de Bengala Ocidental


e Bangladesh

Todas as safras Produção de arroz Produção de arroz Produção de arroz


Amostragem de 1979-1993 Amostragem de 1984-1993

Variável Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos


Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV

Taxa de Cadastramento 0.439 0.789 0.505 0.837 0.883 1.099 0.665 1.03
(1.22) (2.06) (1.31) (2.04) (5.74) (6.27) (1.97) (2.03)

Irrigação 0.038 0.038 0.03 0.03 0.092 0.094 0.027 0.028

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


(1.78) (1.76) (1.13) (1.12) (5.85) (5.85) (1.61) (1.66)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS)


Estradas 0.263 0.251 0.257 0.245 – – -0.032 -0.028
(2.66) (2.52) (2.42) (2.30) (-0.819) (-0.715)

Precipitação -0.119 -0.113 -0.079 -0.074 0.011 0.008 -0.062 -0.064


(2.62) (2.49) (-1.63) (-1.52) (0.36) (0.26) (-2.07) (-1.98)

Estatísticas F para significação conjunta


de efeitos conjuntos por Distrito 20.87 23.35 11.92 156.17 24.03 24.12 23.49 23.43

Estatísticas F para significação conjunta


dos efeitos dos anos fixos 25.10 105.37 30.24 28.93 30.88 29.46 41.16 45.40

R2 ajustado 0.87 – 0.90 – 0.87 – 0.88 –

Tamanho da Amostra 210 210 210 210 428 428 357 357
Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

283
Tabela 6:

284
Efeitos Estimados do Cadastramento sobre os Modelos de Produção Usando a Taxa de Cadastramento Não-Ponderada.
Amostra de Bengala Ocidental Amostra Combinada de Bengala Ocidental
e Bangladesh

Todas as safras Produção de arroz Produção de arroz Produção de arroz


Amostragem de 1978-1993 Amostragem de 1984-1993

Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos


Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV

∆ % de toda a produção agrícola 12.1% 20.0% 11.3% 19.3% 19.8% 23.0% 10.4% 18.4%
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

% do total ∆ na produção 17.4% 28.8% 16.8% 28,7% 29.5%, 34.3% 15.5% 27.4%

% ∆ na produção compartilhada 40.2% 66.6% 37.8% 64,3% 65.9% 76.6% 34.6% 61.3%

Tabela 7:
Efeito Estimado do Cadastramento sobre os Modelos de Produção, Usando a Taxa de Cadastramento Ponderada.
Amostra de Bengala Ocidental Amostra Combinada de Bengala Ocidental
e Bangladesh

Todas as safras Produção de arroz Produção de arroz Produção de arroz


Amostragem de 1978-1993 Amostragem de 1984-1993

Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos Efeitos


Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV Fixos Fixos IV

∆ % de toda a produção agrícola 7.9% 14.2% 9.1% 15.1% 15.9% 19.8% 12.0% 18.5%

% do total ∆ na produção 11.4% 20.5% 13.6% 22.5% 23.6% 29.5% 17.9% 27.6%

% ∆ na produção compartilhada 26.3% 47.3% 30.3% 50.2% 53.0% 65.9% 39.9% 61.8%

Estudos NEAD 5
Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

0.70

0.60
Produção de Registro

0.50

0.40

0.30

0.20

0.10

0.00

Ano

Figura 1: Porcentagem de colonos cadastrados como compartilhadores de


safra em Bengala Ocidental, 1978-94.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 285
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

180

160

140
Produção de todas as safras

120

100

80

60

40

20

0
1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993
Ano

2500

2000
Produção de arroz

1500

1000

500

0
1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

Ano

Figura 2: Produção de todas as safras (Base: 1971 = 100) e Rice (K. G.s/
hectare) em West Bengal (1977-1993).

286 Estudos NEAD 5


Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

1 C D

1 A B
2c

0 1 1 m
m= -w m= -w
8e 2c

Figura 3: O esforço como função da reserva de remuneração do colono na


ausência de ameaças de despejo.

1 C D

c
A

1 B
2c

0 1 1 m
m= -w m= -w
8c 2c

Figura 4: O esforço como função da reserva de remuneração do colono na


presença de ameaças de despejo.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 287
Abhjit V. Banerjee, Paul J. Gertler e Maitreesh Ghatak

100%
90%
80%
70%
Pré-Reforma
60%
Pós-Reforma
50%
40%
30%
20%
10%
0%
0.25 to 0.5 0.5 to 0.75 to Fixed
0.5 0.75 1 Rent

Figura 5: Contratos de arrendatários para arroz aman.

18

16

14

12

10

Figura 6: Nº de vilarejos com máximo de registro

288 Estudos NEAD 5


Taxa de Registro
1977 197 7 1977 1977

1978 197 8 1978 1978


1979 197 9 1979 1979

1980 198 0 1980 1980

Distrito 13
Distrito 09
Distrito 05
Distrito 01

1981 198 1 1981 1981


1982 198 2 1982 1982

1983 198 3 1983 1983

1984 198 4 1984 1984


1985 198 5 1985 1985
1986 198 6 1986 1986

1987 198 7 1987 1987


1988 198 8 1988 1988

1989 198 9 1989 1989


1990 199 0 1990 1990
1991 199 1 1991 1991

1992 199 2 1992 1992

1993 199 3 1993 1993

1977 197 7 1977 1977

1978 197 8 1978 1978


1979 197 9 1979 1979

Distrito 14
Distrito 10
Distrito 06
Distrito 02

1980 198 0 1980 1980


1981 198 1 1981 1981

1982 198 2 1982 1982


1983 198 3 1983 1983

1984 198 4 1984 1984


1985 198 5 1985 1985
1986 198 6 1986 1986

1987 198 7 1987 1987


1988 198 8 1988 1988

1989 198 9 1989 1989


1990 199 0 1990 1990

1991 199 1 1991 1991

West Bengal por distrito, 1978-1994


1992 199 2 1992 1992

1993 199 3 1993 1993

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS)
197 7 1977 1977

197 8 1978 1978


197 9 1979 1979
Distrito 11

198 0 1980 1980


Distrito 07
Distrito 03

198 1 1981 1981

198 2 1982 1982


198 3 1983 1983

198 4 1984 1984


198 5 1985 1985
198 6 1986 1986

198 7 1987 1987


198 8 1988 1988

198 9 1989 1989


199 0 1990 1990
199 1 1991 1991

199 2 1992 1992

199 3 1993 1993

197 7 1977 1977


197 8 1978 1978
197 9 1979 1979
Distrito 12
Distrito 08
Distrito 05

198 0 1980 1980

198 1 1981 1981


198 2 1982 1982
198 3 1983 1983

198 4 1984 1984


198 5 1985 1985

198 6 1986 1986


198 7 1987 1987

198 8 1988 1988


198 9 1989 1989

199 0 1990 1990


199 1 1991 1991

199 2 1992 1992


199 3 1993 1993
Transferência de poderes e eficiência: uma análise econômica
de um programa de reforma de arrendamento de terras da Índia

Figura 7: Taxa de registro dos cadastros compartilhadores de safras em

289
Reforma Agrária,
Redução da Pobreza
e Crescimento:
evidências da Índia

Timothy Besley
Robin Burgess
Departamento de Economia e STICERD - London School of Economics
Resumo

Recentemente tem surgido um renovado interesse pelas relações entre


redistribuição, crescimento e bem-estar. As reformas agrárias tornaram-se
centrais para as estratégias de melhoramento da base patrimonial dos pobres
nos países em desenvolvimento, muito embora a sua efetividade tenha sido
prejudicada por restrições políticas na implementação. Nesse artigo, nós usamos
dados em painel dos dezesseis principais Estados da Índia de 1958 a 1992 para
julgar se as reformas agrárias, como têm sido implementadas, tiveram um
apreciável impacto sobre o crescimento e sobre a pobreza. As evidências sugerem
que as reformas agrárias têm uma forte associação com redução da pobreza.

1. Introdução

Recentemente, tem surgido um renovado interesse no estudo de como


os diferentes tipos de redistribuição têm potencial de afetar o bem-estar e o
crescimento. Um leque de tipos de redistribuição foi implementado pelos governos
como forma de conter a pobreza e a desigualdade. Entretanto, existe uma análise
rigorosa, porém muito limitada, de se esses esforços redistributivos foram bem
sucedidos no alcance dos objetivos pretendidos. Essa é uma preocupação
particular na medida em que existe uma ampla evidência sugerindo que a
efetividade dessas medidas é freqüentemente escondida pelas restrições políticas
no ato da implementação. Ademais, existe uma questão de se quaisquer melhoras
na eqüidade e na pobreza alcançadas via uma forma particular de redistribuição
são acompanhadas por reduções no crescimento. Isto é, existe uma questão
empírica central: se os tipos diferentes de redistribuição acarretam uma escolha
entre eqüidade e eficiência.

292 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Nesse artigo, estudamos uma forma particular de melhora na


redistribuição, chamada reforma agrária. Durante o período pós-colonial, a
melhora na base patrimonial dos pobres foi vista como um dos componentes
de estratégia para aliviar a pobreza endêmica (Chenery et alii., 1970). Em
economias agrárias pobres, típica de muitos países menos desenvolvidos,
esse fato implicaria intervenção no mercado de terras para aumentar o acesso
razoável dos pobres a esse ativo. Em alguns países, mudanças políticas
significativas, tais como descolonização, forneceram a oportunidade, através
das reformas agrárias, de transferência de direitos de propriedade para os
pobres. Todavia, tais exemplos são raros e medidas mais incrementais são
comuns. Esse é o caso da Índia onde as reformas da terra estiveram na agenda
política desde a sua independência. Entretanto, essas reformas não se tornaram
a regra. Elas tentaram principalmente regular o arrendamento e as terras não
agricultadas, fixando para isso tetos sobre a propriedade da terra. Embora elas
possam não incluir redistribuições de terra em grande escala, elas podem,
contudo, ter uma influência potencial no bem-estar (e crescimento), por meio
do fortalecimento do poder de barganha dos pobres.
A Índia é um importante exemplo para o estudo da reforma agrária. Não-
somente porque ela abarca uma fração significante dos pobres nos países em
desenvolvimento, mas também porque a eficácia da legislação da reforma agrária
foi muito debatida. A sabedoria convencional, seguindo o comentário relevante
de Bardhan (1970), diz que enquanto a legislação da reforma agrária é abrangente,
o impacto real sobre as condições do pobre é prejudicado pela implementação
nada entusiástica das mudanças propostas. Todavia, não parece ter havido testes
quantitativos amplos que corroborassem essa noção. Esse artigo utiliza, para
avaliar esse aspecto, a vantagem dos dados em painel disponíveis no âmbito
estadual para os dezesseis Estados principais da Índia de 1958 a 1992. O Estado
é a unidade natural de análise para a reforma agrária, uma vez que os seus
governantes têm autonomia sobre a legislação da reforma agrária. O período de
tempo relativamente longo coberto pelos dados também permite esforços mais
aprofundados para lidar com alguns interesses econométricos. Nosso principal
resultado é o de que as reformas agrárias levaram a reduções da pobreza na
Índia. Esse achado é robusto para um número de métodos de estimação, e para
a inclusão/exclusão de muitos controles diferentes.
Nós também utilizamos os dados para investigar a relação entre a reforma
agrária e o crescimento econômico. A literatura recente sobre crescimento tem
discutido se os esforços do governo para redistribuir terras necessariamente
resultam em baixo crescimento. Esse argumento é formalizado em Alesina e
Rodrik (1994) e Persson e Tabellini (1995), os quais encontraram como evidência
uma relação negativa entre redistribuição e crescimento sugerido pela teoria no
contexto de economia política. Esse argumento pode, entretanto, ser questionado
em bases teóricas em um mundo de mercados incompletos quando a
redistribuição pode alterar os termos dos problemas de agência nos mercados
de crédito e sustentar as decisões de acumulação - ver Benabou (1997). Isso

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 293
Timothy Besley e Robin Burgess

sugere a possibilidade de existência de uma relação positiva entre os esforços


de redistributivos e o crescimento econômico. Muito da evidência empírica vem
dos dados no âmbito de países. Embora informativo, existem problemas
insuperáveis de comparabilidade dos dados e de determinação das relações de
causa e efeito. O fato de que os nossos dados vêm de um país com estratégias
de coleta de dados similares em cada Estado, e o período de tempo relativamente
longo, permite-nos fazer progresso nessa direção.
Estudos empíricos do impacto da reforma agrária são raros, uma vez que a
estimação confiável requer dados de períodos antes e depois da reforma. Na Índia,
existem numerosos estudos de caso de reforma agrária (revisados abaixo), mas
poucos atendem a uma visão geral. A discussão do impacto teórico da reforma
agrária tem sido dominado pela relação inversa entre tamanho da propriedade e a
produtividade, por esse motivo admite-se que pequenos fazendeiros obtêm maiores
produções (ver Binswanger et alii, 1995).Isso sugere que, além dos benefícios da
redistribuição, os meios empregados para tornar a distribuição de terras mais
igualitária deve também conduzir a ganhos de produtividade. Todavia, as reformas
agrárias na Índia são raramente da forma que utilizariam diretamente essa
possibilidade. Além do mais, análises teóricas cuidadosas, como em Banerjee e
Ghatak (1997), mostram que os efeitos teóricos sobre produtividade são
inerentemente ambíguos quando da análise do impacto das reformas do
arrendamento que permitem maior segurança aos arrendatários.
O restante do artigo está organizado como segue. Na próxima seção se
discute os antecedentes e os dados. A seção 3 examina o impacto que as reformas
agrárias tiveram sobre a pobreza e trata dos eventuais problemas potenciais na
interpretação dos resultados básicos. A seção 4 se volta para a questão de como
as reformas agrárias afetaram o crescimento econômico. Na seção 5
desenvolvemos uma estrutura teórica a qual nos permite interpretar os nossos
resultados à luz da literatura sobre a reforma agrária. Finalmente, a seção seis
conclui o artigo.

2. Antecedentes e dados

Sob o regime da Constituição indiana de 1949, aos Estados eram


conferidos os poderes para decretar (e implementar) as reformas agrárias. Essa
autonomia provocou variações significantes entre os Estados e ao longo do
tempo em termos do número e tipos de reformas agrárias que foram decretadas
(ver tabela 1). Classificamos as leis da reforma agrária em quatro categorias
principais de acordo com a sua proposta principal. A primeira categoria está
relacionada com as leis da reforma do arrendamento. Isso inclui a tentativa de
regular os contratos de arrendamento via registro do esforço direto para
influenciar os termos contratuais, tais como as participações nos contratos de
arrendamento bem como abolir o arrendamento e transferir a propriedade para

294 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

os arrendatários. A segunda categoria de leis da reforma agrária são as tentativas


para abolir os intermediários. Esses intermediários que trabalhavam para os
senhores feudais coletando aluguéis para os britânicos eram conhecidos por
permitirem a tomada de uma porção maior do excedente da produção dos
arrendatários. Muitos Estados aprovaram a legislação para abolir os intermediários
antes de 1958. Entretanto, cinco Estados (Gujarat, Kerala, Orissa, Rajasthan,
Uttar Pradesh) o fizeram durante o período de tempo dos nossos dados. A
terceira categoria de leis da reformas agrárias diz respeito aos esforços para
implementar o teto sobre a propriedade da terra, com vistas a redistribuir a terra
excedente para os trabalhadores sem terra. Finalmente, nós temos as leis que
tentaram permitir a consolidação da disparidade da terra arrendada para alcançar
ganhos de eficiência.
As contribuições dessa diferentes reformas são altamente confusas.
Embora promovidas pelo governo central em vários Planos Qüinqüenais, o fato
de que as reformas da terra estavam sujeitas ao Estado sob a Constituição de
1949 significavam que a aprovação ou a implementação era dependente da
vontade política dos governos de Estado. (Bandyopadhyay, 1986; Radhakrishnan,
1990; Appu, 1990). O caráter opressivo de Zamandari e a sua aliança com os
britânicos estimularam o amplo suporte político para a abolição de intermediários
e conduziu a uma ampla implementação dessas reformas, muitas das quais
foram completadas no início dos anos 1960 (Appu, 1990).1 O alinhamento do
governo central sobre a questão das reformas do arrendamento foi muito menos
pronunciada.2 Com muitas legislaturas de Estado controladas pela classe de
proprietários de terra, as reformas que prejudicavam essa classe tendiam a ser
bloqueadas. Onde os arrendatários tinham notável representação política, as
reformas agrárias obtiveram sucesso. Apesar da considerável propaganda dirigida
às suas aprovações, a falha política para implementar foi mais completa no caso
da legislação que tratava dos tetos da propriedade da terra. Aqui, a ambivalência
na formulação da política e as numerosas brechas na lei permitiram que os
proprietários de terra burlassem a desapropriação, fazendo a redistribuição do
excedente da terra para os amigos e dependentes (Appu, 1990). Como um
resultado desses problemas, a implementação tanto da reforma do
arrendamento quanto da legislação de teto da terra tendeu a retratar os objetivos
fixados nos Planos Qüinqüenais (Bandyopadhyay, 1986; Radhakrishnan, 1990).3
A consolidação da legislação da terra teve menor sucesso que as outras reformas,
em parte devido à dispersão dos registros de terra. A implementação foi

1
Existiam, apesar disso, algumas falhas no desenho das reformas, mais notadamente no que se refere à falha para limitar
o tamanho das fazendas dos zamindares ou proteger os arrendatários no curto prazo.
2
Como Warriner (1969) comentou no Congresso “munido tanto da motivação para a reforma agrária quanto da oposição
a ela, como se fosse uma cabeça socialista sobre um corpo conservador”.
3
O Plano Qüinquenal deu uma franca contribuição da situação que está diretamente em linha com o pensamento de
Bardhan (1970): “Uma larga contribuição do programa da reforma agrária adotado desde a Independência foi a de que as
leis para a abolição da posse intermediária foi razoavelmente implementada com eficiência, enquanto que no campo das
reformas de arrendamento e tetos sobre a propriedade da terra, legislação falhou na obtenção dos objetivos, e a
implementação das leis foi inadequada. Desprovida de objetivos claros a implementação das leis ordenadas tem sido
inadequadas (Plano Qüinquenal, 1974-79, 2:43).

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 295
Timothy Besley e Robin Burgess

considerada tanto esporádica quanto desigual, somente afetando poucos


Estados em qualquer caminho significante (Appu, 1990; Radharkrishnan, 1990).
Um quadro consistente é obtido examinando os estudos em nível de aldeia
que consideraram o impacto da reforma da terra. A impressão geral que se obtém
dessas leituras é de um leque amplo de estimativas do impacto da reforma (ver
Jayaraman e Lanjouw, 1997). Existe algum consenso de que a abolição dos
intermediários alcançou um sucesso limitado e variável tanto na redistribuição da
terra em direção aos pobres quanto no aumento da segurança dos pequenos
proprietários (ver, por exemplo, Wadley e Derr, 1990). Para a reforma do arrendamento,
entretanto, considerando que o sucesso tenha sido registrado, em particular, onde
os arrendatários são bem organizados, existiu também um leque de casos
documentados da legislação eminente induzindo os proprietários de terra a se
engajarem no despejo em massa dos arrendatários (ver, por exemplo, Gough, 1987).
A legislação do teto da terra, em uma variedade de estudos de aldeias, também teve
efeitos neutros ou negativos sobre a pobreza por meio da indução dos proprietários
de terra ao despejo dos seus arrendatários e para os membros da família como uma
forma de evitar a expropriação (ver, por exemplo, Chattopadhyay, 1994). A
consolidação da terra também foi considerada como ineficiente em seus impactos
redistributivos, uma vez que os fazendeiros mais ricos tenderam a usar o seu poder
para obter melhores terras (ver, por exemplo, Dreze, Lanjouw e Sharma, 1997).
A tabela 2 oferece um quadro completo das reformas agrárias no período
de nossos dados. Ela também oferece a nossa classificação de cada reforma. Nós
fazemos uso desses dados em nossa análise quantitativa registrando o ano e o
Estado no qual uma reforma particular aconteceu. Como é provável que as reformas
agrárias tenham efeitos ao longo do tempo e não necessariamente no ano de sua
promulgação, nós medimos a amplitude da reforma desde o começo do período
de nossos dados pela variável cumulativa que agrega o número de reformas
legislativas. Embora imperfeita, acreditamos que ela forneça uma sensível medida
dos efeitos quantitativos da reforma agrária. O significado da variável agregada
entre as quatro categorias da reforma agrária é dado na tabela 1 coluna 5. Isso
mostra que existe uma considerável variação na atividade da reforma agrária entre
os Estados, com Estados tais como Uttar Pradesh, Kerala e Tamil Nadu tendo um
grande número de atividades enquanto Punjab e Rajasthan têm poucas.
Os estados podem ser classificados como alto reforma agrária ou baixo
reforma agrária, dependendo se eles têm mais ou menos que um total de três
reformas agrárias (de qualquer tipo) durante o período 1958-1992. Sob esse
sistema, Andra Pradesh, Assam, Haryana, Jammu e Kashmir, Madya Pradesh,
Maharashtra, Punjab e Rajasthan são Estados baixo reforma agrária, ao passo
que Bihar, Gujarat, Karnataka, Kerala, Orissa, Tamil, Nadu, Uttar Pradesh e West
Bengal são Estados alto reforma agrária. Os dados do Estado relativos à
distribuição de terras foram coletados das séries da Pesquisa Nacional por
Amostragem (NSS) em quatro pontos; 1953-1954, 1961-1962, 1971-1972 e
1982 (ver Sharma, 1994). Se nós olharmos as medidas tais como o Gini para as
terras operadas e a proporção de famílias sem terra, encontramos que a retirada
de um período é mais marcante para os Estados alto reforma agrária que para os

296 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Estados baixo reforma agrária.4 As reformas agrárias parecem ter tido um impacto
sobre a distribuição da terra, embora o que mais chama a atenção é o fato de que
as altas desigualdades na terra têm persistido ao longo do tempo. Isso sugere
que quaisquer impactos das reformas agrárias sobre a pobreza podem ter vindo
em parte por meio de mecanismos os quais não envolvem a redistribuição física
da terra. Se esse é o caso, então controlar a implementação das reformas agrárias
olhando apenas a área média em acres redistribuída é menos prioritário.
Nossos resultados de pobreza vêm de um novo e consistente conjunto de
quadros para as áreas rural e urbana dos dezesseis maiores Estados indianos no
período de 1958 a 1992 compilados por Ozler, Datt e Ravallion (1996).5 As medidas
são baseadas na distribuição de consumo das 21 séries da Pesquisa Nacional por
Amostragem (NSS) cobrindo esse período. A linha de pobreza é baseada na norma
nutricional de 2.400 calorias por dia e é definida como o nível de dispêndio médio
total per capita ao qual essa norma é tipicamente atendida. Duas medidas de pobreza
são consideradas: o índice de contagem de per capita (H) e a medida de lacuna de
pobreza (PG). Uma vez que as pesquisas da NSS não são anuais, a interpolação
ponderada foi usada para obter valores entre as pesquisas.6
Os valores reais do produto agrícola per capita do Estado, não-agrícola do
Estado e combinado foram usados para examinar os determinantes do
crescimento. O produto doméstico agrícola do Estado foi deflacionado usando-
se o Índice de Preços ao Consumidor para os Trabalhadores Agrícolas, enquanto
que o Índice de Preços ao Consumidor para os Trabalhadores da Indústria foi
usado para deflacionar o produto doméstico não-agrícola do Estado. Também
construímos uma variável para medir o produto agrícola. Essa foi definida como
o produto real agrícola doméstico dividido pela área não cultivada. Isso
grosseiramente captura as mudanças tecnológicas na agricultura.
Os dados de finanças públicas em nível de Estado foram também coletados.
Pelo lado dos dispêndios, a principal classificação disponível para o nosso período de
dados está nos gastos com desenvolvimento e nos gastos não relacionados a questões
do desenvolvimento. Embora os dispêndios com desenvolvimento não incluam as
despesas com serviços econômicos e sociais, não existe uma conecção particular entre
essa categoria e os esforços do governo para desenvolver a população ou a infra-
estrutura nos seus Estados.7 Gastos com desenvolvimento são, portanto, desagregados
em dispêndios de saúde e dispêndios de educação, os quais nós podemos esperar ter
apreciáveis impactos sobre a pobreza. Colocamos isso em termos reais e os medimos

4
Para os Estados classificados em alto reforma agrária, o Gini da terra cai de 0.686 em 1953/54 para 0.669 em 1982 (uma
queda de 0.017) enquanto que a queda para os Estados classificados em baixo reforma agrária é de 0.653 para 0.643 (uma
queda de 0.010). Para os Estados alto de reforma agrária a queda média na proporção de famílias sem terra é de 14.97%
para 12.03% (uma queda de 2.94%) enquanto que para os Estados com baixo reforma agrária a queda é de 12.40% para
10.91 (uma queda de 1.49%).
5
Nossos agradecimentos a Martin Ravallion por nos prover com esses dados.
6
Abaixo, nós checamos que os nossos resultados são robustos por meio da inclusão somente daqueles anos onde existia
uma série da pesquisa NSS.
7
Os serviços econômicos incluem agricultura e atividades afins, desenvolvimento rural, programas de área especial,
irrigação e controle de cheias, energia, indústria e minerais, transporte e comunicações, ciência, tecnologia e ambi-
ente. Serviços sociais incluem educação, saúde médica e pública, bem-estar da família, oferta de água e sanitária,
moradia, desenvolvimento urbano, trabalho e bem-estar no trabalho, seguridade social e bem-estar, nutrição e assis-
tência contra calamidades naturais.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 297
Timothy Besley e Robin Burgess

em termos per capita. Nós também coletamos impostos totais do Estado como uma
fração do Estado no PIB como uma medida bruta de tamanho dos governos do Estado
e a redistribuição dos impostos de Estado per capita 8 para capturar o esforço dos

Tabela 1: Sumário Estatístico (desvio padrão entre parênteses)


renda reforma
crescimen - desenvolvi- proporção
per crescimento produção contagem agrária impostos/
Estado to da mento das extrema
capita da renda (sdeag/nsa) per capita acumula PDE
população exportações esquerda
Estado da

Andra 1004 0.021 0.041 49.40 1.528 0.020 0.097 101.0 0.069
Pradesh (260) (0.071) (0.005) (10.68) (0.506) (0.002) (0.032) (60.46) (0.047)

Assam 903 0.026 0.152 46.73 2.000 0.025 0.076 95.21 0.046
(196) (0.071) (0.017) (8.77) (1.069) (0.004) (0.016) (42.70) (0.042)
Bihar 633 0.007 0.037 63.25 4.305 0.020 0.087 52.37 0.068
(110) (0.102) (0.005) (6.17) (1.924) (0.001) (0.028) (31.25) (0.031)
Gujarat 1176 0.019 0.044 52.36 3.056 0.023 0.089 110.3 0
(272) (0.135) (0.008) (9.13) (1.264) (0.003) (0.026) (63.91)
Haryana - - - 30.38 0 0.025 0 - 0
(7.32) (0.001)
Jammu 1021 0.013 0.621 32.54 1.333 0.026 0.088 203.6 0
Kashmir (228) (0.101) (0.058) (7.35) (0.717) (0.001) (0.040) (81.06)

Kamataka 1037 0.018 0.045 52.66 2.833 0.021 0.098 99.71 0.014
(216) (0.066) (0.004) (7.82) (1.384) (0.002) (0.035) (52.31) (0.007)
Kerala 864 0.019 0.160 56.59 5.444 0.018 0.109 97.66 0.337
(182) (0.063) (0.017) (13.88) (3.376) (0.004) (0.034) (42.06) (0.135)
Madhya 843 0.013 0.022 56.14 2.806 0.024 0.088 80.18 0
Pradesh (190) (0.106) (0.003) (7.08) (0.710) (0.001) ( 0.027) (43.93)

Maharastra 1288 0.019 0.018 57.30 1.861 0.023 0.091 106.73 0.078
(331) (0.70) (0.002) (7.45) (0.424) (0.001) (0.020) (59.66) (0.038)
Orissa
873 0.015 0.070 56.55 5.056 0.019 0.078 91.13 0.036
Punjab (186) (0.128) (0.014) (9.04) (3.116) (0.002) (0.029) (42.30) (0.021)
2862 0.034 0.189 26.72 0.583 0.020 0.053 134.6 0.082
Rejasthan (775) (0.060) (0.029) (8.12) (0.500) (0.001) (0.007) (70.04) (0.035)
785 0.014 0.027 51,37 0.944 0.026 0.084 79.20 0.011
Tamil (136) (0.144) (0.003) (7.37) (0.232) (0.002) (0.026) (38.39) (0.010)
Nadu 1015 0.020 0.052 54.45 4.917 0.016 0.110 110.4 0.042
(272) (0.101) (0.008) (7.84) (2.545) (0.003) (0.034) (69.73) (0.027)
Uttar
Pradesh 874 0.011 0.025 47.86 3.750 0.021 0.080 66.79 0.023
(140) (0.081) (0.002) (7.20) (1.251) (0.003) (0.026) (38.10) (0.009)
West
Bengal 1173 0.011 0.074 46.88 6.139 0.023 0.078 85.92 0.455
(191) (0.064) (0.007) (10.31) (.5.581) (0.002) (0.021) (41.55) (0.256)

1078 0.017 0.098 49.16 2.910 0.022 0.087 99.55 0.078


TOTAL
(556) (0.094) (0.141) (13.07) (2.749) (0.003) (0.031) (61.17) (0.142)

Nota do tradutor: PDE - Produto Doméstico do Estado

8
Essas incluem o imposto da terra, o imposto da renda da agricultura e o imposto de propriedade os quais estão todos sob
o controle dos governos do Estado.

298 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

governos do Estado para redistribuir do rico para o pobre. As estimativas da população


de cinco censos para 1951, 1961, 1971, 1981 e 1991 foram usadas como controles
adicionais. Entre quaisquer dois censos esses foram assumidos crescer a uma taxa
(composta) de crescimento constante, derivada da respectiva população total.

Tabela 2: Eventos Importantes em Reformas Agrárias em


Estados da Índia desde 1950.
Estado Ano Título Descrição Classe
Andhra 1950 -(Área de Telengana ) -(Entre outras coisas) Os arrendatários 1
Pradesh .(emenda 54). Leis Agrícolas e receberam a condição de arrendamen-
de Arrendamento to protegido; os arrendatários pas-
saram a ter um período mínimo de
arrendamento; direitos de compra das
terras não susceptíveis de retomada
do arrendamento; transferência dos
direitos de propriedade para os arren-
datários protegidos com relação as
terras não susceptíveis de retomada
do arrendamento; como resultado de
13.611 arrendamentos protegidos
foram declarados proprietários.

1952 -Lei de Abolição de Doações -Abolição de todas as 975 jargirs em 2


em Dinheiro de Haiderabad Telangena.

1954 -Lei de Abolição dos Inams -Abolições dos inams (com poucas exceções). 2
Encraves (absorvidos)

1955 -Lei (Hyderabad Jagirdars) -Abolição de todos os 975 jagirs 2


em Talangena.

1956 -Lei de Inam (Abolição e -Aquisição de 11.137 estados; 2


Conversão em Ryotwari) abolição de 1.06 milhões de Inans de
menor importância (verificar!).

1956 -Lei de Arrendamento -O arrendamento continuou por até 1


.(emenda 74). 2/3 da área teto; a lei não prevê
concessão de direitos de propriedade
salvo através do direito à compra;
Confere o direito contínuo de retoma-
da aos proprietários de terra.

1957 -Lei de abolição dos Inams -Abolição dos inams (com poucas exceções) , 2
cunhada pelo Supremo Tribunal
em 1970.
Códigos de Classificação:
(1) Reformas de arrendamento
(2) Abolição de intermediários
(3) Tetos sobre as propriedades de terra
(4) Consolidação das propriedades de terra

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Estado Ano Título Descrição Classe


Assam 1951 -Lei de Aquisição de estado -Abolição de direitos intermediários 2
de Zamindari envolvendo 0.67 milhões de hectares.

1954 -Lei Distrital Lushai Hills -Como acima. 2


(Aquisição de direitos principais).

1956 -Lei de Fixação de tetos -Auto-explicativa. 3


.(emenda 76). sobre propriedade de terras

1960 -Lei de Consolidação das -Introdução a consolidação 4


propriedades de terra compulsória.

1971 -Lei de Arrendamento -Arrendatários classificados em 1


(Áreas de Assentamento Temporário). arrendatários ocupados e não
ocupados; os primeiros têm garantia
de posse de tal forma que podem
adquirir direitos de propriedade dos
proprietários de terra pagando
50 vezes a renda da terra; não é
permitido o subarrendamento.

Estado Ano Título Descrição Classe


Bihar 1950 -Lei de Reformas Agrárias -Abolição de Zamindari; a implementa- 2
ção dessa lei foi muito lenta.

1957 -Lei de Arrendamento de -Confere direitos de arrendamento 1


propriedade rural com permanente em propriedades rurais
benfeitorias com bem-feitorias para pessoas que
possuem menos que um acre de terra.

1961 -Lei de Reformas Agrárias -Subarrendamentos proibidos, evitan- 1


.(emenda 73). do que o subarrendatário adquira direi-
tos de ocupação.

1961 -Lei de Tetos sobre a Terra -Imposição de tetos sobre as proprie- 3


dades de terra de 9.71-29.14 hectares
(1960-1972) e de 6.07-18.21 hectares
(depois de 1972).

1973 -Lei 12 (emenda a lei de reformas -Provisões introduzidas relacionando 3


.(emenda 82). agrárias). a entrega voluntária do excedente
da terra.

1976 -Lei 55 -(Entre outras coisas) proveu a substi- 3


tuição do herdeiro legal; a área teto
deve ser redeterminada quando a clas-
sificação da terra mudar; determinou
que o proprietário de terra necessaria-
mente retenha as terras transferidas
contradizendo a lei.

1982 -Lei de arrendamento (emenda) -Determina a definição de cultivo pes- 1


1986 soal; determina os direitos de ocupa-
ção para a aquisição de underraiyats.

300 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Estado Ano Título Descrição Classe


Gujarat 1948 -Lei de Arrendamento e -Arrendatários autorizados a adquirir 1
.(emendas Terras Agrícolas de Bombay diretos de propriedade depois da
55 e 60). expiração de um ano sobre a área teto;
confere direitos de propriedade aos
arrendatários que tenham a posse da
moradia mediante o pagamento de
20 vezes o aluguel anual; a lei não
confere quaisquer direitos aos subar-
rendatários.

1960 -Lei de Tetos sobreTerras -Tetos impostos sobre as propriedades 3


Agrícolas de terra de 4.05-53.14 hectares
(1960-1972) e de 4.05-21.85 hectares
(depois de 1972).

1969 -Lei de Abolição Devasthan -Abole todas as categorias de lei de 2


Inam posse intermediárias, mas a lei foi
parcialmente imp edida de ser imple-
mentada por ordem da Suprema Corte.

1973 -Lei de Emenda -Prove oportunidade para adquirir 1


direitos de propriedade de terra, mas
foi anulada por inúmeras disposições.

Estado Ano Título Descrição Classe


Haryana 1953 -Lei de Segurança da posse -Prove completa segurança da posse 1
de Terra do Punjab para os arrendatários em posse
contínua de terra (<15 acres) para
12 anos; assegura aos arrendatários
o direito opcional de compra da pro-
priedade de terras não susceptíveis de
retomada do arrendamento; não há
impedimento para o arrendamento
futuro.

1955 -Lei de Arrendamento e -Como acima. 1


Terra agrícola de Pepsu

Estado Ano Título Descrição Classe


Jammu 1962 -Lei de Reformas Agrárias -Introdução da consolidação
& compulsória.
Kashmir
1976 -Todos os direitos, títulos e lucros na
terra de qualquer pessoa que não
cultive pessoalmente em Kharif em
1971 são extintos e transferidos para
o estado; provê concessão de direitos
de propriedade aos arrendatários após
permitir que o proprietário de terras
residente retome o cultivo pessoal
da terra.

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Estado Ano Título Descrição Classe


Karnataka 1954 -Lei de Abolição dos Inams -Aboliu todos os grandes intermediá- 2
Mysore (Pessoal e Diverso) rios de Inamdari Processo de implemen-
tação muito lenta.

1955 -Lei de Abolição dos Inams -Como acima. 2


Mysore (Religioso generoso)

1961 -Lei de Reformas Agrárias -Prove estabilidade de posse para os (1), (3)
. (em vigor.. proprietários de terra para retornar ½
apartir de 65) . da área arrendada; os arrendatários
foram privilegiados com o direito
opcional de compra através do paga-
mento de 15-20 vezes o aluguel
líquido; imposição do tetos sobre as
propriedades de terra.

1974 -Lei das Reformas Agrárias -Imposição de tetos sobre as proprie- (1), (3)
(emenda). dades da terra de 4.05-21.85 hectares
(depois de 19720; remoção de todas
as isenções daquelas referentes a
legislação do arrendamento.

Estado Ano Título Descrição Classe


Kerala 1960 -Lei de Relações Agrárias -Aboliu os intermediários, mas a lei 2
foi indeferida pela Suprema Corte.

1963 -Lei de Reformas Agrárias -Concede direito ao arrendatário para 1


comprar a terra dos proprietários
de terra.

1969 -Lei de Refomas Agrárias -Confere plenos poderes aos arrenda- (1), (2), (3)
. (em vigor .
(Emenda) tários; 2.5 milhões de arrendatários
apartir de 1970) . tornaram-se proprietários de terra;
emenda em 1979 . expira o direito de retomada; embora
escrita no papel, a lei “não conduziu a
uma justiça social”, por causa do
arrendamento encoberto; a imposição
de tetos sobre a propriedade da terra
de 6.07-15.18 hectares (1960-1972) e
de 4.86-6.07 hectares (depois de 1972);
abolição dos direitos intermediários.

1974 -Lei dos Trabalhadores -Chamado segurança no emprego, 1


Agrícolas horas fixas, salários mínimos, etc.

Estado Ano Título Descrição Classe


Mahara- 1950 -Lei de Arrendamento e de -Estabelece a transferência por inicia- 1
shtra terras Agrícolas de Hyderabad tiva própria da propriedade aos arren-
datários de terras não suscetíveis de
retomada do arrendamento.
(aplica-se à região de Marathwada).

1958 -Lei de Arrendamento e de -Estabelece transferências do 1


terras agrícolas de Bombay proprietário para os arrendantários
com terras não suscetíveis de
retomada do arrendamento.
(em vigor a partir de 1-4-96).

1961 -Lei de Terras Agrícolas -Imposição de tetos sobre a proprie- 3


.
(Tetos sobre as Propriedades) dade de terra.

302 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Estado Ano Título Descrição Classe


Madhya 1950 -Lei de Abolição dos Direitos -Abolição dos direitos intermediários. 2
Pradesh de Propriedade (Proprieda-
des, Mahals, Terras Alienadas)

1951 -Lei de Abolição dos -Como acima. 2


Estados Unidos de Gwalior,
Indore e Malwa Zamindari

1951 -Lei de Abolição de Jagir -Como acima. 2

1952 -Lei de Abolição dos Jagirs -Como acima. 2


Reformas Agrárias de
Vindhya Pradesh

1959 -Código de Renda da Terra -Proibição de arrendamento; confere 1


aos arrendatários ocupados direitos
de propriedade sobre áreas não susce-
tíveis de retomada de arrendamento
mediante o pagamento de 15 vezes a
renda da terra; a implementação da
reforma foi ineficiente, entre outras
razões porque os parceiros não são
registrados.

1959 -Lei de Tetos sobre as -Introdução da consolidação 4


Terras Agrícolas compulsória.

1960 -Tetos impostos sobre as proprie- 3


dades de terra de 10.12 hectares
(1960-1972) e de 4.05-21.85 hectares
(depois de 1972).

Estado Ano Título Descrição Classe


Rajasthan 1952 -Lei de Reformas Agrárias e -Abolição de todos os direitos inter- 2
de retomada do Jagir mediários.

1953 -Lei de Consolidação dos -Como acima. 2


Territórios e Área de Bombay
(Abolição Jagir) .

1953 -??? -Introdução da consolidação compul- 4


sória.

1955 -Lei de Abolição dos Interme- -Abolição da posse intermediária em 2


diários e Reformas Agrárias outras áreas.
de Ajmer

1955 -Lei de Arrendamento -Confere segurança de posse aos 1


arrendatários e sub-arrendatários;
direitos de propriedade podem ser
transferidos; provisões relativas a
entrega voluntária tornaram a legisla-
ção uma “mera farsa”.

1959 -Lei de Abolição do Zamindari Abolição de posses intermediárias em 2


e Biswedari outras áreas.

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Timothy Besley e Robin Burgess

Estado Ano Título Descrição Classe


Orissa 1951 -Lei de Abolição de Proprie- -Teve o propósito de abolir todos os 2
dades interesses intermediários.

1972 -Lei de Reformas Agrárias -Autorizaram os arrendatários a adqui- 2


rirem direitos camponeses sobre a
posse da terra por eles trabalhadas.

1960 -Lei de Reformas Agrárias -Estabelece a estabilidade da deten- (1), (3)


.(emenda 73 ção de áreas não suscetíveis de reto-
&76). mada de arrendamento; implementa-
ção fraca; falta de auxílio financeiro
para a compra do direito de proprie-
dade; muitos arrendamentos na forma
de parceria mas os meeiros não regis-
trados como arrendatários; imposição
de tetos sobre as propriedades de ter-
ras de 8.09-32.37 hectares (1960-
1972) e de 4.05-18.21 hectares
(depois de 1972).

1972 -??? -Introdução a consolidação 4


compulsória.

Estado Ano Título Descrição Classe


Tamil 1948 -Lei XXVI (Abolição e Conver- -Uma série de leis foram decretadas 2
Nadu são em Ryotwari) de Proprie- (embora em intervalos longos) para a
dades abolição de vários tipos de inter-
mediários.

1952 -Lei de Proteção aos Arrenda- 1


tários Thanjavur de Pannaiyal

1955 - Lei de Proteção aos Cultiva- -Proíbe o despejo de qualquer arren- 1


.(emenda 65). dores de Tecido de Algodão datário que esteja cultivando, mas
permite a retomada do arrendamento
de até ½ das terras arrendadas ao
arrendatário.

1956 - Lei de Arrendatários Cultiva- -Abolição da usura e do arrendamento 1


dores (Pagamento do Rendi- opressor.
mento Justo)

1961 - Lei dos Arrendatários -Estabelece que nenhuma fé pública 1


.(emenda 71). Públicos pode despejar os arrendatários que
estão cultivando.

1961 - Lei de Reformas Agrárias -Imposição de tetos sobre as proprie- 3


(Fixação de Tetos sobre a - dades de terra de 12.14-48.56 hectares
Terra) (1960-1972) e de 4.86-24.28 hectares
(depois de 1972).

1969 - Lei sobre Direito de Registro -Fornece a base para a preparação e a 1


dos arrendamentos de terras manutenção do registro completo dos
agrícolas direitos de arrendamento.

1971 - Lei dos Ocupantes de -Fornece a base para a aquisição e 1


Kudiyiruppu concessão de direitos de propriedade
para agricultores, trabalhadores agríco-
las e artesões rurais.

1976 - Lei dos Artesãos Rurais -Como acima. 1


(Concessão do Título de
Propriedade de Kudiyiruppu )

304 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Estado Ano Título Descrição Classe


Uttar 1950 -Lei de Reformas Agrárias -A todos os arrendatários é dada (1), (2)
Pradesh .(emenda 52,. e Abolição de Zamindari completa segurança de posse sem
.54, 56,. qualquer direito de retomada pelo
.58,77). proprietário da terra; os contratos,
em geral, são banidos; a lei fornece
a base para a transferência e a reestru-
turação de todas as propriedades
zamindari; as propriedadeszamindari
foram anuladas em mais de 60.2 mil-
hões de acres (de uma área total no
estado de 72.6 milhões de acres).

1953 -Lei da Consolidação das -Introdução da consolidação 4


Propriedades compulsória.

1960 -Lei de Imposição dos Tetos -Imposição dos tetos sobre as pro- 3
. (em vigor. sobre as Propriedades Terra priedades de terra de 16.19-32.37
.a partir 61). hectares (1960-1972) e de 7.30-18.25
hectares (depois de 1972).

Estado Ano Título Descrição Classe


West 1950 -Lei Bargadars -Estipulou que o bargadare o proprie- 1
Bengal tário da terra poderiam escolher qual-
quer proporção aceitável para eles.

1953 -Lei de Aquisição de Propri- -Os proprietários de terras limitaram (1), (2)
edades o teto; proveu a abolição de todas as
posses intermediárias.

1955 -Lei de Reformas Agrárias -Estabeleceu que os proprietários de (1), (4)


.(emenda 70,. terra podiam recuperar terras para o
.71 & 77). cultivo pessoal tal que o arrendatário
ficassem com pelo menos 1 hectare;
a parceria não era considerada arren-
damento; (em West Bengalmuitos arren-
datários são meieiros); proveu consoli-
dação da terra se dois ou mais proprie-
tários de terra co ncordam.

1972 -Lei de Aquisição e Coloniza- -Aos arrendatários de propriedades de 1


ção da Propriedade Rural terras com bem-feitorias foram dados
com Benfeitorias (emenda) . os direitos totais.

1975 -Lei de Aquisição das Propri- -Mais de 2.5 (sic) pessoas


lakh recebe- 1
edades de Terra com Bem- ram glebas familiares (cerca de oito
feitorias para os Trabalhado- centavos cada uma) até janeiro
res Agrícolas, Artesãos e Pes- de 1991.
cadores

1977 -Lei de Reformas Agrárias -“Levanta presunções a favor a favor 1


.
(emenda) dos parceiros” (Yugandhar & Iyer, p. 48).

1981 -Lei de Reformas Agrárias -Foi desenhado para concertar as bre- 3


.
(emenda) chas nas leis anteriores que tratavam
da fixação de tetos das propriedades
de terra.

1986 -Lei de Reformas Agrárias -Procurou trazer todas as classes de 3


.
(emenda) terra sobre provisões de teto pela re-
tirada da isenção anterio res; proveu
medidas regulatórias para checar a
conversão indiscriminada da terra de
um uso para outro; a lei não foi ainda
totalmente implementada.

1990 -Lei de Reformas Agrárias -Como acima. 3


(emenda).

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Timothy Besley e Robin Burgess

Estado Ano Título Descrição Classe


Punjab 1953 -Lei de Segurança dos -Ver Haryana. 1
Títulos de Posse da Terra
de Punjab
-Ver Haryana. 1
1955 -Lei de Segurança de Arren-
damento e Terras Agrícolas
de Pepsu

1972 -Lei de Reformas Agrárias -O limite permitido (teto) é de 7 1


hectares; 5 acres de terra são garan-
tidos, o resto pode ser retomado;
direito opcional de compra do propri-
etário de terra; a parceria não é consi-
dera arrendamento; os arrendatários
são freqüentemente forçados a “en-
tregar voluntária” a terra; a terra ar-
rendada não é registrada sob a provi-
são das leis de arrendamento.

306 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

3. Reforma da Terra e Redução da Pobreza

3.1 Resultados básicos

A abordagem empírica baseia-se na estimação das regressões com dados


em painel da forma:

xst = αs + βt + γyst + ψlst-4 + εst (3.1)

onde x st é uma medida de pobreza no Estado s no tempo t, αs é o efeito fixo do


Estado, βt é uma variável dummy de ano, yst é um vetor de variáveis que nós
tratamos como exógenas (detalhadas abaixo), lst-4 é o estoque de reformas
agrárias ocorridas em quatro períodos anteriores e εst é um termo erro o qual é
modelado como um processo AR(1) onde o grau de autocorrelação é específica
do Estado, isto é, εst = ρ sεst-1 + u st. A estimação via mínimos quadrados
generalizados também possibilitará uma heterocedasticidade na estrutura de
erro com cada Estado tendo sua própria variância do erro.
A equação (3.1) representa um modelo do impacto da reforma agrária na
forma reduzida. Assim, qualquer efeito da reforma agrária sobre a renda per capita
é capitado por essa variável com outros efeitos que mudam com as reivindicações
que os arrendatários têm pela terra. A variável reforma agrária também capitará
quaisquer efeitos de equilíbrio geral da reforma agrária por meio de mudanças
nos salários e nos preços. Abaixo, nós discutimos qual o tipo de modelo teórico
é consistente com os resultados empíricos.
Nós defasamos a variável reforma agrária em quatro períodos por duas
razões principais. Primeiro parece razoável supor que tal legislação levará tempo
para ser implementada e efetivada. Segundo, ela pode ajudar a inquietar as
preocupações de que os choques na pobreza estarão correlacionados com os
esforços da reforma agrária, uma questão para a qual nós retornaremos mais
adiante. Os efeitos fixos ao nível de Estado controlam para o conjunto das
diferenças usuais entre Estados na história e estrutura econômica que tem sido
constante ao longo de nosso período de amostra, enquanto o efeito anos cobre
choques macroeconômicos e políticas decretadas pelo governo central que
afetam a pobreza e o crescimento.
A tabela 3 apresenta o quadro básico dos nossos dados. Na coluna (1)
nós controlamos por outros fatores que afetam a pobreza somente usando
efeito Estado e efeito ano. A reforma agrária é representada por uma variável
cumulativa da reforma agrária onde todos os tipos de reformas são agregados.9

9
Defasando a nossa variável reforma agrária, nos ajuda a evitar problemas de simultaneidade e esse procedimento é adotado
em toda a parte.

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Timothy Besley e Robin Burgess

A associação negativa e significante entre a reforma agrária e a medida da lacuna


da pobreza rural é evidente para esse fato. A coluna (2) confirma que esse
resultado não é sensível ao uso de anos interpolados quando não existiam
séries NSS. Na coluna (3), as reformas agrárias são desagregadas em suas
categorias, também defasadas quatro períodos. Isso sugere que as reformas de
arrendamento e a abolição dos intermediários estão de acordo com efeitos
agregados, enquanto que a legislação do teto da terra e a consolidação das
propriedades de terras têm um impacto negligenciável sobre a pobreza rural.
Abaixo, nós sugerimos uma interpretação teórica dos resultados que são
consistentes com esses achados. O fato de que a legislação do teto da terra não
é importante confirma a causa da falha para implementar essa reforma medida
em qualquer caminho sério (Bardhan, 1970; Appu, 1990). A coluna (4) checa a
sensibilidade dos achados usando a medida alternativa de pobreza - a taxa de
contagem per capita. Um impacto similar negativo da reforma do arrendamento e
a abolição dos intermediários sobre a pobreza são encontrados aqui.10

Tabela 3: Reforma Agrária e Pobreza na Índia: Resultados Básicos


(estatísticas z entre parênteses)*
lacuna de lacuna de lacuna de contagem lacuna de
PGr PGR HCR
pobreza pobreza pobreza per capita pobreza -PGu -PGu -HCu
rural rural rural rural urbana
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)
GLS GLS GLS GLS GLS GLS GLS GLS
modelo
AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1)

defasagem (t-4) -0.281 -0.443 0.085 -0.534


cumulativa da (2.18) (3.21) (1.05) (5.24)
reforma agrária

defasagem(t-4) -0.604 -1.378 -0.736 -1.916


da reformas de (2.52) (3.13) (3.27) (4.37)
arrendamento

defasagem (t-4) -2.165 -4.354 -1.327 -3.364


de abolição de (4.08) (4.11) (2.59) (3.73)
intermediários

defasagem (t-4) 0,089 0,734 0,230 0,888


de tetos de (0.11) (0,86) (0,61) (1,14)
terra

Atrasado (t- 4) 0.456 0.208 0.210 -1.737


Consolidação (0.82) (0.19) (0.42) (1.62)
de terras

Efeitos Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim


estaduais

Efeitos anuais Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Número de
observações 506 300 506 506 507 507 507 507
*
Todas as regressões são registradas com desvio padrão robusto.

10
Usando a taxa de contagem per capita no lugar da lacuna de pobreza, não afeta significativamente qualquer dos nossos
resultados sobre a reforma agrária e pobreza.

308 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Se a reforma agrária é realmente responsável por esses resultados (ao


invés de alguma variável omitida que está correlacionada com a reforma agrária),
então nós não esperaríamos ver tais efeitos sobre a pobreza urbana. Não existe
uma boa razão para pensar que as decisões de produção e distribuição no setor
urbano seriam afetadas (afora algumas razões de equilíbrio geral complexas).
Isso é confirmado na coluna (5) da tabela 3, na qual não se verifica uma associação
negativa entre a reforma agrária e a pobreza urbana como medida pelos mesmos
dados da NSS. Isso fortalece a intuição de que a nossa variável reforma agrária
está captando algum aspecto peculiar do setor rural.
As colunas (6) e (8) tentam uma abordagem diferente. Usando os nossos
achados na coluna (5) de que a pobreza rural não responde pela reforma agrária,
usamos a diferença entre a pobrezas rural e urbana como um regressor. Isso
ajuda a controlar quaisquer variáveis omitidas que tenham efeitos comuns
sobre a pobreza em ambas áreas. Na coluna (6) confirmamos que as reformas
agrárias acumuladas agregadas defasadas em quatro períodos têm um papel
importante em reduzir a lacuna entre a pobreza rural e a pobreza urbana. Os
resultados verificados por tipo de reforma são consistentes com aqueles para
a pobreza rural: as reformas de arrendamento e abolição de intermediários
tiveram um impacto significante na redução da lacuna de pobreza rural-urbano,
enquanto que o impacto de outros dois tipos de reforma agrária é insignificante
(coluna 7). A lacuna entre as taxas per capita de pessoas rural e urbana não afeta
os resultados em qualquer caminho significante (coluna 8).
Tomamos conjuntamente esses resultados para demonstrar um quadro
consistente. A reforma agrária, em geral, parece estar associada com reduções na
pobreza rural, com esses efeitos mais fortemente associados com as reformas agrárias
que procuram abolir intermediários e reformam as condições dos arrendatários.

3.2 Robustez

Apesar desses resultados parecerem claros, eles deixam duas


preocupações significantes não atendidas. Primeiro, eles não fazem esforço
para permitir que outras políticas afetem a pobreza. Em particular, nós podemos
estar interessados em tratar a reforma agrária simplesmente como uma proxy
para outras políticas que estão correlacionadas com a redução da pobreza.
Segundo, a reforma agrária poderia ser endógena e responder as mesmas forças
que a política. Nós agora analisamos essas preocupações.

3.2.1 Outras políticas

A tabela 4 mostra resultados que incluem um agrupamento de controles


adicionais. Todas as regressões agora incluem a taxa de crescimento da população

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 309
Timothy Besley e Robin Burgess

e a produção agrícola defasada quatro períodos. A última pode funcionar como


uma proxy para outras políticas que poderiam ser indutoras de produtividade agrícola
e que são correlacionadas com a reforma agrária. Ela pode também captar uma
mudança tecnológica exógena. Nossas medidas de política são apresentadas em
duas categorias: refletindo o dispêndio e as políticas tributárias dos governos do
Estado. Nossas variáveis dispêndio são despesasper capita com saúde, educação e
outras despesas per capita.11 A primeira das duas pode ser pensada como um dos
importantes determinantes da redução dos esforços de pobreza.12 Pelo lado
tributário, temos duas medidas que oferecem uma amostra da postura política geral
do governo no gabinete. Os tributos do Estado expressos como uma parcela do
produto doméstico do Estado grosseiramente servem para medir o tamanho do
governo do Estado. Podemos também medir quanto o governo está empenhado no
desenho do sistema tributário dirigido à taxação dos mais ricos. Nós criamos uma
medida da progressividade do sistema tributário sobre o controle do Estado. Isso é
a soma dos tributos da terra, da renda agrícola e da propriedade expressas em
unidades per capita. Todas as variáveis políticas são defasadas em quatro períodos
para dar a mesma estrutura de tempo que as variáveis de reforma agrária e para
minimizar as preocupações sobre a endogeneidade dessas variáveis de política.
Nas colunas (1)-(6) da Tabela 4 nós replicamos as regressões da reforma
agrária sobre a pobreza incluindo essas outras políticas. Sem restrição à
especificação dos tributos redistributivos do Estado, a fração do Estado nos
tributos e a produção exercem impactos negativos significantes sobre a pobreza
rural considerando que educação, saúde e o dispêndio residual per capita e
crescimento da população são geralmente insignificantes aos níveis
convencionais.13 Na coluna (1), regredimos o conjunto completo de variáveis
de controle omitidas de política na regressão básica da reforma agrária
cumulativa sobre a medida da lacuna da pobreza rural.14 Apesar de controlar
para essas muitas dimensões da atividade do Estado, a variável reforma agrária
cumulativa continua a exercer um impacto negativo e significante sobre a pobreza
rural. Na coluna (2), nós processamos a mesma regressão com a variável reforma
agrária desagregada. Nós continuamos a encontrar que reformas de
arrendamento e a abolição de intermediários exercem um impacto negativo e
significante sobre a medida da lacuna de pobreza rural, considerando que a
legislação do teto da terra e a legislação da consolidação da terra não exercem
influência significante. A substituição da medida da lacuna de pobreza pela
taxa de contagem per capita, como é feito na coluna (3) produz um conjunto de

11
Isso é o dispêndio total excluindo saúde e educação.
12
Desagregações pequenas dos itens de dispêndio não afetaram os resultados.
13
Os resultados de dispêndio são interessantes dada a prioridade desejada, em debates correntes, para a expansão do
dispêndio em educação e saúde como um aspecto chave da redução da pobreza (ver Dreze e Sen, 1995). Todavia, é possível
que nós necessitemos medidas mais estreitas das formas nas quais programas particulares sejam priorizados para fazer
progresso nessa direção.
14
Nós experimentamos com regressões incluindo um grande conjunto de variáveis de finanças públicas pertencendo a áreas
específicas relevantes para a determinação da pobreza. Em todos os casos o impacto negativo e significante da reforma
agrária sobre a pobreza rural permaneceu intacta.

310 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Tabela 4: Reforma Agrária e Pobreza na Índia: Controle de efeitos


de política omitidos (estatísticas z entre parênteses)*
lacuna de lacuna de contagem lacuna de
PGR HCR
pobreza pobreza per capita pobreza
-PGu -HCu
rural rural rural urbana
(1) (2) (3) (4) (5) (6)
GLS GLS GLS GLS GLS GLS
AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1)
defasagem (t-4) da var. -0.295 0.0004 -0.413 -1.136
reforma agrária (3.22) (0.005) (3.89) (4.77)
cumulativa

defasagem (t-4) da -0.507 -0.937


reforma de (2.10) (2.00)
arrendamento

defasagem (t-4) de -1.574 -2.715


abolição (2.50) (2.16)
intermediários

defasagem (t-4) de 0.18 0.076


tetos de terra (0.70) (0.09)

defasagem (t-4) -0.194 0.804


consolidação de terra (0.37) (0.79)

taxa de crescimento -71,49 -80.81 -92.32 -86.725 35.203 159.47


populacional (0.90) (1.29) (0.53) (1.42) (0.41) (0.96)

defasagem (t-4) 0.041 0.049 0.035 0.039 0.044 -0.020


dispêndio per capita (1.27) (1.51) (0.48) (1.58) (1.15) (0.24)
educação

defasagem (t-4) 0.055 0.059 0.021 0.019 0.064 0.159


dispêndio per capita (1.09) (1.14) (0.18) (0.55) (1.09) (1.15)
saúde

defasagem (t-4) 0.015 0.013 0.020 0.015 -0.004 -0.030


dispêndio per capita (1.79) (1.63) (1.08) (3.10) (0.47) (1.43)
outras despesas

defasagem (t-4) -0.103 -0.115 -0.385 -0.004 -0.148 -0.439


redistribuição per (2.17) (2.43) (3.45) (0.11) (2.81) (3.23)
capita tributo por
Estado

defasagem (t-4) -63.27 -59.85 -76.403 -29.24 -7.85 15.055


tributos como % do (4.16) (3.89) (2.26) (2.55) (0.48) (0.40)
PIB

defasagem (t-4) -19.728 -18.704 -34.17 -9.35 -5.427 -4.673


produção (2.88) (2.75) (2.06) (2.58) (0.79) (0.26)

efeitos estaduais sim sim sim sim sim sim

efeitos anuais sim sim sim sim sim sim

Número de
observações 416 416 416 416 416 416
* Todas as regressões são registradas com desvio padrão robusto.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 311
Timothy Besley e Robin Burgess

resultados similares. Quando nós examinamos a regressão de pobreza urbana


(coluna 4), encontramos que, analogamente à regressão de pobreza rural, o
dispêndio com saúde e educação continua a não ter um impacto significante e
a participação do tributo e produção tem impactos significantes confirmando
que existe algum benefício de equilíbrio geral da produção rural sobre a pobreza
urbana. Os tributos redistributivos do Estado, entretanto, tornam-se
insignificantes sugerindo que o seu impacto está restrito ao setor rural. A
inclusão dessas variáveis extras não tem efeito sobre o impacto insignificante
da variável reforma agrária cumulativa na pobreza rural.
De novo explorando esse impacto diferencial da reforma agrária, nós
processamos nas colunas (5) e (6) as regressões de diferença entre a pobreza rural
e urbana sobre a variável reforma da terra cumulativa e o conjunto total de variáveis
de controle. Note que comparado com a coluna (1) dessa tabela, somente a variável
reforma agrária e os tributos redistributivos do Estado continuaram significantes,
sugerindo que elas têm um papel significante na redução da lacuna de pobreza
rural-urbana. Outros efeitos parecem ser comuns tanto aos setores rurais quanto
aos setores urbanos e, além disso, insignificantes nessa regressão. O contraste
entre as colunas (5) e (6) confirma que os resultados são robustos para o tipo de
medida de pobreza sendo usada. Tomando conjuntamente os resultados
apresentados na tabela 4, observa-se a confirmação dos nossos achados iniciais
de associação significante entre a reforma da terra defasada e a pobreza rural.

3.2.2 Endogeneidade

A equação (3.1) não tem interpretação estrutural e como uma especificação


a mesma aumenta o número questões interessantes. A questão central nesse
ponto é a endogeneidade potencial da variável reforma agrária. Se a reforma
agrária tem como objetivo a redução de pobreza, então nós esperaríamos que os
esforços de política se concentrassem onde a pobreza é mais aguda. Isso tenderá
a viesar o coeficiente sobre a variável reforma agrária sucessivamente. Ao passo
que, defasando a variável reforma agrária, como nós fizemos na equação (3.1), de
algum modo contribui para a minimização das questões referentes a esse fato,
existe algum interesse residual em que choques de longo prazo sobre a pobreza
afetam a legislação antipobreza.
Para abordar esse problema convincentemente seria necessário um
instrumento para a reforma agrária. Uma possibilidade é explorar o fato de que
essa reforma é intensivamente política, uma vez que o seu desenho gera
ganhadores e perdedores. Diferentes grupos políticos na legislatura do Estado
(a Vidhan Sabha) são, além disso, possíveis influenciadores da aprovação da
legislação da reforma agrária. Como as variáveis políticas em nível de Estado são
provavelmente afetadas pela pobreza, nós nos propusemos a usar variáveis
políticas de quatro períodos anteriores à reforma agrária (oito períodos antes da

312 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

observação da pobreza) como instrumentos para essa.


Especificamente, propomos o seguinte modelo para a reforma agrária:
lst = µst-4 + as + b t + cyst + dz st-4 + ηst (3.2)

onde lst é a variável reforma agrária que nós discutimos acima, αs é o efeito fixo
de Estado, b é uma variável dummy de ano, yst é um vetor de variáveis as quais
nós tratamos como exógenas, as variáveis Z st-4 são variáveis políticas refletindo
as participações de cadeiras no parlamento dos diferentes grupos políticos e se
eles tem a maioria em Vihan Sabha, cada uma defasada em quatro anos. Esses
são construídos por meio dos registros do número de cadeiras vencidos pelos
diferentes partidos políticos nacionais em cada uma das eleições de Estado
sob seis arranjos amplos. (os partidos contidos no grupo relevante são
apresentadas entre parênteses depois do nome do arranjo.) Esses são: (i) o
Partido do Congresso (Congresso Nacional da Índia), (ii) outro Congresso (+
Congresso Socialista Indiano + Congresso Nacional Indiano Urs + Organização
do Congresso Nacional Indiano), (iii) o arranjo de extrema esquerda (Partido
Comunista da Índia + Partido Comunista da Índia Marxista), (iv) o arranjo de
esquerda moderada (Partido Socialista + Partido Socialista de Praja), (v) Partidos
Hindus (Partido Bhartiya Janata + Bhartiya Jana Sangh), (vi) Partidos Janata
(Partido Janata, Partido Janata Dal + Partido Lok Dal). Nós expressamos essas
participações como uma função do total de assentos no Legislativo. Nós também
construímos uma dummy para verificar se o arranjo político agarrou uma maioria
no Vidhan Sabha no sentido da ocupação de mais que 50% dos assentos
totais. Novamente o período de quatro arranjos políticos alcançou tal maioria
(Congresso, extrema esquerda, Hindu e Janata).15 O Congresso tendeu a dominar
as assembléias no período, embora os partidos de extrema esquerda tenham
registrado maiorias em Kerala e West Bengal e partidos Janata em Bihar, Haryana,
Karnataka, Madya Pradesh, Rajastan e Uttar Pradesh. Ao longo do tempo houve
um declínio na importância do Congresso e um aumento na importância dos
partidos religiosos e regionais.
A tabela 5 apresenta as estimativas da equação (3.2) para diferentes
tipos de reformas agrárias. O quadro geral é o de que as variáveis políticas
se voltam para as reformas do arrendamento e legislação do teto da terra. As
variáveis políticas são determinantes conjuntamente significantes de ambas
as reformas agrárias. Relativamente a "outras" categorias omitidas, as quais
são compostas de uma mistura de partidos regionais e independentes, a
participação das cadeiras dos partidos moderados de esquerda, Congresso
e Partidos Janata diminuíram a probabilidade de aprovação da legislação da
reforma da terra. A esquerda ficou dividida em relação à questão da legislação
do teto da terra, enquanto a extrema esquerda teve uma participação positiva
nas cadeiras do parlamento, a esquerda moderada teve uma participação

15
O arranjo Hindu somente alcançou uma maioria em um Estado por um ano. Por essa razão, somente as dummies do
Congresso, extrema esquerda e Janata foram incluídas na análise.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 313
Timothy Besley e Robin Burgess

Tabela 5: Determinação de Política Agrária


(estatísticas z entre parênteses) *
reforma agrária reformas de abolição tetos da consolidação
cumulativa arrendamento intermediários terra de terra
(1) (2) (3) (4) (5)
GLS GLS GLS GLS GLS
AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1)
defasagem (t-4)
da var. reforma 0.406 0.186 0.001 0.052 0.003
agrária (12.23) (8.82) (0.31) (4.75) (0.33)
cumulativa

defasagem (t-4) -0.420 -0.454 0.002 0.058 0.002


Congresso (2.08) (3.14) (0.06) (0.97) (0.09)

defasagem (t-4) -1.256 -0.872 -0.003 0.093 -0.0002


outros Congresso (2.48) (2.68) (0.03) (0.62) (0.003)

defasagem (t-4) 1.565 0.749 -0.0006 0.428 0.002


extrema esquerda (2.21) (1.57) (0.01) (2.08) (0.03)

defasagem (t-4) -4.924 -1.021 -0.057 -1.350 -0.004


esquerda (5.37) (1.83) (0.70) (3.91) (0.04)
moderada

defasagem (t-4) 0.911 -0.169 0.005 0.281 0.002


partidos hindus (1.53) (0.46) (0.05) (1.63) (0.02)

defasagem (t-4) -0.484 -0.403 -0003 -0.020 0.002


partidos Janata (1.84) (2.31) (0.07) (0.25) (0.05)

defasagem (t-4) -0.060 0.027 -0.002 0.042 -0.001


dummy maioria (0.70) (0.52) (0.17) (1.77) (0.09)
do Congresso

defasagem (t-4) -0.124 -0.376 -0.003 -0.206 0.003


dummy maioria (0.27) (1.55) (0.06) (1.62) (0.07)
extrema esquerda

defasagem (t-4) 0.074 0.017 0.0008 -0.024 -0.0005


dummy maioria (0.51) (0.20) (0.03) (0.53) (0.03)
Janata

efeitos estaduais Sim Sim Sim Sim Sim

efeitos anuais Sim Sim Sim Sim Sim

Número de 473 473 473 473 473


observações
*
Todas as regressões são relatadas com fortes erros de padrão.

oposta. Nós poderíamos encontrar quaisquer variáveis políticas para


predizer a probabilidade de que a legislação aprovada eliminaria os
intermediários e promoveria a consolidação da terra. À luz disso, resulta
que o instrumento que desagrega as reformas agrárias é suspeito nesses
dois casos. Nós focamos, portanto, sobre o caso das reformas agrárias
agregadas e sobre a robustez dos coeficientes das reformas de
arrendamento e da legislação do teto da terra.
A tabela 6 oferece resultados que instrumentam o uso das variáveis
políticas da reforma agrária (oito períodos defasados). Na coluna (1) nós usamos

314 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

um conjunto total de variáveis políticas como instrumentos e encontramos que


a variável reforma agrária cumulativa continua a ter um impacto negativo e
significante sobre a pobreza rural. Na coluna (2), nós dividimos as reformas
agrárias por tipo e encontramos que as reformas do arrendamento continuam
significantes, ao passo que os outros tipos de reforma agrárias são insignificantes.
A falta de um efeito robusto sobre a abolição de intermediários é melhor atribuído
à fraqueza dos instrumentos, como pode ser observado na tabela 5. Resultados
similares são obtidos quando a taxa de contagem per capita é usado como nossa

Tabela 6: Reforma Agrária e Pobreza na Índia: Instrumentação


(estatísticas t entre parênteses)*
lacuna de lacuna de contagem PGR
pobreza pobreza de pessoas -PGu
rural rural na zona
rural
(1) (2) (3) (4)
modelo IV ** IV IV IV
defasagem (t -4) -.0768 -0.452
da var. reforma (6.25) (3.80)
agrária
cumulativa

defasagem (t -4) -0.767 -2.390


reformas (2.00) (2.47)
arrendamento

defasagem (t -4) -0.758 2.716


abolição (0.37) (069)
intermediários

defasagem (t -4) 1.635 -2.773


tetos terra (1.23) (1.04)

defasagem (t -4)
consolidação 0.233 1.708
da terra (0.15) (0.46)

efeitos estaduais Sim Sim Sim Sim

efeitos anuais Sim Sim Sim Sim

R2 ajustado 0.888 0.871 0.878 0.678

Número de
observações 410 410 410 410

* Todas as regressões são registradas com desvio padrão robusto.


**Os instrumentos para a variável endógena de políticas (reforma agrária cumulativa atrasada de quatro períodos) incluem
a parcela de assentos nas assembléias estaduais ocupados pelo Partido do Congresso, pela esquerda moderada, pelo Partido
Hindu e pelo Partido Janata, atrasados de oito períodos e as maiorias simbólicas para os Partidos do Congresso, Hindu ou
Janata detiveram mais de 50% do total dos assentos e atrasaram oito períodos de reforma agrária (t-8) são usados como
instrumento para a reforma agrária atrasada de quatro períodos (t-4).

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 315
Timothy Besley e Robin Burgess

medida de pobreza rural (coluna 3). A coluna (4) mostra que a reforma agrária tem
um impacto significante em termos de encurtar a lacuna de pobreza rural-urbana.
Nós também registramos os testes das nossas restrições de
superidentificação para as regressões de variáveis instrumentais. As variáveis
políticas passaram nos testes estatísticos de superidentificação e, por essa
razão, pelo menos em termos econométricos pareceriam ser instrumentos
apropriados para as reformas agrárias. A tabela (6) pode ser melhor interpretada
como uma checagem da robustez de nossos resultados, ao invés de um modelo
estrutural mais cuidadosamente pensado. A impressão geral é a de que os nossos
resultados se encaixam para esse procedimento com as reformas agrárias
continuando a ser associadas com a redução da pobreza.

3.3 Reforma agrária e crescimento

Ainda que a reforma agrária ajude aos pobres, ela pode ter um custo para
o desempenho econômico. Nós tratamos agora, portanto, de explorar se a
reforma agrária tem um efeito positivo ou negativo sobre o produto per capita da
agricultura. Nesse caso, nós usamos o log do produto per capita doméstico
agrícola do Estado como uma variável no lado esquerdo da equação (3.2), com o
lado direito aumentado pelo log do produto doméstico per capita do Estado para
modelar a dinâmica numa forma muito simples e para permitir a convergência no
tempo. Nós, portanto, temos uma regressão da forma:

xst = λxs t –1 + αs + βt + γy st + ψlst – 4 + ε st (3.3)

Essa é basicamente a mesma forma da regressão que se tornou popular


na literatura de crescimento entre países sumarizada por Barro (1997), embora
nossos dados em painel nos permitam usar os efeitos fixos e os efeitos ano.
Nós também continuaremos permitindo um erro de especificação AR(1) com
algum grau de heterocedasticidade.
A tabela 7 apresenta os resultados principais para a regressão da
renda agrícola per capita do Estado sobre a reforma agrária. Na coluna (1),
apresentamos os resultados para um modelo GLS contendo somente efeitos
fixos de Estado e efeitos ano como controle. Nós encontramos que a variável
reforma agrária desagregada defasada em quatro períodos não tem impacto
significante sobre a renda per capita. Na coluna (2), nós olhamos somente
para a renda agrícola per capita. Isso faz sentido já que a reforma agrária trata
predominantemente das relações de produção na agricultura. Isso sugere
que a reforma do arrendamento tem um efeito negativo sobre o produto
agrícola com a consolidação da terra tendo um efeito oposto. Nenhum efeito
é observado para os outros tipos de reformas agrárias. A coluna (3) mostra
que o efeito da reforma do arrendamento (mas não a consolidação da terra)
é robusta quando se inclui as nossas outras variáveis de política defasadas

316 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Tabela 7: Reforma Agrária e Crescimento na Índia


(estatísticas z entre parênteses) *
log renda per log renda agrícola log renda agrícola produção produção
capita estado per capita estado estado (PDEag/ASC) (PDEag/ASC)
(1) (2) (3) (4) (5)
modelo GLS GLS GLS GLS GLS
AR(1) AR(1) AR(1) AR(1) AR(1)
defasagem (t-1) 0.508
log renda per (12.60)
capita estado
defasagem (t-1) 0.215 0.180
log renda agrícola (4.52) (1.47)
per capita estado
defasagem (t-4) -0.001 -0.034 -0.026 -0.001 -0.001
reformas (0.24) (4.17) (2.29) (2.57) (1.76)
arrendamento

defasagem (t-4) -0.006 0.006 -0.014 -0.0002 -0.0007


abolição (0.65) (0.39) (0.65) (0.13) (0.41)
intermediários
defasagem (t-4) -0.0003 0.020 0.013 0.0008 0.0005
tetos da terras (0.05) (1.31) (0.68) (0.69) (0.37)

defasagem (t-4) -0.015 0.062 0.047 0.003 0.003


consolidação (1.45) (3.23) (1. 74) (2.11) (1.41)
terra
taxa de -2.379 0.205
crescimento (0.70) (0.83)
populacional
defasagem (t-4) 0.002 0.0002
dispêndio per (1.04) (1.87)
capita com
educação

defasagem (t-4) -0.004 - 0.00007


dispêndio per (1.48) (0.32)
capita com saúde

defasagem (t-4) -0.0005 - 0.00007


outras despesas (1.35) (1.54)

defasagem(t-4) -0.004 -0.0002


imposto estadual (1.60) (1.02)

defasagem (t-4) -0.020 0.026


impostos como (0.02) (0.38)
% de PDE

defasagem (t-4) 0.188 -0.020


produção (0.74) (0.30)
Efeitos estaduais Sim Sim Sim Sim Sim
Efeitos anuais Sim Sim Sim Sim Sim
Número de 462 462 462 462 462
observações

*
Todas as regressões são registradas com desvio padrão robusto.

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Timothy Besley e Robin Burgess

por quatro anos. Nas colunas (4) e (5) mostramos que esses achados
permanecem inalterados quando as produções agrícolas ao invés da renda
per capita estão do lado esquerdo da variável.

3.4 Sumário

Colocando conjuntamente esses resultados observa-se o seguinte


quadro. Existe alguma relação entre eqüidade e eficiência para as reformas
do arrendamento, desde que tanto a pobreza quanto o produto per capita
sejam menores depois que tais reformas sejam decretadas. Nenhuma escolha
surge pela abolição dos intermediários. Os tetos sobre as propriedades da
terra não parecem ter efeito nem sobre as medidas do produto nem sobre a
pobreza, enquanto a consolidação da terra (algumas vezes não robusta)
promove o aumento do produto na agricultura sem afetar a pobreza.
A falha da legislação de tetos da terra para mostrar qualquer impacto
significante sobre a redução da pobreza ou níveis de produto é consistente com
a reivindicação de Bardhan (1970), de que tais reformas foram raramente
implementadas com qualquer grau de seriedade. Esse dado é também consistente
com nossos achados na seção 2 acima, de que no período em questão não
parece haver quaisquer reduções dramáticas na desigualdade nas terras
arrendadas. Assim, para os resultados fazerem sentido é imperativo pensar sobre
as reformas agrárias que apresentaram mudança nas relações de produção na
agricultura ao invés de alterar o modelo de arrendamento de terra.

4. Interpretando os resultados

Nossa análise empírica sugere que a redução na pobreza está associada


com a reforma agrária e essa é atribuída à legislação que aboliu os intermediários
e reformou os termos do arrendamento. Apresentaremos, agora, um simples
modelo teórico de contratação agrícola para que os achados façam sentido.
Nós tratamos de um mundo onde existem proprietários de terra com
terra própria e arrendatários que a arrendam. Suponha que o produto dado em
um pedaço de terra é denotado por R(e) onde e denota alguns insumos aplicados
à terra (onde o custo dos insumos é normalizado para 1). Nós assumimos que
R(.) é suave, crescente e côncava. O proprietário de terra e o arrendatário têm
utilidades de reserva denotadas por v L e v T.
Nós supomos que os arrendatários necessitam ser monitorados para
colocar o esforço na terra. Especificamente, nós imaginamos que um contrato
especifica um nível de esforço e. Todavia, o locatário pode escolher "vadiar"
colocando esforço zero, nesse caso o proprietário de terra o captura com uma

318 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

probabilidade p e ele é penalizado, recebendo o seu payoff de reserva de v T. O


arrendatário pode agora não-somente ser induzido a ofertar esforço porque a
ameaça de despejo é suficientemente forte. Suponha então que o arrendatário
receba um pagamento de w para trabalhar a terra, o qual ele recebe somente se
não é pego vadiando. Assim, o arrendatário está disposto a colocar um nível de
esforço ao pagamento de w se, e somente se, a restrição de incentivos
(1 – p) w + pvT ≥ w – e é satisfeita. Resolvendo isso com igualdade obtém-se o
esquema de pagamento w(e) necessário para induzir o nível de esforço como

w (e) = v T + e/p (4.1)

O contrato tem agora que especificar um par pagamento/esforço


consistente com esse esquema. Formalmente,

 e
e( p ) = arg maxe = R ( e) − 
 p

É fácil verificar que e(p) é crescente e que em p = 1 o arrendatário


colocará o nível de esforço maximizador do excedente. Porque ele tem que ser
induzido a fazer um esforço, o arrendatário tem que obter alguma receita de
operar a terra. O seu payoff de equilíbrio é

e( p)(1 − p )
V ( p) = vT + > vT .
p

Abaixo, nós estaremos interessados no impacto das mudanças em p


sobre o produto e o payoff do arrendatário. O efeito produto é fácil de se obter da
observação que e(p) é um nível de esforço menor que o nível que maximiza o
excedente para todo p<1 . Um aumento em p aumentará o produto líqüido. O
efeito sobre o payoff do arrendatário é dado por

1− p   1
V `( p) = e`( p )  − e ( p)  2  . (4.2)
 p  p 

O primeiro termo é positivo quando p decai. Isso representa o fato de que


o arrendatário recebe menos receita quando p é menor porque o proprietário de
terra escolhe induzir um baixo nível de esforço. O segundo efeito trabalha na
direção oposta. Para um dado nível de esforço, a receita do arrendatário será
agora maior. Portanto, mudanças em p têm efeitos ambíguos sobre o payoff dos

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 319
Timothy Besley e Robin Burgess

arrendatários. Entretanto, é direto mostrar que o arrendatário ser beneficiará da


reforma do arrendamento que reduz a probabilidade de que dele seja despejado
se for capturado vadiando se a elasticiade do esforço com respeito a probabilidade
de despejo (e’(p) p / e (p)) é menor que 1/(1 – p).
Nós agora usamos essa estrutura teórica para discutir o efeito da abolição
dos intermediários e a reforma do arrendamento. Para incluir um intermediário
na análise, supomos a existência de três partes no contrato agrícola: um
arrendatário, um proprietário de terra e um intermediário. Nós começamos
fazendo uma hipótese extrema de que os intermediários que têm uma posição
de barganha forte podem fazer ofertas do tipo pegar ou largar para o proprietário
de terra e para o arrendatário. Isso está muito mais na linha de Zamindaris
quando capturando o excedente da terra. Nesse mundo, o arrendatário receberá
um payoff de V(p), e o proprietário de terra receberá um payoff v L, com o
intermediário recebendo o excedente [R(e(p)) – e(p)] – V(p) – v L.
Depois que o intermediário é abolido, esse excedente é agora disponível
para distribuição de tal forma que p continue sendo o mesmo. Somente se o
arrendatário não obtiver poder de barganha com o seu proprietário de terra, nós
esperaríamos não observar nenhum efeito sobre o payoff do arrendatário. Caso
contrário, esperaríamos ver o payoff do arrendatário aumentar. Isso é consistente
com os nossos achados empíricos de que a pobreza caiu depois da abolição
dos intermediários. Nós esperaríamos ver qualquer mudança no esforço e,
portanto, no produto a menos que p fosse diferente quando os proprietários de
terra e os intermediários negociassem os contratos.
Agora, nos voltamos para o impacto das reformas do arrendamento. Tais
reformas são variadas, o que torna difícil oferecer uma base teórica definitiva.
Isso requereria um arcabouço mais institucional, como é o caso da análise das
reformas agrárias da West Bengal feitas por Banerjee e Ghatak (1997). Não
obstante, é útil pensar por meio de um modelo simples que nossos resultados
empíricos confirmam as predições da teoria apresentada acima. Suponha,
portanto, que o proprietário de terra tenha todo o poder de barganha e pode
fazer ofertas do tipo pegar ou largar para os arrendatários antes e depois da
reforma do arrendamento. Nós podemos modelar o efeito das reformas do
arrendamento ao fazer isso é mais difícil despejar os arrendatários se eles
vadiarem. Em termos do nosso modelo, isso é equivalente a reduzir p. Como nós
temos argumentado, isso tem dois efeitos. Primeiro, esperamos que o esforço e,
portanto, o produto caiam. Segundo, esperamos que uma mudança no payoff
para o arrendatário quando a sua receita pode aumentar ou diminuir. Nós
mostramos que esse é positivo sob condições razoáveis, que é exatamente o
que nós encontramos em nossos dados.16
16
Claramente, um tratamento teórico completo requereria uma análise mais detalhada. No equilíbrio geral, é possível que
as reformas agrárias afetem as taxas salariais agrícolas. Todavia, nós encontramos nos dados evidências mal sucedidas para
isso. Nesse caso, o indivíduo desprovido de terra também seria afetado. É também possível que alguns proprietários de terra
reajam às reformas de arrendamento escolhendo outros arranjos contratuais ou trabalham a terra.

320 Estudos NEAD 5


Reforma Agrária, Redução da Pobreza e Crescimento: evidências na Índia

Para sumarizar, os achados empíricos são consistentes com um modelo


estilizado de contratação agrícola. Enquanto muitos aspectos complicadores
poderiam ser adicionados a teoria, a verdade geral da captura do tradeoff aqui é
relevante. É bem sabido que em uma variedade de contextos, os rendimentos
são usados para motivar os arrendatários. Assim, as reformas agrárias que afetam
como os problemas da agência são resolvidos tipicamente gerarão tanto efeitos
de produto quanto de distribuição.

5. Conclusão

Não é surpreendente que as reformas agrárias resultem em política


controversa por motivos políticos. Apesar disso, não existe quase nenhuma
evidência quantitativa que nós estejamos cientes que confirme como as
distribuições de consumo são alteradas pela aprovação de uma reforma agrária.
A evidência apresentada aqui sugere que no contexto da Índia, as reformas
agrárias parecem estar associadas à redução da pobreza. Nós também pudemos
observar uma trajetória de mudanças no produto. Esses são consistentes como
um simples modelo teórico de contratação agrícola.
De maior significância é o achado de que a reforma agrária contribuiu em
direção à redução da pobreza na Índia, e que essa conclusão parece robusta
para um número considerável de estudos. Assim, enquanto o pessimismo sobre
as dificuldades de implementação das redistribuições de terra por meio da
legislação de tetos da terra pareçam garantidas, isso tem que ser confirmado
pelos resultados para a abolição de intermediários e reformas de arrendamento.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 321
Timothy Besley e Robin Burgess

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Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 323
Podem o Tempo e
os Mercados Resolver
a Questão Agrária?
Visões microeconômicas
sobre a persistência e
os custos da desigualdade
de propriedade de terras na
América Latina
Michael R. Carter
Universidade de Wisconsin-Madison (EUA)

Frederic Zimmerman
Universidade de Stanford (EUA)

O presente documento agrega e sintetiza alguns dos escritos dos autores. Como tal, eles expressam sua gratidão a uma longa lista de pessoas
e instituições que os apoiaram ao longo do tempo. Agradecimentos especiais são dirigidos a John D. e à Fundação Catherine T. MacArthur,
bem como ao programa de pesquisa IRIS, da Universidade de Maryland.
Introdução
quadro altamente desigual da propriedade de terras que, por muito

O tempo, vem caracterizando as economias da América Latina, teve


origem em sua própria história colonial a qual, por vezes, foi alimenta-
da por políticas que depreciaram o capital. Os estudos de Barraclough da déca-
da de sessenta (resumidos em Barraclough, 1967), documentaram, exaustiva-
mente, esse persistente status quo. O que Coles (1994) chama de “período de
reforma agrária” da política agrícola da América Latina pretendia ser (ou, mais
cinicamente, pretendia parecer que fosse) um ataque frontal ao que se chamava
de uma desigualdade social, política e economicamente onerosa.
Os tempos mudam, com certeza, e, independentemente do fato de que teste-
munhamos ou não a morte da reforma agrária convencional (ver Lipton, 1994, versus
Lehman, 1998), não há dúvida que os regimes de políticas agrícolas, em toda a
América Latina, evoluíram para um patamar mais aberto e liberal. Novos mercados,
tecnologias e exportações acompanharam essa abertura, e os direitos sobre a propri-
edade e os mercados de terra foram, em muitos casos, assegurados e desregulados,
num esforço de proteger os incentivos ao investimento, e promover transações efici-
entes, mesmo na presença de uma austeridade fiscal, que comandou a extinção dos
bancos públicos agrícolas e dos serviços de extensão.
O impacto dessas mudanças sobre a estrutura da propriedade de terras
(e sobre a questão fundiária) tem se mostrado ambíguo. O otimismo inicial, de
que a exaustão fiscal do Estado intervencionista passaria a gerar preços menos
distorcidos e abrir espaço para que os menos privilegiados participassem, dire-
tamente, dos benefícios do crescimento (ver Janvry e Sadoulet, 1993), deu lugar
a uma visão mais objetiva sobre os obstáculos que limitam a participação dos
habitantes do meio rural nessas novas oportunidades econômicas. Estudos
sobre a explosão do crescimento das exportações agrícolas no Chile, Guatemala
e Paraguai (resumidos em Carter, Barham e Mesbah, 1995, e Carter e Barham,
1996), identificam um efeito subjacente das restrições de capital sobre a parti-

326 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

cipação dos trabalhadores rurais, dando origem tanto ao que se chamou no


Chile de trajetória de “crescimento excludente”, quanto a um crescimento
cujos impactos sobre a renda e o bem estar dos menos privilegiados foram
anulados. A relevância permanente da questão agrária, e até mesmo da agenda
tradicional da reforma agrária, é urgente – e esta conferência testemunha isso.1
Com esse pano de fundo, que traz à tona antigas indagações e novas
realidades, orientamos este documento em direção aos modelos dinâmicos de
acumulação de ativos e de poupança, para descobrir até onde conhecemos, e o
que podemos dizer, em nível teórico, sobre a persistência, no período pós-
liberalização, dessa desigualdade de propriedade de terras, que é, economica-
mente, muito cara. Mais especificamente, indagamos se o tempo e os mercados
de terras se aliaram, na busca do que Birdsall et alii (no prelo) chamaram de
estratégias de crescimento dirigidas à redução das desigualdades.
Sob uma perspectiva política, a obtenção de uma resposta certa para
essas indagações é vital. No México, Honduras e Nicarágua, a resposta seria
dirigida diretamente às inquietações sobre as conseqüências distributivas, de
médio e curto prazo, das recentes reformas que liberalizaram as leis agrárias e
abriram o mercado de terras em setores de reforma agrária. No Brasil, na Colôm-
bia e no país estruturalmente mais latino-americano da África, a África do Sul,
esforços vêm sendo envidados no sentido de se utilizar, ativamente, o mercado
de terras, como parte de um programa de reforma agrária negociado, ou apoia-
do no mercado. Também nesses países, o entendimento correto do tempo e
dos mercados é vital para o êxito desses programas.
A exploração teórica do tempo, do mercado e da questão agrária, conti-
da neste documento, está organizada em três capítulos, e numa seção de con-
clusões. O primeiro oferece um modelo de produção por período único, que
destaca as forças que moldam as decisões de produção e de uso do solo, as
quais são parte importante do valor patrimonial da terra, especificamente as
interações entre o trabalho, limitado (constrained) pela informação, e os merca-
dos de capitais. De modo a captar a heterogeneidade de riquezas, que reside no
âmago da questão agrária, o modelo é analisado por meio de um espaço bi-
dimensional, que destaca o que pode ser chamado de diferenças de classe
(endógenas) no uso e no retorno produtivo da terra.
A segunda parte deste documento, então, utiliza esse modelo de produ-
ção como base para a análise dinâmica da acumulação de riqueza e de poupança,
numa economia agrária desigual. Métodos numéricos foram utilizados para ana-
lisar o resultante modelo geral de equilíbrio dinâmico, e apontaram para o fato de
que, na verdade, o tempo e os mercados corroem, sistematicamente, o setor
latifundiário neste modelo, apesar das barreiras estáticas que se interpõem à acumu-

1
Atenção renovada a essas questões vem sendo ainda mais reforçada, pela contínua evolução da literatura sobre os custos
econômicos da desigualdade (tanto em sua encarnação microeconômica, resumida em Bowles, Bardhan e Gintis, 1998; quanto
no contexto macroeconômico, inspirado pela literatura de crescimento endógeno), e a conseqüente busca por um “Consenso
pós-Consenso de Washington” em torno da política de desenvolvimento.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 327
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

lação de terras pelos agentes mais pobres. No entanto, a convergência para


uma economia mais equânime é, ao mesmo tempo, lenta e dispendiosa, em
termos econômicos. Ademais, essa convergência ocorre numa economia des-
tituída de riscos, e inúmeros autores (p. ex. Braverman e Stiglitz, 1989) levan-
taram a hipótese de que isso as tornou insensíveis à acumulação por parte
dos trabalhadores rurais.
De modo a avançar na compreensão desse problema, o capítulo 3 apre-
senta uma análise programática dinâmica dos impactos do risco da produção e
dos riscos endógenos da precificação de ativos sobre suavização do consumo,
e das decisões sobre acumulação de ativos. Embora calibrada num ambiente
altamente sujeito a riscos, como a África Ocidental, essa segunda análise dinâ-
mica lança uma advertência sobre as chances que o tempo e os mercados têm
para resolver a questão agrária. Por último, o capítulo 4 faz um resumo das
implicações deste documento para a pesquisa, as políticas e os políticos.

1. Incentivos à produção e à acumulação, num modelo de


período único para uma economia agrária desigual
Este capítulo apresenta os fundamentos para a nossa exploração sobre
a persistência das desigualdades, ao apresentar um modelo estático que capta
características importantes da tecnologia e do trabalho e dos mercados de
capitais, baseados em hipóteses, de forma a moldar a competitividade das
diferentes classes de produtores e a evolução da estrutura agrária latino-ameri-
cana (p. ex., ver Scott, 1985). Como prelúdio para uma análise dinâmica formal
da acumulação de terras e da questão da evolução estrutural, este capítulo
também usa o quadro estático para obter pistas sobre o impacto dessas carac-
terísticas sobre os incentivos à acumulação das diferentes classes econômicas
sugeridas pelo modelo.
1.1 Produção e classe numa economia agrária desigual
Dados a dotação da terra (T), o trabalho (L0), e o dinheiro (M), vamos
assumir que cada agente tente maximizar a renda doméstica, definida como:
π ≡ {p c Q - wLd - FPf - 1 [z + irB]} + {wφ (Ls)} + {irS} (1)
em que o primeiro termo entre as chaves dá a renda líquida da produção
agrícola, o segundo termo fornece os ganhos de mercado pelo trabalho, e o
terceiro apresenta os retornos do dinheiro investido em um banco, ao longo
do ciclo de produção. A produção agrícola é obtida com uma simples fórmula
Cobb-Douglas,
Q = DF a T a L a (2)
em que o F mede os insumos adquiridos ao preço Pf, T é o estoque de terra, e
L é o trabalho, medido em unidades de eficiência ajustadas à qualidade. A
eficiência do trabalho é medida de acordo com a seguinte fórmula,

328 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

L = Lh + λ [γ (T, Lh) Ld] + [1 - λ][-v (Ld) + γ0Ld] (3)


em que Lh é o trabalho da família voltado à produção caseira, Ld as horas de
trabalho contratado e a variável indicador endógeno λ assume o valor de 1, se
a família usar uma fiscalização informal do trabalho doméstico, e se iguala a um,
se o agente supervisionar formalmente sua força de trabalho, mediante a
contratação de supervisores pagos. A função de emprego, φ (Ls), dá os dias
consumidos como uma função do trabalho oferecido ao mercado de trabalho
não agrícola. Assumimos que φ (Ls) →Ls quando Ls → 0, e que 0 < φ’< 1, para
captarmos a noção de que o emprego se torna cada vez mais difícil de se
conseguir, à medida que aumenta a oferta de mão de obra, quando o agricultor
busca emprego durante a entressafra, ou estação morta.
A maximização de (1) é, ainda mais limitada por uma restrição ex ante do
capital de giro:
wLd + PfF + Pc R0 ≤ M - S + wφ (Ls) + 1 [B - z] (4)
que quer dizer, simplesmente, que o agente precisa de dinheiro suficiente à mão,
para financiar os custos da produção, mais o sustento da família durante a esta-
ção de chuvas (PxR0).2 O capital de giro pode ser obtido com o dinheiro que
não é poupado (M -S), obtido de trabalho assalariado não agrícola simultâ-
neo, e dos rendimentos líquidos de qualquer empréstimo obtido pela família,
1[B - z], em que B é o valor bruto do empréstimo, z é o custo fixo da transação,
e 1 é um indicador que assume o valor de um se B for positivo. Por último,
cada agente tem à frente um teto de empréstimo, condicionado à quantidade
de terras que ele possui,
B ≤ β T, (5)
e as seguintes variadas restrições, sem negatividade:
(L0 - Lh - Lh), S, Ld, B ≥ 0 (6)
O objetivo dos agentes é, portanto, maximizar (1), sujeitos a (2)-(6) e nós
simbolizamos a função de valor ótimo, que corresponde a este problema, como
π* (T, M), para enfatizar a sua dependência nas dotações de terras.
Este problema de maximização da renda ressalta as imperfeições dos merca-
dos de trabalho e capital (baseado em informação assimétrica), já exaustivamente
discutidas no contexto da agricultura dos países em desenvolvimento. A restrição do
capital de giro (working capital constraint ) (4) torna extremamente importante a especificação
das regras de acesso ao capital. Se, de um lado, alguns argumentam que, em razão da
assimetria de informações, os pequenos agricultores ficarão completamente alijados
dos mercados de crédito (p. ex. ver Eswaran e Kotwal, 1986, e Carter, 1988) nós, de
forma mais conservadora, assumimos que todos os agentes têm acesso igual ao
2 Embora essa exigência de consumo restrinja o agricultor, no uso de dinheiro para a produção, nós adotamos a hipótese
conservadora, que não impõe limite sobre o problema da acumulação intertemporal. As famílias podem optar por gastarem
toda a sua renda agrícola na aquisição de terras. Na parametrização numérica deste modelo, o salário é alto o suficiente, de
modo que até mesmo o assalariado em tempo integral consegue cobrir os seus requisitos de subsistência.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 329
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

crédito, a uma determinada taxa de juro de mercado. Entretanto, os mutuários têm de


enfrentar um custo fixo de transação, z, que está associado ao custo de oportunidade
da solicitação, verificação e aprovação do empréstimo. A estabilidade de z torna os
pequenos empréstimos pouco atraentes para todos os agentes (ricos ou pobres).
Observe-se que, devido a esses custos de transação, e à conseqüente relutância de
alguns agentes em tomarem o empréstimo, o preço sombra da restrição de limitação
do capital de giro (3) – que nós simbolizamos como µ - deverá variar endogenamente
no espaço de dotações, muito embora embuta uma taxa de juros de mercado
parametricamente determinada.
O segundo aspecto deste problema é que a produção depende do insumo
de esforço de trabalho, e não apenas de tempo de trabalho. O fato de não se contra-
tar esforços de trabalho nos processos de produção espacialmente dispersos,
baseados em técnicas biológicas, tem uma longa história na economia agrícola
(p. ex. ver Brewster, 1950), e nós concordamos com Bowles (1985) na especificação
das tecnologias de extração (2) que transformam a força de trabalho ou o tempo
dedicado a esse em esforço de trabalho. O trabalho familiar pode ser empregado
na fiscalização, mas, de acordo com os resultados de Frisvold (1994), a eficácia
da fiscalização familiar do trabalho diminui à medida que cresce o tamanho da
propriedade, e o trabalho familiar dilui-se por uma área muito vasta. Mais especi-
ficamente, assumimos que γ(T, Lh) < 1, e que ∂γ/∂T < 0. Em razão da eficácia
decrescente da fiscalização de trabalho familiar e informal, as propriedades mai-
ores têm mais probabilidade de evoluir para o procedimento de fiscalização hie-
rárquica, dispensando desta forma, a limitação de tamanho da propriedade sobre
a extração do trabalho, mas aumentando, significativamente, os custos do traba-
lho (Bowles, 1985; Carter e Kalfayan, 1989).3 Da mesma forma que o trabalho
contratado e supervisionado informalmente, o trabalho contratado e hierarquica-
mente supervisionado nunca é mais produtivo do que o trabalho familiar (γ0 < 1)
e nós assumimos ainda que os custos de fiscalização, v (Ld), contêm tanto um
custo fixo, quanto uma componente variável.
Da mesma forma como ocorre com os preços sombras do capital, os
efeitos combinados desta especificação do mercado de trabalho tornarão o
preço efetivo ou o preço sombra do trabalho, endógeno às escolhas individu-
ais. O resultado final se assemelha ao mundo de Chayanov, onde o custo de
oportunidade do trabalho é determinado subjetivamente (ou endogenamente).
Ao passo que a literatura mais recente sobre modelos familiares tende a carac-
terizar um preço sombra endógeno do trabalho, como um reflexo da
indivisibilidade entre as decisões de consumo e de produção (p. ex. ver Singh,
Squire e Strauss, 1986), isso resulta aqui, como nesses modelos familiares, do
fato de que os mercados de trabalho são frágeis e, portanto, imperfeitos.
O problema de maximização (1) admite uma variedade de soluções, de-
pendendo das limitações no ponto ótimo. Essas soluções podem ser divididas

3
Além do mais, os agentes desejosos de contratar trabalho têm que pagar pelo preço da busca, em termos do tempo
relacionado à quantidade de tempo que eles desejam vender. Sem esta suposição, o preço sombra do trabalho seria constante
para os domicílios que não contratam trabalho de fora. Com essa suposição, o preço sombra do trabalho, para as famílias que
não contratam trabalho, aumenta com o tamanho da gleba e diminui com o tamanho da família.

330 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

em doze tipos – ou classes – baseados no uso do capital e do trabalho na


propriedade.4 A Tabela 1 sintetiza esses tipos de classes. As diferenças entre
os tipos de solução podem ser destacadas pela compreensão sobre o que
acontece com as demandas por dois fatores-chave: trabalho e capital. Por cau-
sa dos custos inerentes à contratação do trabalho, um prêmio salarial é neces-
sário para se atrair o trabalho doméstico para fora das fazendas, mesmo que o
seu produto marginal esteja abaixo do salário de mercado. Por causa das dife-
renças entre as estratégias de fiscalização do trabalho, ao se atingir um determi-
nado nível de tamanho de propriedade, é aconselhável que se evolua para o
regime de fiscalização hierárquica. Essas geraram quatro regimes de uso do
trabalho, que designamos, diretamente, como semiproletário, camponês, famí-
lia capitalista e capitalista hierárquica.
Regimes de Trabalho
Contrata Produção do =(1 + 1 ( Contrata
trabalho por fora: agricultor: trabalhadores e
Ls > 0; = (1+) w Ls = Ld = 0; = (1+ = +
supervisores:
L > 0; = 0;
d
= (1+ = ( = (1 +
Ld > 0; = 1; = (1 +) w/ 0
h
= (1+) w/ (T, L )
Regimes Irrestrito no Semiproletariado Agricultores Família de Família capitalista
de uso do independente independentes agricultores hierárquica
Crédito capital; sem independentes independente
empréstimo:
µ =; B = 0
Restrito no Semiproletariado Agricultores Família de Família capitalista
uso do restrito restritos pelo agricultores hierárquica
capital; sem capital restritos pelo restrita pelo
empréstimo: capital capital
µ >; B = 0
Níveis Semiproletariado Agricultores Família de Capitalistas
positivos de endividado endividados agricultores hierárquicos
empréstimo: endividados endividados
µ; B > 0

Tabela 1: Regimes de classe estáticos

Cada regime pode ser caracterizado pelo preço sombra do trabalho, quer
dizer, o preço endógeno do valor do produto marginal do trabalho na produção. Por
exemplo, para os agentes semiproletários, que cultivam determinada gleba e forne-
cem um determinado trabalho ao mercado, as condições de primeira ordem, defini-
das em (1) acima, implicam num preço sombra do trabalho, ω, que é dado por:
ω w (M/ Ls) (1 µ)
em que ω é o preço de mercado de trabalho, µ é o preço sombra associado à
restrição de capital (3). Observe-se que o preço sombra para essa classe é o salário
marginal esperado, que poderia ser ganho no mercado de trabalho não agrícola,
aumentado pelo preço sombra do capital. O preço sombra para os outros tipos de
regime de trabalho é dado no alto das colunas da Tabela 1. Para as classes que
contratam trabalho, o salário sombra é dado pelo custo do trabalho, medido em
termos de eficiência, e também ajustado pelo preço sombra do capital.
4
Observe-se que, como Eswaran e Kotwal (1986), podemos eliminar diversos tipos de solução, inclusive aqueles que apresen-
tam famílias que, simultaneamente, contratam e vendem trabalho no mercado.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Devido ao custo fixo de se tomar capital emprestado, uma lacuna é criada


entre aqueles que têm o preço sombra do capital abaixo da taxa de juros, e aqueles
que podem tomar empréstimos com vantagens. Ao se deixar µ denotar o preço
sombra da restrição de capital ex ante em (1), e designar ir como a taxa de juro de
mercado, poderemos designar os regimes de uso de capital como “não restritos”
(unconstrained) (µ = ir, B = 0), “restrito” (constrained), (µ > ir, B = 0) e “endividado”
(µ = ir, B > 0). Juntas, as imperfeições dos mercados de trabalho e de capital irão
gerar as 12 classes endógenas apresentadas na Tabela 1.

1.2 Lições do modelo de produção sobre a economia de acumulação


em economias agrárias desiguais
As imperfeições dos mercados de capital e de trabalho, que estão
no centro do modelo de produção, criam os preços sombras diferencia-
dos por classe, para o capital e o trabalho, resumidos na Tabela 1. Devido
ao fato de que esses preços sombras marginais orientam a variável de
escolha de insumos, eles moldam a renda marginal que um agente recebe-
ria pelos aumentos incrementais, tanto das dotações de terra quanto das
dotações de dinheiro. Um agente que tenha acesso a trabalho e capital
efetivamente baratos obviamente irá cultivar uma unidade incremental de
terra mais intensivamente, e irá obter aumentos maiores de renda com
isto, do que um agente que disponha, correspondentemente, de fatores de
produção com preço mais alto. Mantendo outros fatores iguais – e ignoran-
do, por enquanto, as complexidades estratégicas do processo de tomada
de decisão racional – era de se esperar que o primeiro agente estivesse
disposto a pagar mais do que o oneroso segundo agente, pela unidade
incremental de terra.
Não há, entretanto, uma maneira fácil de se determinar, sem ambigüi-
dades, quais os agentes e classes que têm acesso aos fatores de produção
mais baratos. As falhas do mercado de trabalho tendem a conferir vantagens
aos agentes com poucas dotações de terra. Foi precisamente esse acesso
privilegiado ao trabalho familiar barato, que levou Chayanov e os recentes
defensores das agriculturas voltadas ao trabalho familiar a postular a estabi-
lidade duradoura da pequena agricultura de subsistência. Entretanto, firman-
do posição contra essa “vantagem chayanoviana”, estão os custos de transa-
ção fixos do mercado de capitais, os quais tendem a aumentar os preços
sombras do capital, para os pequenos produtores. Tais desvantagens com-
pensatórias parecem permear a visão de Patnaik (1979), que contesta a noção
de que a pobreza dos pequenos agricultores, e as poucas oportunidades
oferecidas pelo mercado de trabalho, são suficientes para manter a sua ex-
pansão e sobrevivência, em longo prazo.
Uma maneira de se contrabalançar essas falhas compensatórias de
mercado, e de se agregar os seus impactos econômicos abrangentes, sur-

332 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

ge ao se examinar o valor atual líquido marginal da produção (NPPV) da


terra, definido como:
Pt1 [ (T, M)] / (1 µ (T, M))t (8)
em que, π* (T, M)/ T e a taxa de desconto µ dão o preço sombra da restrição
do capital (capital constraint) estabelecido na expressão (3). Observe-se que
essa expressão não será, em geral, independente dos preços relativos e da
tecnologia, à medida que ambos moldam, efetivamente, quanto uma imper-
feição de mercado realmente custa. Como está escrita, a expressão (8) assu-
me que os preços e as tecnologias persistirão, indefinidamente, no futuro.
Ao se utilizar as especificações numéricas do modelo de produção, deta-
lhado em Carter e Zimmerman (1998) e os preços do período final da simulação
dinâmica a ser discutida adiante, a Figura 1 apresenta o gráfico da expressão (8),
avaliado no mesmo espaço de dotação, definido pelas variáveis de ativos T e M.
1 300
Valor da terra

1 000

50
9 00

40

30
5000
4000
20
300
0
200 0
10
1000

Figura 1: Valor atual líquido da produção da terra

Refletindo a vantagem chayanoviana dos pequenos produtores, o valor


líquido atual da produção da terra é muito alto para as dotações muito peque-
nas de terra, independente das dotações de recursos. No entanto, um agente
com pouca terra, com poucos ativos financeiros, que tentasse acumular terras,
cairia rapidamente na vala que corta a superfície do NPPV (valor atual líquido da
produção). Essa vala corresponde a uma banda de classes restritas (constrained)
pelo capital. Para os agentes que caíram nesta vala, o preço sombra do capital
é extremamente alto (uma vez que eles não apenas não possuem recursos para
auto-financiar a produção, como também não vale à pena tomar emprestado,
devido aos altos custos de transação), e as resultantes intensidades de fator e
de produtividade são baixas. Ao assumir um preço de mercado acima do nível
do fosso (o que acontece na simulação dinâmica a seguir), qualquer agente que
atravesse o fosso, mediante a acumulação de terras, não apenas terá que sacri-

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 333
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

ficar o consumo atual, como também terá que sacrificar uma parcela de rendi-
mentos futuros, devido ao fato de que o preço da terra excederá o valor atual
líquido da produção da terra obtida.
Portanto, essa vala, ou fosso, e as subjacentes interações entre imperfei-
ções de mercado, se interpõem como sérios obstáculos à acumulação de terras
pelos agentes mais pobres e à eliminação das desigualdades de ativos, que são
caras do ponto de vista econômico. Na melhor das hipóteses, as estratégias para
atravessar a vala, ou circunavegá-la, exigirão um tempo significativamente longo e o
sacrifício do consumo. O fato de os agentes acharem que vale à pena ou não, se
submeterem a tal sacrifício, requer uma especificação mais precisa do problema de
escolha dinâmica que abordamos a seguir.

2. O tempo e a persistência de onerosas desigualdades. Parte I


Seria o tempo um aliado suficientemente poderoso, que permitisse
um agente com poucos recursos superar uma estrutura de propriedade de
terras desigual e onerosa, na presença de interações entre múltiplas imper-
feições de mercado? Para aprofundar essa questão, este capítulo utiliza a
estrutura de produção estática detalhada no capítulo anterior, como base
para um modelo dinâmico de acumulação e evolução estrutural. Após apre-
sentar as especificações do problema de programação dinâmica, esta seção
utiliza métodos numéricos para explorar a evolução da estrutura agrária,
para uma hipotética economia latino-americana, calibrada na Nicarágua de
meados dos anos setenta. Os resultados apontam para um lento, mas cons-
tante processo de erosão, que elimina a desigualdade de ativos, embora de
forma bastante dispendiosa.

2.1 Modelo de programação dinâmica de acumulação de terras e a


questão agrária
Terminado o período de produção, os agentes tomam as suas decisões
de consumo e acumulação, de modo a maximizar o seguinte problema de utili-
dade de horizontes infinitos:
max U0 ( c ) t0 u (ct ) δ t
s.t. (9)
ct π∗ t Mt Mt 1 (Tt1 Tt) PTt (t )
onde π∗ t é a função de valor ótimo (pré-determinado) definida pelo problema da
produção (1). É possível que as famílias tomem decisões de produção, inde-
pendentemente de decisões de consumo, porque o modelo não contém riscos,
e porque a forma da função de utilidade é separável no tempo. Primeiro elas
escolhem os insumos, para maximizar os lucros, e depois utilizam estes lucros

334 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

como renda pela qual maximizam a utilidade intertemporal, por meio de suas
decisões de acumulação de ativos. Desta forma, as famílias enfrentam duas
formas de trade-offs: em suas decisões de produção, elas têm que escolher até
que margem irão investir seu dinheiro em fertilizantes ou trabalho, ou se pou-
parão o dinheiro, em troca de uma taxa de juros específica. Em sua decisão
intertemporal, as famílias decidem até que ponto da margem elas investirão
dinheiro na acumulação de terra ou na acumulação de dinheiro, ou se consumi-
rão o dinheiro pelo seu valor de utilidade corrente.
Observe-se que, como está escrito, o modelo de horizonte infinito faz
inúmeras suposições simplificadoras sobre o funcionamento dos mercados
de terras. Em particular, nós ignoramos os custos da transação no mercado
de terras, os quais, conforme as evidências (e as políticas de governo), impe-
dem que os agentes mais pobres adquiram as terras dos mais ricos (ver Carter
e Zegarra, no prelo). A especificação dinâmica tampouco impõe algum requi-
sito mínimo de subsistência, permitindo que as famílias pobres poupem, até
o limite de sua poupança que seja considerado dinamicamente racional, mes-
mo que isso implique em uma redução do consumo em níveis que, na realida-
de, são inconsistentes com a manutenção da capacidade de trabalho e da
saúde (ver Ray e Streufert, 1993). Por último, o problema dinâmico segue o
problema de produção estática, ao assumir um mundo sem riscos. O efeito
líquido de todas essas suposições é o de aumentar a probabilidade de que o
mercado de terras pode, de fato, eliminar efetivamente as desigualdades one-
rosas ao longo do tempo. O capítulo seguinte abandona essa última suposi-
ção e leva em conta o impacto das restrições impostas pelo risco e pela
subsistência sobre a acumulação de terras.
A função abaixo é a função de valor, correspondente ao problema de
horizonte infinito,
J* (Tt ’ Mt) max {u (ct) + δ J * (T t + 1, M t + 1) } (10)

que expressa mais diretamente os trade-offs entre o consumo atual e o valor da


acumulação das variáveis de estado: terras e dinheiro. O valor verdadeiro da
função J* autoconfirma sua otimização, como a equação (10) (equação de
Bellman). A compreensão de como os valores de J * (T, M) mudam sobre o seu
domínio auxilia na compreensão da evolução estrutural gerada pelas múltiplas
imperfeições de mercado do modelo. Como a medida do valor líquido da pro-
dução atual (NPPV), examinada na seção anterior, o valor verdadeiro da função
é definido no espaço de dotações. Todavia, ao passo que a medida de NPPV
capta o valor da terra que está sendo acumulada pela margem, mantendo esse
incremento indefinidamente, o valor dinâmico verdadeiro do acúmulo de terras
reside na possibilidade de se acumular uma quantidade maior de terras, de
modo a facilitar ulterior acumulação. A diferença entre o NPPV da terra e a
função de valor verdadeiro está precisamente nessa distinção: a função de
valor verdadeiro traz em si um tipo semelhante de informação, porém expressa
o valor de um estoque de terras, não só por seu próprio valor, mas também pelo

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 335
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tipo de acumulação que ela permite ao longo de toda a trajetória dinâmica. Da


mesma forma, a função de valor verdadeiro suaviza muitas das arestas do
preço de reserva da terra.5
Infelizmente, a função de valor deste problema é extremamente complica-
da. Se removêssemos do modelo as imperfeições do mercado de capitais, o
acúmulo de estoques de dinheiro não teria efeito sobre as decisões de produção,
e a função de valor seria adicionalmente separada de seus argumentos:
J (T, M) = J1 (T) + J 2 (M). Se então removêssemos as imperfeições do mercado
de trabalho, a primeira derivada de J1, com respeito a T, seria contínua e
monotônica. Essas modificações dariam origem a uma função de valor analiti-
camente maleável, que implicaria em trajetórias de acumulação diretas para
todos os agentes. Na presença das imperfeições de mercado especificadas,
entretanto, a função de valor é analíticamente rígida. O Anexo A, a seguir, des-
creve os métodos numéricos utilizados para estimar a função de valor e proce-
der à análise deste modelo.

2.2 Estratégias dinâmicas e a erosão da desigualdade de


propriedade de terras
Para se proceder à exploração da dinâmica das desigualdades de ativos,
nós parametrizamos uma distribuição inicial de terras, usando dados do censo
agrário da Nicarágua na fase pré-revolução (Governo da Nicarágua, 1975). A
Nicarágua, ao tempo em que foi realizado este censo (1972), ainda não tinha
sido submetida à colossal reforma agrária que teve lugar nos anos oitenta, e se
assemelhava a muitos outros países latino americanos, em termos do grau
surpreendente de desigualdade que caracterizava a distribuição de proprieda-
de da terra nesses países. Enquanto o censo nicaraguense cobria apenas as
famílias com terra, nós assumimos que cerca de 30% de todas as famílias rurais
eram sem terra. Incluindo essas famílias sem terra, 50% das famílias mais ricas
detinham 70 vezes mais terra do que as 50% mais pobres, e o coeficiente de
Gini era superior a 0,9. Se houvesse uma distribuição igualitária de terras, cada
família deteria cerca de 9,5 manzanas de terra.
Essa distribuição de terras fornece a distribuição inicial para o modelo
numérico. Os parâmetros de produção também foram estimados usando da-
dos coletados em levantamento agrícola realizado na Nicarágua em 1982 (ver
Carter, 1989). Ficou assumido que os ativos líquidos (doravante chamados de
“dinheiro”) seriam proporcionais às dotações de terra, porque o Censo não
continha informações sobre a posse de ativos financeiros. Com o preço do
produto considerado como numerário, convencionou-se que cada família pos-
suiria, inicialmente, 175 unidades de dinheiro por manzana de terra possuída.

5
Com efeito, quando plotadas numa superfície tridimensional, a aproximação numérica da função de valor verdadeiro é
topograficamente desinteressante, embora ela exiba algumas mudanças sutis e importantes em sua curvatura.

336 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

Essa quantidade de dinheiro equivale a cerca de 5% do salário anual que emer-


ge do modelo. Mesmo sendo essa especificação reconhecidamente arbitrária,
ao tornar a posse inicial de ativos financeiros relativamente baixa e
correlacionada com o tamanho da gleba, ela capta os desafios dinâmicos en-
frentados pelos agentes mais pobres, que tentam encontrar suas formas de
acumulação dentro das imperfeições do mercado financeiro.
Usando os métodos descritos no Anexo A, o modelo numérico foi iterado
em 50 períodos, criando um histórico de 50 anos de expectativas de equilíbrio
geral dinâmico e racional para aquela economia. O equilíbrio do salário e do
preço dos fertilizantes aumenta nos primeiros 25 períodos, com o preço dos
fertilizantes se estabilizando e o salário caindo ligeiramente após o período. O
aumento geral do preço desses fatores pode ser atribuído ao uso mais eficiente
do trabalho e dos fertilizantes, à medida que a terra vai sendo redistribuída pelo
mercado. O salário cai um pouco adiante, no modelo, à medida que cada vez
mais as propriedades maiores adotam formas de produção menos intensivas
de trabalho. Como era de se esperar de um modelo dinâmico, o preço da terra,
mantido a um custo zero ao longo dos períodos, é relativamente estável em
cerca de 7.000 unidades de dinheiro por manzana.
A Tabela 1, retratou a estrutura de classes para um problema de produ-
ção em período único que permeia este modelo dinâmico. Como demonstram
Carter e Zimmerman (1998), um “mapa de classes” pode ser derivada, a que
identifica as regiões e o espaço das dotações que correspondem a cada uma
dessas classes particulares (i. é. regimes de comportamento individual racio-
nal). Existe uma analogia para o comportamento dinâmico (ou trajetórias de
acumulação e consumo), associada a diferentes posições iniciais de dotação.
Essa correspondência entre a posição da dotação e o comportamento dinâ-
mico é também uma função de classes, no sentido que ela representa o “compor-
tamento de dotação necessitada”, no sentido de Elster (1994).
A Figura 2 apresenta essa função dinâmica de classes. Cada seta
resume a história de acumulação de um determinado agente, sendo o ponto
inicial da seta fixado na posição de dotação inicial do agente, e a ponta final
da seta indica o portfolio de posse de terra e dinheiro no último ano, o ano
50. As setas são apresentadas apenas para um subconjunto de agentes do
modelo, e foram selecionadas para captar o alcance total do espaço de
dotação para os quais os agentes são atraídos para trajetórias de acumula-
ção semelhantes. A classe I, os latifundiários, são seduzidos pelos preços
de mercado favoráveis e vendem grandes extensões de terras, ao longo das
cinco décadas de história simulada, elevando tanto o seu próprio consumo,
quanto a posse de dinheiro. A classe II compreende uma classe persistente
de famílias agricultoras capitalizadas. Ao longo do tempo, essas famílias
modestamente ajustam suas posses de terras e adquirem recursos sufici-
entes para financiar internamente o processo de produção.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 337
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Terra (escala LOG)

105
Rend a e consumo

104

Regime I
Regime III
10 3

Regime II

102

101

10-1.0 100.0 101.0 102.0

Figura 2: Mapa de classe dinâmica de regimes de acumulação

A terceira e última classe dinâmica é composta de agentes que, inici-


almente, eram destituídos de ativos, ou detinham um volume inferior a 11
manzanas de propriedade. Ao longo de cinco décadas de simulação, esses
agentes evoluem – muitas vezes de forma dramática – para os níveis de
ativos das famílias agricultoras capitalistas persistentes. A trajetória espe-
cífica, ano a ano, da acumulação de terras e dinheiro é, no entanto, mais
complexa do que mostra a Figura 2. Os agentes incluídos neste grupo con-
frontam-se com a parte pesada das imperfeições dos mercados de trabalho
e de capital. Dependentes dos mercados de trabalho para prover uma parte
significativa de sua subsistência, e com necessidades de capital muito pe-
quenas que justifiquem o pagamento dos custos fixos associados a uma
tomada de empréstimo, esses agentes precisam encontrar um meio de ex-
pandir suas posses, mantendo, ao mesmo tempo, o nível mínimo de
autofinanciamento para a produção que eles possuem, sem sacrificar de-
mais o consumo corrente. Esses agentes da Classe III acumulam terras len-
tamente, ao longo de muitos anos, dirigindo toda a dotação inicial de di-
nheiro para auxiliar na aquisição de terras e na defesa de seus padrões de
consumo. Ainda vendendo uma parte significativa de seu tempo de traba-
lho ao mercado, esses agentes usam parte de seus ganhos salariais para
arcar com os custos de produção.
Passados os primeiros anos de acumulação de terras, esses agentes
conseguem chegar a tamanhos de propriedades que não permitem mais o
autofinanciamento da produção. Lá pelo ano 15 da simulação, a maioria desses
agentes cai para a classe semi-proletária limitada pelo capital (capital constrained),
conforme se vê na Tabela 1. Por causa de seus processos de produção
subcapitalizados, o valor líquido corrente da produção da terra (equação 8), cai

338 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

drasticamente. Nos termos da Figura 2, esses agentes se encontram no fosso


que corta o espaço dos ativos. Apesar de enfrentarem preços de terras muito
acima do valor marginal líquido da produção da terra, os agentes da Classe III
continuam a acumular terras, embora eles evoluam para uma trajetória de acu-
mulação equilibrada na qual eles adquirem tanto terras quanto dinheiro. Mes-
mo assim, ao final da simulação, quase metade dos agentes da Classe III perma-
nece limitada pelo capital, embora moderadamente, à medida que eles lutam
para sair do fosso. A outra metade dos agentes da Classe III chega, ao final da
simulação, a uma posição econômica em que eles podem autofinanciar um
processo de produção que iguala o preço sombra da restrição de capital à taxa
de juros de mercado.
Além da importância social, a ser discutida adiante, o comportamento
(dinamicamente racional) dos agricultores da Classe III ilustra o valor adicio-
nado da estratégia de modelação dinâmica apresentada aqui. A medida está-
tica líquida do valor atual da terra (equação 8 e Figura 1) indicaria que os
agentes interromperiam imediatamente as decisões de acumulação que os
lançassem na vala do valor líquido corrente da produção da terra. O fato de
que eles avançam lentamente ao longo da vala, no problema de programação
dinâmica, indica que, num ambiente de múltiplas imperfeições de mercado, a
acumulação de ativos tem não apenas um valor de renda imediato, como
também um valor estratégico mais longo, à medida que empurram o agente
em direção a uma mistura de portfolio e de escala que lhe permitirá contornar
as imperfeições do mercado. Embora essa evolução seja certamente racional,
por parte da família que acumula, ela pode significar uma perda para a socie-
dade, à medida que a produção familiar se torna temporariamente limitada
pela escassez de fatores importantes.6

2.3 Custos e persistência de desigualdades de ativos


Como foi observado na Figura 2, ao longo de 50 anos de história simu-
lada, há uma forte tendência em direção a uma distribuição de terras mais
igualitária, à medida que todos os agentes convergem para um único tamanho
de propriedade, independente do tamanho inicial de sua gleba.
A Figura 3 apresenta o gráfico de uma simples e resumida medida de
desigualdade – a proporção da terra entre os 20% maiores e os 40% menores –
ao longo do período de simulação. Como se pode observar, a desigualdade de
terras, por esta medida, quase que se evaporou no último ano, declinando de
230 para perto de 1,0.

6
A noção da existência de produtores obstinados, porém subcapitalizados foi simbolizada por um dos principais produtores
de vinho da África do Sul, que compareceu a uma reunião ministerial sobre reforma agrária, ao final da qual presenteou o
ministro da Reforma Agrária com uma caixa de vinho, em madeira. O ministro, encantado, abriu a caixa e notou que a mesma
estava cheia de hortaliças. Ao passo que a mensagem nem tão sutil dos fabricantes de vinho, sobre os potenciais impactos
da reforma agrária, presumivelmente encerrava motivações próprias, ela simboliza a idéia de que as trajetórias subcapitalizadas
de acumulação de terras podem incorrer em custos econômicos, mesmo que eliminem a desigualdade onerosa em longo prazo.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 339
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Taxa de Posse de Terra dos 20% mais ricos


sobre os 40% mais pobres

1.9
1 02.000
Desigualdade (escala a direita)
1.8

1.000
1.7 10
Índice de produto

1.6

0.000
1.5 10

1.4

-1.000
1.3 10

1.2 Produto (escala a esquerda)

-2.000
1.1 10

1.0

1 0-3.000
0 10 20 30 40 50
Tempo
Figura 3: O custo dinâmico e a persistência da desigualdade de ativos

Essa constatação sugere que o tempo e a escolha intertemporal são


suficientes para suavizar a sensibilidade da dotação, numa economia agrária
com os tipos de imperfeições de mercado destacadas na literatura sobre insti-
tuições agrárias. Ao se deixar o mercado agir com seus próprios instrumentos,
mesmo na presença de imperfeições de mercado multifacetadas, as quais, como
foi discutido acima, impõem obstáculos significativos no caminho da acumula-
ção de terras pelos agentes mais pobres.
Essa redistribuição induzida pelo mercado, entretanto, impõe um
custo. A produção é consideravelmente mais baixa nos primeiros períodos
do que seria, no caso de uma distribuição igualitária de terras. O índice de
produção, também apresentado na Figura 3, aumenta constantemente ao
longo do tempo, ao passo que a distribuição de terras torna-se lentamente
mais igual. Ao final da simulação, a economia mais igualitária produz cerca
de 50% a mais, na mesma dotação agregada de trabalho e terra. O valor atual
do custo do produto cumulativo da desigualdade, ao longo dos 50 anos, é
duas vezes e meia o total da produção no primeiro período. Uma redistribuição
imposta pelo governo, no começo do período simulado geraria, portanto,
um excedente social considerável. Tais constatações fornecem um calibrador
numérico importante para as observações teóricas de Bardhan, Bowles e
Gintis (1998) e outros, que argumentam que a eqüidade e a eficiência não
precisam ser substitutas das políticas sociais.

3. O tempo e a persistência da desigualdade onerosa. Parte II


Os resultados do capítulo anterior sugerem que o tempo é, de fato, um
aliado da igualdade, à medida que, com o seu decorrer os agentes tornam-se
capazes de driblar os obstáculos de acumulação estática criados pelas múlti-

340 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

plas falhas de mercado, e a economia evolui em direção a uma maior igualdade


de propriedade de terras. Entretanto, o processo é lento e a magnitude dos
custos acumulados sugere que políticas redistributivas bem desenhadas po-
deriam, potencialmente, dominar a operação laissez faire dos mercados de ati-
vos. Ademais, é bom assinalar que esses resultados apresentam um viés em
favor da eficiência dinâmica dos mercados de ativos. O modelo ignora não só
os custos de transação do mercado de terras, como, mais significativamente, o
impacto do risco sobre a mistura de portfolio desejada, que os agentes mais
pobres almejam alcançar.
Para avançar a discussão sobre essa questão do risco, nós nos volta-
mos agora para a análise de programação dinâmica estocástica apresentada em
Zimmerman e Carter (1997). Calibrado para as estruturas de risco e dotação,
características da África Ocidental, este modelo claramente ilustra os obstácu-
los adicionais impostos pelos riscos à erosão da desigualdade de propriedade,
mediada pelo mercado, ao longo do tempo.

3.1 Modelo dinâmico de suavização da curva de consumo e acumu-


lação de ativos
Cada família i numa economia de vilarejo desfruta de uma dotação inici-
alespecíficadeterraTsi0 e grãos Mi0. Após o cálculo de sua renda, a família irá,
a cada período, escolher um nível de consumo, bem como os rendimentos de
seus estoques de ativos. Com o passar do tempo, essas escolhas gerarão um
vetor infinito da variável de escolha de consumo, iniciando no período 0 (cha-
mado Ci0), e vetores infinitos das variáveis de estado, iniciando no período 1
(Ti1, Mi1), com o Ti0 e Mi0 considerados como a dotação inicial. Assume-se a
tomada de decisões das famílias como racionais, intertemporalmente, no sen-
tido de que esses vetores são escolhidos para solucionar o seguinte problema
de escolha dinâmica:
max E0 δ t u c it | 0 (11)

onde Ω 0 representa a informação da família, fixada no tempo 0, inclusive a


informação completa sobre a distribuição dos choques de produção, e a distri-
buição conjunta desses choques com o preço endógeno dos ativos da terra.
A utilidade da família para o t° período é dada pela seguinte função:
(cit/R)ε if cit R e cis R para todos {1,2,....t-1} ε<1
u (cit) = 0 , caso contrário (12)
Observe-se que, como foi especificado, se, em qualquer período o
consumo cair abaixo de um nível mínimo de subsistência, R, a família irá
sofrer uma perda irreversível em sua capacidade produtiva, que reduzirá,
permanentemente a sua capacidade futura. Essa formulação segue

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 341
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Rosenweig e Wolpin (1993), e é uma simplificação da discussão desta ques-


tão, encontrada em Dasgupta (1993).7
A renda da família no período t é dada por:
F (Tit, Mit, θ it, θvt) = θi,θvtD.(Tit)σ + µMit (13)
Onde µ é a taxa de retorno sobre os estoques de grãos, θit e θvt são os
choques idiossincráticos e covariantes da produção; D é um parâmetro de
produtividade, e σ é um parâmetro de elasticidade da produção. De modo a
captar, de maneira simples a noção clássica caynoviana de que as famílias com
menores dotações de terra tendem a cultivar suas terras mais intensivamente,
em razão de o trabalho familiar ser imperfeitamente comercializável, assumi-
mos que essa elasticidade de produção é menor que a unidade. Pelo fato de a
terra ser economicamente escassa, essa hipótese de retornos decrescentes pela
terra (mantendo-se fixo o trabalho familiar), dá origem a uma escassez estrutural
específica de ativos e cria incentivos para a transferência de terras entre famílias
com maiores ou menores dotações de terras. Note-se que ao se acrescentar os
choques covariantes e os ativos produtivos e não produtivos (13), generaliza-se
o modelo de Deaton (1991) (onde, de acordo com a nossa notação, a renda é
gerada de acordo com θ it + µ Mit ) e o modelo de Rosenzweig e Wolpin (1993)
(onde a renda é gerada de acordo com θitD. (Tit)σ).8
As escolhas familiares de consumo e acumulação para cada período,
são então restringidas pela seguinte limitação orçamentária:
ct ≤ F (Tit, Mit, θit, θvt) - PTt (Tit + 1 - Tit) - (Mit + 1 - M it) (14)
onde PTt é o preço endógeno da terra que ajusta o mercado do vilarejo
em cada período t. Observe-se que, conforme descrito acima, os dois ativos
T e M, se distinguem tanto pelo fato de que seus retornos são estocásticos
quanto por estarem eles sujeitos a um risco de preço, quando de sua con-
versão em bens de consumo. A expressão (14) também reflete a suposição
de uma suavização autárquica do consumo (isto é, os agentes não possuem
o recurso do seguro ou da estrutura social costumeira durável que faz cum-
prir os acordos de reciprocidade).

7
Pode-se imaginar uma relação mais sutil entre o consumo (ou nutrição) e a produtividade. Uma família que esteja enfren-
tando uma queda de subsistência no ano 1, diminuiria, por exemplo, a capacidade de trabalho no ano 2. No entanto, se os ativos
da família forem tais, que no ano 1 eles caíssem para um nível de dificuldade de subsistência, então, no ano 2, com menor
capacidade de trabalho, ela correria um risco ainda maior de enfrentar uma queda de subsistência. A sua capacidade de
trabalho, portanto, seria ainda menor no ano 3. Desta forma, a família, quase que certamente, perderia a sua inteira dotação
de trabalho no decorrer de alguns anos. A formulação adotada aqui é, portanto, uma simplificação desse processo, e é uma
formulação razoável, no contexto da literatura sobre a dinâmica nutrição-produtividade.
8
Na prática, muitos ativos além de terras e grãos estão disponíveis, inclusive gado, dinheiro, equipamentos, mão-de-obra e
capital humano. Terra e grãos foram escolhidos porque se situam nos extremos da distribuição, em termos de fungibilidade,
riscos incorridos na produção e produtividade. Neste modelo, assumiu-se a taxa de retorno sobre os grãos, como zero, com
certeza. Na prática, o armazenamento de grãos está sujeito a perdas, devido a pragas ou furtos, os quais tornam os retornos
sobre os grãos estocados negativos e variáveis, mas a nossa suposição de um retorno estável zero sobre os grãos é motivada
pela habilidade das famílias em estocarem dinheiro, tanto quanto grãos.

342 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

A solução ótima para o problema de maximização, dada (11) acima,


define uma função de valor verdadeiro:
J* Tt, Mt  t Et max δ s u cs  t (15)

onde J* (Tt, Mt) dá o valor de utilidade da família (em termos de valores atuais
esperados e descontados) da combinação de ativos no tempo t (Tt, Mt), onde a
família escolhe a forma ótima de padrão de consumo e acumulação de ativos
num tempo pós t. Já que a única forma de heterogeneidade origina-se da deten-
ção de ativos, a função de valor é a mesma para todas as famílias, e o sobrescrito
i indica que algumas famílias foram deixadas de lado.

Devido a separabilidade por tempo da função objetiva, essa função de


valor pode ser dividida em duas partes:
J* (Tt, Mt) max [u (ct) δ E { J * ( Tt1, Mt 1 ) } ] (16)
c t,Tt1 , Mt 1

onde a dependência da solução no conjunto de informações Ω t , foi suprimida.


O Anexo 2 apresenta um resumo dos métodos numéricos utilizados para esti-
mar esta função de valor e analisar o modelo. Detalhamento completo encon-
tra-se em Zimmerman e Carter, (1997).

3.2 O “Limiar de Micawber” e a persistência de onerosas


desigualdades
Para se aprofundar no funcionamento deste modelo, convém reco-
nhecer que as estratégias ótimas de gerenciamento do portfolio, definidas
em (16) devem resolver duas questões distintas: qual a maneira ótima de se
usar os ativos para resguardar o consumo contra os riscos da renda em uma
situação de estado estacionário, quer dizer, dado um nível médio constante
de ativos e seu concomitante processo estacionário de renda? E qual é a
maneira ótima de se mover pelo espaço dos ativos, partindo da dotação
inicial para a situação de estado estacionário? Nada no modelo sugere que
os agentes dotados de heterogeneidade responderão a essas perguntas de
modo semelhante, ou que eles seguirão a mesma estratégia de gerenciamento
do portfolio. Na verdade, dada a presença de uma restrição de subsistência
fixa, e níveis de riquezas variáveis, era de se esperar que os agentes diferen-
temente dotados considerassem diferentes combinações de portfolio como
ótimas. Os agentes mais ricos estão bem acima da linha de crise de subsis-
tência e, presume-se que estes estejam dispostos a assumir riscos maiores
do que os agentes mais pobres.
A análise numérica destes modelos revela que, partindo de uma
variedade de pontos de partida, os agentes gravitam em torno de uma das
três estratégias de equilíbrio: dois pontos de atração estáveis, um pobre e

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 343
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

outro rico; e uma estratégia de equilíbrio trivial no ponto (0,0).9 O ponto


de atração estável e pobre reflete uma mistura de ativos mais segura,
embora com menor retorno, ao passo que o ponto de atração estável e
rico aponta para um retorno maior, com uma mistura de ativos mais arris-
cada. A descoberta de estratégias de equilíbrio múltiplo – ou pontos está-
veis de atração no espaço de ativos – é, em si, um resultado importante. A
observação empírica do comportamento que reflete um tipo de aversão
relativa ao risco decrescente, nos deveria levar a esperar que os agentes
diferentemente dotados buscariam diferentes estratégias de portfolio, como
está representado em Rosenzweig e Binswanger (1993). Mas como iremos
saber que essas estratégias são soluções estáveis para o problema do
portfolio? Como iremos saber que os agricultores de Rosenzweig e
Binswanger não foram observados ao longo do espectro dos ativos, por-
que eles estão transitando para cima ou para baixo no espectro da rique-
za, pelo ciclo da vida, ou por outros motivos? O resultado dos dois pontos
estáveis de atração sugere que os agentes dos ambientes pobres buscam
estratégias de portfolio qualitativamente diferentes, dependendo de sua
dotação inicial, e que não é ótimo para os agentes pobres acumular ativos
para alcançar o ponto de atração estável rico. Há, portanto, uma armadi-
lha endógena de pobreza.
A estabilidade dos dois pontos de atração estáveis depende, em
grande parte, da existência de risco endógeno no preço dos ativos. Se
não houvesse riscos nos preços dos ativos, os agentes pobres e ricos
estariam igualmente inclinados a usar o ativo produtivo como um amor-
tecedor, já que não haveria motivo para se resguardar com um ativo
improdutivo, e o pobre acumularia ativos no mesmo nível dos ricos. Se
os riscos nos preços dos ativos realmente existissem, e não fossem
endógenos, então, para baixos níveis de riscos exógenos nos preços
dos ativos, a manutenção dos ativos produtivos como salvaguarda, iria
dominar os ativos improdutivos para todos os agentes; ao passo que,
para altos níveis de riscos exógenos nos preços dos ativos, os ativos
improdutivos dominariam, para todos os agentes. Em ambos os casos,
os agentes migrariam de um ponto de atração para o outro. Haveria equi-
líbrio múltiplo apenas para uma determinada faixa intermediária de risco
de preço dos ativos. Porém, tornar endógenos os riscos de preço dos
ativos, assegura não só que o risco de preços dos ativos é realista, como
também que ele se situa naquela faixa intermediária que comanda os
múltiplos equilíbrios estáveis.
Ao se examinar a razão pela qual o risco do preço endógeno dá
origem aos múltiplos equilíbrios estáveis, é bom se pensar sobre a

9
Neste ponto os agentes não possuem renda para alocar em investimentos em ativos.

344 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

lacuna do risco do preço dos ativos entre os ativos produtivos e os


não produtivos, como reflexo do valor do seguro baseado nos ativos.
Como qualquer outro tipo de seguro, este aqui apresenta pouca oferta:
se todos tentarem resguardar o consumo contra os choques de renda
covariantes com transações no mercado de ativos produtivos, então
os ativos produtivos perderiam seu valor, como salvaguarda. Este se-
guro deve, portanto, ser racionado, e o mecanismo de racionamento é
quantitativo – ele é o grau de variação covariada do preço do ativo
produtivo. Já que as pessoas mais ricas estão muito acima de uma crise
de subsistência, elas estarão mais dispostas a arcar com algum grau de
risco sobre o preço dos ativos, e, portanto, elas estarão em melhores
condições de custear esse tipo de seguro, e estarão mais aptas a res-
guardar o consumo com ativos produtivos.
A Figura 4 apresenta a série temporal para a renda e o consumo,
para as famílias pobres e ricas, em seus pontos estáveis de atração. Para
os agentes que iniciaram a simulação com menos de cerca de 4 hectares
de terra, é alcançado um ponto relativamente intensivo de grão (1,36 terra
e 7.901 grão). Para as famílias que começam a simulação com mais do que
4 hectares de terra, um ponto relativamente intensivo em terra (12,59 terra
e 1.168 grão) é obtido. Para a família pobre, não existe nenhum movimento
de terra para longe desse ponto estável, e a sua renda é estacionária. Essa
experiência é típica dos domicílios situados neste ponto de atração. As
famílias situadas no ponto mais estável, intensivo de terra, apresentam
alguma evolução para fora do ponto no espaço, mas seu portfolio tende a
retornar ao ponto de estabilidade. Essa experiência é, também, típica das
famílias situadas neste ponto de atração.
Zimmerman e Carter (1997) apresentam um detalhamento adicional
para essas duas situações ótimas. Duas características importantes das
estratégias ótimas nos dois diferentes pontos de atração são reveladas
por essa tabela. Primeiro, embora a taxa máxima de retorno potencial es-
perado (ROR) seja mais alta para os agentes pobres (refletindo os retornos
decrescentes da terra), o seu ROR realizado é muito inferior do que o dos
agentes ricos. O custo de se lidar com riscos é perto de 20% para as
famílias pobres, e menos de 1% para as famílias ricas. Esse resultado diz
muito, e destaca a importância do consumo homogêneo para os pobres.
Também coincide com os resultados de von Braun, et alii (1989) para os
pequenos agricultores de hortaliças da Guatemala.

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Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Terra = 1,36he; Grão = 1,793kg


2800

2800
Renda + 1000
2400

2200
Rend a e consumo

2000

1800

1600
Consumo
1400

1200

1000

800
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200
Tempo
Figura 4a: Renda e consumo dos agentes pobres

Terra = 0,00he; Grão = 1,344kg

Renda

8000
Rend a e consumo

7000

6000

5000

4000
Consumo - 3000
3000

2000

1000
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200
Tempo
Figura 4b: Renda e consumo dos agentes ricos

Esse resultado traz mais luz sobre os resultados empíricos de


Rosensweig e Binswanger (1993), que acham que os pobres deixam de obter
uma renda potencialmente mais alta, por adotarem uma estratégia de investi-
mentos mais segura do que os ricos. Ademais, a ordem de magnitude da
perda, para os pobres, é a mesma.
Diversos autores observaram maneiras pelas quais as implicações di-
nâmicas da pobreza diferem, segundo o nível de ativos dos domicílios. Michael
Lipton descreveu o que ele chamou de “Limiar de Micawber”, abaixo do qual
é difícil para os agentes acumularem ativos. Reardon e Vesti (1885), descre-
vem as linhas de pobreza dos ativos. Em todos os exemplos, o que está em
jogo são as taxas de retorno, em situações que estão positivamente
correlacionadas com os níveis de riqueza.

346 Estudos NEAD 5


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a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

Em segundo lugar, a renda e o consumo são mais suaves para os


pobres do que para os ricos, como era de se esperar, embora a renda para os
pobres seja muito mais suave (o desvio padrão da renda para os pobres é
cerca de um sexto do dos ricos), o consumo para os pobres é apenas um
pouco mais suave (o desvio padrão do consumo, para os pobres é cerca de
metade do dos ricos). Com efeito, se ajustados para níveis médios de consu-
mo, os pobres possuem mais fluxos variáveis de consumo do que os ricos,
embora os seus fluxos de renda sejam mais estáveis. Os pobres, na verdade
usam o consumo para contrabalançar os ativos.
Embora este resultado pareça, à primeira vista, intuitivo, ele é, na verda-
de, perfeitamente consistente com a maximização dinâmica da utilidade. Ele
também é consistente com os resultados nutricionais citados por Drèze e Sem
(1989), que dizem que... “a redução do consumo de alimentos tende a ser a
primeira reação à ameaça de fracasso da titulação, motivada, aparentemente,
pelo menos em parte, pela preservação dos ativos produtivos”. Tais resultados
sugerem que a ênfase da literatura na suavização do consumo, ao contrário da
proteção dos ativos, pode estar captando toda a história da dinâmica do
gerenciamento de riscos – especialmente para os agentes pobres.10

3.3 Os custos e a persistência da desigualdade


A Figura 5 mostra as trajetórias reais de acumulação pelos agentes, ao
curso de toda a simulação (i. é. do período 0 a 35). Como pode ser observado,
as trajetórias de todos os agentes podem ser agrupadas em três classes de
movimentos. Primeiro, os agentes da parte esquerda inferior do espaço dos
ativos estocam, ao longo da simulação. Observe-se que mesmo os agentes que
iniciaram a simulação sem terra, mas com estoques de grãos muitas vezes
acima do mínimo de subsistência, eventualmente os retiram e estocam. Em
segundo lugar, os agentes que iniciaram a simulação possuindo entre 1-1/2 e 4
hectares de terra, reajustam os seus portfolios em direção a uma proporção maior
entre grãos e terras. Aqui, deve ser observado que, ao assim procederem esses
agentes reduzem a taxa média de retorno de seus ativos gerais, mas também
reduzem seus riscos de produção e aumentam sua fungibilidade. Por último, os
agentes que iniciam a simulação com mais de 4 hectares de terra, aumentam os
seus estoques de terra. Significativamente, esses agentes possuem níveis mui-
to baixos de estoques de grãos, à medida que seus níveis de produção, mesmo
num ano ruim, permitem evitar uma crise de subsistência. Esses agentes expe-
rimentam aversão a riscos somente na forma padrão da curvatura de utilidade.

10
Esses resultados dependem fortemente da presença de restrições de subsistência. Conforme argumentamos anteriormente,
tal suposição parece razoável para as regiões pobres dos países em desenvolvimento, inclusive boa parte da África e do sul
da Ásia. Entretanto, existem explicações alternativas disponíveis. Em primeiro lugar, um portfolio desse tipo, estratificado por
riqueza, poderia ter origem no fato de os pobres terem pior acesso ao seguro sobre o consumo do que os ricos, como foi sugerido
por Morduch (1994, 1995). Se tal acesso estratificado ao seguro não existisse, ele tenderia a corroborar os resultados
apresentados aqui. Ademais, o acesso diferenciado ao seguro formal ou informal está condicionado à posse de ativos, os quais,
conforme expressos aqui, surgem por meio de um processo dinamicamente endógeno de acumulação.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Diversos tipos de heterogeneidade de agentes podem gerar diferenças


nos preços sombra de um ativo, entre os agentes, e desta forma, engendrarem
a transação de ativos. Essas diferenças – relacionadas ao acesso ao capital,
capital humano, habilidades e risco – em geral formam as bases de uma melhoria
Paretiana relativa, a partir de uma transação de ativos que também implica num
aumento da produtividade agregada. O risco é um elemento especial, como
gerador de heterogeneidade, porque ele sozinho não resulta, necessariamente,
em demanda por transações que melhorem a produção agregada

16000

14000

12000

10000

8000
Grão

6000

4000

2000

0 2 4 6 8 10 12 14 16

Terra
Figura 5: O limiar de Micawber e o aprofundamento da desigualdade de ativos

Essa característica ímpar do risco deve-se ao fato de que as famílias que


tomam decisões de acumulação de ativos, igualam a proporção de utilidade mar-
ginal presente e futura do consumo à proporção da produtividade marginal do
ativo e seu preço (para dentro das funções de desconto e expectativas). As tran-
sações podem, portanto, ocorrer e, mediante melhorias Paretianas diminuem a
produção agregada. Neste modelo, a terra não é distribuída de modo a maximizar
a produção agregada: o resultado apresentado na Figura 5, de que os agentes que
possuem mais de 4 hectares de terra acumulam terras, a despeito da presença de
retornos decrescentes da terra, dá a evidência de tal movimento.
O limiar de Micawber está claramente visível na Figura 5. Não é ape-
nas o fato de que os ricos são diferentes dos pobres, ou que eles simples-
mente “têm mais dinheiro do que nós” (um comentário sarcástico atribuído
a Ernest Hemingway, feito a F. Scott Fitzgerald), mas eles perseguem estraté-
gias fundamentalmente distintas de acumulação de ativos e suavização do
consumo. Como foi analisado com mais detalhe por Zimmerman e Carter,
neste modelo, pelo qual o equilíbrio de preços liga os comportamentos dos
dois grupos, a acumulação de terras pelos ricos é, portanto, ligada ao pro-
cesso de estocagem dos pobres. Devido às tecnologias de retornos decres-

348 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

centes da produção da lavoura, esse processo é prejudicial, não apenas


para a eqüidade, como também para a eficiência social. Para citar Dasgupta
e Ray (1987) e Ray e Streufert (1993), pode-se criar um caso para a
redistribuição, baseado na eqüidade e na eficiência.

4. Conclusão
Assunto objeto de debates intensos há muito tempo, a evolução da
estrutura agrária nas economias desiguais da América Latina – a “questão agrá-
ria” – emerge, mais uma vez, devido a inúmeras razões, nenhuma das quais
sendo a crescente evidência que sugere que a desigualdade é economicamente
onerosa. Este documento, motivado por programas e propostas de se utilizar o
mercado de terras e as decisões individuais intertemporais de acumulação,
para compensar a desigualdade de propriedade de terras, recorreu à teoria
microeconômica de acumulação de ativos para responder à indagação, “podem
o tempo e o mercado de ativos de terras ser usados para resolver a questão
agrária na América Latina contemporânea, onde a liberalização econômica eli-
minou muitos dos obstáculos e distorções, responsáveis pela perpetuação da
desigualdade agrária?” Ao passo que a análise do novo equilíbrio dinâmico
geral, empregada para responder a essa questão não admite nenhuma resposta
simples ou única a essa indagação, diversas e bem eloqüentes lições surgiram,
com implicações diretas para a pesquisa, para as políticas e para os políticos:

(i) Examinada sob a perspectiva de um período simples ou estático,


a vantagem competitiva das pequenas propriedades, que empregam trabalho
familiar, é prejudicada pelos mercados de capital sensíveis ao tamanho, e restri-
tos pela informação (information constrained), os quais impõem obstáculos à acu-
mulação de terras por essas glebas, em economias não igualitárias. Sob uma
perspectiva teórica, não há um pressuposto fácil de que a pobreza, e o trabalho
barato originário desta, asseguram a capacidade das propriedades menores de
competirem, com vantagem, com seus vizinhos de maior porte, numa econo-
mia agrária dualista;
(ii) A habilidade das famílias de utilizar o tempo para acumular uma
capacidade de autofinanciamento (trocando o consumo atual pelo consumo
futuro), acrescenta uma dimensão adicional importante à análise da questão
agrária. Uma análise de programação dinâmica demonstra que, ao se ignorar o
risco, o tempo e o mercado liberalizado de ativos podem, de fato ser aliados
poderosos, embora imperfeitos, para a eliminação da desigualdade de proprie-
dade de terras. Ao longo de um período de 50 anos de simulação, uma econo-
mia não igualitária hipotética da América Latina, evolui de maneira rápida, em
direção a uma estrutura de propriedade de terra igualitária. Embora eloqüente,
esse resultado não implica que o simplesmente laissez faire seja a política ótima,
uma vez que os custos econômicos, que se acumulam com a lenta erosão da

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 349
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

estrutura não igualitária de ativos, não podem ser ignorados. As políticas


redistributivas diretas, ou aquelas destinadas a melhorar as restrições de capi-
tal com que se defrontam os pequenos produtores, podem apresentar retornos
sociais significativos.
(iii) O risco – não mediado, seja pelos mercados de seguros ou pela
estrutura social – revertem, potencialmente, o papel do tempo. Uma análise de
programação dinâmica de acumulação de ativos e suavização do consumo, na
presença de choques (e mercados localizados de ativos de terras, onde o preço
do ativo pode covariar com esses choques), mostra que a terra é insustentável,
como um ativo de suavização do consumo, pelo menos para aqueles perto da
linha de subsistência. Com o passar do tempo, as estratégias de acumulação de
ativos se bifurcam e os menos privilegiados vendem suas terras e se retiram
para posições de ativos não remuneradas, porém defensáveis. Neste modelo,
longe de resolverem a questão agrária, o tempo e os mercados agravam a one-
rosa desigualdade de ativos. Para que o tempo e os mercados funcionem de
maneira diferente, será preciso remediar o risco de subsistência ou dos preços
de ativos que permeia este resultado.
(iv) Como ficou claro nos ítens (i) a (iii), a teoria econômica – ao
menos pelos modelos desenvolvidos aqui – é ambígua com relação aos
impactos do tempo e mercados de ativos sobre a desigualdade de proprie-
dade de terras. Num sentido real, os resultados teóricos apresentados aqui
se condicionam a suposições sobre a gravidade do risco, a importância do
capital sobre a produção etc. Embora em oposição ao desejo do pesquisa-
dor por uma generalidade completa, essa ambigüidade condicionada é coe-
rente com a complexidade de uma realidade altamente condicionada. Estu-
dos empíricos sobre a recente expansão das exportações agrícolas na Amé-
rica Latina revelam, precisamente esse tipo de complexidade com os resul-
tados de que essa rápida expansão deu origem a padrões distributivos e
efeitos estruturais heterogêneos.
(v) Embora a teoria possa identificar as potenciais áreas e solu-
ções problemáticas, a sua ambigüidade inerente impõe importância particu-
lar ao trabalho empírico, como complemento à formulação e ao
monitoramento de projetos redistributivos que se apoiem no tempo e nos
mercados de ativos, para remediar a desigualdade estrutural. Uma compre-
ensão do que Carter e Zagarra chamam de “regime de competitividade de
classes” (que significa o mapeamento entre a pobreza e o valor sombra da
terra) e das forças que moldam esse regime, devem ser a condição sine qua
non subjacente a esses esforços.
(vi) A ambigüidade inerente da teoria e a necessidade de trabalho
empírico, sugerem ainda que a política tem que ser flexível e específica ao
contexto. Como disse Timmer (1987), na presença de fatores de mercado mol-
dados pela realidade das informações imperfeitas, o desenho da política corre-
ta torna-se analiticamente oneroso.

350 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

(vii) Por último, as tarefas da análise empírica e da formulação de


políticas podem, de maneira útil, se juntar à tarefa política de formação de uma
coalizão. Como dizem Carter e Coles (no prelo), a rigidez das antigas políticas
agrárias antagônicas foi sacudida pelos acontecimentos e pelas reformas das
duas últimas décadas. Parece, portanto haver espaço político para novas coa-
lizões, não aquelas construídas em torno de uma fé cega seja nos mercados
livres ou em sua negação, mas, em vez disso, em torno de um entendimento
mais refinado sobre o papel que o tempo, os mercados, e as políticas a eles
subordinadas, podem desempenhar na solução da questão agrária.

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Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

Anexos

1. Métodos numéricos usados para resolver o modelo dinâmico de


múltiplas imperfeições de mercado
As soluções numéricas de modelos complexos têm sido freqüentemente
usadas na literatura que trata das múltiplas imperfeições do mercado e
heterogeneidade dos agentes (Williams e Wright, 1991; Imrohoroghlu, Imrohoroghlu
e Joines, 1993; Eswaran e Kotwal, 1986). Nesses contextos, as soluções numéricas
são populares porque, os modelos analiticamente fáceis de controlar, muitas vezes
dependem de hipóteses muito restritivas (tais como agentes representativos, ou
mercados complexos), e porque dados de séries históricas, adequados e de longo
prazo, sobre os processos microeconômicos, freqüentemente não existem. Ade-
mais, como argumenta Albers (1966), quando o que interessa são os valores de
determinados dados econômicos ao longo da transição para um estado equilibrado,
em vez do estado equilibrado de longo prazo, então os modelos numéricos são
especialmente úteis.
Encontramos a função de valor verdadeiro, por meio de um método
iterativo, corriqueiramente utilizado, explicado com profundidade em Zimmerman
(1994) e Streufert (1990). Primeiro estimamos uma função de valor, depois usa-
mos essa função de valor, em conjunto com a equação (10), para encontrar uma
estimativa atualizada e mais precisa da função de valor. Iteragimos esse processo
o quanto foi necessário, para que nossa suposição de função de valor convergis-
se para o valor verdadeiro.
Para saber se a nossa busca por um ponto fixo no espaço da função
de valor, dá origem, de fato a uma função de valor verdadeiro, precisamos
apenas saber que a função de utilidade e a função de produção, juntas,
constituem um problema dinâmico que seja biconvergente, um conceito
que se assemelha à insensibilidade caudal (ver Streufert, 1990). A
biconvergência também nos assegura que a condição de transversalidade
foi satisfeita, e que a solução da equação de Koopman (expressão 10) é a
mesma que uma solução do problema de maximização da utilidade de hori-
zontes infinitos (expressão 9). A biconvergência deste problema é demons-
trada no Anexo B. A intuição por trás da prova é, já que a função de lucro,
sob um fator ideal de alocação, está diminuindo os retornos de escala, a
saciedade (na função de utilidade) e a impaciência (na taxa de desconto),
implicam que os agentes não irão querer acumular dinheiro ou terras, infini-
tamente. Presumimos que não ocorrem bolhas especulativas de preço.
Por depender da função indireta de lucro, a qual é, em si, uma função
dos preços, e porque os preços evoluem no decorrer do tempo, a função de
valor não é estacionária. Estritamente falando, nós gostaríamos de encontrar
J* (T, M, P), mas isto implicaria numa busca dentro de um espaço enorme de
uma função de valor. Já que, para cada período, os agentes conhecem P, nós,

352 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

portanto, reduzimos esse espaço, buscando J* (T, M), dado a trajetória espera-
da dos preços. Economizamos nas notações, escrevendo simplesmente J* (T,
M), em vez de J* p (T, M), mas fica entendido que a função de valor depende, sim,
das expectativas de preços, e é diferente, para cada período.

Alguns comentários sobre como se formam as expectativas de preços


são necessários neste momento, devido ao fato de que o problema intertemporal
depende das expectativas de preços futuros. Presume-se que os agentes têm
expectativas racionais sobre os preços futuros, no sentido de que eles utilizam
todas as informações disponíveis, num determinado período, para prever os
preços dali em diante, ou seja, eles calculam E [{ }Wt], onde W t é o conjunto
de informações disponíveis num tempo t, e { } é a seqüência de preços
futuros (inclusive o salário, o preço dos fertilizantes e o preço da terra). Essa
suposição é operacionalizada ao se iterar o modelo de simulação repetidas
vezes. Quando a trajetória de preço de uma iteração do modelo estiver de
acordo com a expectativa das pessoas, isto é, a trajetória de preço da iteração
anterior, nós poderemos afirmar que os agentes têm expectativas racionais. É
óbvio que, na prática será impossível, ou pelo menos altamente improvável que
a trajetória de preço se confirme exatamente. O critério de confirmação utiliza-
do é que um desvio líquido da expectativa de preço não ultrapasse 0,1%, para
todos os preços, em todos os períodos.
Nesta versão do modelo presumimos que o preço da produção é fixo. A
suposição faz parte do conjunto de políticas laissez faire que desejamos mode-
lar. Presumimos que existe um mercado mundial que pode prover alimentos a
um preço que esta pequena e aberta economia não tem poder de afetar.

2. Expectativas racionais e a solução do modelo estocástico dinâmico


Antes de entrar em detalhes sobre como a evolução gradual dos preços
dos ativos e as expectativas de preços estão incorporadas ao modelo, apresen-
tamos, a seguir uma breve discussão sobre a solução básica do modelo. Su-
bentende-se que essa solução está condicionada às expectativas de preço.
A equação (16), equação de Bellman, simplifica a solução do problema
dinâmico, ao reduzir o número infinito de variáveis de escolha para apenas três:
consumo no período corrente (ct) e os níveis de ativos no período imediatamen-
te subseqüente (T t + 1, M t + 1). Ao se combinar as equações (5) e (6), observa-se
prontamente que o lado direito da equação (16) é equivalente à função objetiva
inicial (equação 11). A equação (16) também apresenta claramente os principais
trade-offs do modelo. As famílias determinam a sua taxa de acumulação, ao
trocarem o consumo de hoje (ct), contra a acumulação de ativos (T t + 1, Mt + 1), por
um consumo maior no futuro. Elas também trocam diferentes tipos de ativos,
para minimizar o risco e maximizar o retorno, sujeito a suas preferências de

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 353
Michael R. Carter e Frederic Zimmerman

utilidade. A não linearidade da equação (12), bem como o risco na equação (13),
tornam impossível a determinação analítica da função de valor verdadeiro. Por-
tanto, a função de valor verdadeiro é calculada numericamente, utilizando o
modelo iterativo comum descrito por Streufert (1990) e Zimmerman (1994).
A solução para cada otimização de domicílio, para cada período, implica na
compra e venda de ativos num mercado. Esse mercado, presume-se, compõe-se
inteiramente dos domicílios incluídos no modelo numérico, isto é, o vilarejo com 100
famílias. A interação das diversas demandas e ofertas individuais de ativos, dá origem
a um preço endógeno de ativos, que define esse mercado. As transações são, portan-
to, realizadas de acordo com esse preço de ativos, e a distribuição de ativos é, desta
forma, atualizada. Observe-se que as expectativas de futuros preços endógenos de
ativos, condiciona a demanda corrente por ativos e, por conseguinte o preço endógeno
corrente. Como foi mencionado acima, presumimos que as famílias têm expectativas
racionais, no sentido de que elas conhecem os momentos de choques e a distribui-
ção dos preços dos ativos.
Essa racionalidade é atingida mediante o método iterativo. Sempre que uma
solução numérica é encontrada para o modelo, surge um conjunto de preços
endógenos de ativos, originado da interação entre as diversas famílias. O modelo
numérico é resolvido diversas vezes, cada vez tomando a tendência de preços e o
desvio da solução anterior como um fator de previsão para os preços da solução
corrente. Quando a tendência determinada de forma endógena e o desvio reprodu-
zirem a tendência e o desvio da solução anterior (contra a qual a família já fez sua
otimização), então se considera que as expectativas racionais foram alcançadas. A
convergência é alcançada em 5-10 iterações.
Desta forma, o modelo é numericamente resolvido utilizando-se dados de
Burkina Faso, no período compreendido entre 1981 e 1985, coletados pelo
International Crop Research institute of the Semi-Arid Tropics (Icrisat) (Instituto Internacio-
nal de Pesquisa sobre Lavouras dos Trópicos Semi-Áridos). Os valores paramétricos
estão apresentados em Zimmerman e Carter (1997).

354 Estudos NEAD 5


Podem o tempo e os mercados resolver a questão agrária? Visões microeconômicas sobre
a persistência e os custos da desigualdade de propriedade de terras na América Latina

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358 Estudos NEAD 5


O Combate à
Pobreza na
América Latina:
novas evidências dos efeitos
da educação, da demografia
e do acesso à terra
Ramon Lopez
Universidade de Maryland (EUA)

Alberto Valdés
Banco Mundial

Os autores agradecem sensibilizados os comentários de Hans Binswanger, Klaus Deininger, John Heath, Yair Mundlak, Pedro Olinto, Cora
Shaw, Moshe Syrquin, Thomas Wiens e outros leitores anônimos. Expressamos agradecimentos especiais a Timothy Thomas por seus
comentários e apoio editorial, bem como a Claudia Binder, Suzanne Gnaegy e Hazel Vargas. Este artigo tirou proveito de comentários feitos
em seminários do Banco Mundial (Região América Latina) em setembro de 1997; Brasília, julho de 1998 (Brasil); e Cepal, em Santiago,
janeiro de 1998 (Chile).
1. Introdução

a maioria dos países latino-americanos a pobreza é mais

N rural do que urbana. No México, na América Central e


nos países andinos, mais de 60% dos pobres vivem nas áreas rurais e
seu nível de pobreza é mais profundo do que o dos pobres das áreas urbanas.
Paradoxalmente, entretanto, os estudos mais influentes sobre a pobreza têm
um viés urbano muito forte – criando um grande vácuo para a compreensão da
natureza e da magnitude da pobreza rural. A heterogeneidade dos pobres das
áreas rurais da região – em termos de educação, renda per capita, acesso à terra
e emprego não-agrícola – aumenta a necessidade de se preencher esse vazio,
para que possamos desenvolver uma estratégia de alívio da pobreza rural.
Este artigo sintetiza seis novos estudos de caso sobre a pobreza rural
da América Latina – no Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, Paraguai e Peru
– e diversos estudos temáticos abordando a questão fundiária, o trabalho e a
pobreza (López e Valdés, 1999b).2 Os estudos de caso baseiam-se em dados de
pesquisas domiciliares recentes, abrangendo demografia, produção agrícola,
renda familiar e gastos. Atentos à heterogeneidade do meio rural, os estudos
destacam três grupos principais, que são os pequenos agricultores, os traba-
lhadores rurais sem-terra e os trabalhadores rurais em atividades não-agrícolas.
Os estudos apresentam uma caracterização desses grupos, bem como uma
análise quantitativa dos determinantes da renda familiar.
A análise quantitativa abrange estimativas econométricas das funções
da produção agrícola e das funções da renda familiar per capita (para os domicí-
lios agrícolas e para os domicílios rurais não-agrícolas), utilizando dados domi-
ciliares interseccionais e – em dois países (Honduras e Paraguai) – utilizando

2
Esses estudos (López 1999 a e 1999b; López e Della Maggiora; López e Romano; López e Thomas; López e Valdés, 1999 a; Carter
e Zegarra, 1999; Valdés 1999) integram o volume Rural Poverty in Latin America: Analytics, New Empirical Evidence and Policy
(Pobreza na América Latina: Analítica, Novas Evidências Empíricas e Políticas) (López e Valdés, 1999b).

360 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

dados de série histórica. Para cada país, a análise busca medir o impacto de
diversas características demográficas familiares, ativos produtivos, tais como a
terra e o capital físico, e fatores externos ao domicílio, tais como a localização
geográfica, acesso a serviços e infra-estrutura.
Por que os pobres são pobres? Basicamente, porque possuem poucos ativos
(humanos e físicos), o que é motivado, em parte, por uma longa tradição de desenvol-
vimento desigual; e porque a produtividade dos seus ativos é baixa. Esses ativos são
escassos, não apenas em quantidade, mas também em qualidade (baixos níveis de
escolaridade, em geral estão ligados à má qualidade do ensino). A baixa produtividade
dos ativos é resultado de uma combinação entre ineficiência do governo e imperfei-
ções do mercado ou, mais simplesmente, dos mercados incompletos.
Além desses dois grandes fatores determinantes da pobreza, a dimen-
são geográfica também é particularmente relevante. Como foi demonstrado por
Krugman (1991), o crescimento econômico gera uma crescente concentração
regional de atividade econômica, à medida que cresce a importância das indús-
trias móveis (por exemplo, a manufatura e os serviços) e das economias de
escala, enquanto que os custos de transporte decrescem. A maior eficiência
gerada por esse processo, para essas indústrias, lhes permite penetrar nos
mercados rurais, expulsando muitas indústrias locais, reduzindo, por sua vez,
as oportunidades de emprego não-agrícola das populações rurais.
Em contraste, uma porção significativa da população rural permanece
relativamente estagnada, devido à baixa qualificação, à distribuição etária e, em
alguns casos, a características étnicas (barreiras de língua). Ao passo que os
indivíduos jovens e mais escolarizados têm condições de migrar em direção
aos setores dinâmicos, os relativamente estagnados permanecem nas áreas
que perderam boa parte de suas atividades mais dinâmicas. Assim, a pobreza
do meio rural está, até certo ponto, ligada à evolução natural da estrutura da
economia no processo de crescimento, que gera uma crescente concentração
geográfica das atividades mais dinâmicas.

2. Antecedentes
A América Latina tem abundância de terras e um grande número de
trabalhadores rurais sem-terra. A maior parte dos camponeses sem-terra traba-
lha como mão-de-obra contratada, refletindo uma alta concentração de terras,
na qual um número pequeno de grandes fazendas comerciais convive com um
número muito maior de fazendas pequenas, e onde o grosso da produção
agrícola é gerado nas fazendas comerciais.
A América Latina é diferente da maioria das outras regiões em processo
de desenvolvimento, devido à pequena participação dos trabalhadores rurais
no mercado de trabalho e à pequena participação que a agricultura tem na
economia. Embora algumas das economias menores (El Salvador, Guatemala,
Honduras, Paraguai e Jamaica) ainda tenham mais de 45% de suas populações
vivendo nas áreas rurais, a maioria dos países maiores tem uma participação

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 361
Ramon Lopez e Alberto Valdés

abaixo de 30%. A participação da agricultura no PIB é, consistentemente,


abaixo de 25% em toda a região, e abaixo de 15% nas economias maiores.
Para os maiores países da região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
México, Peru e Venezuela), que abrigam mais de 80% da população da região, a
baixa proporção da mão-de-obra nas áreas rurais realmente importa. Por que?
Porque, mesmo que um contingente significativo de trabalhadores rurais migre
em direção do setor não-rural, eles provavelmente não exercerão um forte im-
pacto no desemprego e nos salários nas áreas urbanas. Portanto, os trabalha-
dores rurais da América Latina dependem menos da economia agrícola do que
os trabalhadores rurais do resto do mundo em desenvolvimento. Isto sugere
que, para os maiores países da América Latina, o acelerado crescimento da
economia não-rural tem um longo caminho a percorrer para reduzir a pobreza,
mesmo que a economia rural não cresça muito rápido.
A análise a seguir está estruturada em torno de três temas: formação dos
ativos dos pobres, avaliação dos efeitos dos mercados ausentes ou deficientes e
correção das falhas de governo. A seção seguinte apresenta os principais resulta-
dos relativos à formação dos ativos dos pobres e ao efeito dos mercados ausentes.
Em seguida, é feita uma avaliação dos efeitos decorrentes dos fracassos dos gover-
nos. A conclusão apresenta um sumário dos principais resultados.

3. Formação dos ativos dos pobres e avaliação dos efeitos


dos mercados ausentes ou deficientes

3.1 O capital humano


Em termos globais, os níveis educacionais são baixos – do mesmo modo
que são baixos os ganhos da educação nas áreas rurais. As evidências encon-
tradas para a América Latina demonstram que o nível médio de educação nas
áreas rurais é significativamente mais baixo do que nas áreas urbanas. No Brasil,
em Honduras e no Equador os habitantes das áreas rurais têm cerca de metade
da média de anos de escolaridade da população que vive nas áreas urbanas.
Dentro do setor rural, os dados de nosso levantamento indicam que a média de
anos de escolaridade das famílias pobres é aproximadamente 15% menor do que
a média de todos os domicílios rurais. O mesmo ocorre com a média de anos de
escolaridade dos chefes de família (Tabela 1).
O impacto da educação sobre a produção agrícola, e sobre a renda rural,
é baixo. Nos lugares onde as atividades agrícolas exigem pouca qualificação,
um adicional de escolaridade não contribui muito para aumentar a produção
agrícola. Os estudos econométricos revelam que o efeito da educação sobre a
produção agrícola é significativo apenas no Paraguai e no Chile, mas a sua
contribuição para o aumento da produção agrícola, mesmo naqueles países,

362 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

Tabela 1. Comparação de algumas características chave


dos agricultores de seis países latino-americanosa

---

---
Am os tra

---
145 1.300

18

2.1

0.9

3.7

4.1

37

50

26
Total da
HONDURAS PARAGUAY
A gri cultores

Grupo1

---

---
---
18

3.2

1.2

3.1

4.2

15

34

17
Am ostr a
Total da

509

23

6.2

2.6

0.4

3.1

2.4

16

56

26.8

33

---

---
Agri cultores

Grupo 1

---

---
72

24

3.3

0.5

2.5

1.8

54

--- 18.4

--- 31.7
Total da
Amostra

421

4.7

2.3

1.4

4.1

4.2

71
---

---

---

---
COLÔMBIA
Trab. s em terra

Grupo1 Grupo2

284

5.4

2.9

1.6

3.9

3.6

64
---

---

---

---

---

---
---

---

---

---

---

---
195

6.1

3.3

2.2

3.4

3.2

53
Am os tr a
Total da

418

12

5.1

2.5

1.1

3.9

63

7.9

5.6

59

---
COLÔMBIA
Agri cultores

Grupo1 Grupo 2

---
243

10

3.1

1.4

3.8

3.4

56

5.4

4.4

52
187

16

6.2

3.5

1.5

3.6

3.1

56

3.4

4.4

43

---
Total da
Amostra
SALVADOR

---

---

---

---

---

---
258

5.7

3.1

2.1

1.9

39
Trab. sem terra
EL

G rupo1

---

---

---

---

---

---
111

6.4

3.9

2.8

1.8

1.9

34
Total da
Am os tra
SALVADOR

562

35

3.1

1.8

3.1

2.4

83

13

17

60

6
A gricultores
EL

Grupo1

96

36

6.7

3.6

2.5

2.2

1.7

73

20

11

45

7.3
---

---

---
Am ostr a

467 1.300

59

4.4

5.7

4.6

14

61

33

33
Total da
Pequenos agricultores

G rupo1 Grupo 2
CHILE

---

---

---
68

4.6

2.1

5.6

4.8

54

25

25
167

67

5.2

2.6

5.2

10

59

36

36
---

---

---

a Os números referem-se aos anos: Colômbia, 1993; Paraguai, 1994; Honduras, 1993; Chile, 1994; El Salvador, 1995; e Peru, 1994. Os
Grupos 1 e 2 referem-se aos quintis de renda mais baixos da Colômbia e do Chile. O Grupo 1 refere-se ao tercil de renda mais baixo em
Honduras, Paraguai e El Salvador. A amostragem completa incluiu apenas os pequenos agricultores do Chile e os pequenos, médios e
grandes agricultores em Honduras, Paraguai e El Salvador. Na Colômbia a amostra inclui apenas os agricultores que vivem nas áreas rurais,
o que impõe um viés em direção aos pequenos agricultores.
b Pessoas com menos de 19 anos no Chile e Paraguai, abaixo de 16 em Honduras e, para a Colômbia e El Salvador, são todas as crianças
que habitam o domicílio.
c Em Honduras e no Paraguai define-se o trabalhadore como os membros da família entre 11 e 69 anos de idade, e 15 e 69, respectivamente.
d Os números para o Chile referem-se à assistência prestada pelo Indap, que fornece assistência técnica e financeira.

é quantitativamente baixa (Tabela 2). Em Honduras e El Salvador, a variável


educação não demonstrou ser estatisticamente significativa.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 363
Ramon Lopez e Alberto Valdés

Tabela 2. A participação de diversos fatores na produção agrícola.


a
Chile El Salvador Paraguai Honduras

pobre pobre pobre


Tamanho da gleba 0.46 0.41 0.42 0.31
Trabalho familiar – 0.06 NS 0.26
Trabalho – 0.03 – 0.06
contratado
Capital 0.07 0.02 0.12 0.07
Insumos variáveis – 0.21 0.19 0.13
Educação significativo NS significativo NS
b c
Retornos de escala constante decrescente decrescente constante
NS: Não significativo – não foi incluído na análise.
a. As estimativas para o Chile correspondem a uma função de oferta de curto prazo, em vez de uma função de
produção.
b. “Constante” quer dizer que a soma dos coeficientes para a terra, trabalho, capital e insumos variáveis da
função de produção de Cobb-Douglas não é, em termos estatísticos, significativamente diferentes de um.
c. “Decrescente” quer dizer que a soma dos coeficientes da terra, trabalho, capital e insumos variáveis é, esta-
tisticamente, significativamente menor que um.
d. Inclui capital vinculado e não vinculado.

A educação contribui – embora apenas em termos – para os rendi-


mentos não-agrícolas. As evidências encontradas nos estudos de caso in-
dicam que ganhos mais elevados são obtidos no emprego não-agrícola (par-
ticularmente na renda assalariada da atividade não-agrícola) do que na agri-
cultura, com variação significativa de país a país. Embora pequena, a parti-
cipação da educação na determinação da renda não-agrícola é uma indica-
ção de que o emprego não-agrícola exige qualificações, que estão
correlacionadas a níveis mais altos de escolaridade.
O impacto líquido da educação sobre o total da renda familiar rural é
significativo, em boa parte por causa do seu impacto positivo sobre a renda
rural não-agrícola. A oferta de empregos não-agrícolas parece melhorar o status
da família, mesmo que isto signifique apenas uma progressão da condição de
“extremamente pobre” para meramente “pobre”. Embora as diferenças regio-
nais possam explicar, em parte, o emprego não-agrícola disponível, as caracte-
rísticas dos domicílios – particularmente o nível de escolaridade dos membros
da família – são fatores determinantes importantes da renda assalariada.
A contribuição de um ano a mais de escolaridade sobre a renda per capita
total anual, em cinco dos seis países estudados varia entre $3,70 e $62,00. Em
Honduras, o efeito não é significativo (Tabela 3). Cabe destacar que estes são
ganhos de educação para aqueles que permaneceram no setor rural – e é de se
esperar que os retornos mais altos são obtidos por aqueles que migraram para
o setor urbano. Os baixos retornos à educação nas áreas rurais, revelados

364 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

neste estudo, são consistentes com as estimativas feitas para outras regiões.
A esse respeito, ver, por exemplo, o estudo recente de Jolliffe (1998), sobre
Gana, e de Zhao (1997), sobre a China.
Tabela 3. A participação de diversos fatores na renda per capita total.
Chile El Salvador Colômbia Peru Paraguai Honduras

Tamanho da glebaa 0.073 0.37 0.15 0.13 0.48 0.12

Trabalho familiar a 0.83 0.89 0.45 0.14 0.35 0.50

Capital N S
a d
0.05 - - 0.20 0.03 -

Contribuição de um 62.00 4.5 15 34 47 NS


ano adicional de
escolaridadeb (US$)

Títulos de terrasc Significativo NS NS - NS NS

Assistência
técnica/crédito NS Significativo NS - Significativo NS

Localização geográfica NS NS Significativo Significativo NS -

Tamanho da família -0.49 -0.29 -0.40 -0.57 - 0.22

NS: Não significativo – não foi incluído na análise.


a. Os números para o trabalho e o capital correspondem às elasticidades, indicando o efeito percentual de um aumento de
um por cento de cada um dos fatores de produção sobre a renda per capita.
b. Os números para o efeito escolaridade indicam a contribuição de um ano adicional de escolaridade para a renda per
capita.
c. Inclui apenas o efeito direto dos títulos de terra sobre a renda per capita, ignorando os efeitos através de investimentos
de capital e crédito.
d. Para o Chile, o capital foi medido como uma variável dummy representando a posse de maquinaria agrícola, o que, no
caso do Chile, é insignificantemente diferente de zero.
e. O tamanho da gleba só foi significativo para os grandes agricultores.
f. Apenas o capital móvel foi significativo.
g. Antes de 1983.

O fato de os retornos à educação serem baixos dentro do setor rural não


implica em que as pessoas do meio rural, que emigram para as áreas urbanas,
também obtenham baixos retornos. Na verdade, alguns estudos realizados em
áreas urbanas revelam, sistematicamente, fortes efeitos sobre a renda e os salários,
associados à educação (Psacharopoulos, 1992). Talvez o principal impacto
da educação sobre a população rural seja o de facilitar sua migração para áreas
urbanas, onde essas pessoas poderão obter retornos mais altos ao seu investi-
mento em capital humano.

3.2 Tamanho da família e dependência

Observa-se uma relação inversa entre a renda, por um lado, e o tamanho


da família e a taxa de dependência, por outro (definida como o número de
dependentes dividido pelo número de trabalhadores). A taxa de dependência
do quintil mais baixo de renda é cerca de um terço maior do que a da amostragem
total, em cada país (Tabela 1). Nos seis países estudados, a taxa de dependên-
cia mais alta entre os pobres é em função do fato de que essas famílias têm
mais filhos – na verdade, cerca de 30% acima da média, para o total da
amostragem, em cada país.

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Ramon Lopez e Alberto Valdés

Em todos os seis países estudados, o tamanho da família exerce um


efeito negativo importante sobre a renda per capita. A correlação negativa reve-
lada entre a renda per capita familiar e o tamanho da família ou o número de
dependentes, é fato comum, demonstrado em estudos mundo afora e, em
geral, os economistas a descartam como um fator sem significado para as
implicações políticas, porque eles acreditam que o tamanho da família é, em
grande parte, determinado pela demanda. No entanto, muitos estudos de ferti-
lidade, baseados em demanda, foram usados para explicar a experiência dos
países desenvolvidos (particularmente nas áreas urbanas). Nos países pobres,
entretanto, em especial nas áreas rurais, é de se esperar que o tamanho da
família tenha um componente exógeno importante. Nas áreas rurais isoladas, o
acesso limitado a anticoncepcionais e os baixos níveis de educação dificultam
a compreensão dos habitantes sobre a importância do uso de contraceptivos.
Nas áreas menos isoladas, a principal causa do aumento da população está
ligada à diminuição da mortalidade infantil, devido aos avanços da assistência
médica prestada pelo Estado, e não ao aumento da fertilidade, que é a principal
variável de controle populacional da família. Com efeito, no único caso onde
temos dados sobre crianças nascidas (Honduras), descobrimos que o tamanho
da família e a fertilidade apresentam uma correlação muito baixa. Assim, o
aumento do tamanho da família, em época de saúde pública de melhor qualida-
de (como é o caso da maioria dos países da nossa amostra) é provavelmente –
pelo menos em parte – o resultado de erros, relacionados a uma subestima dos
pais, sobre as probabilidades de sobrevivência dos filhos.

3.3 A terra e os sem-terra

As propriedades dos agricultores pobres da América Latina variam


de um a cinco hectares, dependendo da pressão da população sobre as
terras cultiváveis. Essas extensões de terra, segundo as evidências encon-
tradas, se não forem irrigadas ou de cultivo intensivo, não têm condições de
abrigar níveis de consumo acima da linha de pobreza absoluta, sem outras
fontes de renda. Na verdade, até mesmo as propriedades um pouco maiores
que cinco hectares, no Chile e no Paraguai, não asseguram rendas mais
altas. Ademais, embora o aluguel e o compartilhamento de safras sejam
comuns em diversos países, uma boa parte dos pobres das áreas rurais não
é arrendatária, quer dizer, trabalha em troca de um salário.
Na maioria dos países estudados, a proporção dos agricultores mais
pobres que detém a titularidade de suas terras é mais baixa do que a média.
Como resultado, muitos agricultores pobres não têm condições de usar a terra
como garantia para a tomada de empréstimos, o que limita o seu acesso ao
crédito e os impede de vender a gleba a preços de mercado, limitando a sua
capacidade de mudar de profissão.

366 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

Estariam os pequenos agricultores em condições melhores do que os


trabalhadores rurais sem-terra? Presume-se, em geral, que as famílias sem-
terra estão em condições piores do que aquelas que possuem alguma terra.
As limitações de dados permitiram uma comparação detalhada apenas para
El Salvador e Peru. Na primeira, a renda per capita das famílias de agricultores
sem-terra é mais baixa do que a dos domicílios agrícolas, o que corrobora a
visão comum de que a posse da terra melhora o bem-estar (Tabela 1). No
entanto, uma comparação entre a terça parte mais pobre de ambos os grupos
revela que as famílias de pequenos agricultores não diferem significativamen-
te das famílias sem-terra, em nenhum dos indicadores apontados acima, com
a exceção do acesso à seguridade pública. As famílias de agricultores mais
pobres têm uma renda per capita ligeiramente superior aos sem-terra (US$111
contra US$96). Em contraste, a evidência do Peru é mais consistente com a
sabedoria comum: os trabalhadores rurais sem-terra são, de fato, mais po-
bres do que os agricultores com terra.
Os pequenos agricultores têm fator de produtividade total semelhante ao dos
médios e grandes agricultores. Este resultado se confirma em três países onde
foi realizada uma análise mais aprofundada (Paraguai, Honduras e El Salva-
dor). No Paraguai e em Honduras, o fator de produtividade total é, na verda-
de, ligeiramente menor entre os pequenos agricultores. Ademais, com o
intuito de testar se existe uma relação em forma de “U”, entre o fator de
produtividade total e o tamanho da propriedade, nós dividimos os agricul-
tores em três grupos (pequenos, médios e grandes) e testamos se a produ-
tividade era mais alta nas propriedades médias do que nos outros dois
grupos. Descobrimos que este não é o caso: os pequenos agricultores têm
um fator de produtividade total ligeiramente mais baixo do que os médios e
grandes agricultores, porém não existem diferenças estatisticamente signi-
ficativas entre os dois últimos grupos. Nós experimentamos a análise com
diversas definições das categorias e nunca encontramos a esperada relação
em forma de “U”.
Os retornos de escala da produção agrícola são constantes ou decrescentes
(Tabela 2). O fato de que os pequenos agricultores têm um fator de produtivida-
de total ligeiramente mais baixo do que os grandes fazendeiros não se deve à
sua escala de produção reduzida. Na verdade, descobrimos que os retornos de
escala são constantes, ou decrescentes, nos quatro estudos de caso onde
esses indicadores foram medidos.
A produtividade marginal da terra é maior para os pequenos agricultores do que
para os grandes agricultores. Nós descobrimos que não se pode rejeitar a hipótese
de que as elasticidades da produção agrícola são iguais entre os pequenos e
grandes agricultores, em todos os países onde se procedeu à análise (Paraguai,
Honduras e El Salvador). Aliado ao fato de que as safras são maiores para os
pequenos agricultores do que para os grandes agricultores, nós concluímos
que a produtividade marginal da terra é maior para os pequenos agricultores.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 367
Ramon Lopez e Alberto Valdés

A contribuição da terra para a renda per capita, à exceção do Paraguai e, até


certo ponto El Salvador e Honduras, é pequena (Tabela 3). A elasticidade da renda,
com relação à terra no Chile, Colômbia e Peru, situa-se abaixo de 0,15. Quer
dizer, um aumento de dez por cento na área de terra aumentaria a renda per
capita em menos de 1,5%. Este fato contrasta agudamente com a elasticida-
de da produção agrícola da terra, que, em geral, é mais alta e flutua entre
0,36 e 0,46. Daí a importância de se distinguir entre o impacto da terra
sobre a renda e sobre a produção agrícola.3

3.4 Corrigindo as falhas do governo

Os mercados imobiliários estão supervalorizados? Muitos economistas


acreditam que a natureza crônica da pobreza na América Latina é uma conseqü-
ência direta dos arranjos de posse da terra. Nessa perspectiva, as estruturas do
mercado de terras que predominam na região não oferecem oportunidades
para que os pobres das áreas rurais ganhem acesso à terra, quebrando, desta
forma, o ciclo de pobreza rural. É de se presumir que isto é o resultado dos
custos relativamente altos, incorridos na subdivisão de grandes propriedades
em numerosas unidades menores, e das distorções de preços de terras (por
exemplo, preços de mercado mais altos do que o valor dos ganhos correntes da
agricultura). Esses dois fatores restringem significativamente o acesso à terra
para uma parcela considerável da população rural, resultando em minifúndios
e trabalhadores rurais sem-terra, embora se presuma que os agricultores de
pequena escala podem vir a ser mais eficientes. De acordo com esse ponto de
vista, a agricultura e, em particular o setor dos pequenos agricultores, tem, em
geral, uma reserva maior de mão-de-obra subutilizada que poderia ser mais
bem empregada se o tamanho da fazenda fosse maior ou se os trabalhadores
agrícolas sem-terra tivessem acesso à terra. A economia do tamanho da fazen-
da – a relação inversa entre o tamanho da propriedade e a hipótese do fator de
produtividade – vem crescendo na região (Carter e Zegarra, 1999; Binswanger
et al., 1995).
Como foi discutido há pouco, as elasticidades sugerem que a
redistribuição de terras dos grandes para os pequenos agricultores contri-
bua para um aumento da produção agrícola total, mas pode ter um impac-
to apenas limitado sobre a renda familiar. O aumento da produção agrícola
total deve-se ao fato de que o valor do produto marginal da terra, para
os pequenos agricultores, é maior do que para os grandes agricultores.4

3
Nenhum dos estudos de caso abordou as diferenças de qualidade da terra, a qual, dependendo da correlação entre o tamanho
da fazenda e a qualidade da terra, poderia impor um viés às estimativas. Particularmente, se a correlação for negativa, então
o coeficiente subestimará o efeito real exercido pela terra sobre a renda.
4
Presumindo que não há um efeito de preço da produção. Se os padrões de colheita forem diferentes, e se os agricultores
comerciais produzirem bens negociáveis e os pequenos agricultores produzirem mais “bens domésticos”, o efeito resultante
da distribuição de terras sobre o preço da produção poderia compensar parte dos ganhos da produção.

368 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

Mesmo assim, os ganhos da produção agrícola se traduzem apenas parci-


almente em ganhos de renda, o que indica que a eficácia da redistribuição
de terras em aumentar a renda, em vez de apenas a produção agrícola, é
limitada. É necessário aprofundar a pesquisa sobre essa questão impor-
tante, que é a de se distinguir entre o efeito da terra sobre a produção e o
efeito da terra sobre a renda.
Nossas estimativas sobre a contribuição que a terra dá à renda per
capita (ao contrário da mera contribuição à produção) sugerem que, para se
obter um impacto visível sobre a pobreza rural em alguns países, um progra-
ma de redistribuição de terras deve transferir uma parcela significativa de
terras, de modo a permitir que um contingente considerável de trabalhado-
res rurais sem-terra consiga acesso a um tamanho mínimo de gleba (bem
maior do que o tamanho atual das terras dos pobres). Mesmo assim, isto
não resolve o problema da pequena fazenda, associado aos seus domínios
insuficientes de terra. Em El Salvador, para livrar os agricultores mais po-
bres da linha da pobreza absoluta, é necessário ampliar o tamanho das
glebas, atualmente variando de dois a cinco hectares, para 12,6 hectares, de
modo a ultrapassar a linha da pobreza. Na Colômbia, para se obter um
aumento da renda per capita dos 40% de domicílios rurais mais pobres,
acima da linha de pobreza, exigirá que se quadruplique a área atual. Para se
decidir se tal investimento maciço é socialmente desejável, faz-se necessá-
rio empreender uma avaliação separada para cada país.
Os méritos de um programa de redistribuição de terras trazem à
tona questões amplas, de cunho social e político, que fogem ao alcance
deste trabalho. Carter e Zegarra (1999) avaliaram algumas experiências
recentes de redistribuição de terras na região. Os primeiros modelos,
baseados nos princípios da expropriação e da reforma agrária
“administrada”, demonstraram ser inviáveis e mal conduzidos. Os
programas de bancos de terra, onde se criaram bancos com o objetivo
expresso de financiar a aquisição de terras, também malograram. Na
Guatemala e em Honduras, os beneficiários desses programas, os
pequenos agricultores, se viram forçados a abandonar suas terras, diante
de uma dívida descomunal. As novas propostas de reforma agrária com
base no mercado parecem ser politicamente viáveis e podem vir a produzir
maiores benefícios sociais. Em razão de sua recente introdução, até agora
existem ainda poucos dados para que possamos avaliar o sucesso relativo
ou fracasso desses programas, em termos de custos fiscais, seus efeitos
sobre a renda agrícola ou, mais geralmente, a sua rentabilidade.
Se persistirem as distorções predominantes do mercado (de crédito,
tributação, e políticas que protegem a agricultura extensiva, como a pecuária),
então, uma reforma agrária de mercado pode não ser uma forma eficaz de
combate à pobreza (Carter e Zegarra, 1999). Essas distorções provavelmente

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 369
Ramon Lopez e Alberto Valdés

continuariam a conceder vantagens, no mercado de terras, para os grandes


agricultores. Nessas circunstâncias, tornar competitivos os beneficiários de
um programa de reforma agrária, exigirá um grande volume de subsídios.
Apesar do aparente sucesso de algumas experiências piloto de reforma
agrária, de pequena escala, baseadas no mercado, a sua transformação em um
programa de redistribuição de terras de maior alcance poderá dar origem a um
aumento do preço da terra, o que aumentará ainda mais o custo da redistribuição.
Na medida em que decresce a demanda por terra, pelos atuais proprietários, o
subsídio para a aquisição de terras necessariamente resultará em aumentos do
preço da terra, proporcionalmente à magnitude do programa de subsídios. Para
que a reforma agrária seja rentável, o programa deverá: (1) ser geograficamente
dirigido, de modo a reduzir os custos fixos da infra-estrutura de apoio e de
outros serviços; (2) dar origem a transações de terra adicionais, de modo a
evitar um impacto significativo sobre o preço da terra; (3) ser implementado em
conjunto com um aprofundamento das reformas destinadas a reduzir as
distorções, que dão aos grandes agricultores uma vantagem competitiva nos
mercados imobiliários; e (4) assegurar que a formulação do programa leve em
consideração o fato de que há uma determinada escala mínima na agricultura
(para agricultores em tempo integral) que permitirá aos beneficiários do progra-
ma ultrapassar a linha de pobreza. Mesmo que os programas sejam eficientes,
uma escala abaixo de um mínimo os deixaria na pobreza.

3.5 Segurança da posse da terra

Na maior parte da América Latina, relativamente poucos pequenos e


médios agricultores possuem o título legal de suas terras; menos de 63%
dos agricultores de Honduras, Paraguai, Chile e Colômbia (Tabela 1). Os
direitos de propriedade não seguros são uma fonte importante de ineficiência
da produção, devido ao efeito negativo dessa insegurança sobre os incenti-
vos de investir no capital que está ligado à terra, e sobre as restrições de
crédito enfrentadas pelos agricultores, que não possuem a titularidade para
obter crédito, tanto formal quanto informal.
Embora diversos estudos tenham estimado o impacto da titularidade
de terras sobre a agricultura da Ásia e da África (Feder, 1987; Migot-Adholla,
et al., 1991), o tema não recebeu a devida atenção na América Latina.
A maioria dos estudos analisou apenas correlações simples, que apresen-
tam resultados ambíguos. Trabalhos recentes, abordando o efeito da
titularidade da terra sobre a produtividade agrícola (López, 1995, em
Honduras; Carter e Olinto, 1996, no Paraguai; ver também Byerlee e Valdés,
1996) deram contribuições importantes ao assunto. Em Honduras e no
Paraguai, a titularidade da terra tem efeitos positivos e significativos sobre
a renda agrícola, e o efeito da garantia domina o efeito demanda associado

370 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

ao investimento. Os resultados de ambos os estudos sugerem que a taxa de


retorno do investimento em programas de titulação é competitiva com ou-
tros investimentos alternativos, e que a titulação de terras é um bom inves-
timento na América Latina. Há, no entanto, uma advertência importante – a
maioria dos benefícios da titulação não são absorvidos pelos agricultores
mais pobres. Em Honduras, os benefícios da titulação (um aumento da
renda per capita da ordem de 5%) foram absorvidos por apenas um quinto
dos agricultores, e esses agricultores não eram os mais pobres. Da mesma
forma, no Paraguai, a maioria dos benefícios foi captada pelos médios e
pequenos agricultores.
A análise aprofundada das questões de domínio de terras na Ásia
revelou que é preciso muito mais do que titulação de terras para que se
possa captar os benefícios potenciais da reforma da titularidade de terras.
A existência de um arcabouço legal adequado, levantamentos cadastrais,
um registro de hipotecas, e mecanismos de implementação e de fazer cum-
prir, inclusive um sistema judiciário justo e ágil, são condições necessárias
para a realização desses benefícios (Byerlee e Valdés, 1996).

3.6 Tributação da terra

A tributação de terras pode vir a ser uma maneira eficaz de reduzir a


vantagem competitiva dos grandes proprietários sobre os operadores de
pequena escala, no mercado imobiliário. A tributação de terras agrícolas, no
entanto, raramente é implementada, apesar do fato de que vem sendo
defendida pelos economistas há muitos anos. De acordo com Skinner (1993),
o motivo principal pelo qual não se institui impostos sobre terras nos países
em desenvolvimento, é o alto custo administrativo incorrido. Este fator é
provavelmente mais relevante nos países mais pobres, onde não existe uma
base institucional mínima. Nos países de renda média, inclusive muitos da
América Latina, a terra e outras instituições de relevo estão mais bem
desenvolvidas e poderiam, em princípio, abrir caminho para um sistema
adequado de recolhimento de impostos com custos administrativos razoáveis.

3.7 O emprego não-agrícola

Como argumentou D. Gale Johnson (1996), “os governos raramente


adotaram medidas destinadas a facilitar o ajuste das áreas rurais às exigên-
cias do desenvolvimento econômico. Esses ajustes são inevitáveis”. A mi-
gração rural-urbana é dispendiosa, tanto para os migrantes, quanto para as
áreas urbanas receptoras, em termos da infra-estrutura urbana adicional e
dos efeitos negativos advindos da aglomeração. Johnson comenta que, “em
muitos casos a maneira menos dispendiosa de auxiliar o processo de ajuste

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Ramon Lopez e Alberto Valdés

é tornar as zonas rurais atraentes para atividades não-agrícolas, que ofere-


çam oportunidades alternativas para aqueles que já não conseguem encon-
trar um uso aceitável para seu capital humano nas atividades agrícolas”.
Para muitos – em particular os pequenos agricultores – o ajuste virá sob a
forma da agricultura em tempo parcial. Para outros, o caminho é abandonar
a roça em direção às cidades. Para muitos agricultores mexicanos, a opção
é abandonar a agricultura e ir para Los Angeles.
A pergunta, portanto, é: o que é necessário, e quem paga pela trans-
formação das zonas rurais em áreas mais atraentes para a criação de empre-
gos rurais não-agrícolas? A chave desta questão são as estradas, escolas,
comunicações e eletricidade. Os estudos de Lanjouw (1999) e outros reve-
laram que, na América Latina, a educação e o acesso a estradas e à eletrici-
dade, estão fortemente relacionados a rendas não-agrícolas mais altas nos
domicílios. Os padrões regionais têm também uma importância relativa para
explicar as rendas não-agrícolas. Por exemplo, no México, as rendas não-
agrícolas são relativamente mais altas no norte do que em outras regiões,
mantidas outras características domiciliares.
Ficamos tentados a concluir que o desenvolvimento regional é a cha-
ve. Alguns programas de reestruturação regional foram bem sucedidos, mas
é difícil encontrar um contexto operacional para decidir o que fazer. Será
que nós fizemos tudo, quer dizer, dotamos todas as regiões de estradas,
escolas e eletricidade? Boa parte dos problemas (déficits) é comum a todas as
partes do país em questão. A conclusão de que tudo precisa ser feito não
ajuda muito, e não está suficientemente claro se os governos locais são
necessariamente uma unidade operacional eficaz, particularmente nas lo-
calidades mais pobres que não têm uma base econômica e tributária forte.
Ademais, nos governos da maioria dos países latino-americanos, o desen-
volvimento rural é um órfão institucional. Não pertence a nenhum Ministé-
rio e constitui-se, essencialmente, numa tarefa interministerial, que rara-
mente recebe um tratamento integrado por parte do governo. Talvez as im-
plicações políticas desta análise sejam (1) que a avaliação de projetos soci-
ais de serviços e infra-estrutura rurais levem em consideração, explicita-
mente, os benefícios sociais adicionais, advindos da redução dos custos
privados e sociais que estão associados à migração rural-urbana; (2) tomar
medidas destinadas a reduzir o custo social da migração rural-urbana, tais
como a melhoria dos sistemas de informação nas áreas rurais, que tratam
das oportunidades do mercado de trabalho nas áreas urbanas.

4. Conclusões
A pobreza rural é, até certo ponto, resultado do aumento da mobilidade
da indústria, causada pelo crescimento econômico, combinado com a relativa
imobilidade dos segmentos menos privilegiados da população rural. Portanto,

372 Estudos NEAD 5


O combate à pobreza na América Latina: novas evidências dos
efeitos da educação, da demografia e do acesso à terra

é parte da evolução natural da estrutura da economia no processo de cresci-


mento, que dá origem a uma crescente concentração geográfica das atividades
mais dinâmicas, simultaneamente com um lento processo de ajuste geográfico
da população. Este elemento estrutural diminui o alcance das estratégias de
redução da pobreza, que são dirigidas exclusivamente ao setor rural.

Nossos estudos sugerem o seguinte:


• O retorno da educação na agricultura é surpreendentemente pe-
queno, na maioria dos casos US$ 20 per capita , por cada ano adicional de
escolaridade. No entanto, quando a educação conduz a empregos no se-
tor rural não-agrícola, ou no setor urbano, o retorno pode vir a ser subs-
tancial. A principal contribuição da educação nas áreas rurais parece ser a
de preparar as pessoas para emigrarem para as cidades ou áreas urbanas.
• O tamanho da família e do número de dependentes exerce um forte
efeito negativo sobre a renda per capita. Argumentamos que isto pode ser devi-
do ao efeito do tamanho da família sobre a renda, em vez do oposto. Fica claro
que programas de planejamento familiar têm um grande valor potencial, como
estratégias dirigidas à redução da pobreza.
• A redistribuição de terras parece oferecer um potencial para o au-
mento da produção agrícola total, mas oferece um potencial menor para o
aumento da renda familiar. Em termos globais, a nossa análise sugere que,
para se obter um impacto substantivo sobre a pobreza rural, será necessá-
rio efetuar uma redistribuição maciça de terras. Uma redistribuição de terras
dessa magnitude pode abrir caminho para um aumento do preço da terra, o
que aumentaria ainda mais o custo da redistribuição. Nós acreditamos que
um enfoque mais adequado seria o de eliminar as distorções de políticas
que favorecem os grandes proprietários, tais como o tratamento tributário
preferencial dado à agricultura (em comparação com outros setores), e de
acelerar os programas de titulação de terras, os quais ajudarão os pequenos
agricultores a ganhar acesso ao crédito.
• Em alguns países, a renda per capita das famílias de pequenos
agricultores não difere significativamente da renda per capita das famílias
sem-terra (El Salvador); mas é significativa em outros (Peru). Em geral, a
oferta de emprego não-agrícola aumenta a renda familiar. Já que os países da
América Latina dependem menos da economia agrícola do que outras regi-
ões em desenvolvimento, nós defendemos, como estratégia de redução da
pobreza, as políticas que oferecem possibilidades de acelerar o crescimen-
to da economia como um todo, e que abram o caminho para uma transição
da população rural para o setor não-agrícola.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 373
Ramon Lopez e Alberto Valdés

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 375
A Reforma
Agrária nos Países
em Desenvolvimento:
o papel do Estado e de
outros agentes
Solon L. Barraclough
Instituto de Pesquisa em
Desenvolvimento Social das Nações Unidas
1. Introdução: as questões do domínio da terra nos países
em desenvolvimento
grande desigualdade no controle da terra constitui-se num

A dos grandes obstáculos para o desenvolvimento rural, em


bases amplas, para muitos países em desenvolvimento. As reformas
agrárias que provêem direitos seguros e equânimes a terras produtivas para os
pobres das zonas rurais, devem ser claramente uma alta prioridade do Estado e
de outros atores comprometidos com a busca do desenvolvimento sustentá-
vel, social e ecologicamente. No entanto, poucas iniciativas importantes, com
relação à reforma agrária foram tomadas, neste último quarto de século. Além
disso, as primeiras reformas agrárias conduzidas em diversos países, em geral
foram seguidas de melhorias duvidosas sobre a subsistência dos pobres das
áreas rurais, embora algumas tenham sido muito superiores que outras, segun-
do este critério (Barraclough 1992).
De acordo com o Dicionário Webster’s, reforma agrária significa “medi-
das destinadas a efetuar uma distribuição mais justa de terras agrícolas, espe-
cialmente por meio de intervenções governamentais”. Como será observado ao
longo deste documento, as suas formas específicas dependem dos sistemas
de antes das reformas do domínio da terra, e de estruturas institucionais mais
amplas, bem como da dinâmica política que incentiva a reforma. Para os nos-
sos objetivos, é necessário incluir uma redistribuição de direitos à terra, dos
grandes proprietários de terras para beneficiar os pobres das áreas rurais, pro-
vendo a estes um acesso mais equânime e seguro à terra. As reformas agrárias
que lograram êxito, do ponto de vista dos pobres da zona rural, invariavelmente
continham um elemento de confisco, do ponto de vista dos grandes proprietá-
rios, que perderam parte de seus direitos e privilégios. A reforma agrária é,
necessariamente, um processo político. Se as relações de domínio da terra
forem realmente alteradas, de modo a beneficiar os colonos, os trabalhadores
sem terra ou camponeses, isto implica uma mudança nas relações de poder em
favor daqueles que trabalham fisicamente na terra, às custas daqueles que

378 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

primordialmente acumulam riquezas a partir de seu controle sobre a terra rural


e sobre o trabalho.1
O papel do Estado na reforma agrária é crucial. Isto porque o Estado
abrange a organização política institucionalizada da sociedade. O Estado arti-
cula e implementa as políticas públicas e arbitra os conflitos. Em tese, o Estado
detém o monopólio de usar, com legitimidade a força coerciva dentro de seu
território, juntamente com a responsabilidade de buscar o “bem público” para
todos os seus cidadãos. A reforma agrária sem a participação do Estado seria
uma contradição de termos. A forma de participação do Estado, em proveito de
quem, em detrimento de quem, e os papéis dos outros atores sociais, constitu-
em o tópico da presente investigação. No entanto, as respostas para essas
indagações são bem diferentes para cada tempo e lugar.

1.1 As percepções divergentes dos problemas agrários


O problema fundamental para os pobres rurais, dos países em desen-
volvimento é como manter ou melhorar a sua subsistência, que já é bem precá-
ria. Em boa parte dos países em desenvolvimento, uma grande proporção dos
habitantes das zonas rurais é vítima das fortes crises que acompanham a
comercialização da agricultura e das atividades econômicas associadas (Pierce
1980). Ao final do século XX, praticamente não existem mais comunidades
rurais que não tenham sido incorporadas, de uma maneira ou de outra, à rede
global de mercados mundiais e nacionais. A terra e o trabalho, cada vez mais,
são tratados como commodities a serem empregados “racionalmente” de modo a
maximizar os retornos monetários líquidos para os proprietários privados e
para o Estado. Isto desvia grandes extensões de terra, água e outros recursos
para usos comerciais, que estavam anteriormente disponíveis às atividades de
autoprovimento dos habitantes rurais.
Ao mesmo tempo, estão surgindo sistemas de produção intensivos de
capital nos países em desenvolvimento, que dependem fortemente de insumos
e equipamentos adquiridos externamente. Estes são, em sua maioria, fabrica-
dos no exterior, ou nos centros urbanos dos próprios países em desenvolvi-
mento. O mesmo ocorre com os novos bens de consumo e serviços, que vêm
substituindo rapidamente, ou complementando a tradicional alimentação local
e os produtos artesanais. Esses modernos sistemas agrícolas exigem muito

1
Reforma agrária significa coisas diferentes para pessoas diferentes, em diferentes circunstâncias. Para alguns, a privatização
de terras comunais ou do Estado, para torná-las disponíveis para usos comerciais, tais como a produção de safras para
exportação, é uma reforma agrária. Muitas autoridades apresentam definições mais restritivas, semelhantes às utilizadas
aqui. Por exemplo, “A Reforma Agrária abrange (1) o confisco compulsório da terra, em geral (a) pelo Estado, (b) pelos maiores
latifundiários, e (c) com indenização parcial; e (2) o cultivo da terra, de modo a espalhar os benefícios mais amplamente do
que eram difundidos antes do confisco. O Estado pode doar, vender ou alugar essa terra para o cultivo privado, em unidades
menores do que as antes existentes (reforma distributiva); ou a terra pode ser cultivada conjuntamente e o seu usufruto
compartilhado, por meio de cooperativas, ou cultivo coletivo, ou fazendas do Estado (reforma coletiva) – Lipton, 1973. As
restrições às reformas agrárias, impostas por estruturas agrárias diversas serão discutidas ao longo deste documento. Ver
também Ghai, Khan, Lee e Radwan, 1979.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 379
Solon L. Barraclough

menos mão-de-obra por unidade de produção e, freqüentemente, menos por


hectare do que exigiam os sistemas de produção rural que estão substituindo.
Os processos de alienação de terras, comercialização e modernização
foram acompanhados de um crescimento da população rural na maioria dos
países em desenvolvimento. Os tradicionais sistemas de subsistência rural em
geral ofereciam níveis de vida deploráveis, mas, diante da tripla pressão da
comercialização, modernização e crescimento populacional, esses sistemas
estão se deteriorando antes que oportunidades alternativas de emprego apare-
çam. Os salários rurais se deterioram enquanto que os aluguéis e outras obriga-
ções financeiras dos pobres das zonas rurais se tornam proibitivos. Os propri-
etários despejam seus inquilinos e trabalhadores. Muitos pequenos proprietá-
rios perdem as suas terras. Diante desse quadro, um grande número de trabalha-
dores rurais não vê outra alternativa senão a migração. Alguns se mudam para as
fronteiras, outros para áreas pouco povoadas e ecologicamente frágeis, não ade-
quadas para a agricultura sustentável. Muitos outros migram para as favelas urba-
nas em busca de emprego ou outras fontes de renda, não importando o grau de
incerteza que virão a enfrentar.
Obviamente, este ligeiro esboço dá o tom da crise de subsistência en-
frentada pelos pobres das zonas rurais com pinceladas muito amplas, mas não
há alternativa, quando se fala de mais de 100 países em desenvolvimento. Nos
lugares onde os direitos sobre a terra estão distribuídos de maneira relativa-
mente equânime, e onde os governos são sensíveis, de alguma forma, às neces-
sidades e aspirações dos pobres das zonas rurais, a crise pode ser evitada ou
atenuada, se existir, também, um crescimento econômico calcado em bases
amplas, que crie oportunidades alternativas de subsistência para as popula-
ções rurais pobres e desamparadas. Outros países, detentores de estruturas
agrárias extremamente desiguais, porém com rápido crescimento da renda,
conseguiram evitar a catástrofe por meio de uma combinação de repressão e
programas populistas. Porém, a crise de subsistência rural nos países em de-
senvolvimento esboçada aqui está mais disseminada do que muitos observa-
dores ousam admitir.
Os dados que ilustram a extensão da pobreza rural são brutos, mas
indicativos. O nanismo do crescimento infantil é um bom indicador da desnu-
trição crônica, associada à pobreza extrema. Estima-se que cerca de três quin-
tos de todas as crianças de até cinco anos no sul da Ásia, dois terços na África
subsaariana e um quinto na América Latina sofriam de problemas relacionados
ao crescimento, em 1990 (FAO – Tech 5, 1995).2 A maioria dessas crianças com
problemas de crescimento reside nas áreas rurais, em todas as três regiões.
Este fato é esperado no sul da Ásia e na África subsaariana, onde três quartos
de suas populações vivem em áreas rurais. Isto sugere que a pobreza extrema é
três vezes mais alta nas áreas rurais do que nas áreas urbanas. Os dados

2
Esses dados não são confiáveis para os países em desenvolvimento. A proporção mais alta de crianças subnutridas na Ásia
do que na África sub Saara pode ser explicada por estatísticas ruins (South Centre, 1997).

380 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

existentes também indicam que a má nutrição e a pobreza extremas são mais


pronunciadas nas áreas rurais da Ásia e da África, do que nas áreas urbanas
(Barraclough, Ghimire e Meliczek, 1997).
As políticas de Estado em quase a totalidade dos países em desenvolvi-
mento vêm incitando a incorporação das populações e dos recursos rurais aos
mercados nacionais e mundiais. Em alguns países, no entanto, o Estado ado-
tou estratégias baseadas nos camponeses, que impõem uma alta prioridade na
promoção de uma maior eqüidade entre a população rural e no crescimento
econômico fundado em bases amplas. Em muitos outros, a estratégia domi-
nante era meramente estimular o crescimento econômico. Muitos Estados pre-
dadores não deram nenhuma prioridade ao crescimento ou à eqüidade. Toda-
via, em todos os casos o Estado, cedo ou tarde incentivou a comercialização e
a modernização. Alguns dos fatores de economia política que determinam as
estratégias de Estado receberão alguma atenção, ao longo desta discussão.
Os agentes que formulam e administram as políticas estatais tendem a
enxergar o problema agrário de um prisma diferente dos pobres das zonas
rurais. Invariavelmente, os governos exigem quantidades crescentes de recur-
sos externos. De maneira geral, esses governos estão tentando “modernizar”
as suas economias. Isto implica na importação de caras tecnologias modernas,
juntamente com os insumos associados de bens e serviços. Eles também têm
que importar bens de consumo, para atender à demanda dos consumidores de
artigos de luxo, bem como às necessidades da população em crescimento.
Esses governos tentam equipar e manter exércitos e forças policiais, pagar o
serviço da dívida externa e interna e recompensar clientes, funcionários e mui-
tos outros, de modo a manter o apoio. Não é de se surpreender que os gover-
nos em geral vêem os problemas agrícolas, principalmente em termos de arre-
cadação de receitas e aumento da comercialização do excedente agrícola, dis-
poníveis para uso interno e para exportação. Quase sempre esses governos
buscam investimentos e ajudas externos. Eles também se empenham em inte-
grar os grupos rurais recalcitrantes, na adesão a programas oficiais e em sufo-
car ou reprimir as inquietações sociais.
As formas pelas quais os governos lidam com o que eles chamam de
múltiplos problemas agrários são determinadas, em boa parte, pelas circuns-
tâncias, pelas estruturas socioeconômicas ou pelo sistema político. As políti-
cas públicas são, inevitavelmente, fortemente influenciadas pelo discernimento
político sobre o que é factível, diante de interesses e demandas conflitantes,
entre os grupos de apoio e os adversários, potencialmente perigosos, que são
cruciais, tanto domesticamente, quanto externamente. Quem são esses gru-
pos, e qual será a sua influência relativa, dependerá das instituições sociais.
Em nome do desenvolvimento, as políticas estatais freqüentemente
promovem a alienação de terras, utilizadas para a subsistência dos pobres das
áreas rurais. Vastas áreas são apropriadas para plantações comerciais e fazendas.
Grandes extensões de terras são destacadas como reservas de caça, parques,

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 381
Solon L. Barraclough

ou outras áreas protegidas, freqüentemente com o objetivo de atrair mais turistas


e auxílio externo. São adjudicadas terras aos especuladores, às agroindústrias,
aos novos assentados e aos construtores, terras estas que poderiam continuar
em mãos dos residentes originais, que ali estavam, muito tempo antes da atual
nação ter sido criada. As políticas dos governos coloniais, de despejar ou
escravizar os nativos, como forma de prover o domínio seguro da terra e a mão-
de-obra barata para os colonizadores, eram, em geral, mais descaradas do que
as políticas dos governos dos estados nacionais que vieram a substituí-los,
embora houvesse muitas semelhanças entre as políticas que tratavam das
questões agrárias. Isto sugere que há um papel altamente contraditório do
Estado, no provimento de um acesso equânime e garantido à terra. Em geral, o
Estado se vê diante de duas opções: ou promove os interesses dos pobres
habitantes das zonas rurais, ou opta por apoiar os interesses de sua base de
apoio, atualmente mais poderosa. Os resultados, em geral, revelam
compromissos que beneficiam uma fração dos pobres das zonas rurais, mas
que prejudicam muitos outros.

1.2 A evolução dos sistemas de domínio de terras e as estruturas


agrárias
As relações de posse são fundamentais para a determinação de quem
ganha e quem perde, no processo de modernização, que incorpora as ques-
tões camponesas nas economias nacionais e no sistema mundial orientado
para o lucro. Todavia, a posse da terra, como a posse de qualquer outro ativo,
é essencialmente um subconjunto de relações sociais. Isto implica um pacote
de direitos e deveres, sancionados consuetudinariamente, ou por lei, que
regulam as relações entre os indivíduos, famílias ou grupos e classes sociais,
comunidades, entidades corporativas e o Estado, com relação ao acesso à
terra e a seus produtos. Já que o Estado moderno reivindica direitos exclusi-
vos para arbitrar os conflitos e para lançar mão do uso legítimo de forças
coercivas, nos limites de seu território, ele se torna, necessariamente, um ator
chave no sistema de domínio de terras.
O domínio de terras por vezes é classificado como regime de proprieda-
de privada, propriedade comum, propriedade do Estado, ou acesso aberto (não
há posse) – Bromley, 1989. Esta tipologia ajuda em algumas situações, embora
menos para outras. Na verdade, existe uma multiplicidade de direitos e obriga-
ções associados à posse e ocupação da terra. Na prática, estes direitos e obri-
gações assumem infinitas formas. A dicotomia simplista entre propriedade
pública e privada, freqüentemente usada tanto pelos neoliberais quanto pelos
marxistas, é perigosamente enganosa.
Os termos “sistemas de domínio de terras” e “sistemas agrários” são,
freqüentemente, usados para denotar o mesmo conceito. A distinção entre os
dois conceitos, feita pela FAO, entretanto, é útil, tanto para a exposição quanto
para a análise. Os sistemas de domínio de terras, conforme explicado acima,

382 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

são definidos pelas relações legais e consuetudinárias entre as partes que


usam a terra diretamente, ou se apropriam de seus produtos. Os sistemas
agrários referem-se ao arcabouço institucional mais amplo, dentro do qual
ocorrem as atividades agrícolas e outras atividades rurais relacionadas. Além
do domínio da terra, os sistemas agrários abrangem o crédito, a comercialização,
o processamento agrícola, a irrigação, assistência técnica e outras instituições
socioeconômicas e políticas, e políticas públicas, altamente relevantes para as
populações rurais. Os sistemas de domínio de terras constituem-se no âmago
das estruturas agrárias, pois consubstanciam, muito claramente, as relações de
poder no meio rural. Eles influenciam fortemente as instituições sociais com-
plementares que perfazem as estruturas agrárias.
As relações de domínio de terras, como outras instituições, estão em
constante mudança, embora a sua resistência a mudanças seja a característica
que as distinguem das políticas mais efêmeras (cursos de ação) do Estado e de
outros atores sociais. As instituições agrárias têm uma dimensão histórica, que
precisa ser compreendida pelos analistas e pelos formuladores de políticas,
caso estes desejem que as suas iniciativas sejam eficazes em atingirem os seus
objetivos. Maquiavel já havia advertido o seu príncipe de que os conflitos em
torno dos direitos de propriedade podem ser até mais duradouros do que as
disputas sangrentas resultantes de assassinatos. Os conflitos atuais entre Isra-
el e os Palestinos, ou Sérvios e Croatas, em torno de direitos sobre a terra são
exemplo disto. É imperativo que qualquer pessoa que esteja engajada na solu-
ção dos problemas agrários atuais, leve em consideração as suas raízes histó-
ricas e os seus caminhos evolutivos, em cada localidade e em cada país.3
Em todos os lugares, as autoridades coloniais perceberam que o contro-
le da terra e o controle sobre a mão-de-obra barata para trabalhar nos empreen-
dimentos coloniais devem caminhar juntos. Se as terras abundantes estives-
sem facilmente acessíveis para os trabalhadores cativos, para o seu próprio
cultivo, eles abandonariam a fazenda. Isto aumentaria os salários para a expor-
tação de commodities tornando-os mais caros e menos competitivos. Entretanto,
nos lugares onde a maioria das terras agricultáveis de boa qualidade já estava
sendo utilizada, e onde a mão-de-obra era abundante, como era o caso da Índia,
dos ingleses ou Java, dos holandeses, era mais lucrativo extrair um excedente
agrícola exportável dos camponeses, por meio de impostos e termos de comér-
cio desfavoráveis. Até mesmo em algumas regiões da África era mais lucrativo
forçar as populações nativas a cultivarem safras de exportação, mediante a
imposição de impostos individuais que tinham que ser pagos em dinheiro, o

3
Quase quatro décadas atrás, um conhecido aristocrata latino-americano, que era também um líder político, latifundiário,
industrial, financista e filantropo em seu país, me explicou que o domínio de vastas extensões de terras e a marginalização
das populações rurais eram o resultado de uma seleção darwiniana natural. Os agricultores mais capazes conseguiam ampliar
os seus domínios, enquanto que outros não conseguiam competir. Na opinião desse senhor, esta era a maneira que a natureza
escolhera para assegurar o progresso. Um exame dos processos que resultam em concentração de terras, entretanto, requer
diversas outras explicações. O domínio colonial, a exportação de commodities produzidas pelos escravos e outras formas de
trabalho forçado, e as instituições que surgiram para perpetuar esses modos de produção exploradora, certamente devem
entrar em qualquer explicação das atuais estruturas agrárias dos países em desenvolvimento.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 383
Solon L. Barraclough

qual só podia ser obtido com a produção de safras negociadas, ou com o


trabalho mal remunerado nos empreendimentos coloniais. Em todos os casos,
os fatores políticos e econômicos que geraram essa disseminada pobreza rural
eram mutuamente sustentados. Além disso, o Estado sempre desempenhou
um papel crucial. Assim também procederam outros atores, de fora, como os
investidores transnacionais e investidores internos, especuladores e agentes
dos poderes estrangeiros que competiam por poder e influência.
Nos países em desenvolvimento que nunca foram subjugados por
ricos poderes coloniais, ou o foram apenas por um breve período, como a
Etiópia, a Tailândia e a China, os processos que geraram a pobreza rural e os
camponeses sem-terra foram, em diversos aspectos, semelhantes aos pro-
cessos descritos acima. A ocupação militar e a anexação formal não eram pré-
requisitos para a incorporação ao sistema mundial, com um papel subordina-
do. As elites que surgiram internamente podiam controlar as terras rurais e a
mão-de-obra para o seu próprio proveito tão bem quanto as autoridades
coloniais, embora, em geral, essas elites contassem com o apoio de investi-
dores estrangeiros, mercadores, missionários e aventureiros. Como nas anti-
gas colônias, o crescimento da população rural e a degradação dos recursos
naturais contribuíram para a escassez de terras em algumas áreas, mas não
em outras. De qualquer modo, isto era mais um sintoma do tipo de “desenvol-
vimento” que esses estados buscavam, como era também a pobreza e de-
samparo que eles supostamente estavam provocando.
Caminhos históricos divergentes deram origem a sistemas de domínio
de terras que não têm, até certo ponto, nenhum paralelo, em cada localidade,
país ou região. Com inúmeras variações, três amplos padrões de relações de
domínio de terras surgiram nos países atualmente chamados em desenvolvi-
mento, na metade do século XX, quando foi criada a Organização das Nações
Unidas, e quando a maioria dos domínios coloniais estava prestes a obter a
independência. As estruturas agrárias desses países eram dominadas por um
desses três padrões de relação de domínio, mas, em muitos países, coexistiam
todos os três padrões. Durante a segunda metade do século, os sistemas de
domínio de terra e as estruturas agrárias em quase todos esses países sofreram
consideráveis modificações, pelos processos ligados à modernização econô-
mica, à globalização, mudanças demográficas e políticas, bem como por refor-
mas agrárias deliberadas, de um tipo ou de outro. Os fatores políticos e econô-
micos sempre estiveram intimamente interligados.
Os sistemas bimodais de latifúndio chegaram a dominar boa parte da Améri-
ca Latina, Caribe e o sul dos Estados Unidos, após a conquista e colonização
das Américas pelos europeus. Sistemas bimodais semelhantes surgiram em
diversos enclaves coloniais da África e da Ásia, e tornaram-se predominantes
em boa parte do sul da África e nas Filipinas. Nesses sistemas, as elites coloni-
ais organizavam a produção comercialmente lucrativa, voltada para a exporta-
ção e para o mercado doméstico, dentro de grandes propriedades administra-

384 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

das de modo centralizado. Essas propriedades eram cultivadas primordialmen-


te por escravos ou outros trabalhadores cativos. Também era comum que os
trabalhadores dessas propriedades cultivassem pequenas glebas para o seu
próprio sustento, dentro do latifúndio, ou em pequenas propriedades fora des-
te. Esses sistemas bimodais se caracterizavam freqüentemente por relações
sociais em castas, que tendiam a coincidir com as identidades étnicas. Essas
relações sociais persistiram até muito tempo depois que a escravatura e outras
formas de trabalho servil foram abolidos legalmente.
Os direitos civis e políticos dos sem-terra e dos desamparados eram, em
geral restritos. Os pequenos proprietários, em grande parte, detinham direitos
bastante frágeis sobre suas propriedades, bem como acesso desvantajoso aos
serviços, aos mercados, à infra-estrutura e aos subsídios públicos, que evolu-
íram primordialmente para beneficiar os grandes proprietários.
Nessas situações, as propostas de reforma agrária que redistribuem os
direitos à terra e os requisitos agrários a ela relacionados, voltados ao benefício dos
pobres das zonas rurais, têm o potencial de angariar apoio político importante, não
apenas dos beneficiários diretos, como também de outros grupos sociais. Os po-
tenciais agentes a favor dessas propostas incluem, entre outros, os sindicatos
profissionais urbanos, os oficiais nacionalistas do exército, ambientalistas, grupos
de direitos humanos, ativistas políticos, organismos internacionais de fomento,
políticos aspirantes, bem como comerciantes, empresários e outros que podem
achar que as suas próprias oportunidades estão limitadas pela monopolização dos
recursos rurais pelas oligarquias tradicionais.
O tipo de reforma que parece viável, entretanto, sempre dependerá de
circunstâncias particulares. Nos lugares onde grandes ou médias unidades
agrícolas mecanizadas, intensivas de capital, substituíram as grandes proprie-
dades tradicionalmente organizadas e utilizadas extensivamente, no controle
de boa parte da terra agrícola de boa qualidade, por exemplo, a subdivisão em
pequenas glebas familiares pode parecer menos atraente do que outras políti-
cas formuladas para melhorar a subsistência dos pobres das zonas rurais.
Todavia, a realização de melhorias no acesso e na qualidade dos serviços ru-
rais, melhores condições de trabalho, a observância dos direitos civis e outros
direitos humanos, a negociação coletiva, a criação de oportunidades alternati-
vas de emprego e de sistemas tributários progressivos, que beneficiam signifi-
cativamente os trabalhadores rurais sem-terra, é tão difícil, politicamente, quanto
redistribuir terras para essas pessoas.
Os sistemas agrários clientelistas de pequeno cultivo surgiram em boa parte do
sul da Ásia e da Ásia Oriental, antes da chegada dos colonizadores europeus.
Sistemas semelhantes surgiram em algumas partes do norte da África e do
Oriente Médio e na própria Europa feudal. A posse da terra era outorgada legal-
mente aos mandatários de impérios ou outros sistemas políticos semelhantes.
Surgiu uma teia complexa de direitos e deveres relacionados os direitos à terra,
juntamente com as obrigações dos subordinados políticos e das hierarquias

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 385
Solon L. Barraclough

eclesiásticas. A produção era em geral de responsabilidade de cultivadores


individuais e suas famílias, que desfrutavam um certo grau de autonomia em
suas decisões administrativas. Esses pequenos cultivadores, por sua vez, devi-
am obrigações em serviços pessoais e em espécie, ou outros tributos ao se-
nhorio, que forneciam proteção, bem como outros benefícios materiais ou
espirituais. Esses sistemas tributários, bastante difundidos, podem servir de
lembrete de que os “contratos sociais” que deram origem às nações-estado
modernas foram, em grande parte, coercivas.
As conquistas coloniais, em alguns lugares, e a mera penetração dos
mercados regionais e locais por mercadores e empresários apoiados pela supe-
rioridade militar dos poderes coloniais em outros, desviava parte dos tributos
agrícolas dos dirigentes locais para os forasteiros, aumentando ainda mais a
carga tributária dos pobres das zonas rurais. No todo, entretanto, mesmo de-
pois que as regiões agrícolas foram incorporadas aos mercados coloniais e
internacionais, os pequenos agricultores continuaram a trabalhar na terra, em
glebas operadas pelas famílias, sob diversos arranjos de arrendamento. A pos-
se da terra tornou-se freqüentemente muito concentrada, mas as unidades
operacionais permaneceram, em sua maioria, pequenas.
Nessas situações, a reforma agrária implicava principalmente conferir
aos arrendatários e outros pequenos agricultores, direitos mais equânimes e
seguros sobre a terra por eles cultivada, juntamente com um melhor acesso a
serviços, mercados e infra-estrutura. Instaurada a reforma agrária, foram esti-
muladas, pelo Estado, a formação de cooperativas e outras formas de esforço
coletivo, para reabilitar e melhorar a infra-estrutura agrária. Nos lugares onde
grande proporção da população rural era constituída de camponeses sem-ter-
ra, as instituições coletivas também proveram uma maneira de incorporá-los,
em termos mais equânimes. Todavia, os sistemas de pequenos produtores
demonstraram ser extraordinariamente elásticos. A maioria das grandes fazen-
das coletivas estabelecidas na China e no Vietnã, a partir da reforma agrária, por
exemplo, reverteram, eventualmente, para o cultivo em pequenas unidades por
famílias individuais, embora em bases mais justas do que antes da reforma.
Os sistemas de domínio comunal da terra continuam a desempenhar um papel
importante na regulação do acesso à terra e aos seus benefícios em boa parte da
África subsaariana. Esses sistemas também retêm um papel importante, embora
subordinado em algumas áreas marginais da Ásia e das Américas. Nesses siste-
mas, a terra é considerada como de propriedade comum do clã, grupo étnico, ou
outra comunidade que ocupa o território, embora o cultivo propriamente dito
seja feito pelos indivíduos e suas famílias. Aos forasteiros podem ser concedidos
alguns direitos de acesso; ou eles podem ser excluídos, mas isto implica o con-
sentimento da comunidade. Os direitos de usufruto dos indivíduos são outorga-
dos pelas autoridades da comunidade, com base na necessidade ou outros crité-
rios, ao passo que todos os membros da comunidade, mesmo os que haviam
partido, retêm direitos hereditários sobre a terra. Esses sistemas agrários consu-

386 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

etudinários perpetuam-se em muitas regiões, embora tenham sido formalmente


suplantados por leis coloniais e pós-coloniais que outorgaram a posse da terra
ao Estado ou a agentes privados.
Os códigos legais que regulam o domínio de terras, adotados pelos
países em desenvolvimento, foram em geral herdados da era colonial, ou copi-
ados de algum modelo de países desenvolvidos. Essas leis, com freqüência,
entravam em confronto com as normas agrárias consuetudinárias. Elas tam-
bém ficavam sujeitas a alterações pelo Estado, para atenderem às pressões
políticas, socioeconômicas e financeiras com que o Estado ou seus grupos de
apoio se defrontavam. As legislações agrárias dos Estados em geral guardavam
pouca identidade com as realidades sociais das áreas rurais, que ainda seguiam
os antigos padrões de domínio. As contradições entre os sistemas de domínio
comunal consuetudinário e os códigos legais adotados pelas novas nações-
estado eram, portanto, inevitáveis. Saber quais regras prevaleciam numa deter-
minada região e tempo dependia de circunstâncias particulares. Os sistemas de
domínio comunal consuetudinário eram subordinados às leis agrárias nacio-
nais, quando era de interesse desses novos estados nacionais. Essa situação
criou uma grande insegurança sobre a posse da terra, para os cultivadores
comunais, principalmente em boa parte da África subsaariana.
A reforma agrária, nessas situações, em geral é vista pelo Estado e seus
grupos de apoio, como uma imposição dos regimes de propriedade privada ou
estatal, sobre as comunidades atrasadas, que oferecem resistência à moderni-
zação. Muitos organismos internacionais e bilaterais de fomento compartilham
dessa visão. A maioria dos membros das comunidades rurais e de muitas ONGs,
entretanto, é mais passível de apoiar reformas agrárias que oferecem a perspec-
tiva de um reconhecimento efetivo pelo Estado dos direitos consuetudinários
e da restituição das terras alienadas às comunidades rurais.

1.3 A necessidade de reformar estruturas agrárias desiguais


A maioria dos pobres das zonas rurais dos países em desenvolvimento
é sem-terra, ou quase-sem-terra, mas em geral eles têm algum tipo de acesso a
terras agrícolas. São geralmente trabalhadores assalariados em tempo integral
ou trabalhadores sazonais, arrendatários de diversos tipos, grileiros ou peque-
nos proprietários com pequenas glebas e frágeis direitos de propriedade sobre
a terra.4 O principal problema enfrentado pelos pobres das zonas rurais são os
termos de acesso à terra e a outros requisitos para uma subsistência decente,
que oferecem pouca garantia, e são inseguros e desiguais. Muitos desses indi-
víduos não têm condições de produzir o suficiente para atender a suas neces-
sidades básicas. Outros produzem um excedente que é apropriado pelos pa-

4
Todas estas categorias de domínio de terras têm um significado diferente em contextos diferentes. Um pequeno agricultor
ou arrendatário, poderá ter direitos mais garantidos sobre a terra, bem como incentivos para investir em melhorias no Reino
Unido, por exemplo, do que o dono de uma pequena propriedade em muitos países em desenvolvimento.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 387
Solon L. Barraclough

trões, empregadores, credores, intermediários, coletores de taxas ou impostos,


e outros. Como resultado, os pobres das zonas rurais dos países em desenvol-
vimento em geral não têm condições de sustentar a si próprios e suas famílias,
com uma subsistência aceitável.5 Como essas pessoas não têm a oportunida-
de de encontrar subsistência em outros lugares, e o Estado raramente tem
condições de prover serviços sociais básicos, ou outro tipo de ajuda, a reforma
agrária é a única solução viável para combater essa pobreza aguda.
Existem muitas outras razões para se proceder a reformas agrárias, de-
pendendo de cada situação em particular. Os patrões podem ser consumistas
e ineficientes. Os pequenos proprietários em geral utilizam sua terra e seu
esforço mais intensivamente e com maior eficiência do que os grandes propri-
etários. A demanda crescente por bens de consumo, insumos e serviços, pelos
beneficiários da reforma agrária, pode estimular o desenvolvimento rural inte-
grado e mais sustentável. O controle altamente concentrado da terra é, geral-
mente, incompatível com os processos e instituições democráticos. As ques-
tões de eqüidade, segurança e subsistência aceitável para os pobres das zonas
rurais, entretanto, são sempre fundamentais.
O problema agrário subjacente em diversos países em desenvolvi-
mento atualmente não é muito diferente da situação da Europa Ocidental
do século XVIII. Um ilustre historiador o descreveu assim: “O problema agrá-
rio foi, portanto, o problema fundamental mundial do ano de 1789. E o
centro do problema agrário era a relação entre aqueles que cultivavam a
terra e aqueles que a possuíam, aqueles que produziam a riqueza e aqueles
que a acumulavam” – Hobsbawm 1962; 29.

1.4 Atores e questões: esboço do argumento deste documento


A reforma agrária necessariamente requer a participação dos indivíduos
a quem ela pretende beneficiar, bem como dos grandes proprietários que irão
perder parte dos direitos sobre suas terras, e do Estado, que é o provedor do
arcabouço legal da reforma. Como veremos adiante, sempre existem muitos
outros atores sociais quando se procede a reforma e quando se molda a sua
futura evolução. Algumas vezes, os outros atores têm muito mais influência do
que os sem-terra, ou os desamparados que supostamente se beneficiarão da
reforma, ou do que os latifundiários que sairão perdendo. O Estado sempre tem
um papel-chave a desempenhar, porque todas as partes envolvidas no final
buscarão avançar as suas próprias agendas, por meio de políticas públicas.

5
O que se constitui uma subsistência aceitável depende do tempo e do lugar. O conceito de pobreza sempre teve uma
dimensão relativa, em contraste com a riqueza e a prosperidade. Como um mínimo, uma subsistência aceitável deve
prover suficiente alimentação, abrigo e outras necessidades básicas para a sobrevivência e a reprodução. À medida que
as comunidades rurais são incorporadas aos estados-nação, em processo de modernização, e essas nações se incorporam
ao sistema mundial, a noção de subsistência aceitável nas comunidades rurais torna-se cada vez mais influenciada por
normas nacionais e internacionais.

388 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

Alguns dos potenciais grupos de apoio “externos” da reforma, como os


sindicatos de trabalhadores urbanos e profissionais, empresários e militares
nacionalistas, organismos internacionais de fomento, ONGs ambientalistas e
ONGs de direitos humanos, bem como alguns partidos políticos foram menci-
onados acima. Uma lista semelhante pode ser feita, com os agentes que poten-
cialmente se oporão às reformas. Muitos desses atores aparecerão em ambas
as listas. Não parece muito útil fazer listas hipotéticas, entretanto, antes de se
examinar quem são os principais atores sociais que influenciam as reformas,
em situações concretas. Teria que ser um pouco diferente, em cada caso, mas
essas listas em geral incluem tanto grupos internos quanto internacionais.
Alguns padrões amplos que são discerníveis serão mencionados mais tarde.
Uma revisão do papel do Estado e de outros atores sociais, em diversos
processos de reforma agrária da América Latina, durante as últimas décadas, é
um exercício instrutivo. Isso revela as pressões contraditórias sobre o Estado,
oriundas de diferentes grupos de apoio, com respeito à garantia do domínio e
ao acesso mais equânime à terra, os quais, por definição, são as questões
centrais da reforma agrária. Essa revisão indaga como as políticas públicas
contribuíram ou prejudicaram a mobilização popular e a organização dos po-
bres das zonas rurais, com o objetivo de realizar e consolidar arranjos de domí-
nio da terra mais equânimes. Quem foram os beneficiários, e em que termos eles
receberam o melhor acesso à terra? Como foram compensados os antigos donos
das terras? Que tipo de estrutura agrária surgiu? O Estado aparece como um ator
que desempenha um papel bastante contraditório. Além disso, o seu papel pode
mudar rapidamente, com as variações do poder relativo dos diferentes grupos
sociais, e das alianças entre esses grupos. Uma revisão dos papéis dos atores
principais, em cada caso, ajuda a focalizar a discussão.
A seção seguinte tenta retirar algumas generalizações sobre o papel do
Estado e de outros atores. Esta seção baseia-se em grande parte em casos latino-
americanos já discutidos, mas também faz referências a reformas agrárias efetuadas
na Ásia e em outras partes do mundo, para ilustrar muitas das conclusões.
A última seção deste documento especula ligeiramente sobre o papel
do Estado e de outros atores, durante os processos contemporâneos de
reforma agrária nos países em desenvolvimento. A transnacionalização das
atividades econômicas avançou rapidamente desde os anos cinqüenta. Tam-
bém evoluíram a urbanização e a diferenciação social na maioria dos países
em desenvolvimento. Muitas nações frágeis perderam boa parte de sua auto-
nomia para determinar os rumos do comércio nacional e as políticas monetá-
ria, fiscal e institucional, no contexto da nova ordem econômica global, que é
regulada pelos voláteis mercados financeiros e de commodities. Uma única
superpotência detém, atualmente, a supremacia militar, juntamente com uma
influência política e econômica predominante. As reformas agrárias do fim do
século XX ocorrerão, se realmente vierem a ocorrer, num contexto bem dife-
rente do contexto anterior. Este fato deve ser levado em consideração, ao se
avaliar os papéis dos atores potenciais. Como se pode melhorar ou atenuar

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 389
Solon L. Barraclough

as perspectivas sombrias que se configuram para a reforma agrária dos países


em desenvolvimento, mediante a atuação das organizações de base popular,
ONGs, corporações nacionais e transnacionais, partidos políticos, organis-
mos internacionais e agências bilaterais? As respostas a essas indagações
podem ser diferentes para cada país em desenvolvimento. De qualquer ma-
neira, elas são altamente especulativas.

2. A dinâmica de algumas reformas agrárias na América La-


tina, no século XX
Uma revisão de diversas grandes reformas agrárias do século XX revelou
que cada processo de reforma foi, até certo ponto, sem paralelo. As atuações
de diferentes grupos de camponeses, trabalhadores rurais e elites rurais
interagiram em contextos históricos muito específicos com a atuação do Esta-
do e de outros atores, internos e externos, na moldagem dos resultados. Os
processos sociais em curso são, invariavelmente, complexos demais para ex-
plicações simples, a menos que sejam, essencialmente, óbvios. De qualquer
forma, os conhecidos argumentos sociais, econômicos e administrativos,
comumente lançados em favor das reformas agrárias, ou em oposição a estas,
parecem ter tido impacto pouco significativo sobre os processos políticos que
determinaram o que realmente ocorreu (Barraclough, 1992).
Os casos discutidos aqui cobrem a América Latina, onde estive pro-
fundamente envolvido com questões de reforma agrária, desde o final dos
anos cinqüenta. As generalizações derivadas dessas experiências latino-ame-
ricanas são complementadas na seção seguinte, por referências a reformas
agrárias realizadas em alguns países da Ásia e da África. A ênfase é dada ao
papel dos atores principais.

2.1 México
Como foi dito no início, a primeira grande reforma agrária do século XX
ocorreu no México. A reforma agrária teve início em diversos estados mexica-
nos logo após o ano de 1910, e já tinha alcance nacional ao final dos anos
trinta. Entretanto, o domínio da terra continuou a ser uma questão política
central durante o restante do século. É um exercício instrutivo examinar mais
detidamente o caso mexicano, porque ele revela a complexidade dos proces-
sos de reforma agrária.
No período que antecedeu a revolução, mais da metade das terras agrí-
colas do país estava em mãos de cerca de 6.000 latifúndios com mais de 1.000
hectares cada um. Algumas dessas propriedades tinham mais de um milhão de
hectares. Essas grandes propriedades eram controladas por apenas umas mil
famílias ou corporações. Em 1910, a população total do país era de cerca de 16
milhões de habitantes, dois terços dos quais dedicados à agricultura. Para se ter

390 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

uma idéia do alcance das transformações sociais que ocorreram no país, é de


lembrar que, em 1995, a população do México já alcançara 94 milhões de habitan-
tes, dos quais apenas um quarto se dedicava a atividades agrícolas.
A maioria da população rural do México em 1910 era constituída de
camponeses sem-terra ou quase-sem-terra. Cerca de metade dessas pessoas
residiam dentro das grandes propriedades, às quais deviam pesados serviços
braçais, aluguéis ou parte de sua produção. A outra metade, quase em sua
totalidade, vivia em comunidades de pequenos proprietários, com direitos pre-
cários sobre pequenas frações de terra. Havia também milhares de produtores
privados (rancheros), cujas propriedades variavam de 100 a mais de 1.000 hectares.
Vale dizer que a qualidade da terra, altamente variável, e o acesso à água significa-
vam que, na melhor das hipóteses, esses indicadores de tamanho são apenas uma
medida grosseira da concentração de terras.
A concentração de terras em grandes latifúndios aumentou rapidamente
no México no final do século XIX e início do século XX. Os latifundiários haviam
incorporado muitas novas áreas que previamente eram consideradas legalmente
como de posse comunal ou do Estado, como também algumas pequenas glebas
que tinham posse privada. Os agricultores das terras comunais e outros
agricultores, dificilmente venderiam, de forma voluntária, a qualquer preço, as
suas terras e seus direitos sobre a água, das quais retiravam o seu sustento.
Sem condições de adquirir as terras e a água que necessitavam para a expansão
de suas atividades, os latifundiários as adquiriram por outros meios. Eles usaram
o seu grande poder socioeconômico e político para assegurar que o Estado era
seu cúmplice principal na apropriação de mais terras. As leis do Estado, o Poder
Judiciário, as forças policiais e as políticas econômicas, todos apoiavam as
agendas dos latifundiários. Como resultado, muitas comunidades camponesas
e pequenos proprietários privados perderam o acesso a uma parte ou a todos
os seus recursos, que eram consuetudinários havia décadas. A despeito do
crescimento econômico expressivo e da modernização, em nível nacional, a
maioria da população rural assistiu a uma deterioração de seus padrões de
vida, entre 1876 e 1910.
A agricultura de grande escala do México, antes da revolução, havia se
tornado crescentemente comercial. A produção de açúcar, algodão, café, gado
e outros, para os mercados domésticos e de exportação, crescia rapidamente e
se beneficiava da proteção e de subsídios do Estado. A produção de milho,
feijão e outros produtos básicos consumidos pelos pobres, ao contrário, de-
crescera, enquanto que o governo incentivava a importação desses produtos,
principalmente dos Estados Unidos. Novos investimentos na agroindústria,
em linhas de ferro, infra-estrutura urbana e rural e na mineração foram despeja-
dos no país, vindos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, mas não bene-
ficiaram a maioria dos pobres das zonas rurais. Isto criou um contexto recepti-
vo para o subseqüente processo revolucionário que deu origem à grande refor-
ma agrária (Hansen, 1971; Herzog, 1960).

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 391
Solon L. Barraclough

O regime autoritário de Diaz havia exercido o poder de estado


impiedosamente, mas com habilidade para avançar a agenda de modernização
dos investidores ricos e latifundiários. O governo central forjou alianças políti-
cas complexas em cada um dos estados e localidades mexicanos, que recom-
pensavam os líderes que cooperavam com seu programa, e eliminavam ou
marginalizavam aqueles que não cooperavam. Os latifundiários tinham tudo o
que queriam, ao preço de ter que aceitar alguns programas populistas e lideran-
ças políticas incrustadas nas estruturas locais de poder, as quais incluíam
comunidades indígenas e mestiças. Isto ajudava a controlar a inquietação no
campo. Tecnocratas de alto nível (los científicos) tinham grande influência na for-
mulação e na administração das políticas de Estado, em nível nacional. Estes
eram em geral advogados, engenheiros e economistas, com educação apurada,
oriundos da elite mexicana, de origem predominantemente européia. A execu-
ção dos programas, no entanto, era confiada aos notáveis e aos técnicos com
ligações familiares com as comunidades ou com os latifundiários.
A revolução mexicana começou em 1910 e terminou oficialmente com a
adoção de uma nova constituição em 1917. No entanto, o novo sistema políti-
co não se estabilizou até o final dos anos trinta, quando o Partido Revolucioná-
rio Institucional (PRI) consolidou o seu controle sobre o Estado mexicano e
sobre setores-chave da sociedade civil em todos os níveis, em todo o país. A
revolução começou como uma briga de poder entre as elites, detonada por uma
disputa em torno da reeleição ou não do velho ditador, para o pleito de 1910,
que vislumbrava o inevitável fim de seu regime de 34 anos.
O que começou com alguns conflitos menores, evoluiu e se transfor-
mou numa grande explosão social. Isto foi facilitado, quando facções das
elites em disputa buscaram apoio popular para reforçar seu poder de barga-
nha. Em alguns estados, camponeses armados tiraram proveito da divisão de
autoridade do governo central para recuperar as terras comunais e invadirem
as haciendas. A sublevação camponesa foi particularmente intensa no estado
sulista de Morelos, onde as tradições indígenas comunais eram fortes e onde
a expansão dos latifúndios, que usurparam as terras, tinha sido feita de forma
muito agressiva, gerando intensos conflitos (Womack, 1969; Warman, 1976).
Por volta de 1916, os exércitos camponeses liderados por Emiliano Zapata
haviam ocupado a maioria dos grandes latifúndios e redistribuído as terras
para as comunidades camponesas que as haviam perdido anteriormente. Ao
norte, entretanto, onde as influências dos Estados Unidos eram mais pronun-
ciadas, e de onde se originava a contestação ao regime de Díaz, as tradições
indígenas eram bem mais frágeis. Ali, as reivindicações dos camponeses pela
devolução das terras usurpadas eram secundárias, e tinham menor importân-
cia quando comparadas a reivindicações por melhores salários e condições
de trabalho, bem como por condições mais justas para o estabelecimento de
fazendas comerciais privadas, ou outras oportunidades para o desenvolvi-
mento social e econômico (Hansen, 1971).

392 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

A constituição de 1917 estabeleceu a supremacia do Estado, como


representante do interesse público sobre a propriedade privada, legitimando
desta forma a desapropriação e a redistribuição da terra. Essa concessão às
forças e aos ideais revolucionários camponeses, entretanto, foi implementada
apenas nos lugares onde os camponeses armados precisavam ser pacificados.
Embora a nova lei de reforma agrária tenha sido promulgada em 1922, apenas
cerca de oito milhões de hectares haviam sido redistribuídos legalmente em
1934, no início da administração de Cárdenas.
O governo Cárdenas defrontou-se com desemprego generalizado e ren-
da em declínio, em decorrência da grande depressão dos anos trinta. A coalizão
populista desse governo mobilizou os camponeses e os trabalhadores urba-
nos, e também setores importantes da classe média a apoiarem um grande
espectro de reformas sociais. Aproximadamente dois quintos das terras
agricultáveis do México (cerca de 18 milhões de hectares) foram desapropria-
das durante o período compreendido entre 1934 e 1940 (Hansen, 1971). Em
1940, a reforma agrária já havia incluído cerca de metade das terras agrícolas do
país e tinham beneficiado mais da metade de seus pobres das zonas rurais. A
terra foi redistribuída para os arrendatários, trabalhadores e camponeses em
forma de ejidos* comunitários. Essas glebas eram de posse comunal, mas a
maior parte delas era cultivada em pequenas frações por famílias individuais.
Surgiram também alguns empreendimentos ejido bem-sucedidos, com apoio do
governo. Dentre estes, os que mais se destacaram foram os ejidos produtores de
algodão, localizados da região árida de Laguna, ao norte do país (Restrepo e
Eckstein, 1975; Alcântara, 1997).
Em geral, os beneficiários das reformas agrárias no México não precisa-
vam pagar pela terra que lhes era concedida, e o antigo proprietário não era
indenizado. O Estado assumia o compromisso de prover crédito, assistência
técnica, comercialização e serviços sociais aos camponeses. Um dos objetivos
das comunidades camponesas insurgentes, bem como das coalizões progres-
sistas que apoiavam o governo Cárdenas, era tornar os ejidos em unidades
democraticamente autogeridas por seus membros, com a maior autonomia
possível. Foi este o raciocínio empregado ao se criar um banco ejido, para aten-
der aos beneficiários da reforma agrária, de modo que estes não precisassem
competir pelos escassos recursos públicos com os fazendeiros comerciais
mais abastados e letrados. A administração Cárdenas conferiu prioridade alta
aos camponeses na alocação de crédito, investimentos em infra-estrutura e
provisão de serviços sociais. Muitos observadores verificaram ganhos econô-
micos, sociais e políticos muito significativos pelos pobres das zonas rurais,
decorrentes da reforma de Cárdenas.
Os principais atores na realização da reforma foram os ativistas cam-
poneses e o Estado. Todavia, o papel do Estado após 1910 foi vacilante e
contraditório, dependente de alianças instáveis e de mudanças no poder rela-
tivo entre os seus grupos de apoio. As políticas estatais tornaram-se pro-

* Nota do tradutor – Ejido: no México, é a terra agrícola comunal de um vilarejo, em geral alocada em pequenas frações aos
camponeses, para serem cultivadas dentro de um sistema de domínio comum, financiado pelo governo federal.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 393
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gressivamente menos orientadas para os camponeses a partir de 1940. A


Segunda Guerra Mundial trouxe o aquecimento do mercado norte-americano
para produtos exportados pelo México e para seus trabalhadores migrantes,
juntamente com a restrição severa a muitos bens importados. O México teve
que se tornar mais auto-suficiente. Isto implicou que outros setores da soci-
edade mexicana, como os industriais, fazendeiros comerciais, a classe média
urbana, os trabalhadores e os financistas domésticos tornaram-se cada vez
mais influentes. O rápido crescimento econômico dos Estados Unidos, Euro-
pa e Japão, no período pós-guerra, deu origem a mercados em expansão, que
acentuaram essas tendências do período de guerra. A urbanização ocorreu
rapidamente e o turismo tornou-se uma fonte importante de moeda estran-
geira, juntamente com os investimentos externos. A disponibilidade renova-
da de produtos industrializados importados e outros bens, após 1945, veio
acompanhada de quotas tarifárias e outras restrições destinadas a proteger
as indústrias domésticas e os fazendeiros.
Os regimes pós-Cárdenas deram continuidade à expropriação de terras
e sua redistribuição, embora principalmente terras de má qualidade, para aten-
der a problemas sociais localizados e pressões clientelistas dos poderosos
grupos de apoio. Os camponeses e confederações de trabalhadores afiliados
ao PRI tornaram-se, progressivamente, instrumentos de controle social e políti-
co e distanciaram-se cada vez mais de suas organizações semi-autônomas que
representavam seus interesses. O controle virtual do crédito, dos canais de
mercado e da assistência técnica, exercido pelo Estado, era freqüentemente
usado para controlar e dividir os camponeses. Os sucessivos regimes encabe-
çados pelo PRI após 1940 deram condições ao país de experimentar quatro
décadas de rápido crescimento econômico e relativa paz interna, mas o grosso
do campesinato, mais uma vez, ficou marginalizado. Em muitos aspectos, a
estratégia de desenvolvimento e os instrumentos políticos utilizados para
implementá-la, nos anos oitenta, assemelhou-se ao regime de Díaz, de quase
um século atrás. As diferenças, entretanto, eram fundamentais, pois o país
havia se tornado predominantemente urbano, relativamente industrializado e,
à exceção de algumas regiões, como Chiapas, os pobres habitantes das zonas
rurais não estavam mais à mercê da tradicional elite rural, dominada pelos
donos de algumas grandes propriedades. A reforma agrária, apesar de todas as
suas deficiências e ambigüidades, tinha dado a sua grande contribuição para a
realização dessas mudanças.
A campanha bem-sucedida de Francisco Madero para derrubar Díaz, no
início da revolução, foi parcialmente organizada e financiada com a ajuda de
aliados nos Estados Unidos. O exército dos Estados Unidos interveio duas
vezes durante os conflitos revolucionários, mas, ao contrário do que aconte-
ceu mais tarde na Guatemala, Chile e Nicarágua, os Estados Unidos não tenta-
ram interromper a reforma agrária. Na verdade, a administração do presidente
Roosevelt era simpatizante da reforma, durante o período Cárdenas.

394 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

Diversos atores externos, além do Estado, dos camponeses e das fac-


ções políticas e partidos políticos, deram uma contribuição importante à pro-
moção e à consolidação da reforma agrária. O papel dos professores das
escolas rurais foi crucial articulação das demandas e aspirações dos campo-
neses semi-analfabetos. Um desses professores escreveu o Plan de Ayala dos
guerrilheiros zapatistas, que serviu como um manifesto poderoso do movi-
mento agrário, no início da revolução. Dedicados advogados idealistas, agrô-
nomos e diversos outros atores trabalharam com os camponeses ativistas
durante o período da reforma. Os artistas e intelectuais urbanos eram particu-
larmente atuantes, nos anos vinte e trinta, no apoio à reforma. O apoio dos
sindicatos de trabalhadores aos camponeses foi, freqüentemente, decisivo
no desenvolvimento da reforma agrária. Muitos jornalistas, escritores e pes-
quisadores desempenharam o importante papel de informar a opinião públi-
ca, interna e externa, sobre a natureza dos conflitos sociais por trás da violên-
cia revolucionária. Durante o período Cárdenas, a liga de agrônomos socialis-
tas forneceu assistência técnica valiosa a muitos ejidos em todo o país, princi-
palmente os ejidos coletivos. Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra,
inúmeras ONGs, domésticas e estrangeiras ajudaram os camponeses com
advocacia, pesquisa e assistência técnica. A partir de 1950, as agências inter-
nacionais e bilaterais de fomento também proveram assistência a projetos de
desenvolvimento rural, embora em escala menor que a ajuda prestada a mui-
tos outros países em desenvolvimento.

2.2 Bolívia
Na Bolívia, a reforma agrária assemelhou-se, em muitos aspectos, à
reforma agrária inicial instaurada no México. A revolução boliviana de 1951-
52 foi o resultado de muitas décadas de controle instável do Estado por
facções oligárquicas rivais, aliadas a diversos grupos de profissionais ou
outros grupos sociais emergentes. Quando o candidato exilado do partido
nacionalista revolucionário (MNR) recebeu uma pluralidade de votos (de um
eleitorado muito restrito, de base urbana) em 1951, a eleição foi anulada. O
MNR mobilizou o apoio do poderoso e militante sindicato dos mineiros, dos
trabalhadores urbanos, dos oficiais militares nacionalistas e de alguns seto-
res camponeses. Este movimento culminou num levante popular, que trouxe
o MNR de volta ao poder em 1952, uma década depois de haver sido forçado
a sair pelas facções mais tradicionais dos grandes latifundiários, dos donos
das minas e da oligarquia militar.
O MNR havia feito promessas um tanto vagas e populistas de conceder
terras para os camponeses e para as populações indígenas, que eram fortemen-
te reprimidas, bem como para o grupo minoritário rural dos Cholos (mestiços),
que viviam em condições um pouco melhores. Os Cholos das áreas rurais fala-
vam espanhol e haviam adotado costumes urbanos, o que facilitou o seu papel
de intermediários entre a elite urbana, de ascendência predominantemente euro-

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 395
Solon L. Barraclough

péia, e a população indígena rural, que perfazia a maioria. A maioria dos índios
constituía-se de servos nas grandes propriedades, ou moravam em comunida-
des indígenas, que haviam perdido suas melhores terras para os latifúndios.
Desde o período colonial eles não gozavam de direitos civis e eram privados de
educação formal, como ditava a política do Estado. Em meados do século XX,
muitos deles já haviam tido contato com novas idéias e aspirações, mediante o
trabalho forçado nas minas, que eram fortemente sindicalizadas, convocações
para o serviço militar, durante a dispendiosa guerra Chaco com o Paraguai, nos
anos trinta, contatos com escolas de missionários e diversos outros canais.
Após o rompimento do poder de estado tradicional, durante a revolu-
ção, os camponeses organizados passaram a ocupar as grandes proprieda-
des e queimaram muitas sedes de fazendas nas áreas rurais. Em outras áreas,
os proprietários dessas haciendas, apavorados, simplesmente abandonavam
as suas propriedades rurais. Em 1961, por exemplo, visitei uma grande pro-
priedade abandonada perto de Cochabamba, com um antropólogo peruano
que falava quíchua. As construções da fazenda estavam todas intactas, como
também estavam os estoques de maquinaria agrícola, que permaneciam
intocadas em seus armazéns. Parte da propriedade havia sido retomada por
uma comunidade indígena vizinha, ao passo que o resto fora dividido pelos
peões da propriedade e outros arrendatários residentes em glebas pequenas
de agricultura familiar de subsistência, mantendo boa parte dos pastos para
uso comum. Esses camponeses nos disseram que nunca tinham sido visita-
dos por nenhum funcionário do governo para tratar de questões agrárias,
desde a revolução, dez anos antes.
A legislação de reforma agrária de 1953 promoveu a desapropriação de
grandes propriedades mal administradas e a desapropriação parcial de outras
grandes propriedades rurais, para redistribuí-las entre os camponeses. Sob
muitos aspectos, isto foi apenas o reconhecimento legal de um processo de
reforma agrária de fato, que já havia ocorrido ou estava em curso. A provisão de
registros legais da terra aos beneficiários da reforma agrária nem sequer havia
começado, na maioria dos lugares, até o início dos anos sessenta. Em algumas
áreas ainda não se completou. A reforma foi barata para o Estado, em termos
financeiros, porque, anteriormente os camponeses já cultivavam as mesmas
terras, nas mesmas condições que depois da reforma. Os principais benefícios
para os camponeses foram que eles não mais eram obrigados a repassar parte
de sua produção, juntamente com serviços braçais aos representantes
dos latifundiários e que, agora, eles tinham maior independência e
dignidade humana.
Durante os anos cinqüenta, as grandes propriedades, que abrangiam
mais da metade das terras agrícolas da Bolívia, localizadas, em sua maior parte
nas altas planícies e vales, foram tomadas por seus arrendatários residentes e
comunidades próximas. Mais da metade dos pobres das zonas rurais do país
receberam melhor acesso à terra. Em termos globais, a produção de alimentos

396 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

aumentou durante a reforma, mas a oferta de alimentos nas cidades diminuiu,


à medida que muitos dos produtores camponeses aumentaram seu consumo.
A produção de alimentos poderia ter aumentado muito mais do que aumentou
após a reforma, se tivesse contado com o apoio das políticas do Estado. A
pronta disponibilidade de alimentos baratos, altamente subsidiados, importa-
dos dos Estados Unidos e mais tarde da Europa, entretanto, tornou desneces-
sária a formulação de uma estratégia de desenvolvimento para o campo, após a
revolução e a reforma. A maior parte dos investimentos públicos e privados na
agricultura, em meados dos anos cinqüenta, destinou-se a uns poucos grandes
produtores agroindustriais da região amazônica da Bolívia, que haviam sido
pouco afetados pela reforma agrária. As organizações camponesas eram com
freqüência infiltradas ou aliciadas, para objetivos políticos. Os antigos donos
de propriedades, que retiveram parte de suas propriedades, em geral consegui-
ram reconstruir novas redes clientelistas. A grande realização da reforma foi a
de que a maioria indígena do país passou a ser, pela primeira vez, desde a
conquista espanhola, cidadãos completos, com direitos formais ao voto, à
educação básica e à posse relativamente segura, comunal ou individual, da
terra. E essa realização não é de se desprezar.
Como no México, muitos outros atores influenciaram a reforma agrária e
a sua conseqüência. As organizações camponesas, os sindicatos e o Estado,
entretanto, foram os protagonistas principais. As agências internacionais e
bilaterais de fomento eram atuantes na Bolívia, depois da reforma agrária. Como
foi visto acima, algumas vezes suas políticas impunham conseqüências nega-
tivas aos camponeses. Durante os anos oitenta, as ONGs nacionais e interna-
cionais tornaram-se muito atuantes em muitas áreas rurais. Algumas delas
ajudaram a atenuar os impactos negativos sobre os pobres das zonas rurais,
impostos pelo programa de ajuste estrutural patrocinado pelo Banco Mundial e
o FMI, iniciado em 1985. O número de ONGs registradas oficialmente aumen-
tou de 100 para mais de 500, entre 1980 e o começo dos anos noventa. Algu-
mas dessas organizações desempenhavam papéis construtivos de treinamen-
to, assistência técnica e advocacia para as causas camponesas. Muitas, entre-
tanto, patrocinavam projetos de pequeno porte em comunidades rurais, que
impunham poucos impactos positivos, enquanto que os salários da equipe e
outros custos operacionais dessas ONGs absorviam a maior parte de seus
recursos. As atividades das ONGs freqüentemente ajudavam a cooptar a
oposição política para as políticas neoliberais do Estado, que prejudicavam
boa parte da população do campo. Desta forma, muitas ONGs ajudara
a legitimar a estratégia de desenvolvimento dominante, que era contrá-
ria aos camponeses.

2.3 Guatemala
As reformas sociais que concederam direitos mínimos, legais e políti-
cos, às populações rurais, de maioria indígena do país, começaram com a admi-

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 397
Solon L. Barraclough

nistração de Arevelo em 1944, a partir do colapso da longa ditadura de Ubico.


Isto representou uma mudança muito importante nas políticas históricas do
Estado, caracterizadas pela repressão severa à população indígena. Essas re-
formas foram fortemente instigadas por setores da classe média urbana e tam-
bém por alguns elementos progressistas do exército, que tinham sido anterior-
mente aliados muito próximos das oligarquias latifundiárias tradicionais. O
controle do Estado pelos latifundiários havia sido severamente enfraquecido
durante a Segunda Guerra Mundial, com a perda de seus mercados de exporta-
ção de café para a Alemanha e perda de investimentos alemães para a produção
de café, bem como pela nacionalização de muitas plantações de café em mãos
dos alemães, em resposta a pressões dos Estados Unidos.
Em 1952, o regime de Arbenz, democraticamente eleito, decretou a
reforma agrária. Essa reforma agrária foi em parte motivada por um desejo
da nova administração de modernizar o país mais rapidamente, em moldes
inspirados na experiência do México, onde muitos cidadãos guatemaltecos
progressistas haviam sido exilados durante o regime de Ubico. Também, o
governo buscava ampliar sua base popular, incluindo a maioria camponesa
predominantemente indígena entre seus grupos de apoio. As terras, tanto
aquelas em mãos de latifundiários privados quanto as de propriedade pú-
blica, foram redistribuídas aos camponeses agricultores em pequenas glebas.
O Estado tentou prover crédito aos camponeses, acesso aos mercados e
assistência técnica. Os latifundiários foram indenizados com títulos do
Estado, altamente desvalorizados. Cerca de 40% dos pobres das zonas ru-
rais receberam terras entre 1952 e 1954. A reforma foi bem tranqüila e a
produção de alimentos cresceu rapidamente.
Essa reforma agrária, no entanto, teve vida curta. Foram expropriadas as
vastas terras pertencentes à United Fruit Company, uma firma norte-americana.
Esse fato contribuiu para aumentar a preocupação do governo dos Estados
Unidos, em plena guerra fria, de que ocorreria uma possível disseminação de
governos com tendências marxistas na América Latina. Além disso, o Secretá-
rio de Estado e o chefe da CIA tinham ligações muito estreitas com a United Fruit
Company. O governo norte-americano planejou e deu apoio ao golpe militar na
Guatemala, ocorrido em 1954. Um oficial da aeronáutica americana me contou,
dez anos depois, que tinha sido enviado à Guatemala em 1953 para ajudar a
preparar o golpe. Depois de um ano de trabalho ele reportou-se aos seus supe-
riores e disse que estava tudo pronto e o plano teria êxito, embora, baseado em
sua experiência no país, ele acreditasse que a derrubada do reformista Arbenz
era contrária aos interesses norte-americanos. Como recompensa, ele foi ime-
diatamente transferido para as frentes de batalha da guerra da Coréia.
O golpe teve êxito e o novo regime militar anulou a reforma agrária. A
terra desapropriada foi devolvida aos seus antigos donos. As organizações
camponesas e de trabalhadores foram severamente reprimidas. Nos anos no-
venta, cerca de 3% dos donos de terras agrícolas na Guatemala controlavam

398 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

cerca de dois terços dessas terras. Cerca de 90% das populações rurais, de
maioria indígena era sem-terra ou quase-sem-terra. A prolongada e sangrenta
guerra civil que se seguiu após 1954 deixou um saldo de 150 mil mortos e
muitos outros desaparecidos ou exilados. Esse caro conflito foi em parte devi-
do à reversão da reforma agrária instaurada na administração de Arbenz.
As militâncias camponesas desempenharam um papel bem menor na
reforma de Arbenz do que havia desempenhado no México ou na Bolívia. As
demandas latentes e os ressentimentos dos camponeses, no entanto, foram
um importante fator de convencimento dos líderes políticos de que a reforma
iria atrair o importante apoio do campo. Os intelectuais progressistas, bem
como alguns militares reformados, entre os quais estava Arbenz, tiveram muita
influência na promoção da reforma agrária. Da mesma forma, tiveram influência
os líderes sindicais e profissionais, incluindo os agrônomos e os professores.
Após o golpe militar de 1954, os setores progressistas da Igreja Católi-
ca, bem como inúmeras agências nacionais e internacionais e ONGs denunci-
aram os abusos impostos aos camponeses, a um alto custo pessoal e
institucional. No entanto, muitas dessas ONGs e agências internacionais apoi-
avam tacitamente a repressão aos protestos dos camponeses. A intervenção
do governo norte-americano foi decisiva para desfazer a reforma agrária de
Arbenz e reforçar o subseqüente regime de repressão. Bem mais tarde, em
1977, as Nações Unidas, com o apoio dos Estados Unidos, ajudaram a negoci-
ar um frágil acordo de paz, embora sem reforma agrária.

2.4 Porto Rico


Nos anos quarenta, Porto Rico ainda era um território dos Estados Uni-
dos, conquistado na guerra hispano-americana ocorrida meio século antes. As
inquietações no campo eram endêmicas, nessa pequena ilha densamente po-
voada. Sua agricultura era dominada por latifúndios de grandes corporações,
que produziam açúcar para o protegido mercado norte-americano. Nos anos
trinta, cerca de três quartos da população dependia, direta ou indiretamente, da
produção de açúcar para sua subsistência. Como resultado disso, a ilha tor-
nou-se fortemente dependente de importações de alimentos dos Estados Uni-
dos. O “New Deal” (Novo Pacto) dos EUA influenciou muito as políticas america-
nas em Porto Rico. A legislação desse novo pacto estendeu a proteção america-
na aos direitos civis e ao trabalho à população da ilha, e tentou realizar uma
distribuição mais equânime da renda. Os nacionalistas porto-riquenhos faziam
campanha, às vezes violentamente, pela independência completa, enquanto
que o partido republicano conservador de Porto Rico reivindicava a ascensão à
condição de estado americano. O governo norte-americano apoiava o partido
popular democrático liderado por Luís Muñoz Marin, em suas demandas por
reformas econômicas e sociais inspiradas no New Deal, juntamente com uma
maior autonomia para a ilha, embora mantendo-a atrelada aos Estados Unidos,
tornando o seu povo cidadãos norte-americanos.

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 399
Solon L. Barraclough

O governo dos EUA e o partido popular democrático de Muñoz apoia-


ram uma reforma agrária um tanto radical, ao final dos anos quarenta. As gran-
des companhias açucareiras foram expropriadas (com indenização) e transfor-
madas em fazendas lucrativas administradas pelos trabalhadores. Além disso,
uma parte significativa da população rural recebeu o registro de pequenas glebas
para casa com quintal. Nos EUA, o apoio político a essas políticas americanas
veio dos sindicatos de trabalhadores e outros aliados progressistas dos gover-
nos Roosevelt e Truman. Da mesma forma, a reforma agrária obteve apoio dos
produtores de açúcar do Havaí e de Louisiana, que competiam com os produ-
tores de açúcar de Porto Rico, cujo produto era mais barato, devido à proteção
do mercado norte-americano.
A reforma agrária contribuiu para o grande e duradouro apoio popular
ao partido de Muñoz Marin, durante e depois da transição da ilha à condição de
membro da federação norte-americana, em 1950. No entanto, as fazendas pro-
porcionais dirigidas ao lucro, raramente auferiam lucros, à medida que a produ-
ção de açúcar foi perdendo a competitividade. Os outros países caribenhos
produtores de açúcar, como Cuba, não sofriam as limitações das leis trabalhis-
tas norte-americanas, e os seus canavieiros tinham poucas alternativas de sub-
sistência. As oportunidades de trabalho na indústria e em outras atividades
urbanas se expandiam em Porto Rico, e estavam ao alcance dos porto-riquenhos
pela facilidade de emigração para os EUA. A distribuição de pequenas glebas
com casa e quintal às famílias rurais, como resultado da reforma agrária, era
popular entre os porto-riquenhos. A população rural passou a reconhecer, de
forma crescente, que o único caminho a seguir, em direção a uma melhoria
socioeconômica, era a obtenção de um emprego urbano ou a migração para os
EUA, mas não a agricultora. A partir do momento em que a família tinha garan-
tido o registro de posse de um pequeno terreno com uma casa, era bem mais
fácil para os membros mais jovens buscarem empregos em outros lugares.
Após a reforma agrária, Porto Rico continuou a depender fortemente
das importações de alimentos e de transferências de receitas dos EUA. A
produção de açúcar declinou, da mesma forma que desmoronou boa parte da
produção agrícola de exportação, enquanto que a ilha se tornava cada vez
mais integrada aos Estados Unidos. Apesar do declínio do setor agrícola, a
reforma agrária da ilha foi um tremendo sucesso político para os seus
instigadores. A produção agrícola teria se deteriorado de qualquer forma,
dentro do contexto internacional, mas sem a reforma agrária os impactos
sociais negativos teriam sido bem mais severos.

2.5 Cuba
Nos anos cinqüenta, Cuba era ainda mais dependente da exportação de
açúcar do que Porto Rico tinha sido nos anos trinta. Não apenas o controle das
terras agrícolas era amplamente monopolizado por uns poucos indivíduos ou
corporações, domésticos ou estrangeiros, mas também as válvulas de escape

400 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

de emigração para os EUA, e as transferências de receitas norte-americanas


para os pobres das zonas rurais haviam sido interrompidas. Ao invés de uma
administração colonial, relativamente voltada às preocupações sociais, como
ocorreu no Porto Rico nos anos trinta e quarenta, o estado cubano tinha sido
administrado por uma seqüência de administradores corruptos, que herdaram
o poder depois que as forças de ocupação norte-americanas abandonaram a
ilha quarenta anos antes.
As forças revolucionárias cubanas que triunfaram em 1959 tinham o
amplo apoio dos camponeses, trabalhadores, intelectuais e profissionais, bem
como de muitos outros setores da sociedade cubana. Não é de se surpreender
que a reforma agrária tenha obtido prioridade alta das forças revolucionárias
lideradas por Fidel Castro. Essas forças revolucionárias eram protegidas e rece-
beram a adesão dos camponeses da região de Oriente, durante muitos meses,
até o colapso da ditadura de Fulgêncio Batista.
A primeira reforma agrária cubana foi um tanto branda, se comparada às
reformas empreendidas no México e na Bolívia, pois apenas as propriedades
muito grandes foram desapropriadas. Quando os Estados Unidos reagiram com
o embargo comercial, todas as propriedades de norte-americanos foram desa-
propriadas. Na segunda reforma agrária, aquelas acima de 67 hectares foram
tomadas pelo Estado. Três quartos das terras agrícolas do país já haviam sido
desapropriadas em 1964. A maior parte delas foi concedida aos trabalhadores
residentes como cooperativas. Logo depois elas foram transformadas em fa-
zendas do Estado. Entretanto, mais de um quarto da terra agrícola permaneceu
em mãos de agricultores individuais ou de suas pequenas cooperativas.
A inclusão da maior parte da terra desapropriada em grandes fazendas
estatais foi, em parte, uma conseqüência da estrutura agrária existente antes
da reforma. As plantações de cana-de-açúcar e muitas grandes fazendas eram
unidades operacionais modernas e integradas, com investimento pesado em
maquinaria, irrigação e infra-estrutura. Os trabalhadores dessas fazendas não
eram agricultores camponeses, mas primordialmente trabalhadores industri-
ais. Uma das fazendas estatais que eu visitei em 1972 havia recebido recente-
mente equipamentos industriais de laticínios da Checoslováquia. Um exame
de suas contas indicou que a produtividade do trabalhador não tinha aumen-
tado, em razão do grande investimento. Em discussões que tive sobre esse
paradoxo, com o conselho de administração da empresa, descobri que os
trabalhadores tinham decidido reduzir sua carga horária de um expediente
diário de 12 horas para dois expedientes de sete, quando receberam aquele
equipamento que economizava tempo. Tal fato estava de acordo com as ex-
periências e aspirações dos trabalhadores industriais, porém não com as dos
agricultores camponeses.
A produção agrícola cubana declinou nos anos sessenta e depois cres-
ceu a patamares médios idênticos aos da América Latina nos anos setenta e
começo dos anos oitenta. A ajuda maciça do bloco soviético compensou parci-

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 401
Solon L. Barraclough

almente o embargo comercial dos EUA, e foi suficiente para dar suporte a uma
economia em expansão e melhores níveis de vida para a maioria dos cubanos.
Quando o comércio e a ajuda da União Soviética cessaram após 1989, a agricul-
tura cubana e o resto da economia entraram em severa recessão. A pobreza
extrema no meio rural tinha sido virtualmente eliminada em Cuba, após a refor-
ma agrária. Todos os cidadãos tinham direito a um suprimento básico de ali-
mentos, bem como a serviços de saúde e educação de boa qualidade. Após o
colapso da URSS, entretanto, a falta de insumos importados, como ração para
o gado, combustíveis, produtos químicos e peças de reposição, causou uma
queda drástica da produção agrícola. Numa tentativa de aumentar a eficiência e
os incentivos, os mercados de agricultores passaram a ser legais em 1993. Mais
da metade das terras das fazendas estatais foi doada a cooperativas de produ-
ção menores, no que veio a ser uma nova reforma agrária. Essa e outras refor-
mas ajudaram a deter o declínio da produção, mas a situação permanecia críti-
ca, devido, em grande parte, à reduzida capacidade de importar, acentuada pelo
embargo dos EUA. A dependência de alimentos importados chegava a mais de
um terço do consumo antes da revolução. Essa dependência aumentou para
mais da metade no começo nos anos oitenta. Níveis semelhantes de depen-
dência em alimentos importados foram observados na maioria dos países insu-
lares caribenhos, nos anos setenta e oitenta. Em Cuba, em 1996, a redução do
nível de consumo de alimentos chegou perto de 40%. Esse alto nível de depen-
dência em alimentos importados não foi resultado da reforma agrária, mas o
resultado de uma estratégia de desenvolvimento que conferiu alta prioridade à
promoção da produção do açúcar e outras safras de exportação, em detrimento
da agricultura de pequeno porte. Como vimos acima, uma dependência de
alimentos importados foi também verificada em Porto Rico nos anos trinta.
O Estado e os pobres das zonas rurais foram os principais atores que
deram início à reforma agrária cubana. As políticas do partido dirigente, a URSS
e os EUA, entretanto, tiveram influência decisiva na evolução da reforma agrá-
ria. As políticas desses atores “externos”, no entanto, determinaram, em parte,
as flutuações dos padrões de vida e a produtividade dos beneficiários da refor-
ma agrária desde 1964.

2.6 Venezuela
A reforma agrária ocorrida no início dos anos sessenta foi negociada
pelo novo governo, eleito democraticamente, que substituiu a prolongada e
brutal ditadura militar. A reforma agrária havia sido precedida por protestos
generalizados das ligas camponesas, que contribuíram para a queda do
regime autoritário anterior. Um quarto dos trabalhadores rurais sem-terra
ganhou fazendas de cerca de 10 hectares cada, o que perfazia aproximada-
mente um décimo das terras agricultáveis do país. Metade da terra alocada
aos camponeses era expropriada de grandes latifúndios e outra metade era
terra de propriedade do Estado.

402 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

A Venezuela do início dos anos sessenta estava em processo de tran-


sição de uma economia de base agrícola para uma sociedade urbana, cuja
economia se baseava fortemente na exportação de petróleo. A receita do
petróleo permitiu ao Estado minimizar a oposição à reforma agrária, indeni-
zando generosamente os grandes latifundiários expropriados, e provendo
créditos vantajosos, infra-estrutura e serviços aos beneficiários da reforma
agrária. Eu visitei grandes latifúndios expropriados nos anos sessenta, onde
os próprios proprietários haviam deliberadamente incitado a organização de
greves e protestos pelos seus colonos, de modo a se tornarem elegíveis à
expropriação de seus domínios e, assim, receber a indenização do Estado, a
preços mais altos que os de mercado.
Essa reforma bem financiada, vantajosa para o mercado, entretanto, não
teve muito êxito na redução nem da pobreza rural, nem no estímulo ao aumento
da produção agrícola. Boa parte da pobreza rural mais grave localizava-se em
áreas pouco afetadas pela reforma agrária. Muitos dos beneficiários da reforma
agrária logo abandonaram seus domínios para buscar rendas mais altas na
economia urbana em expansão, baseada no estímulo à exportação do petróleo.
A segurança alimentar aumentou para aqueles que ganharam acesso à terra
com a reforma, mas o impacto da reforma agrária foi em parte anulado com a
súbita alta do petróleo nos anos sessenta e setenta e, mais tarde com o colapso
dos preços do petróleo nos anos oitenta.
As ligas camponesas aliadas aos partidos políticos que buscavam apoio
no campo foram os atores principais na instauração dessa reforma agrária.
Outros atores eram os grupos progressistas da Igreja, os sindicatos, aos ONGs,
diversos profissionais e intelectuais, bem como as organizações internacionais
e bilaterais. A competição das elites internas por poder e o declínio relativo da
influência dos grandes latifundiários numa economia crescentemente urbana e
baseada no petróleo, dominada por corporações transnacionais, facilitaram,
em muito a reforma agrária receptiva ao mercado. Todavia, a reforma agrária
teve relativamente pouco impacto socioeconômico e político, quando compa-
rada às reformas agrárias do México, Bolívia e Cuba.

2.7 Chile
A política eleitoral foi um mecanismo importante que empurrou a refor-
ma agrária no Chile de um começo tímido para um clímax radical, que implicou
em modificações profundas na estrutura agrária. Uma contra-reforma realizada
depois de 1973 veio acompanhada de outras mudanças estruturais.
Grande parte do Chile rural dos anos cinqüenta ainda era dominada
por grandes latifundiários, muitos dos quais mantinham relações quase feu-
dais com seus colonos, trabalhadores e pequenos proprietários das vizi-
nhanças. Três décadas mais tarde, a maior parte da agricultura chilena era
controlada por fazendeiros capitalistas que usavam tecnologias intensivas

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 403
Solon L. Barraclough

de capital cada vez mais modernas, empregando principalmente trabalhado-


res assalariados não-residentes. Embora muitas dessas fazendas comerciais
ainda fossem muito grandes, a maior parte da terra de boa qualidade era
gerida por médios proprietários ou por fazendas familiares. Ainda existia um
número considerável de camponeses sem-terra, embora fosse um número
significativamente menor, tanto em termos proporcionais quanto em termos
absolutos, do que antes da reforma agrária.
Estive profundamente envolvido com as questões de reforma agrária do
Chile, entre 1959 e 1973, primeiro na FAO, como especialista de políticas agrá-
rias, e depois de 1964, como coordenador de um projeto de assistência técnica
da FAO/Pnud, formulado para dar apoio ao Instituto Chileno de Pesquisa e
Treinamento em Reforma Agrária (Icira), que foi um dos atores do processo de
reforma agrária. Todos os participantes e observadores têm suas próprias inter-
pretações dos papéis desempenhados pelos diversos atores, mas muitos de
nós tendemos a concordar com alguns pontos-chave. O que se segue, é claro,
são minhas próprias opiniões.
A posse da terra no Chile antes das reformas agrárias dos anos sessenta
e setenta, permanecia altamente concentrada em grandes latifúndios. Mais de
80% da terra agrícola do país pertenciam a apenas cerca de 10 mil propriedades
em 1955. Os donos dessas vastas propriedades representariam apenas 3% do
número total de famílias rurais (a maioria desses grandes latifundiários, entre-
tanto, era ausente e residia permanentemente ou parte do tempo em áreas
urbanas), ao se presumir um dono separado para cada propriedade. Entretanto,
muitas propriedades pertenciam ao mesmo dono, ou a membros da mesma
família, o que tornava a real concentração de posse muito maior.
A concentração legal de posse de terra nos anos cinqüenta era a
praticamente a mesma existente antes da reforma agrária no México, Bolí-
via, Cuba e diversos outros países latino-americanos. O domínio quase
feudal dos grandes latifundiários sobre a população rural, entretanto, já
havia começado a corroer-se desde meados dos anos vinte. A resistência
passiva ao domínio do latifundiário sobre o campo era em geral
complementada por greves e outras formas de protesto aberto, principal-
mente pelos trabalhadores que haviam retornado de trabalhos temporários
nas minas de nitrato sindicalizadas, ou em centros urbanos.
Sob pressão exercida pelos sindicatos, grupos da classe média e parti-
dos de esquerda, em 1931, o Chile adotou uma lei trabalhista nacional inspira-
da nos padrões da ILO. A confederação dos grandes proprietários (SNA) resistiu
violentamente, e em parte com êxito, à extensão dos dispositivos dessa lei aos
trabalhadores rurais. Ainda assim, a lei abriu caminho legal para que os traba-
lhadores rurais, com o apoio dos partidos de esquerda e outros aliados, pressi-
onassem pela obtenção de direitos mais amplos, como a proteção contra de-
missões arbitrárias, pagamento em dinheiro por parte de seus serviços e uma
menor hiperexploração, pelos latifundiários, das esposas e filhos dos traba-

404 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

lhadores, bem como o direito de formar sindicatos ou ligas de camponeses. Em


algumas ocasiões eles obtiveram êxito em resistir às exigências dos patrões. Os
resultados dos conflitos rurais dependiam muito das alianças políticas do mo-
mento, que apoiavam o governo nacional. Por volta dos anos cinqüenta, apesar
das muitas vicissitudes nos destinos daqueles que lutavam por direitos mais
amplos para os pobres das zonas rurais, o domínio privado da terra não tinha
mais o mesmo grau de poder arbitrário, exercido no passado pelos grandes
latifundiários (Loveman, 1976; Affonso, Gómez, Klein e Ramírez, 1970).
Ao mesmo tempo, uma nova classe de fazendeiros empreendedores
surgia lentamente, em muitas regiões agrícolas. Esses fazendeiros capitalistas
em geral consideravam mais lucrativo adotar tecnologias modernas intensivas
de capital, empregar mão-de-obra não-residente, paga em dinheiro (um efeito
dúbio para os trabalhadores, devido à persistente inflação), e subdividir as
grandes propriedades em unidades operacionais menores. Alguns desses fa-
zendeiros eram membros de antigas famílias de latifundiários, mas outros eram
recém-chegados, ligados aos mercados emergentes e às agroindústrias. Nos
anos cinqüenta e sessenta, o SNA já não representava apenas os grandes lati-
fundiários, mas também os modernos fazendeiros comerciais, que
freqüentemente tinham opiniões divergentes sobre as prioridades. Os fazen-
deiros comerciais tendiam a ser menos hostis do que os latifundiários a pa-
drões trabalhistas ou outras modificações dos direitos arbitrários tradicionais
ligados à posse privada de grandes propriedades. Alguns desses fazendeiros
comerciais, de grande e médio porte, apoiaram uma reforma agrária limitada,
voltada ao fracionamento dos grandes e tradicionais latifúndios quase feudais.
Desde o final do século XIX, a oligarquia chilena utilizava instituições
democráticas formais, tais como eleições populares para presidente e para o
legislativo, para resolver os muitos conflitos entre as elites em torno do contro-
le sobre os recursos do Estado e da patronagem. Houve diversas interrupções
de processos eleitorais, mas, para padrões latino-americanos, o Chile, durante
seis décadas do século XX, conseguiu abrigar um dos poucos sistemas políti-
cos pluripartidários do continente. O eleitorado era cortejado pelos partidos
políticos e pelos líderes populistas (que freqüentemente compravam seus vo-
tos). Entretanto, até a reforma eleitoral de 1958, que introduziu o voto secreto
para os trabalhadores rurais, a oligarquia da terra controlava efetivamente os
votos de seus trabalhadores, colonos e outros clientes.
Nesse contexto, houve a contribuição da competição eleitoral para gan-
hos políticos e socioeconômicos por parte das classes populares e classe
média urbana, embora em muito menor grau para as classes pobres das zonas
rurais. As exportações de minérios eram a principal fonte de moeda estrangeira,
desde o final do século XIX. No início dos anos cinqüenta, mais de dois terços
da população era classificada como sendo urbana. Os sindicatos profissionais
e comerciais haviam sido legalizados e eram bem organizados e influentes, nas
cidades e nas minas. Entretanto, na agricultura, os sindicatos de trabalhadores
e outras formas de organizações camponesas permaneceram virtualmente ile-

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 405
Solon L. Barraclough

gais até meados dos anos sessenta. Os serviços públicos, como escolas e
postos de saúde penetraram o campo muito lentamente, em comparação com
seu rápido crescimento nas cidades e vilas. Mesmo assim, em 1950, estavam
bem disseminados em muitos vilarejos e pequenas localidades rurais, o que
significa que estava se estabelecendo uma presença crescente da burocracia
do governo central nas áreas rurais, que os latifundiários tinham dificuldade de
controlar. Greves e outras formas de conflito entre os patrões e seus traba-
lhadores, bem como com membros das comunidades de pequenos propri-
etários, surgiram mais cedo, durante a administração da frente popular do
final dos anos trinta. Isso levou eventualmente à declaração da ilegalidade
do partido comunista entre 1948 e 1958. Entretanto, a repressão não con-
seguiu sufocar as greves rurais e os conflitos, já que o partido comunista
continuava a agir clandestinamente, enquanto que outros partidos de es-
querda e sindicatos afiliados agitavam e se organizavam mais abertamente
nas áreas rurais. Além disso, no início dos anos cinqüenta, elementos pro-
gressistas da Igreja Católica também apoiavam as demandas camponesas
por melhores salários, melhores condições de trabalho e serviços sociais,
bem como um acesso mais justo à terra.
O governo Ibáñez, mais aberto, voltou a legalizar o partido comunista em
1958. O governo também introduziu a reforma eleitoral rural proposta pelos
Democratas Cristãos, com apoio dos partidos de esquerda e de centro. As elei-
ções gerais e presidencial daquele ano resultaram numa competição acirrada
entre três facções, os partidos de direita, cujo candidato mal ganhou uma
pluralidade, os candidatos Democratas Cristãos e os da frente popular de esquer-
da (FRAP). O bom desempenho da coalizão socialista-comunista nas áreas rurais
revelou que os grandes latifundiários não mais detinham o controle sobre os
votos dos seus colonos e trabalhadores. Os Democratas Cristãos e a FRAP havi-
am prometido a reforma agrária. Além disso, um candidato populista de última
hora mal obteve alguns votos da FRAP, para lhe negar a pluralidade. A eleição
deixou as classes abastadas perplexas, bem como muitos investidores estrangei-
ros e a embaixada norte-americana. A coalizão conservadora venceu a eleição
para presidente por estreita margem, em 1958. Ela conseguiu apenas um terço do
voto popular, embora os outros dois terços tivessem votado em candidatos favo-
ráveis a algum tipo de reforma agrária.
A primeira tímida legislação de reforma agrária tinha sido promulgada
em 1928, após muitos anos de manifestações camponesas e outros sinais de
inquietação social no meio rural. A agência de colonização agrícola (Caja de
Colonización Agrícola) foi estabelecida com a missão de criar assentamentos ru-
rais de pequenos agricultores, para absorver os trabalhadores rurais desempre-
gados e outros que demandavam melhor acesso à terra. A Caja foi autorizada a
adquirir propriedades colocadas à venda, para subdividi-las em unidades fami-
liares menores e vendê-las a preços vantajosos aos assentados, que tinham
acesso ao crédito e infra-estrutura, juntamente com assistência técnica e de
comercialização. A Caja também tinha autoridade legal para expropriar deter-

406 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

minadas propriedades abandonadas ou mal administradas, mas esses poderes


não foram usados, pois nunca chegou a ter fundos suficientes para adquirir e
subdividir mais do que uma fração das terras disponíveis no mercado e terras
que já pertenciam ao Estado. A partir da sua criação, em 1928, até a lei de
reforma agrária de 1962, a Caja tinha assentado cerca de 3.500 beneficiários –
uma média de cerca de 100 colonos por ano, muitos dos quais não eram sem-
terra. Essa agência de reforma agrária orientada para o mercado, não conseguiu
ir ao centro da questão agrária, mas ela realmente deu ao Chile mais de três
décadas de experiência em programas de assentamento, bem como um
arcabouço legal e institucional rudimentar para as reformas agrárias subse-
qüentes que ocorreram nos anos sessenta e setenta. Ela também estabeleceu o
princípio de intervenção estatal de transferir os direitos sobre as propriedades
agrícolas dos latifundiários para os pequenos produtores.
O governo Alessandri promulgou uma reforma agrária em 1962. Ele deu
condições ao Estado de desapropriar terras ociosas ou mal administradas, bem
como diversas outras categorias de terra, tais como partes das terras irrigadas
por projetos financiados com recursos públicos, terras em mãos de companhi-
as estatais e terras consideradas essenciais ao interesse público por causa de
valores ambientais, e a sua redistribuição em “unidades econômicas” aos pe-
quenos agricultores. A lei também permitia o pagamento parcial em dinheiro
aos proprietários expropriados, com o restante a ser pago em títulos do gover-
no. Isto exigia uma emenda constitucional, que só foi aprovada em 1963.
A reforma agrária de 1962 não resultou em muita redistribuição durante
os dois anos restantes do mandato de Alessandri. Nenhuma propriedade mal
administrada foi realmente expropriada. Os latifúndios que foram vendidos
voluntariamente por seus donos em geral recebiam preços abaixo do pedido,
mas muito acima do valor de avaliação. Algumas grandes propriedades em
mãos das companhias estatais também foram subdividas. Parte dessas propri-
edades adquiridas e das terras dos órgãos públicos foram concedidas a
beneficiários em “unidades econômicas” estimadas como suficientes para o
estabelecimento de fazendas familiares lucrativas. Parte da terra foi subdividi-
da em unidades comerciais maiores e outras áreas foram alocadas aos antigos
trabalhadores e colonos da propriedade, em glebas de subsistência com casa e
quintal, onde os novos proprietários continuavam a depender do trabalho as-
salariado para prover a maior parte de sua subsistência.
De um total projetado de 12.000 beneficiários entre 1962 e 1964, ape-
nas pouco mais de 1.000 pessoas realmente receberam terras. Isto levou mui-
tos observadores críticos, inclusive este autor, a qualificar a reforma agrária de
“reforma vaso de flores”. Os críticos, no entanto, não reconheceram a impor-
tância da reforma de Alessandri. Essa reforma institucionalizou legalmente inú-
meras mudanças fundamentais nas relações de poder do meio rural, que seri-
am posteriormente utilizadas pelo governo Cristão Democrata que o sucedeu,
para implementar um programa de reforma agrária bem mais radical. A lei de

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1962 transformou a agência de colonização agrícola em corporação para a


reforma agrária (Cora), com poderes legais para proceder a desapropriações
com pagamentos futuros. Uma agência paralela (Indap) foi criada para prover
crédito e assistência aos pequenos proprietários, que constituíam uma parte
importante dos pobres das zonas rurais. Foram instituídos tribunais agrários
para arbitrar os conflitos entre os latifundiários desapropriados e o Estado. A
reforma agrária de Alessandri logrou mudanças pequenas no domínio das ter-
ras, entre 1962 e 1964, mas abriu o caminho para uma reforma agrária muito
mais profunda, quando o Estado percebeu ser imperativo assim proceder.
Os atores principais que contribuíram para a realização dessa pri-
meira reforma agrária incluíam grupos diversificados de camponeses e tra-
balhadores rurais, ativistas ligados aos sindicatos urbanos e aos partidos
políticos de esquerda, bem como setores progressistas da Igreja católica.
Uma ONG ligada à Igreja (Improa) deu início a uma reforma agrária piloto,
subdividindo terras da Igreja em 1960. Essas experiências foram incorpora-
das mais tarde ao projeto de reforma dos Cristãos Democratas.
O temor da derrota, nas eleições de 1964, levou a coalizão governis-
ta de centro-direita e os partidos políticos de centro a levar muito a sério a
defesa da reforma agrária defendida pelos seus opositores, e a tentar minar
seu apoio popular, avançando em suas próprias propostas. Nisso, eles fo-
ram ajudados pelas divergências entre os grandes proprietários e mais ain-
da pelos seus aliados de base urbana sobre se seria desejável defender o
sistema latifundiário tradicional.
Outro fator que levou a reformas mais radicais foi uma mudança das
políticas dos Estados Unidos. O recém-inaugurado governo Kennedy, em 1960,
estava alarmado com o êxito inicial da revolução cubana e pelo apoio angariado
na América Latina. O governo americano deu início à “Aliança para o Progresso”,
formulada para incentivar reformas sociais na América Latina, que pudessem
antecipar-se preventivamente a movimentos revolucionários. Os Estados Uni-
dos prometeram ajuda financeira de peso para programas reformistas, inclusi-
ve programas de reforma agrária.
A “Declaração de Punta del Este”, que lançou a Aliança para o Progresso
reconheceu a necessidade de reformar “estruturas injustas de domínio e uso
de terras, com vistas a eliminar os latifúndios e diminuir as posses, por meio de
um sistema equânime de domínio de terras, de modo que (...) a terra se torne,
para o homem que a cultiva, a base de sua estabilidade econômica, o funda-
mento de seu bem-estar, e a garantia de sua liberdade e dignidade.” Essas
palavras foram redigidas por delegados do México, Venezuela, Bolívia e Brasil,
sendo que todos eles haviam experimentado ou antecipado reformas agrárias
radicais em seus próprios países. Entretanto, a declaração teve que ser aprova-
da por todos os governos membros da OEA, inclusive os Estados Unidos, Cuba
e países dominados por oligarquias latifundiárias como o Peru. Por acaso, eu
fui o relator da Comissão de Punta del Este que elaborou essa resolução sobre

408 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

a reforma agrária, e posso atestar as dificuldades de se encontrar a terminologia


adequada. A declaração não obrigou nenhum dos signatários a efetuar ações
concretas, mas conferiu uma certa legitimidade internacional para os agentes
dos países membros defensores da reforma agrária. Ela também assegurou o
incentivo para um aumento da ajuda americana. Não há dúvida que esses fato-
res desempenharam papel importante na decisão do governo Alessandri de
adotar a lei de reforma agrária de 1962 e a lei mais radical de 1967, do governo
Democrata Cristão que o sucedeu.
Os Democratas Cristãos, liderados por Eduardo Frei, só conseguiram
ganhar as eleições presidenciais chilenas de 1964 com o apoio dos partidos de
centro e centro-direita que constituíram o governo anterior de Alessandri. Eles
haviam sido persuadidos a apoiar a candidatura de Frei, apesar de sua promes-
sa de reforma agrária e outras reformas radicais, devido à alta probabilidade de
que a coalizão comunista/socialista venceria o pleito, caso a direita resolvesse
lançar candidato próprio. Os diplomatas norte-americanos e os investidores
estrangeiros tiveram um papel importante nas manobras políticas que conduzi-
ram os Democratas Cristãos a ganharem a eleição em 1964.
O novo governo introduziu legislação destinada a reformar o sistema
de domínio de terras do país muito mais drasticamente do que foi permitido
pela reforma agrária de Alessandri. As propriedades com mais de 80 hectares,
com terras irrigadas de boa qualidade, ficaram sujeitas à desapropriação, mas
seus proprietários podiam reservar até 40 hectares para si. A lei também
introduziu um novo código trabalhista para facilitar a organização de sindica-
tos de trabalhadores rurais e de camponeses e para melhorar os padrões de
trabalho e os serviços sociais no campo. Enquanto essas leis estavam sendo
elaboradas e debatidas, o governo implementou a legislação existente por
inteiro, para avançar a reforma agrária. A lei de reforma agrária de Alessandri
foi usada para expropriar cerca de 500 grandes propriedades privadas, aguar-
dando a aprovação da nova lei de reforma agrária. Diversas propriedades
ainda em mãos de órgãos públicos foram designadas para programas de re-
forma agrária. O Indap incentivou agressivamente os pequenos proprietários,
as cooperativas e associações, provendo assistência técnica e crédito. Os
inspetores do Ministério do Trabalho foram instruídos a fazer cumprir a
regulação sobre as propriedades rurais e a investigar as reclamações dos
trabalhadores e camponeses. A polícia não mais estava prontamente disponí-
vel para dissolver manifestações de grevistas rurais ou desmantelar sindica-
tos de trabalhadores rurais, por solicitação dos proprietários. As novas leis
trabalhistas e agrárias só foram adotadas em 1967, mas antes disso, um
programa de reforma agrária mais radical estava avançando a pleno vapor.
Em 1970, mais de 1.300 grandes propriedades, compreendendo mais
de três milhões de hectares, tinham sido desapropriadas, beneficiando cerca
de 20 mil trabalhadores e camponeses. Esse número, no entanto, era apenas
um quinto do número de beneficiários incluídos nas promessas do governo
Frei em sua campanha eleitoral. Além disso, o Estado não tinha programas

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 409
Solon L. Barraclough

claros referentes à nova estrutura de domínio de terras que surgiria com essa
reforma. Como medida de transição, a maioria das propriedades desapropri-
adas era administrada conjuntamente por representantes da corporação de
reforma agrária e por comitês eleitos por seus antigos colonos e trabalhado-
res. Essas unidades administrativas, ou assentamentos, em geral coincidi-
am com as propriedades desapropriadas. Depois de um período de transi-
ção de aproximadamente cinco anos, era dada a opção aos colonos e traba-
lhadores beneficiários de receber o registro legal da terra em propriedades
cooperativas ou em domínios individuais. Nos lugares onde os trabalhado-
res e colonos eram bem organizados, com liderança dinâmica, eles
freqüentemente tinham participação importante na gestão do assentamen-
to. Em outras propriedades desapropriadas, entretanto, os funcionários da
Cora desempenhavam o papel dominante.
A coalizão Unidade Popular (UP), de comunistas, socialistas e outros
partidos de esquerda, ganhou, por pequena margem, a eleição presidencial
de 1970. Ao contrário de 1964, ambos os partidos de direita e os Democra-
tas Cristãos haviam lançado candidatos próprios. A UP angariou enorme
apoio nas áreas rurais, com suas promessas de reformas agrárias mais rápi-
das e radicais. No entanto, o governo Allende não detinha maioria no poder
legislativo, o que queria dizer que ele não conseguia promulgar leis para
implementar o programa “socialista”. O governo decidiu então explorar, ao
máximo possível, a reforma agrária e a lei trabalhista, já em curso, A coalizão
UP promoveu, vigorosamente, a mobilização política e a organização dos
trabalhadores rurais e camponeses e apoiou suas reivindicações por terra.
Em dois anos, o governo desapropriou praticamente todas as grandes pro-
priedades remanescentes. Além disso, o número de filiados aos sindicatos
rurais, que já tinha se expandido de uns poucos milhares para 140 mil no
período 1964-1970, pulou para 210 mil em 1972.
O governo Allende enfrentou o mesmo dilema de seu antecessor, de
como transferir a terra desapropriada para um campesinato socialmente dife-
renciado e parcialmente mobilizado. As propriedades desapropriadas
totalizavam cerca de 36% das terras agrícolas do país e eram responsáveis
por 30% da produção agrícola total, mas empregavam apenas cerca de um
quinto do total da mão-de-obra agrícola. Boa parte desses trabalhadores não
residia na propriedade desapropriada, mas em comunidades rurais com terra
insuficiente para seu autoprovimento. Esses trabalhadores em tempo parcial
e outros muitos pequenos proprietários perfaziam cerca de três quintos da
população agrícola. Além disso, alguns residentes das propriedades cultiva-
vam as pequenas áreas, a eles alocadas temporariamente, como pagamento
parcial por se trabalho na propriedade. Muitos outros não tinham nenhum
acesso a terra para seu próprio uso e outros compartilhavam colheitas ou
alugavam frações das terras do latifúndio para produzir especialmente para o
mercado. A maioria das propriedades tinha infra-estrutura centralizada, tais
como sistemas de irrigação, construções e maquinaria que não poderiam ser

410 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

prontamente subdivididos, para a utilização por fazendas familiares. As dife-


rentes categorias de trabalhadores das propriedades tendiam a ter opiniões
divergentes sobre se a terra deveria ser subdivida em parcelas de tamanho
familiar ou administradas conjuntamente por cooperativas administradas
pelos trabalhadores. Os trabalhadores que residiam em outras partes tam-
bém desejavam receber terras, mas os residentes das propriedades ofereciam
resistência em aceitar gente de fora como beneficiário. Essas diferenças de
interesses eram freqüentemente reforçadas por posições ideológicas toma-
das por partidos políticos e facções dentro destes.
A resposta da UP a esses conflitos de interesses e percepções foi essen-
cialmente a mesma dos Democratas Cristãos no período anterior. As proprieda-
des desapropriadas eram administradas conjuntamente pelos comitês eleitos
pelos trabalhadores, juntamente com os técnicos da Cora. Essas unidades
eram chamadas de centros de reforma agrária (Ceras), em vez de assentamen-
tos. Foram criadas também umas poucas fazendas estatais. Como antes, havia
grandes diferenças no grau real de participação do trabalhador. Isso dependia
muito de fatores como o grau de organização dos camponeses e a qualidade de
sua liderança, bem como da capacidade da burocracia estatal. Em tese, os
Ceras eram destinados a evoluir eventualmente para unidades maiores de
planejamento e produção, descentralizadas e democráticas, que pudessem
absorver um grande número de trabalhadores rurais sem-terra que não residi-
am na propriedade desapropriada. Isto nunca aconteceu e há dúvidas quanto a
que viesse ocorrer. De qualquer forma, o processo de reforma foi interrompido
abruptamente pelo golpe militar de 1973.
Após o golpe, uma parte da terra desapropriada foi devolvida aos seus
antigos donos, sob justificativas legais de irregularidades no processo de desa-
propriação. O restante foi designado para beneficiários individuais em domíni-
os familiares, com a obrigação de arcar com os pagamentos de juros anuais e
amortização. Um grande número de beneficiários logo foi obrigado a vender, na
ausência de créditos oficiais adequados e assistência técnica. Mesmo assim, a
estrutura agrária do país havia sido radicalmente transformada. Os grandes
latifúndios tinham praticamente desaparecido, enquanto que os pequenos pro-
prietários controlavam um terço da terra, em contraste com apenas um décimo,
dez anos antes. As fazendas capitalistas de médio porte, cultivadas principal-
mente por mão-de-obra não-residente predominavam na estrutura agrária chi-
lena nos anos oitenta e noventa, após a contra-reforma.
Os protestos e as demandas dos camponeses e outros trabalhadores
rurais, apoiados pelos sindicatos de trabalhadores e outros aliados urbanos,
foram os fatores principais que provocaram a reforma agrária no Chile. Apenas
uma pequena minoria dos camponeses se manifestava e se organizava, e con-
quanto que os latifundiários conseguissem manter o monopólio sobre a posse
da terra e o controle sobre as instituições rurais do país, incluindo, especial-
mente, as forças policiais. Essa minoria ativista, no entanto, desfrutava da

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 411
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latente, embora temerária, simpatia de um grande número dos pobres das zo-
nas rurais. Quando as coalizões de apoio ao governo, que mudavam constante-
mente, compartilhavam o poder com os partidos urbanos de esquerda, entre-
tanto, o poder político da oligarquia rural enfraqueceu-se progressivamente,
por quase cinco décadas, mesmo mantendo a posse da maior parte das terras
agrícolas. Após a reforma eleitoral de 1958, a disputa dos partidos políticos
pelo apoio dos eleitores rurais tornou-se um mecanismo importante que acele-
rou o processo de reforma agrária. Os sindicatos de base urbana e as ONGs,
tais como os grupos mais progressistas da Igreja contribuíram, em estreita
colaboração com partidos políticos. A acelerada urbanização e a expansão da
agricultura comercial de capital intensivo também desempenharam um papel
importante no enfraquecimento da posição tradicional dos latifundiários.
Intelectuais chilenos e estrangeiros contribuíram para o processo de
reforma agrária. Muitos chamavam atenção para as desigualdades dos sis-
temas de haciendas e para as pressões resultantes das reformas paralelas
ocorridas em outros lugares. Muitos colaboraram ativamente com os esfor-
ços de organizar os trabalhadores rurais, pequenos proprietários e as pou-
cas remanescentes comunidades indígenas. A sinergia entre as percepções,
pesquisas e comunicação de idéias e informação dos intelectuais, por um
lado, e a prática, por outro, é amplamente reconhecida, mas desembaraçá-
las é virtualmente impossível.
As Nações Unidas e outras organizações internacionais contribuíram
para o processo de reforma, embora o seu papel tenha sido apenas marginal, ao
se comparar com outros atores sociais internos. A Eclac publicou diversos
relatórios nos anos cinqüenta, conclamando a reforma agrária na América Lati-
na, de modo a remover um grande obstáculo ao desenvolvimento nacional. O
Comitê Interamericano de Desenvolvimento da Agricultura (Icad – em portugu-
ês Cida) publicou o relatório Tenencia de la tierra y desarollo del sector agrícola – Chile,
em 1963. Essa pesquisa foi um dos sete estudos de caso, elaborados para
países, que eu coordenei. O estudo foi realizado por pesquisadores chilenos
com apoio financeiro e suporte técnico de cinco organizações interamericanas
e das Nações Unidas (OEA, IICA, BID, Eclac e FAO). O relatório chileno recomen-
dava fortemente a reforma. Todavia, essas recomendações teriam esbarrado
em ouvidos moucos ou teriam sido suprimidas, como ocorreu na Guatemala e
em alguns outros países, se o contexto político chileno não tivesse sido recep-
tivo. No caso do Chile, o relatório foi publicado pela Cora e usado politicamente
para demonstrar o apoio internacional ao novo programa de reforma agrária.
O Instituto Chileno de Treinamento e Pesquisa em Reforma Agrária
(Icira) era apoiado por recursos financeiros e assistência técnica da FAO/
Pnud. Unesco e ILO também cooperavam. Suas atividades ilustram algumas
das oportunidades e limitações do apoio de organizações internacionais à
reforma agrária. Começou organizando cursos práticos de treinamento para
agentes de extensão do governo, funcionários agrários e líderes de organi-

412 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

zações camponesas, em 1964. O Icira contratou um renomado especialista


em leis espanhol para assessorar na elaboração da lei de reforma agrária de
Frei. Um ex-Ministro do Trabalho do Brasil, exilado no Chile, fez o mesmo
para a nova legislação que facilitava e regulava os sindicatos rurais. Os
profissionais do Icira, especialistas em administração agrícola, cooperati-
vas, crédito, relações sociais, tecnologias de comunicação, educação rural,
irrigação, marketing e diversas outras áreas, conseguiram auxiliar as equipes
chilenas a desenvolverem seus próprios programas de reforma agrária. Em
1972, os programas de assistência técnica, treinamento e pesquisa do Icira
foram úteis no apoio prestado ao Cora e Indao e diversas outras agências
do governo, onde estivesse sendo implementada uma reforma agrária.
Após o golpe militar de Pinochet, todo o programa de apoio à reforma
agrária foi fechado. Muitos participantes foram presos, exilados ou tiveram destino
pior. As organizações internacionais simplesmente eliminaram a reforma agrária de
suas agendas no Chile.
O governo Kennedy dos Estados Unidos, como vimos acima, desempe-
nhou um papel-chave, por meio da Aliança para o Progresso, em convencer o
governo chileno a adotar sua lei de reforma agrária de 1962. Isto foi seguido
pela lei mais radical elaborada pelo governo Frei. O governo Nixon, entretanto,
era abertamente hostil a algumas partes do programa de reforma do governo
Frei, o qual considerava ser muito coletivista ou de orientação marxista. O
governo Nixon trabalhou ativamente para desestabilizar o governo de Salvador
Allende. O apoio dos Estados Unidos foi decisivo para o êxito do golpe militar
liderado por Pinochet que pôs um fim ao programa de reforma agrária do Chile.

2.8 Peru
Na região rural do Peru, os grandes latifúndios estabelecidos no século
XVI ainda dominavam a estrutura agrária no início dos anos sessenta, de manei-
ra muito semelhante a muitos países latino-americanos. As grandes e moder-
nas plantações irrigadas da zona costeira, produtoras de açúcar, arroz e outras
poucas safras comerciais, tinham uma longa história de organização sindical e
conflitos trabalhistas. As grandes haciendas controlavam boa parte das terras
altas. Como na Bolívia, os residentes rurais indígenas eram servos nos latifún-
dios do planalto peruano, ou haviam sido relegados a comunidades com terras
ruins. Havia conflitos contínuos entre os donos das propriedades e as comuni-
dades indígenas, que viviam em pequenas glebas de subsistência. A ocupação
das terras pelos comuneros, que retomavam territórios perdidos, tinha se tornado
freqüente. A maioria das propriedades situadas nas terras altas auferia baixos
retornos econômicos e eram atrasadas tecnologicamente. Nos vales ao leste,
descendo em direção à bacia amazônica, havia algumas poucas plantações
relativamente lucrativas de chá, café, cacau e outras safras de exportação. A
produção ilegal de coca também se expandia. Essa crescente comercialização

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da agricultura nos vales era acompanhada de conflitos freqüentes entre os


donos das propriedades e os colonos, de predominância indígena,
subarrendatários, trabalhadores e pequenos proprietários das vizinhanças.
Em 1960, o exército foi engajado em diversas operações para sufo-
car guerrilhas que surgiam por todo o país. Um conflito violento e prolonga-
do num dos vales orientais, La Convención, levou os militares a impor uma
pequena reforma agrária no lugar, em 1962. Essa reforma beneficiou a maior
parte dos que tinham melhores condições de vida, mas praticamente ex-
cluiu a maioria dos pobres das zonas rurais. Mesmo assim, ajudou a abafar
a atividade guerrilheira na região, pelo menos temporariamente. Greves de
camponeses e invasões de terras haviam provocado essa minirreforma, mas
ela foi planejada e implementada por oficiais do exército e técnicos do
Ministério da Agricultura. Esses profissionais civis e militares eram, em sua
maioria, mestiços, e tinham pouca simpatia pelos grandes latifundiários,
que eram predominantemente de origem européia. As grandes propriedades
foram parcialmente desapropriadas, com indenizações futuras para seus
donos. Os colonos indígenas com obrigações trabalhistas nas proprieda-
des recebiam as unidades que estavam cultivando, ao passo que os
subarrendatários e outros trabalhadores ganharam pequenas glebas, e ou-
tros continuaram sem terra. Do ponto de vista do exército, essa experiência
teve êxito em contribuir para a pacificação, e foi um prelúdio para uma
reforma maior que estava por vir.
Após um breve período de governo civil, entre 1964 e 1968, os militares
tomaram, mais uma vez, o controle do Estado. O exército anunciou um progra-
ma nacionalista de desenvolvimento que incluía uma reforma agrária radical. O
general Vasco Alverado, o novo presidente, citou as recomendações em favor
da reforma agrária contidas no relatório do Cida, sobre domínio de terras e
desenvolvimento agrícola no Peru, que havia sido recentemente publicado em
1966, pela União Pan-Americana, como uma das justificativas do governo para
a reforma agrária planejada.
Numa entrevista com quatro especialistas em reforma agrária que visita-
vam o Peru em 1969, o general Velasco explicou que o objetivo principal da
reforma era o de apressar a transição do país em direção a uma sociedade mais
moderna e integrada. Ele tinha esperança que isso poderia ser realizado no
Peru, sem uma guerra civil sangrenta, como a que dizimou mais de um milhão
de mexicanos na transição agrária daquele país. Nós o questionamos como
isso poderia ser feito por decreto.
A urbanização caminhava a passos largos no Peru, com a proporção da
população residente em áreas rurais decrescendo de quase dois terços, em
1950, para pouco menos da metade, em 1970. Os sucessivos governos nacio-
nais buscavam políticas de alimentação baratas, apoiadas por importações
subsidiadas dos Estados Unidos, de modo a alimentar os pobres urbanos. Isso
depreciou os preços dos alimentos produzidos internamente. Foi especialmen-

414 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

te prejudicial para os produtores camponeses que tinham pouco acesso ao


crédito e importados de baixo custo, que eram disponíveis aos grandes propri-
etários. Os preços baixos dos alimentos contribuíram para uma crescente in-
quietação no meio rural, como aconteceu também com a expansão da agricul-
tura de exportação de grande escala, que freqüentemente invadia as terras e os
recursos hídricos dos camponeses.
O governo Velasco desapropriou quase todos os grandes latifúndios do
Peru. Essas terras abrangiam um terço das terras do país e abrigavam um quinto
da mão-de-obra agrícola. Uma tentativa inicial de converter as propriedades
desapropriadas em cooperativas geridas pelos trabalhadores fracassou, even-
tualmente. Os preços em declínio dos produtos agrícolas de exportação nos
anos setenta tornaram boa parte das grandes e modernas unidades comerciais
não-lucrativas. O gerenciamento central dos latifúndios das terras altas não se
tornara mais lucrativo ao ser executado por comitês de trabalhadores e técni-
cos do Estado, do que era antes da reforma. Além disso, as comunidades
indígenas dos arredores dessas propriedades, que iriam compartilhar os bene-
fícios da reforma agrária, ficaram à margem do processo.
A reforma acelerou a desintegração do sistema quase feudal de
haciendas existente no Peru. Em meados dos anos oitenta esse sistema tinha
sido substituído por unidades agrícolas de médio e pequeno portes. A
mobilização dos camponeses de formarem sindicatos e cooperativas ru-
rais, estimulada pelo governo Velasco, teve vida curta após o seu governo.
Após a reforma, muitas regiões rurais do Peru ainda continuavam a ser
atormentadas por atividades guerrilheiras. Esses conflitos eram motivados
pela permanente e difundida pobreza absoluta, pelos preços depreciados
dos produtos agrícolas do campo, e pelo súbito crescimento do mercado de
exportação da coca, controlado pelos cartéis. Nesse contexto, o sistema de
domínio da terra continuou caótico, com muitos conflitos não resolvidos
entre os beneficiários da reforma agrária e entre estes e as comunidades
indígenas e outros elementos com direito a terras e água.
Em contraste com a reforma do Chile e de outros países mencionados
aqui, os oficiais do exército foram os atores-chave na realização da reforma no
Peru. Esses oficiais eram em geral de ascendência mista entre europeus e indí-
genas e eram freqüentemente recrutados da classe média branca urbana, ou de
famílias rurais que não faziam parte da oligarquia tradicional. A maioria despre-
zava a discriminação racial da velha aristocracia rural. Ademais, o treinamento
antiguerrilha recebido dos Estados Unidos tinha contribuído para difundir ide-
ais modernizantes nas Forças Armadas, bem como reconhecer as origens soci-
ais das inquietações no campo. Infelizmente, o treinamento militar norte-ame-
ricano não fez o mesmo com os ideais de participação democrática e respeito
pelos direitos humanos. Entretanto, sem a reforma, a questão teria sido ainda
mais litigiosa do que foi nos anos oitenta e noventa.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 415
Solon L. Barraclough

2.9 Nicarágua e El Salvador


As mais recentes e importantes reformas agrárias da América Latina
ocorreram nesses dois países da América Central, durante os anos oitenta.
Ambas foram motivadas por levantes revolucionários que angariaram apoio
significativo dos camponeses e trabalhadores rurais, que exigiam terras, me-
lhores salários e condições de trabalho. Em ambos os países tinha havido um
súbito crescimento da agricultura de exportação que desequilibrou a subsis-
tência dos camponeses e os expulsou de suas terras. O último surto de expor-
tações terminou nos anos setenta, intensificando a inquietação no meio rural.
Ambos os países têm longas histórias de insurgência no campo. Com efeito,
houve um massacre sangrento de camponeses em El Salvador em 1932, quan-
do o exército massacrou mais de 20 mil camponeses e trabalhadores rurais que
exigiam terra e melhores salários.
Na Nicarágua, a reforma deu-se após a vitória militar das forças rebeldes
sandinistas, em 1979. As propriedades da ditadura de Somoza, que foi depos-
ta, foram tomadas e inicialmente convertidas em empresas estatais. Essas pro-
priedades confiscadas compreendiam cerca de um quinto da terra agrícola do
país. Muitos donos de propriedades privadas foram obrigados a disponibilizar
suas terras ociosas para os camponeses sem-terra, para o auto-sustento, em
aluguéis nominais, enquanto que os salários e condições de trabalho eram
melhorados em função das pressões dos Estados e da União. A reforma am-
pliou-se de modo a incluir a desapropriação de outras grandes propriedades no
início dos anos oitenta, bem como fornecer os registros das terras aos invaso-
res e colonos das regiões de fronteira, para as áreas que eles ocupavam. Em
1986, quase a metade das terras agrícolas e metade da população rural haviam
sido incluídas na reforma agrária. Cerca de 12% da terra desapropriada estava
em mãos de fazendas estatais e o resto em cooperativas ou em pequenas
propriedades individuais.
A federação nicaragüense de trabalhadores rurais (ATC), e a pequena
organização de fazendeiros (Unag) que foi criada em 1981, desempenharam um
papel ativo em fazer valer a reforma agrária. Ambas eram afiliadas ao partido
sandinista (FSLN), mas desfrutavam de autonomia considerável na formulação
de suas demandas, principalmente a Unag. Os oficiais e profissionais sandinistas
foram, é claro, atores-chave. O Centro de Pesquisas e Estudos de Reforma
Agrária (Ciera) teve um papel semelhante ao do Icira no Chile, na tentativa de
monitorar o processo de reforma agrária, analisar os problemas e sugerir possí-
veis soluções, bem como comunicar seus resultados ao governo, líderes cam-
poneses e público em geral.
O processo de reforma agrária da Nicarágua estava necessariamente
subordinado à luta dos sandinistas pela sobrevivência política, face à hostilida-
de agressiva crescente dos Estados Unidos. Os Estados Unidos organizaram e
financiaram as forças invasoras insurgentes (os contras), equipando-os e dan-
do-lhes instruções sobre táticas de guerra “de baixa intensidade”. Os contras

416 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

contavam com muitos integrantes da derrotada guarda nacional de Somoza,


que se reorganizaram com o apoio logístico dos Estados Unidos, nos países
vizinhos. Os americanos também impuseram um pesado embargo econômico
destinado a aniquilar a economia. Ambas as partes disputavam o apoio dos
camponeses descontentes. Esse fato em geral acelerava as iniciativas de refor-
ma agrária pelos governos, mas a guerra minava qualquer benefício econômico
em prol dos camponeses, que poderiam advir das reformas.
As ONGs internas e estrangeiras e grupos de solidariedade eram bem
atuantes no apoio à reforma, mas a sua efetividade variava bastante. A
ajuda do Bloco Oriental e da Europa Ocidental contribuiu para atenuar o
prejuízo causado pelo embargo americano e pelas ações de guerra apoiadas
pelos Estados Unidos (Barraclough et alii, 1988). Era, no entanto uma bata-
lha perdida. Os sandinistas ganharam uma eleição democrática em 1984,
mas perderam em 1990. Uma década de terror, com incontáveis mortes, um
período de hiperinflação, o colapso da União Soviética, e uma bem financi-
ada campanha feita por uma frente de oposição, assessorada por alguns
dos maiores especialistas mundiais em propaganda e imagem, deixaram os
eleitores com poucas esperanças de um futuro melhor, a menos que o can-
didato dos Estados Unidos vencesse.
Como aconteceu no Chile, o papel das organizações internacionais
em defesa da reforma agrária era dúbio. A maioria oferecia assistência técnica
e outras ajudas, principalmente nos estágios iniciais da reforma. O Ifad, por
exemplo, concedeu um empréstimo para apoiar um projeto de desenvolvi-
mento rural ligado à reforma agrária, com a promessa de financiar um pacote
maior de projetos semelhantes. Entretanto, quando os Estados Unidos impu-
seram o embargo, o financiamento do Ifad cessou abruptamente. Organis-
mos como WFP, Pnud, Unicef, FAO e diversos outros deram continuidade a
alguns programas de assistência, embora com muitas dificuldades e hesita-
ções. Quando o novo governo, instalado em 1991, conferiu prioridade ao
apoio dos grandes produtores privados, incluindo investidores transnacionais
nas agroindústrias, as agências internacionais entenderam o recado. Os
beneficiários da reforma agrária e suas cooperativas se viram de repente sem
acesso ao crédito, à assistência técnica ou a bons mercados, a partir de 1990,
embora umas poucas ONGs continuassem bravamente a ajudá-los. Algumas
cooperativas de reforma agrária conseguiram sobreviver com a ajuda das
ONGs, mas a maioria se desintegrou. Muitos beneficiários da reforma agrária,
endividados, perderam suas terras, mas a posse de terras permanece mais
equânime do que antes da reforma.
Em El Salvador, a reforma instaurada em 1980 seguiu-se a um golpe
militar em 1979, de iniciativa de oficiais progressistas. Os Estados Unidos
apoiaram essa reforma agrária com muito empenho. Na verdade, ela foi minutada
com o auxílio de conselheiros norte-americanos e imposta a uma oligarquia
relutante, sob pressão dos EUA. Os Estados Unidos tinham esperanças de que

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


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Solon L. Barraclough

a reforma agrária ajudasse a pacificar os ânimos inflamados no meio rural.


Cerca de 400 grandes latifúndios (com mais de 500 hectares cada), abrangendo
cerca de um quarto das terras agrícolas do país, foram desapropriados e conce-
didos aos indivíduos que trabalhavam na terra, na forma de cooperativas de
produção. Em média, os membros das cooperativas tinham direito a terras com
área de cerca de oito hectares cada um. Entretanto, esses beneficiários perfazi-
am apenas 7% da mão-de-obra agrícola.
A segunda fase da reforma, que desapropriaria terras de 12 mil proprie-
dades variando entre 150 a 500 hectares (55% de toda a terra agrícola), nunca
foi implementada, devido à oposição da oligarquia tradicional e a mudanças
nas prioridades dos Estados Unidos. A terceira fase concedeu os títulos das
terras aos colonos pobres. Cerca de 65 mil pequenos colonos tornaram-se
“proprietários”, freqüentemente às custas de outros pequenos proprietários,
em vez dos grandes latifundiários. Esses beneficiários recebiam uma média de
1,5 hectare cada, a maior parte constituído de terra de má qualidade. A reforma
agrária beneficiou um total de menos de um quinto da mão-de-obra rural, co-
brindo pouco mais de um quarto da área agrícola (Barraclough e Scott, 1987).
As cooperativas de reforma agrária estavam sobrecarregadas com pesa-
das dívidas incorridas pelo valor avaliado das terras, maquinaria, infra-estrutu-
ra, e capital operacional que elas haviam recebido. A adesão do governo às
políticas neoliberais em meados dos anos oitenta, combinada com os deca-
dentes termos de comércio, deixou insolventes a maioria das cooperativas. Se
essas cooperativas fossem subdivididas entre os seus membros, a dívida seria
igualmente impagável. A maioria da população rural continuava sem-terra ou
quase-sem-terra. O processo de paz implicava que milhares de soldados e ex-
guerrilheiros procuravam terra e emprego, como ocorreu na Nicarágua, após
1990. Entretanto, em El Salvador, as remessas de cidadãos que haviam migrado
para os EUA, juntamente com novos investimentos estrangeiros e com a gene-
rosa ajuda econômica dos Estados Unidos, ajudaram a criar uma economia em
expansão. Mesmo assim, o acesso à terra continuava a ser uma questão séria e
altamente conflituosa. Entretanto, se não tivesse havido a reforma agrária, o
acordo de paz teria sido adiado por muito mais tempo do que foi.

3. Os principais atores das recentes reformas agrárias


Como pôde ser observado pelos casos discutidos acima, cada um dos
processos de reforma agrária foi diferente. As experiências com reforma agrária
em outras partes do mundo simplesmente reforçam esta conclusão. Ainda
assim, é possível fazer algumas generalizações.

3.1 O papel contraditório do Estado


O Estado desempenhou um papel decisivo em todos os casos latino-
americanos onde ocorreu uma significativa redistribuição de terras, em benefi-

418 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

cio dos pobres das zonas rurais. Como foi enfatizado na introdução, isto é
quase uma obviedade. O Estado também interpôs um obstáculo à reforma
agrária antes de ela ocorrer e deformou as reformas depois de implementadas,
em benefício dos grupos não-pobres. Em cada estágio do processo de reforma
agrária de um país, o papel do Estado era diferente. Tudo dependia de um
elenco de fatores internos e externos. A estrutura agrária antes da reforma, a
natureza do Estado e de seus principais grupos de apoio, os graus de
mobilização ou organização dos camponeses e trabalhadores rurais, e a inser-
ção do país no sistema global, eram apenas alguns desses fatores. Todos esses
fatores têm que ser levados em consideração quando se tenta explicar por que
essas reformas tiveram êxito, pelo menos parcialmente e temporariamente. Da
mesma forma, eles servem para explicar por que ainda não ocorreu nenhuma
reforma agrária significativa em países como o Brasil e muitos outros países
onde a concentração de terras, a pobreza rural e a exploração dos camponeses
eram tão gritantes como nos casos resumidos acima.
No México, Bolívia, Cuba e Nicarágua, a reforma agrária acompanhou
revoluções sociais, nas quais as forças políticas insurgentes usurparam o po-
der do Estado com amplo apoio popular. Eram várias as forças sociais que
incentivaram essas revoluções. As insurreições camponesas que reivindica-
vam a restituição de terras perdidas e os protestos contra os abusos cometidos
pelos senhores (quase) feudais foram decisivos para dar início à reforma agrária
no México e na Bolívia, bem como para as reformas agrárias pós-revolucionári-
as de Cuba e da Nicarágua. Todas essas lutas camponesas por terras tinham
ligações com movimentos da classe média urbana nacionalista e antiimperialista.
Elas também eram incentivadas por disputas pelo controle do poder entre as
elites. Todavia, o elemento nacionalista era muito mais forte em Cuba, que era
relativamente desenvolvida, do que na empobrecida Bolívia, onde os ressenti-
mentos de séculos de discriminação racial foram uma força poderosa na
mobilização dos camponeses.
Estes comentários sobre reformas agrárias resultantes de revoluções
sociais são consistentes com os processos que levaram a duas das mais
importantes reformas agrárias levadas a cabo em meados do século XX: China
e Vietnã. Na China, o êxito da revolução comunista foi basicamente o resulta-
do da impotência do governo nacionalista de resistir à invasão japonesa e sua
incapacidade de responder, subseqüentementemente, às demandas dos cam-
poneses após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Os movimen-
tos camponeses foram as principais forças sociais que apoiaram o levante
comunista iniciado na década de vinte. A reforma agrária chinesa, instaurada
após o triunfo dos exércitos maoístas em 1949, foi a mais profunda e extensa
da história (Shillinglaw, 1974). No Vietnã, a reforma agrária não pode ser
explicada sem fazer referência à substituição do poder colonial francês pelo
Japão e o subseqüente retorno dos franceses. Após a derrota do exército
colonial francês, o Estado sul-vietnamita passou a ser apoiado pelos Estados

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Solon L. Barraclough

Unidos, e logo depois foram derrotados pelos comunistas do Vietnã do Nor-


te. O Estado norte-vietnamita mobilizou os camponeses em torno de suas
demandas por terras (Luu, 1982).
Entretanto, ao fazer generalizações que analisam as reformas agrárias
revolucionárias dentro de uma categoria e as reformas agrárias não-revolucio-
nárias em outra, devemos ter extrema cautela. As superposições e contradi-
ções dentro de cada uma dessas categorias sobrepõem-se às suas semelhan-
ças superficiais. As reformas agrárias não-revolucionárias compartilhavam inú-
meras características com as reformas revolucionárias citadas acima. Um ingre-
diente comum a todas era a organização dos camponeses e a luta por acesso
mais seguro e equânime à terra.
Nos casos latino-americanos, as políticas eleitorais foram importantes
para trazer à tona as reformas agrárias da Guatemala, Porto Rico, Venezuela e
Chile. Todavia, internamente cada processo foi diferente. O apoio eleitoral ao
governo da Guatemala em 1950 veio principalmente dos eleitores urbanos, já
que a maioria dos camponeses ainda não podia votar, embora o governo Arbenz
os considerasse como um apoio potencial em futuras eleições. A reforma agrá-
ria de 1952 foi instigada por um governo eleito democraticamente. Foi rapida-
mente aniquilada por um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos. Porto
Rico era uma possessão norte-americana à época da reforma agrária. A reforma
foi iniciada pelo governo colonial que buscava apoio eleitoral dos trabalhado-
res rurais e camponeses e pelo governador nomeado pelos Estados Unidos. Os
defensores porto-riquenhos da reforma agrária eram apoiados pelas autorida-
des norte-americanas que administravam a ilha por diversas razões ideológi-
cas, políticas e econômicas. O governo eleito da Venezuela, como o da Guatemala
em 1944, havia substituído uma ditadura autoritária e repressora. Na Venezuela,
o ditador havia sido, em parte, deposto por pressões dos ativistas dos sindica-
tos camponeses. Entretanto, a sua limitada reforma agrária, receptiva ao merca-
do, foi facilitada pelas grandes receitas estatais oriundas das exportações de
petróleo. No Chile, a disputa multipartidária por votos rurais desempenhou um
papel decisivo em colocar a reforma agrária na agenda política. A reforma foi
aniquilada por um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos.
As Juntas Militares autoritárias deram início a reformas agrárias impor-
tantes no Peru e em El Salvador. Em ambos os casos, o motivo principal que
levou esses governos a apoiar reformas agrárias foi a pacificação de levantes
guerrilheiros, que tinham apoio maciço dos camponeses. Entretanto, existem
também outros fatores que se diferenciavam em cada país.
Dentre os principais atores dos processos de reforma agrária após a
Segunda Guerra Mundial na Ásia, levados a cabo por governos autoritários,
incluíam-se os militares e os camponeses organizados, o que é consistente
com os casos latino-americanos relatados acima. Duas das mais bem-suce-
didas reformas agrárias, não-revolucionárias e dirigidas pelo Estado, acon-
teceram na Coréia e em Taiwan. Ambos os países haviam sido colônias

420 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

japonesas por mais de quatro décadas. A Coréia do Sul foi ocupada pelo
exército norte-americano e Taiwan pelas forças nacionalistas chinesas apoi-
adas pelos Estados Unidos.
A reforma agrária da Coréia foi inspirada, em parte, pelo temor de que os
comunistas que tomaram o poder na Coréia do Norte, com ajuda da URSS após
a derrota do Japão, conseguiriam mobilizar o apoio dos camponeses do Sul.
Além disso, o governo sul-coreano do pós-guerra era anticolonial, com poucos
laços com os grandes proprietários locais que, no passado, haviam colaborado
com os japoneses. Uma reforma agrária muito drástica foi implementada, com
a ajuda dos Estados Unidos. A terra que estava em mãos dos colonizadores
japoneses foi distribuída entre os antigos colonos e trabalhadores. Para todo o
país foi estabelecido um teto de três hectares para domínios individuais, e a
terra que excedesse esse teto foi dividida entre os antigos colonos. Para os
agricultores que não conseguiram tornar-se proprietários, foram estabelecidos
aluguéis, fixados em baixos níveis. Entretanto, embora seja freqüentemente
esquecido, havia uma longa história de mobilizações camponesas e protestos
em torno de questões agrárias durante o domínio colonial japonês. Isto facili-
tou a implementação da reforma, com apoio maciço e participação dos
beneficiários (Lee, 1979).
Em Taiwan, o governo nacionalista chinês mudou-se para a ilha em 1949,
com apoio dos Estados Unidos, após a derrota no continente. Esse governo
não tinha nenhum compromisso com os latifundiários de Taiwan, e muitos
membros desse governo atribuíam a derrota no continente ao fracasso de se
implementar uma reforma agrária na China continental. Da mesma forma, o
governo queria evitar o fortalecimento de uma classe de fazendeiros ricos em
Taiwan, que pudesse vir a ter aspirações de formar um Estado separado da
China (Pearse, 1980). Começou, então, uma reforma agrária drástica.
Sob o jugo japonês, Taiwan modernizou sua agricultura e tornou-se
um importante exportador de açúcar, arroz e outros suprimentos para o
poder colonial. Os produtores camponeses eram relativamente bem organi-
zados em cooperativas e organizações de camponeses, cujas demandas
por acesso mais equânime à terra eram freqüentemente aventadas durante
o domínio colonial (Huizer, 1980). Quando o governo nacionalista chinês
decretou a reforma agrária em Taiwan, essa reforma foi implementada com o
apoio e a participação generalizados da população do campo. A reforma
obteve importante apoio financeiro e assistência técnica dos Estados Uni-
dos. Em todo caso, como ocorreu na Coréia do Sul, essa reforma foi mais
uma reforma do domínio da terra. Ela proveu a garantia de direitos de pro-
priedade, em bases bastante igualitárias, aos antigos arrendatários e
compartilhadores de safras, estabelecendo limites muito baixos para a quan-
tidade de terra que poderia ser controlada por um proprietário individual (o
domínio máximo foi estabelecido em três hectares de campos de arroz, e o
aluguel para os demais colonos ficou limitado a 37,5% da produção).

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 421
Solon L. Barraclough

As reformas agrárias não-revolucionárias, dirigidas pelo Estado,


implementadas na Coréia do Sul e em Taiwan, assim como as reformas que
foram encetadas por revoltas camponesas na China e no Vietnã, contribuí-
ram fortemente para o desenvolvimento econômico e social subseqüente
desses países. Todavia, essas reformas devem ser entendidas em seu con-
texto histórico particular. Essas experiências não são facilmente replicáveis
em outros lugares.
Em cada caso, o papel do Estado na reforma agrária foi crucial. O Estado
algumas vezes promoveu a reforma, e algumas vezes a impediu. Por vezes o Estado
reverteu a reforma e em outras ocasiões a desviou, para beneficiar outros grupos,
que não eram os pobres rurais. O Estado sempre teve uma certa liberdade para
instaurar políticas autônomas, mas o espaço disponível para efetuar mudanças
nas relações estabelecidas sempre foi muito limitado, exceto em circunstâncias
especiais. Na verdade, uma das missões primordiais do Estado era proteger o status
quo sobre essas questões, à medida que o poder do Estado advinha, primordial-
mente, do apoio das classes abastadas. As mudanças das políticas estatais que
levam, ou que acompanham a reforma agrária podem ser explicadas ex post pelo
surgimento de novos e influentes atores sociais, tais como os camponeses e traba-
lhadores organizados, juntamente com seus aliados poderosos de outros setores
da sociedade. Mas esta explicação pode se tornar facilmente tautológica. O fator de
previsão ex ante é limitado, porque tantos outros fatores intervêm, surgindo, inevi-
tavelmente, grandes incertezas. O mesmo acontece com as explicações que desta-
cam a extrema dependência dos países em desenvolvimento no sistema capitalista
mundial, embora, como foi demonstrado, a intervenção estrangeira tenha
freqüentemente desempenhado papel decisivo em instaurar ou aniquilar reformas.
A principal conclusão operacional de nossa revisão do papel do Estado
é que as reformas agrárias somente ocorrem quando os grupos dominantes
que controlam o Estado percebem que é imperativo, do ponto de vista político,
adotar uma estratégia de desenvolvimento com base popular, que requer o
apoio ativo de importantes setores da população pobre do meio rural. A
mobilização e a organização política dos camponeses sem-terra é uma condi-
ção necessária para a reforma agrária, mas não é suficiente. Os camponeses
pobres e os trabalhadores rurais vão precisar de aliados poderosos em outros
setores da sociedade e também do exterior, de modo a promover uma distribui-
ção de terras mais justa.

3.2 Organizações camponesas


Em todos os casos onde ocorreram reformas agrárias significativas, os
protestos e as manifestações dos camponeses organizados deram uma contri-
buição crucial para que as reformas fossem realizadas. Os ativistas campone-
ses que inicialmente agitavam e se organizavam para promover a reforma perfa-
ziam, em geral, uma pequena minoria dentro da população pobre rural, especi-

422 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

almente nos contextos repressivos, embora eles desfrutassem de amplo e vela-


do apoio. Era possível para grupos diferentes dentre os pobres das zonas rurais
se unirem em protesto contra a monopolização da terra e contra o tratamento
abusivo recebido dos patrões e seus aliados. Os latifundiários sempre podiam
persuadir alguns de seus colonos e trabalhadores a se opor às reformas, com o
uso da condescendência ou ameaças de retaliação, mas isto não surtia efeito,
face ao descontentamento generalizado e devido a outros processos que en-
fraqueciam seu controle sobre as políticas do Estado.
A participação relativamente autônoma e democrática dos camponeses
organizados na implementação da reforma agrária, entretanto, foi muito mais
difícil de conseguir e de institucionalizar. Mesmo quando se conseguia essa
participação, ela raramente se mantinha por períodos longos. Foi muito mais
difícil para os pobres das zonas rurais permanecerem unidos depois que a terra
ficou acessível com a reforma. Como deveria ser a terra alocada e para quem, e
como deveria a terra ser administrada e por quem, tornaram-se, inevitavelmen-
te, questões conflituosas. Quanto mais diferenciados, em termos
socioeconômicos ou étnicos, fossem os pobres, tanto mais essas questões se
tornavam contenciosas. É claro que as elites rurais enfrentavam dificuldades
semelhantes de divisões internas, para manter uma frente unida contra a refor-
ma agrária, mas isso não facilitou a participação democrática dos beneficiários
potenciais, uma vez que a reforma começou. Muitos desses problemas foram
destacados na discussão da experiência chilena e outras experiências latino-
americanas na primeira parte deste texto.
Quando a reforma era administrada pela burocracia estatal, ou por um
partido político, do qual dependia um Estado fraco, a questão da participação
democrática dos camponeses tornava-se aguda. Os funcionários do Estado e
os membros dos partidos eram freqüentemente tão propensos a fazerem uso
da condescendência e da corrupção barata para dividir as organizações campo-
nesas, para seus próprios interesses, quanto os proprietários e administrado-
res dos latifúndios ou os representantes das corporações privadas. O caso do
México na década de quarenta é um bom exemplo disto.
Essas dificuldades de lidar e institucionalizar a participação democráti-
ca dos camponeses na reforma agrária ajudam a explicar por que as reformas
raramente corresponderam às expectativas utópicas de alguns de seus defen-
sores. Isso não diminui os ganhos sociais substanciais incorridos sobre os
pobres rurais, ligados a reformas agrárias muito imperfeitas. O que se deve
perguntar é o que teria acontecido se as reformas não tivessem ocorrido. É uma
indagação que nunca poderá ser definitivamente respondida, mas a sua explo-
ração é instrutiva. De qualquer modo, seria muito ingênuo se supor que abusos
semelhantes não teriam ocorrido se os processos de reforma tivessem sido
geridos por organizações da “sociedade civil”, como as ONGs.
A organização e mobilização dos camponeses foram o ingrediente es-
sencial de todas as reformas apontadas acima. As ONGs, as organizações inter-

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nacionais e outras entidades que tentaram realizar reformas agrárias têm que
reconhecer este fato. Essas instituições devem ter em mente que organizações
camponesas democráticas e razoavelmente autônomas são necessárias para a
institucionalização das reformas, impedindo-as de se desviarem em benefício
de outros. Este desafio é ainda mais difícil.

3.3 Os grandes donos de terras


Como foi visto anteriormente, os grandes proprietários e seus aliados
contribuíram, invariavelmente, para criar as condições que levaram ao surgimento
de lutas por reformas agrárias. Isso é praticamente uma obviedade, já que a
necessidade de se instaurar uma reforma agrária pressupõe uma distribuição
altamente desigual de direitos e obrigações no acesso à terra, entre aqueles que
a utilizam. Entretanto, sempre existiram muitas políticas, interesses e percep-
ções divergentes entre os grandes proprietários, do mesmo jeito que havia
divergências entre os pobres das zonas rurais.
Como era de se esperar, a maioria dos grandes proprietários impunha
resistências à reforma agrária em todos os casos examinados, embora em graus
diferentes e por métodos diversos. Sem a oposição dos grandes proprietários,
a reforma agrária não seria uma questão política controvertida.
Nos lugares onde os grandes proprietários mantinham relações soci-
ais quase feudais com os pobres das zonas rurais, como era o caso da maioria
dos países latino-americanos, os conflitos surgiam, inevitavelmente, com a
penetração da forças de mercado (isto é, os lucros potenciais auferidos por
determinados grupos com compra e venda, nos mercados nacionais e inter-
nacionais em expansão). A comercialização deu origem a mudanças nos pa-
drões de produção e de tecnologias. Estes, por sua vez, contribuíram para o
surgimento de uma nova diferenciação social e à apropriação, pelos grandes
proprietários, de muitos dos direitos tradicionais à terra usufruídos pelos
pobres. Também diminuíram as oportunidades para que os camponeses e
trabalhadores rurais obtivessem renda em dinheiro com a venda de recursos
naturais, produtos e trabalho, se eles conseguissem se livrar de suas obriga-
ções consuetudinárias perante as elites abastadas. A revolta mencionada
anteriormente, ocorrida em 1960, encetada pelos camponeses endividados
com obrigações trabalhistas aos grandes produtores de chá, café e coco, em
La Convención, no Peru, foi um bom exemplo desse último tipo de conflito, e
as demandas das comunidades indígenas pela restituição de terras usurpa-
das no México e na Bolívia ilustram o primeiro.
Nos lugares onde alguns grandes produtores achavam lucrativo adotar
tecnologias modernas de capital intensivo, eles tinham menos necessidade de
uma força de trabalho numerosa e residente no local. Em vez disso, era mais
lucrativo recrutar trabalhadores sazonais, enquanto tomavam para si as terras
previamente alocadas aos colonos que arrendavam a terra em troca de serviços

424 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

braçais ou de parte de sua produção. Este processo foi bem evidente no Chile
central, na década de cinqüenta. O processo ajudou a criar condições favorá-
veis para a reforma agrária. Processos semelhantes, que deram origem a objeti-
vos conflitantes entre os grandes proprietários, foram observados em todos os
casos estudados acima. Além disso, muitos dos grandes proprietários, tinham
se convencido intelectualmente da necessidade de reforma agrária. As viagens
e os estudos às vezes levaram à apreciação dos processos históricos que
afetaram as estruturas agrárias, e que eram mais bem compreendidas pelos
proprietários progressistas, que se dispunham a abrir mão de prerrogativas
tradicionais do que pelos intelectuais urbanos.
Essas contradições entre os proprietários eram reveladas pela divisão
interna que existia nas organizações e associações de grandes produtores,
como foi o caso da SNA, no Chile. Eles raramente conseguiam apresentar uma
visão comum, quando as pressões políticas em favor da reforma agrária come-
çaram a se acumular. Além disso, à medida que crescia a urbanização e a indus-
trialização, as oligarquias de latifundiários tornaram-se relativamente menos
influentes em questões nacionais. Muitos diversificaram seus ativos e ativida-
des em outros setores como a indústria, as finanças e o comércio, mantendo,
ao mesmo tempo, um quase monopólio das terras agrícolas em uma ou em
diversas localidades. Isto os ajudava a manter o poder em nível local. Também
diluiu seu poder político no âmbito nacional, com as crescentes pressões por
reforma agrária, à medida que esses indivíduos tinham que levar em conta seus
próprios interesses e os interesses não-agrícolas de seus aliados urbanos, que
eram freqüentemente contraditórios.
Os processos associados à crescente modernização tecnológica, ao
marketing e à diferenciação social afetaram tanto as elites abastadas quanto os
pobres rurais, de maneiras bastante contraditórias. Baseado na evidência dos
casos descritos acima, esses processos aceleraram a reforma agrária em alguns
contextos e a retardaram em outros. Seria um erro concluir que a “globalização”
do final do século XX tornou a reforma agrária anacrônica. Ao contrário, em
muitos países em desenvolvimento, as questões sobre o domínio da terra es-
tão se tornando cada vez mais prementes, como resultado da crescente polari-
zação social, pobreza generalizada e falta de oportunidades alternativas de
emprego para os pobres rurais. Os inúmeros interesses divergentes entre os
pobres rurais torna difícil a sua luta pela reforma agrária. Entretanto, os interes-
ses cada vez mais divergentes das elites abastadas apresentam novas oportu-
nidades para a realização de reformas agrárias que venham a beneficiar os
trabalhadores rurais sem-terra.
Pela revisão dos casos descritos acima, não há evidência de que as
reformas agrárias podem surgir unicamente como resultado das políticas ami-
gáveis ao mercado (market friendly). O registro dos títulos das terras e a facilita-
ção de transações imobiliárias entre as partes desejosas de vender e as desejo-
sas de comprar, não mudam por si só as relações de poder em favor dos pobres

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rurais. Em muitas situações, tais políticas são passíveis de fortalecer as estru-


turas agrárias injustas, ao prover proteção legal adicional aos proprietários e
especuladores, e mantendo ou diminuindo o poder de barganha dos pobres.

3.4 Os partidos políticos


Os partidos políticos desempenharam um papel de destaque nas refor-
mas agrárias estudadas acima. Isto era de se esperar, pois se trata basicamente de
um processo político. Entretanto, os seus papéis variavam muito, nos diferentes
sistemas políticos.
Nos Estados formalmente democráticos, com sistemas pluripartidários
operantes, imediatamente antes ou durante as reformas agrárias, a disputa
pelos votos dos pobres rurais e outros que poderiam se beneficiar de uma
redistribuição de direitos à terra foi importante, ao colocar a reforma agrária em
posição de destaque na agenda política. Este foi o caso, especialmente nas
reformas efetuadas em Porto Rico, Venezuela e Chile. Os partidos políticos
disputavam o apoio popular com promessas de reforma agrária. Com freqüên-
cia, os partidos promoviam ativamente as organizações de trabalhadores rurais
com objetivos políticos. Neste aspecto, eles foram auxiliados pelos sindicatos
de base urbana, afiliados ou aliados aos partidos políticos. As leis de reforma
agrária foram promulgadas por legislaturas eleitas após o debate aberto e após
muitos pactos com diversos partidos e facções. O caso do Chile nos anos
sessenta e início dos anos setenta é um bom exemplo disso.
Nos sistemas políticos mais autoritários, a disputa aberta por apoio
popular era proibida, ou severamente limitada. Contudo, os partidos políti-
cos invariavelmente tinham um papel a desempenhar. Quando os partidos
genuinamente de oposição eram cassados, como freqüentemente ocorreu,
os partidos de esquerda continuavam a manter-se organizados clandestina-
mente. Isto em geral aumentava a pressão sobre o regime para apoiar algum
tipo de medida de reforma agrária. Além disso, os regimes autoritários mili-
tares estavam longe de ser monolíticos. Dentro de suas fileiras, as facções
em disputa freqüentemente buscavam apoio popular, o que os levou, por
vezes a instaurar reformas agrárias radicais. Este foi o caso do regime de
Velasco Alverado no Peru, em 1969, e da junta militar de El Salvador, em
1979 e da reforma do governo nacionalista chinês em Taiwan.
Os regimes que chegaram ao poder como resultado de movimentos
revolucionários populares, como os que surgiram no México, Bolívia, Nicará-
gua, Cuba, China e Vietnã, estavam comprometidos com reformas agrárias bem
radicais. Eles precisavam consolidar o apoio popular no campo. Esses compro-
missos do regime com as aspirações e com o bem-estar dos pobres rurais
foram limitados e diluídos pelas forças e prioridades sociais em disputa, quan-
do o partido revolucionário começou a deter o firme controle, mas o partido
político revolucionário foi, invariavelmente, um protagonista de peso na reali-
zação da reforma agrária e sua subseqüente evolução.

426 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

As reformas agrárias efetivas nunca foram primordialmente exercícios


tecnocráticos. Sua realização sempre exigiu a participação ativa dos partidos
políticos ou de outras organizações políticas. Uma reforma agrária não-políti-
ca seria uma contradição.

3.5 As ONGs
As organizações não-governamentais constituem-se numa variedade
extremamente diversificada de atores sociais. O seu nome sugere não o que
elas são, mas o que elas não são. Em geral, elas são consideradas como não-
estatais e sem fins lucrativos, com o objetivo de fomentar determinados inte-
resses sociais, culturais e econômicos. O que elas são e o que elas fazem na
prática depende, obviamente, das circunstâncias, da mesma forma que depen-
de o conteúdo do conceito complementar de “sociedade civil”. Na prática, as
linhas divisórias entre as ONGs e as organizações controladas ou patrocinadas
pelo Estado, bem como entre a sociedade civil e o Estado ou o mercado, ten-
dem a ser excessivamente nebulosas. Para os objetivos de avaliação dos pa-
péis desempenhados pelas ONGs nos processos de reforma agrária, nós
estamos especialmente interessados naquelas ONGs ostensivamente devota-
das à melhoria do bem-estar dos pobres rurais, ou à promoção de outros as-
pectos do desenvolvimento rural sustentado.
Em alguns contextos, as associações de camponeses, as associa-
ções de grandes proprietários, as cooperativas, os sindicatos de trabalha-
dores, as organizações religiosas e profissionais, as sociedades de consu-
midores e outros, são consideradas como ONGs, enquanto que em outros
contextos elas podem ser julgadas pelos críticos como sendo agentes do
Estado ou do mercado. Damos aqui atenção especial às autoproclamadas
instituições de caridade nacionais e internacionais, e ONGs assemelhadas,
supostamente dedicadas ao desenvolvimento social, à proteção ambiental
e a outros objetivos humanitários.
Essas ONGs foram atuantes em todas as reformas agrárias menciona-
das acima. Seu papel era mais periférico do que o papel do Estado, dos partidos
políticos e das organizações populares não-estatais, tais como as associações
de camponeses e sindicatos rurais. Entretanto, às vezes as ONGs conseguiam
desempenhar o papel de catalisadores. Elas contribuíram, por meio da advoca-
cia, bem como da assistência técnica e material, com os movimentos e organi-
zações de base popular envolvidos com a reforma agrária. A liga de agrônomos
socialistas do México deu contribuição importante ao sucesso inicial de inú-
meros ejidos coletivos, por exemplo. A experiência do Improa de transformar
terras da Igreja em cooperativas camponesas proveu um insumo importante
para a reforma agrária do governo Democrata Cristão chileno. Durante a ditadu-
ra de Pinochet, as ONGs desempenharam freqüentemente um papel vital no
Chile, ao prover assistência aos beneficiários da reforma agrária que tinham

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 427
Solon L. Barraclough

sido virtualmente abandonados pelos órgãos estatais que os assistiam anteri-


ormente. As atividades das ONGs proliferaram nos períodos pós-reforma da
Bolívia, Nicarágua e El Salvador. Entretanto, certamente a contribuição das ONGs
nem sempre foi positiva ou eficaz com relação aos pobres rurais.
Quando o Estado estava ativamente empenhado na implementação ou
na orientação de reformas agrárias de base popular – como no México dos anos
trinta, a Guatemala, no começo dos anos cinqüenta, Cuba e Venezuela, no
começo dos anos sessenta, Chile e Peru, em fins dos anos sessenta e a Nicará-
gua, no começo dos anos oitenta –, era relativamente fácil para as ONGs con-
tribuírem com esses programas. Algumas delas olhavam com certa restrição
muitos aspectos das políticas oficiais, mas compartilhavam os objetivos de
ajudar os pobres rurais a obterem melhor acesso à terra e melhores condições
de vida. As ONGs nacionais tinham condições de mobilizar as capacidades
locais dos estudantes, técnicos, profissionais, pesquisadores e outros, para
prover assistência técnica, aconselhamento legal, cursos de treinamento e ou-
tros recursos de apoio aos processos de reforma. Elas complementavam e
suplementavam as organizações populares e os órgãos oficiais. As ONGs in-
ternacionais tinham condições de fazer o mesmo, trabalhando em conjunto
com agências estatais, ONGs locais e organizações camponesas. Elas tam-
bém traziam o auxílio material tão necessário e conhecimentos técnicos do
exterior, e ajudavam a informar os governos e a opinião pública seus países
de origem sobre as realizações e dificuldades das reformas agrárias. O Esta-
do, na qualidade de líder e orientador do processo de reforma, tinha condi-
ções de coordenar suficientemente as atividades divergentes das ONGs para
dar-lhes um sentido de coerência. Algumas ONGs eram profissionais e com-
petentes em seus esforços enquanto que outras eram canhestras e
ineficientes, mas elas eram componentes de um processo em curso, dentro
do qual a sociedade civil e o Estado tendiam a se fundir.
Em meio a esses processos de reforma agrária conflituosos e
freqüentemente caóticos, havia sempre uma ONG tentando deter ou reverter
os programas de reforma agrária promovidos pelo Estado. Em geral, eram finan-
ciadas por fontes originárias de seus países de origem ou externas, que se
opunham à reforma dos sistemas tradicionais de domínio de terras em benefí-
cio dos pobres rurais. Em geral, essas ONGs compartilhavam as orientações
políticas e ideológicas das elites tradicionais, ou com as supostas elites
modernizadoras que tinham esperanças de tomar o seu lugar e que eram margi-
nalizadas pelas mudanças reais que estavam ocorrendo. À medida que o Esta-
do tinha condições de manter um programa razoavelmente coerente, com base
popular, as iniciativas dessas ONGs de perturbar o processo se subordinavam
à reforma agrária. Às vezes elas chamavam atenção para os abusos e fraquezas
dos programas do governo, que eram subseqüentemente corrigidas. Entretan-
to, freqüentemente essas ONGs fortaleciam os movimentos contra as refor-
mas. Elas contribuíam para enfraquecer ou destruir regimes comprometidos

428 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

com a melhoria da subsistência dos pobres rurais, mediante reformas agrárias


e outras medidas complementares.
Nas situações onde as políticas oficiais eram abertamente hostis à re-
forma agrária, ou pelo menos contraditórias e ambivalentes com respeito às
necessidades e aspirações dos pobres rurais, as ONGs que tinham objetivos
humanitários e de desenvolvimento sustentável sinceros se viram de frente a
outros dilemas. O Estado não enxergava os camponeses ou os trabalhadores
rurais sem-terra como bases de apoio cruciais, mas era extremamente sensível
às demandas dos grandes proprietários, que constituíam o principal grupo de
apoio. Nesse caso, deveriam as ONGs defender vigorosamente a reforma agrá-
ria, sob o risco de serem expulsas das áreas rurais, ou de expor as organizações
com as quais trabalhavam a represálias possivelmente fatais? Ou deveriam
aceitar a estrutura agrária onde elas operavam e tentar prover assistência técni-
ca, crédito, serviços de educação e saúde aos pequenos grupos necessitados,
conhecendo muito bem o fato de que os seus recursos limitados e a sua impo-
tência política fariam pouca diferença para a maioria dos pobres a menos que a
estrutura agrária fosse reformada? Deveriam elas concentrar seus parcos recur-
sos em microprojetos de apoio local ou de geração de renda, com resultados
positivos para uns poucos beneficiários? Ou deveriam elas usar os seus parcos
recursos para apoiar as organizações camponesas, bem como tornar públicos
os abusos aos direitos humanos, a corrupção, a exploração, cometidos pelos
latifundiários, comerciantes e funcionários públicos? Não haveria o perigo de
que ao ajudar a apenas uns poucos indivíduos pobres isto poderia reduzir a
militância dos movimentos mais amplos de camponeses e trabalhadores sem-
terra, e dividi-los? Se uma pequena minoria dos pobres detentores de auxílio
das ONGs tivesse condições de obter melhores condições de vida dentro do
sistema de domínio de terras existente, outros não chegariam à conclusão de
que o problema principal era causado não pelas instituições que exploravam,
ou pelas políticas que favoreciam as elites, mas pela ajuda ou caridade insufici-
entes? Além disso, nos contextos conflituosos e socialmente polarizados, não
iria o grosso dos recursos das ONGs ser desviado para o fortalecimento do
poder das elites locais, mediante a apropriação e redistribuição clientelista?
Cada situação era diferente. As atividades das ONGs dependiam ampla-
mente de sua avaliação das possibilidades atuais e das perspectivas futuras.
Algumas ONGs deram contribuição importante ao aumento da consciência das
organizações camponesas, de setores influentes da opinião pública, de líderes
políticos e de funcionários públicos, simpatizantes com a necessidade de re-
forma agrária e com a possibilidade de realizá-la. Por vezes, suas atividades
inadvertidamente enfraqueciam os movimentos camponeses e trabalhadores
que pressionavam por reformas políticas e institucionais e os expunha a retali-
ações brutais. Tudo dependia da dedicação, capacidade, coragem das ONGs
bem-intencionadas, bem como do contexto. E muita coisa dependia de sorte.
As ONGs funcionavam sob inúmeras restrições que invariavelmente influ-
enciavam seus julgamentos sobre prioridades e possibilidades. Em primeiro lugar,

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD)


Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 429
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elas dependiam do governo anfitrião para obter legitimidade. As ONGs nacionais


precisavam de status legal, para operarem abertamente e para desfrutarem de privi-
légios tributários. As ONGs internacionais precisavam de autorização do governo
para entrar no país. Obviamente, as ONGs não poderiam funcionar como se o
Estado não existisse.
O funcionamento das ONGs é governado por um tipo de estatuto que
especifica seus objetivos, a abrangência de suas atividades, bem como seus
direitos e obrigações mais gerais. Seus diretores e agentes são supostamente
responsáveis por seus atos perante o Estado que lhes concedeu o privilégio. Se
elas operam internacionalmente elas também são responsáveis por seus atos
perante o estado anfitrião. Elas podem ser não-governamentais, mas sempre
dependem do governo até um certo grau.
Elas dependem dos doadores para a totalidade ou parte de seus recur-
sos. Boa parte dos seus recursos financeiros origina-se de outras ONGs, de
organizações públicas ou particulares e de agências governamentais, bem como
de indivíduos que apóiam a sua causa. No caso de muitas ONGs internacio-
nais, nos últimos anos, os recursos originam-se dos governos de seus países,
direta ou indiretamente, embora isso varie muito entre elas. Além disso, a mai-
oria precisa de isenção tributária para sobreviver. As ONGs não podem ficar
indiferentes aos desejos nem às prioridades de seus financiadores.
Até certo ponto as ONGs também necessariamente devem explica-
ções à sua equipe. Como ocorre com outras organizações, sem uma equipe
coesa e leal, elas seriam ineficazes e desapareceriam rapidamente. Algumas
ONGs foram criadas de maneira oportunista por seus membros, unicamen-
te para dar-lhes emprego, conferindo menor prioridade aos objetivos soci-
ais e humanitários.
Por último, as ONGs devem explicações aos grupos que supostamente
estão servindo. No entanto, poucas ONGs possuem mecanismos formais e
transparentes para que seus clientes, em especial os pobres rurais, controlem
suas ações. É comum haver avaliações ocasionais, externas e internas, mas os
avaliadores raramente incluem representantes dos beneficiários. Nos países
pobres, o número de clientes potenciais excede, em muito, a oferta de serviços
concedidos pelas ONGs de orientação social. Entretanto, as ONGs que compe-
tem entre si, freqüentemente dividem as comunidades rurais, na busca de cli-
entes pobres, com projetos atraentes, de modo a justificar suas atividades
perante seus patrocinadores. Eu presenciei este fato na Bolívia.
Em face dessas limitações, fica mais fácil apreciar as contribuições que
muitas ONGs dedicadas e altamente profissionais conseguiram dar, em prol
das causas sociais e humanitárias. Com freqüência, essas organizações tive-
ram papel crucial nos movimentos em defesa de estilos de desenvolvimento
social e ecologicamente mais sustentáveis. Todavia, a sua capacidade é limita-
da. Elas podem às vezes contribuir para o surgimento das forças políticas que

430 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

dão origem a reformas políticas e institucionais de base popular. Não se pode


esperar que elas substituam um sistema político democrático. Somente os
governos detêm o potencial para lidar efetivamente com a pobreza em massa,
num mundo de abundância.

3.6 As organizações internacionais


As organizações internacionais e as agências afiliadas ao sistema das
Nações Unidas estão, de certa forma, numa posição vantajosa sem paralelo,
com relação à promoção das reformas agrárias dos países em desenvolvimen-
to. Elas estão em posição de destaque para chamar atenção sobre os impactos
negativos que as estruturas agrárias injustas impõem à subsistência dos po-
bres e ao desenvolvimento sustentável. Elas podem colocar, com autoridade,
as questões agrárias em perspectivas históricas e comparativas mais amplas.
Elas detêm autoridade moral considerável para legitimar a colocação das ques-
tões de reforma agrária nas agendas de desenvolvimento internacionais e naci-
onais. Elas possuem o potencial de mobilizar recursos internacionais conside-
ráveis e outro tipo de apoio para as organizações estatais ou populares que
buscam com seriedade a realização de programas de reforma agrária.
No entanto, até agora pelo menos, o papel das organizações internacio-
nais de promover e apoiar as reformas agrárias tem sido um tanto marginal e
contraditório. Na melhor das hipóteses, seu papel tem sido semelhante ao das
ONGs internacionais e, para muitas, pelas mesmas razões. Elas são, primordi-
almente órgãos intergovernamentais, embora algumas, como o ILO, incorporem
formalmente outros atores sociais, como os sindicatos de trabalhadores e
empregadores em seus órgãos de governo. Elas dependem dos governos dos
países desenvolvidos para a maior parte de seus recursos financeiros, embora
esses recursos possam ser complementados por outras fontes, como
corporações transnacionais, fundações beneficentes ou indivíduos. Elas não
são um governo supranacional, mas operam apenas para a conveniência dos
países membros. O Conselho de Segurança da ONU tem autoridade muito
limitada de impor sanções aos países membros, sob qualquer circunstância, e
isto requer o acordo dos sete membros permanentes, que têm poder de veto. A
capacidade das instituições de Bretton Woods de impor políticas econômicas
impopulares aos países pobres e endividados depende, não dos processos
democráticos imputados a todos os países membros e por meio destes aos
pobres, mas do poder financeiro que elas exercem em favor dos países mais
ricos do mundo e do sistema financeiro internacional.
Dadas estas limitações, parece surpreendente, para muitos observado-
res, o fato de que as organizações internacionais tenham tido condições de
desempenhar um papel positivo em questões agrárias politicamente
conflituosas. O fato de que essas organizações conseguiram desempenhar
esse papel, em muitos dos casos mencionados acima, ilustra o potencial exis-

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 431
Solon L. Barraclough

tente para ajudar a avançar os processos de reforma agrária. A falta de um


posicionamento firme, por parte de muitas organizações internacionais, sobre
as questões agrárias nos países com estruturas agrárias totalmente injustas dá
a dimensão da sua fraqueza com relação a este aspecto.
O estatuto da ONU e as subseqüentes Declaração dos Direitos Humanos e
Declaração dos Direitos Sociais e Econômicos ajudaram a legitimar o debate sobre
as questões de reforma agrária em fóruns internacionais. O mesmo aconteceu com
inúmeras outras resoluções e declarações, algumas das quais contendo referênci-
as explícitas às questões de domínio de terras adotadas pela Assembléia Geral da
ONU e por muitas das organizações que fazem parte do sistema das Nações Uni-
das, tais como a FAO e o ILO. Essas declarações de princípios ou de intenções
forneceram munição para as organizações camponesas e outras organizações em
países com regimes opressores atrelados ao apoio dos grandes latifundiários. Es-
sas declarações não tinham nenhuma força impositiva legal, mas serviam para
inflar a credibilidade moral e política daqueles que defendiam a reforma. Como foi
mencionado anteriormente, a Declaração de Punta del Este sobre a reforma agrária,
adotada pela Organização dos Estados Americanos, ajudou a colocar as questões
agrárias em posição de destaque na agenda política de diversos países latino-
americanos nos anos sessenta.
Diversas organizações internacionais patrocinaram pesquisas que ajuda-
ram a chamar atenção para a necessidade da reforma agrária. Como foi mencionado
anteriormente, nos anos cinqüenta, a Cepal publicou estudos contendo análises
sobre os problemas agrários da América Latina, que tiveram uma influência consi-
derável nos debates posteriores. O ILO e a antiga Liga das Nações patrocinaram
pesquisas sobre a importância dos problemas agrários, que datam da década de
1920. O trabalho de R. H. Tawney, intitulado Terra e Trabalho na China (1932) é um
bom exemplo. Os estudos da Cida mencionados acima, sobre questões de domí-
nio de terras na América Latina, foram patrocinados por cinco organizações inter-
nacionais e tiveram influência em dar forma aos debates que se seguiram. A FAO
publicou diversos documentos apontando a necessidade de reformas agrárias,
baseados em pesquisa que patrocinou. Nos anos sessenta e setenta, a FAO, junta-
mente com o ILO e a ONU, organizaram conferências internacionais sobre reforma
agrária, que resultaram em resoluções importantes sobre o assunto. Infelizmente, a
pesquisa social virou recentemente um palavrão para muitas organizações interna-
cionais. Elas esquecem que a boa pesquisa pode ser um prelúdio importante para
o surgimento de eventuais políticas construtivas.
As organizações internacionais forneceram assistência técnica muito útil a
diversos países que empreenderam reformas agrárias. A FAO enviou um especialis-
ta mexicano altamente qualificado à Bolívia nos anos cinqüenta para assessorar o
governo sobre questões de reforma agrária, baseado na experiência mexicana.
Após os anos cinqüenta, a FAO, o ILO e a Unesco, além de diversas outras agências
internacionais, ofereceram assessoria técnica aos governos membros que efetua-
vam reformas agrárias. Essa assessoria foi bastante eficaz quando objetivava aju-

432 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

dar as agências governamentais a estabelecerem pesquisas e instituições de treina-


mento com a participação de cooperativas e sindicatos camponeses. Esses progra-
mas forneceram assistência técnica e apoio logístico, como a adaptação das mo-
dernas tecnologias de comunicação às necessidades dos camponeses e trabalha-
dores rurais semi-analfabetos. Isso ajudou a fortalecer as organizações campone-
sas populares e a capacitá-las a comunicar seus problemas, preocupações e expe-
riências de forma mais adequada, entre si e com os funcionários das agências
estatais que estavam encarregadas de ajudá-los.
Entretanto, as organizações internacionais, como a maioria das ONGs, eram
invariavelmente sensíveis ao contexto político em que funcionavam. Quando os
governos não mais tinham interesse em empreender reformas agrárias, essas orga-
nizações em geral se retiravam seu apoio aos sindicatos e cooperativas rurais que
pressionavam por reformas agrárias e que estavam entre os beneficiários de progra-
mas anteriores. As agências internacionais tendiam a medir o seu êxito, ou fracas-
so, principalmente pelo que o governo da hora queria. Freqüentemente, essas
organizações não insistiram no fato de que elas tinham a obrigação de adequar a
sua atuação às convenções e resoluções internacionais que diziam respeito aos
direitos humanos e ao desenvolvimento sustentável.
Este foi o caso particular das instituições financeiras internacionais. Elas
adotavam a retórica de apoio maciço às iniciativas de combate à pobreza e de
proteção ambiental, mas argumentavam que suas políticas neoliberais eram as
mais adequadas para promover o crescimento econômico e o desenvolvimento
sustentável. Isto ignorava o fato de que os problemas sociais e ecológicos que elas
buscavam solucionar, por meio de um crescimento econômico mais acelerado,
tinham sido gerados pelos próprios padrões de crescimento econômico que esta-
vam em curso. Esse estilo de desenvolvimento não tinha condições de se tornar
sustentável sem que ocorressem mudanças institucionais de base popular, como
era o caso da reforma agrária. À medida que essas organizações reconheceram esse
dilema, elas passaram a defender reformas agrárias market friendly. Como foi visto
anteriormente, este fato não oferece uma solução e pode tornar a situação ainda
pior para os pobres rurais.
A reação de organizações internacionais como a FAO e o IFAD, com relação
à subsistência rural e à crise ecológica, não foi nem um pouco mais imaginativa do
que a resposta das Instituições de Bretton Woods. Isso pode ser explicado pelas
limitações mencionadas anteriormente. Muitos dos seus países membros e de
seus próprios secretariados elaboraram análises lúcidas sobre os problemas agrá-
rios. Mesmo assim, suas políticas destinadas a lidar com esses problemas eram
tímidas, ineficazes e ficavam confinadas às variações políticas emanadas pelo “Con-
senso de Washington”. Não se vislumbra uma mudança nessa situação, a menos
que alguma força política possa ser gerada, tanto nos países desenvolvidos quanto
nos países em desenvolvimento que dê origem a uma Organização das Nações
Unidas voltada a todos os povos do mundo, inclusive os pobres.

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Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS) 433
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4. Oportunidades contemporâneas para a reforma agrária


As recentes mudanças socioeconômicas, políticas e tecnológicas, em esca-
la global, afetaram profundamente os papéis do Estado e de outros atores sociais.
Elas também geraram enormes tensões sociais (UNRISD, 1995). Como elas altera-
ram as perspectivas de reforma agrária nos países em desenvolvimento?

4.1 A globalização e os obstáculos à reforma agrária


A movimentação crescente de capital financeiro, bens, serviços, infor-
mações e algumas categorias de pessoas, entre as fronteiras dos países, bem
como o surgimento de uma ampla variedade de novas tecnologias é chamada
de globalização. Isto, supostamente resulta em maior riqueza e numa crescente
interdependência entre as nações.6
Boa parte da população rural dos países em desenvolvimento está entre
os que são mais severamente afetados negativamente pelos processos de
globalização. Essas pessoas ainda perfazem mais da metade da população dos
países em desenvolvimento, e vai de quatro quintos, nos “menos desenvolvi-
dos”, a um terço, na América Latina. Além disso, eles são a maioria dos pobres
e subnutridos existentes no mundo.
Os processos de comercialização, modernização e alienação de terras que
geram essa pobreza rural, num contexto de instituições agrárias polarizadas, como
o domínio da terra, foram discutidos na Introdução. Esses processos de incorpora-
ção foram acelerados durante a mais recente fase da globalização, no final do
século XX. Eles também se submeteram a muitas mudanças qualitativas, associa-
das especialmente às novas tecnologias de produção, transportes, comunicação e
controle político. Os programas de ajuste estrutural promovidos, ou impostos pe-
los estados doadores e instituições financeiras internacionais, aceleraram a
marginalização de grandes grupos rurais em muitos países em desenvolvimento. A
liberalização do comércio internacional e dos movimentos de capital pode trazer
benefícios a alguns, embora, muito freqüentemente, às custas de muitos outros.
As possibilidades de que camponeses mobilizados e organizados ve-
nham a tomar e manter o controle das terras mantidas em grandes domínios,
como aconteceu em muitas localidades da Bolívia, México e China durante os
levantes revolucionários, são, hoje, extremamente remotas, na maioria dos pa-
íses. O poder político e econômico está crescentemente centralizado, sob o
controle de corporações e agências nacionais e transnacionais de base urbana.
As freqüentes exortações daqueles que exercem o poder centralizado, em prol

6
Este termo é, no entanto, enganoso, pois traz em si a impressão de que ocorre um processo politicamente neutro. Na verdade,
a globalização vem se caracterizando por crescentes desigualdades de todo tipo, tanto internas quanto entre os países (Pnud,
1997; UNCTAD, 1997). O imperialismo seria uma caracterização mais precisa do que está ocorrendo, pois evoca a noção de
relações desiguais de poder. O locus do poder imperial reside atualmente em umas poucas nações, que detêm o monopólio
dos armamentos de destruição em massa, juntamente com as enormes entidades corporativas transnacionais, em sua maioria
estabelecidas nos países ricos, que detêm o monopólio sobre tecnologias avançadas, finanças globais, acesso a muitos dos
recursos naturais à mídia e à comunicação de massa (Amin, 1997).

434 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

de uma maior descentralização do Estado, raramente incluem uma prévia de-


mocratização do domínio da terra e de outras relações sociais nas localidades
rurais. Isto as deixa sem conteúdo para os pobres rurais. Tal descentralização,
quando ocorre de fato, em geral implica um controle mais severo imposto pelos
poderosos em nível local, com menores oportunidades de apelo a instâncias de
apoio potencial nacional ou transnacional.
Ironicamente, as ideologias neoliberais atualmente em voga interpretam
a privatização dos direitos de propriedade como uma mera concessão de aces-
so seguro à terra por quem quer que possa pagar o preço de mercado. Tal
privatização em geral beneficia os especuladores urbanos e as corporações
transnacionais, mas os direitos à terra dos trabalhadores rurais e camponeses
pobres parecem ser uma preocupação muito secundária. A “privatização” das
cooperativas camponesas em Honduras, por meio da venda à gigante “Chiquita
Brands” (sucessora da United Fruit), não parece ser o que Adam Smith tinha em
mente quando defendia as empresas privadas.
Esses recentes acontecimentos, que desestimulam as iniciativas de
reforma agrária levaram muitos observadores a dizer que a reforma agrária
não é mais uma questão importante. Eles concluem que os pobres rurais
simplesmente terão que esperar até que surjam novas oportunidades de
emprego em outros lugares. Enquanto isso, alguns deles podem ser salvos
por “redes de proteção”, que provêem a subsistência mínima para que não
passem fome. No entanto, a situação está longe de ser tão desalentadora
como implica essa visão.
Primeiro, as perspectivas de reforma agrária no passado eram extre-
mamente pessimistas, até a sua definitiva realização. Elas sempre exigiam
circunstâncias políticas excepcionais, seja revoluções, políticas populistas
dos regimes autoritários ou processos mais democráticos. Não é certo que
a reforma seja politicamente mais difícil agora do que foi no passado. Entre-
tanto, serão necessárias iniciativas imaginativas para a sua realização, de
modo a torná-la eficaz na melhoria da subsistência das populações rurais
pobres em moldes sustentáveis.
A diferenciação social que acompanhou a globalização não apenas afeta,
em termos contraditórios, as capacidades dos movimentos de camponeses e tra-
balhadores rurais em prol da reforma, como também os grandes latifundiários e
seus aliados que se opõem à reforma. As possibilidades de encontrar aliados
influentes dentro das classes populares e classe média urbanas melhoraram para
os camponeses e trabalhadores rurais. Eles podem até mesmo encontrar algum
apoio entre os grandes proprietários progressistas. Ademais, a disseminação de
regimes políticos pluripartidários formalmente democráticos oferece oportunida-
des renovadas para se pressionar por reformas pelo caminho das urnas. Os movi-
mentos ambientais, principalmente nos países desenvolvidos, embora também
venham crescendo nos países em desenvolvimento, podem se tornar aliados im-
portantes dos pobres rurais. Da mesma forma pode ocorrer com os movimentos

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sociais dirigidos ao avanço da igualdade de gêneros e direitos humanos. O cresci-


mento do desemprego urbano estimula as pressões políticas para melhorar as
condições sociais do campo, de modo a deter a migração dos pobres rurais em
direção às cidades ou a outros países.
A concentração de poder político e econômico em capitais nacionais e
em centros de países desenvolvidos deixa os governos mais expostos a pres-
sões por reforma, pelos movimentos progressistas nacionais e internacionais.
Esses movimentos podem focalizar-se na educação, infância, direitos dos tra-
balhadores, ajuda humanitária, direitos sociais, econômicos e outros direitos
humanos, gênero, proteção ambiental e inúmeras outras questões. Todos têm
bons motivos para apoiar as demandas dos camponeses e trabalhadores rurais
por uma distribuição mais justa de direitos à terra, pois pode vir a auxiliá-los no
avanço de suas próprias causas.
As modernas tecnologias de comunicação são hoje em grande parte
controladas e utilizadas pelos ricos, para avançarem em seus próprios inte-
resses. Todavia, elas oferecem novas oportunidades para que os pobres se
organizem, compartilhem informações e mobilizem seus aliados internos e
externos. Para fazer isso, eles têm que, de alguma forma, adquirir um melhor
acesso a essas tecnologias, como protagonistas atuantes, e não meramente
como consumidores potenciais de bens e serviços. Atualmente, a Internet
oferece um bom exemplo de algumas dessas possibilidades, como foi visto
com o uso da rede pelo movimento Zapatista em Chiapas, no México. Quan-
to tempo vai durar este fácil acesso à Internet, sem o controle corporativo
ou estatal, é uma pergunta difícil. Enquanto ainda há espaço, as organiza-
ções progressistas como as ONGs, sindicatos de trabalhadores e movimen-
tos populares, bem como as organizações internacionais, contanto que
estejam atentas aos ideais das Nações Unidas, podem utilizar essas novas
tecnologias para apoiar com eficácia os movimentos populares em prol das
reformas agrárias nos países em desenvolvimento.

4.2 A necessidade de enfoques flexíveis para a reforma agrária


Como foi apontado na Introdução, um sistema de domínio de terras é
um subconjunto das relações sociais. Ele especifica os direitos e deveres dos
diversos atores no seu acesso à terra e aos seus benefícios potenciais. A
dicotomia entre propriedade pública e privada é perigosamente enganosa. As
regras formais de domínio da terra que não reconhecem essa complexidade do
domínio da terra são irrealistas e não, históricas.
No século passado, os defensores do capitalismo ocidental promoviam
a noção de que a terra era meramente mais uma commodity comercial, como o
carvão ou os produtos têxteis. Eles racionalizavam o mito de direitos ilimitados
dos proprietários da terra de usar e abusar de suas propriedades, dispensando
colonos e trabalhadores a bel-prazer. Os direitos dos usuários consuetudinári-

436 Estudos NEAD 5


A reforma agrária nos países em desenvolvimento:
o papel do Estado e de outros agentes

os foram extintos legalmente, embora na prática isto não tenha sido inteira-
mente conseguido sem conflitos violentos e múltiplas exceções. O manifesto
comunista reforçou a ampla aceitação da dicotomia entre a propriedade
pública e a propriedade privada à medida que as suas qualificações de
“propriedade burguesa” e “propriedade atualmente existente” eram esque-
cidas. Nos países capitalistas, os direitos de propriedade privada da terra
estão sendo cada vez mais restritos por meio de regulações de zoneamento,
direito de eminente domínio, uso do solo e normas de proteção ambiental,
subsídios, tributação diferenciada, proteção aos direitos dos inquilinos, e
uma infinidade de outros mecanismos. A ficção de uma entidade corporativa
controlando a terra, não importando o seu tamanho, é legalmente a mesma
que uma pessoa, não importando o quanto ela seja pobre e desamparada,
entretanto, enfraquece muitas das iniciativas de fazer cumprir as obriga-
ções associadas à posse e ao uso da terra.
A reforma agrária é primordialmente uma questão de direitos humanos
básicos. Ela implica o acesso à terra e aos seus benefícios, em termos mais
justos e seguros, para todos aqueles que a cultivam e dela dependem para sua
subsistência. Nas estruturas agrárias injustas, isto implica a redistribuição dos
direitos à terra, para beneficiar os sem-terra, às custas dos grandes latifundiári-
os e outros que se apropriaram de seus benefícios antes da reforma.
Quando esses conceitos de domínio da terra e reforma agrária estão
compreendidos, torna-se mais fácil pensar nos caminhos que conduzirão à
reforma agrária. O que a reforma agrária implica, na prática, sempre depende do
contexto e das circunstâncias particulares, mas os princípios básicos perma-
necem os mesmos. Nos países em desenvolvimento, a reforma agrária em geral
envolve a expropriação de grandes propriedades e a sua redistribuição em
glebas menores familiares, ou em cooperativas administradas pelos trabalha-
dores, embora existam muitas variações, que dependem da situação. Nos luga-
res onde os regimes de propriedades consuetudinárias comuns ainda vigoram,
a reforma pode significar a garantia do domínio e a restituição de terras usurpa-
das. Em alguns casos, os objetivos da reforma agrária podem ser atingidos sem
a redistribuição da terra, mas isto é altamente improvável nos países pobres. O
fundamental é que os beneficiários participem ativamente e democraticamente
no processo, e que todos aqueles que precisam do acesso à terra para sua
subsistência sejam incluídos. Ao mesmo tempo, os direitos básicos das comu-
nidades, das gerações por vir e outros atores legítimos têm que ser protegidos.
As ONGs progressistas e as organizações internacionais engajadas
podem desempenhar papéis importantes de catalisadoras, ajudando os movi-
mentos populares dos camponeses e dos trabalhadores a organizar e pressio-
nar suas demandas por terra. Elas podem ajudar por meio da pesquisa focaliza-
da na subsistência e nos problemas de desenvolvimento sustentável dos po-
bres rurais. Elas podem prover assistência técnica valiosa, recursos materiais e
assessoria legal. Elas podem facilitar o uso das modernas tecnologias de comu-

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nicações pelos camponeses e outros que batalham por reformas. Elas podem
tornar públicas as violações dos direitos humanos e socioeconômicos, a
corrupção e outros abusos sofridos pelos pobres. Elas podem avançar as refor-
mas agrárias em todos os níveis.
Todavia, o seu papel será sempre auxiliar ao que deve ser fundamental-
mente um processo político interno. Os principais atores na realização e con-
solidação de reformas agrárias genuínas devem sempre incluir os sem-terra e
os quase-sem-terra, juntamente com seus aliados políticos e o Estado. As
ONGs bem-intencionadas e as organizações internacionais podem ajudar. Elas
também podem atrapalhar, se não levarem em conta a complexa dinâmica soci-
al embutida na reforma agrária.

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