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Capa

Bruno Corrêa Barbosa


Leonardo de Oliveira Resende
Fábio Prezoto
Elesier Lima Gonçalves
Organizadores:
Artur Andriolo
Fábio Prezoto
Bruno Corrêa Barbosa

Impactos Antrópicos:
Biodiversidade
Aquática & Terrestre

1º edição

Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas:


Comportamento e Biologia animal

Real Consultoria em Negócios Ltda


Juiz de Fora/2018
Impactos Antrópicos:
Biodiversidade
Aquática & Terrestre
Organizadores
Artur Andriolo
Fábio Prezoto
Bruno Corrêa Barbosa

Diagramação e Editoração
Bruno Corrêa Barbosa

Capa
Karla Tavares

Ficha catalográfica

573i
Impactos Antrópicos: Biodiversidade Aquática &
Terrestre / organizadores: Artur Andriolo ...
[et al.]. – Juiz de Fora, MG: Edição dos autores,
2018.
79 p.: il. 21 x 29,7 cm.

ISBN: 978-85-92704-03-2

1. Etologia. 2. Ecologia Comportamental.


3. Zoologia. 4. Ecologia. I. Andriolo, Artur.

CDD 570

Livro disponibilizado no site http://www.ufjf.br/comportamento


*Os autores são responsáveis por todo o conteúdo contido nos respectivos capítulos

Juiz de Fora/2018
Sumário

Capítulo 1 - Urbanização e os Insetos Sociais ............................................................................................ 6

Capítulo 2 - Insetos Aquáticos: Bioindicadores de Impactos Antrópicos ..................................... 18

Capítulo 3 - Répteis e seres humanos: discutindo essa relação ........................................................ 31

Capítulo 4 - A febre maculosa brasileira .................................................................................................... 50

Capítulo 5 - Introdução ao estudo dos representantes do filo Ciliophora Doflein, 1901, com

notas a respeito do impacto antrópico sobre a biologia desses micro-organismos ......................... 63


Apresentação

O Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas – Comportamento e Biologia Animal


(PPGCB-CBA) da UFJF iniciou suas atividades em 1993, tornando-se assim o primeiro curso de
pós-graduação stricto-sensu do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz
de Fora.
O objetivo geral do PPGCB-CBA é a formação e capacitação de estudantes para atuarem
como pesquisadores e docentes no nível superior. Esse objetivo é alcançado através do fomento
ao desenvolvimento da competência envolvida no processo de descrição, entendimento da
organização, conservação, uso sustentável da biodiversidade brasileira e saúde humana e
ambiental. Destaque é dado na execução de trabalhos de pesquisa que colaborem na resolução
de problemas de interesse da sociedade e resultem em suporte para a estruturação de políticas
públicas. As atividades propostas de formação dos estudantes de pós-graduação consideram os
desafios científicos e de formação de recursos humanos impostos pelo momento.
O Curso de Inverno do PPGCB-CBA foi pensado e concebido para promover o exercício
das atividades de ensino dos alunos do programa de doutorado. Enquanto que, simultaneamente,
o conhecimento gerado na academia é compartilhado com os participantes do curso, que tem a
oportunidade de vivenciar, em atividades teóricas e práticas, os assuntos tratados.
Com temática atual intitulada “Impactos Antrópicos: Biodiversidade Aquática e
Terrestre” o curso de 2018 enfatiza a relação entre seres humanos e problemas ambientais. Os
temas tratam da urbanização e os insetos sociais, apresentam insetos aquáticos como
bioindicadores de impactos antrópicos, promovem uma discussão das relações possíveis entre
seres humanos e répteis, abordam o problema da saúde com debate sobre a febre maculosa no
Estado de Minas Gerais e apresentam aspectos ecológicos dos microeucariotos ciliados nos
contextos de mudanças ambientais.
Dada a constatação das rápidas mudanças globais e a intensificação de conflitos entres o
desenvolvimento das sociedades humanas e a conservação da natureza o tema insere-se nas
discussões mais importantes da atualidade

Artur Andriolo
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas
CAPÍTULO 1

URBANIZAÇÃO E OS INSETOS SOCIAIS

Tatiane Tagliatti Maciel*


Bruno Corrêa Barbosa
Fábio Prezoto

Departamento de Botânica, ICB, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus Universitário,


Bairro Martelos, Juiz de Fora, Minas Gerais, CEP 36036-900, Brasil.
Contato: tatitagliatti@hotmail.com

A URBANIZAÇÃO E ÁREAS VERDES


Podemos dizer que o processo de urbanização se iniciou por volta de 8.000 a 5.000
a.C., com a mudança de hábitos nômades (caçadores e coletores) para sedentários (criadores
e agricultores). Os primeiros grupos se fixaram às margens de rios e desenvolveram um
modo de vida sustentável onde não havia necessidade de deslocamento constante. Essas
populações foram então as precursoras das primeiras cidades.
Se antes as preocupações da população era a presença de uma fonte de água limpa,
oferta de alimentos, local de proteção contra intempéries e predadores, hoje os anseios são
bem mais complexos. A Revolução Industrial foi um marco no processo de urbanização. Com
o desenvolvimento de novas tecnologias, que permitiram produções de larga escala e
geração de mão de obra, a população que ainda vivia no meio rural foi atraída para centros
urbanos em desenvolvimento. Daí em diante a população começou a crescer, o poder
aquisitivo aumentou, as condições de vida melhoraram e se iniciou um processo, cada vez
mais crescente, de consumismo. Assim, atualmente, temos mais de 50% da população
mundial residindo nas cidades (United Nation Population Division 2006).

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No entanto, uma paisagem completamente industrial, composta por grandes
edificações, começou a gerar mal-estar nas pessoas que antes eram acostumadas à natureza
exuberante. Para mitigar esses fatores negativos, surgiram então as áreas verdes urbanas.
Inicialmente implantadas a partir da prática da jardinagem no Egito e cultos
religiosos na China, apresentaram, pela primeira vez, a função pública de passeio e lazer que
conhecemos hoje na Grécia antiga (Loboda & Angelis 2005). Já os parques, propriamente
ditos, surgiram primeiro nos países da Europa e por volta do século XVI chegaram à América
como uma peculiar forma de urbanização e consolidação dos espaços urbanos, estreitando
assim as relações entre o homem e a natureza (Segawa 1996). Essas áreas são locais de
vegetação arbórea ou não inseridas ou presentes naturalmente em ambiente urbano como
praças, parques, terrenos baldios, hortas e até mesmo cemitérios.
Curiosamente, não foram os seres humanos os que mais se beneficiaram com a
implementação dessas áreas verdes. Para que o processo de urbanização, expansão das
cidades e crescimento populacional fosse possível, áreas naturais precisaram ser destruídas.
Mas para onde foram todos os animais que ali viviam?
As áreas verdes, ou ecossistemas emergentes, atuam como refúgio para a
biodiversidade local oferecendo abrigo e fontes de alimento e, muitas vezes, proporcionam
uma conectividade entre fragmentos próximos.
Devido às suas particularidades, em alguns casos, como parques, essas áreas podem
apresentar uma riqueza até maior do que áreas naturais, já no caso de áreas menos
complexas, como cemitérios, sua riqueza será mais baixa, no entanto, continuam
desempenhando importante papel ecológico (Maciel & Barbosa 2015; Maciel et al. 2017).

SINANTROPIA E PRAGAS URBANAS


Sinantropia é a capacidade das populações animais de espécies silvestres nativas ou
exóticas, utilizarem recursos de áreas antrópicas, de forma transitória em seu deslocamento,
como via de passagem ou local de descanso; ou permanente, utilizando-as como área de vida.
Animais sinantrópicos não devem ser confundidos com animais domésticos já que
estes, apesar de também adaptados a viver em ambientes urbanos, foram selecionados pelo
homem com as finalidades de companhia (cães, gatos, pássaros, etc.), produção de alimentos
ou transporte (galinha, boi, cavalo, porcos, etc.).
Muitas vezes, a fauna sinantrópica pode ser considerada nociva, ou seja, interagem de
forma negativa com o homem. Nesse caso, são chamadas de pragas urbanas.

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Podem ser considerados como pragas urbanas os animais que causam algum dano ao
homem e as cinco principais pragas são roedores, cupins, baratas, formigas e pernilongos.
Porém, seja por perda material (cupins, carunchos e traças, brocas), transmitindo doenças
(baratas, formigas, moscas, pernilongos, percevejos) ou ameaçando o bem-estar (vespas,
abelhas, piolhos), os insetos, sem dúvida, se destacam devido a grande capacidade de
adaptação de proliferação.
Insetos pertencem ao Filo Arthropoda, Superclasse Hexapoda e Classe Insecta e
correspondem a cerca de 70% de todo o Reino animal, com mais de um milhão de espécies
descritas em todo o planeta. Suas características morfológicas são: três pares de pernas, um
par de antenas, um par de olhos compostos, tórax com três segmentos, um ou dois pares de
asas.
Os insetos sociais, foco de discussão desse capítulo, são representados pelas vespas
sociais, abelhas, formigas e cupins. Suas principais caraterísticas são sobreposição de
gerações, divisão de tarefas e cuidado com a prole.
As vespas e as abelhas oferecem risco físico aos humanos, já que sua maior defesa é o
ferrão. As formigas estão em toda parte! Dentro de casa, em restaurantes, hospitais, causam
grande incômodo apenas por sua presença. No entanto, algumas espécies, como as lava-pés
ou formigas-de-fogo, podem provocar acidentes e causar injúrias graves principalmente em
crianças. Além disso, as formigas são apontadas como possíveis vetores mecânicos de
microrganismos patogênicos. Já os cupins, são considerados uma das cinco piores pragas
urbanas e podem depreciar e inutilizar móveis e madeiramento de construções causando
grandes prejuízos.

OS INSETOS SOCIAIS E SUAS ADAPTAÇÕES AO AMBIENTE URBANO


Vespas sociais
As vespas sociais pertencem a Ordem Hymenoptera e possuem uma importância ecológica
e econômica relevante para o ecossistema urbano e natural, pois atuam como polinizadores,
bioindicadores e como controladores naturais de insetos herbívoros em agroecossistemas.
Podemos dizer que as vespas sociais presentes em grande quantidade em centros
urbanos vêm sendo selecionadas, de certa forma, de acordo com a agressividade, ou seja,
ninhos de espécies mais agressivas são, geralmente, retirados ou comumente queimadas
pela população, já espécies menos agressivas permanecem e se perpetuam, ocorrendo uma
seleção (não proposital) por genótipos menos agressivos, assim como fazemos
propositalmente em animais de criação. No geral, as vespas enxameantes, que precisam de

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centenas de fêmeas associadas para fundarem suas colônias, chamam mais a atenção das
pessoas. Por apresentarem as famosas “caixas de marimbondo” ou “vespeiros” (Figura 1)
assustam pelo tamanho do ninho e pela quantidade de indivíduos que, quando molestadas,
atacam em grande quantidade e podem causar um acidente grave (Prezoto et al. 2016).

Figura 1 - Exemplos colônias de vespas sociais popularmente chamadas de “caixas de


marimbondo” ou “vespeiros”.

Assim, as espécies de fundação independente, ou seja, que fundam suas colônias a


partir de uma (haplometrose) ou poucas fêmeas associadas (pleometrose) (Figura 2A e B),
são mais toleráveis pela população por serem menores (Figura 2C) e bastante discretas.
Estudos atuais discutem ainda a interferência do ambiente na escolha da estratégia adotada
por cada colônia de vespa social independente para fundação de sua colônia. Prezoto et al
(2015) afirmam que populações que vivem em áreas mais naturais utilizam mais a estratégia
de pleometrose, já populações de áreas mais antrópicas preferem fundar colônias por
haplometrose.

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Figura 2 – Colônias fundadas por haplometrose (A) e pleometrose (B), e diferença de
tamanho (C) de colônias de espécies de fundação independentes e fundação por enxame.

Outro exemplo de adaptação comportamental das vespas sociais em ambientes


antrópicos é em relação ao local de nidificação. Construções humanas fornecem proteção
contra chuva, vento, incidência direta do sol e ataque de predadores. Assim, esses insetos
preferem, de certa forma, nidificar nesses tipos de substrato a plantas, por exemplo (Barbosa
2015).
O hábito alimentar das vespas sociais também pode sofrer alterações, devido aos seus
hábitos generalista de forrageio, é possível observar esses insetos forrageando
frequentemente em restos de alimentos humanos, como carnes e copos de refrigerante, por
exemplo (Figura 3).

Figura 3 – Vespas sociais forrageando carnes (boi e frango) preparadas para alimentação humana.

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CAPÍTULO 1
Abelhas
Assim como as vespas, as abelhas também pertencem à ordem Hymenoptera. São
descritas cerca de 20 mil espécies em todo mundo e sua maior característica é a presença
das “corbículas” ou “cestas de pólen”, que é uma modificação das pernas traseiras para coleta
de néctar (Figura 4A e B). Uma das espécies mais conhecidas é a Apis melífera Linnaeus, 1758
(Figura 4C), uma abelha africanizada introduzida no Brasil em 1839 com o objetivo de
aumentar a produção de mel e cera no país. No entanto, essa espécie se adaptou tão bem às
nossas condições climáticas e ambientais que hoje oferecem ameaça às abelhas nativas.

Figura 4 – Perna adaptada chamada de “corbículas” ou “cestas de pólen”; B – Abelha com as


corbículas cheias de néctar coletados; C – Indivíduo de Apis melífera, abelha africanizada
introduzida no Brasil em 1839.

Quando falamos em abelhas pensamos imediatamente em mel! Mas de onde vem o


mel? As abelhas possuem uma espécie de reservatório onde guardam o néctar e outras
substâncias açucaradas coletados pelas operárias durante o forrageio. Ao chegar na colônia,
as operárias transferem essas substâncias para outras abelhas que utilizam enzimas para
processar e quebrar os açúcares dessas substâncias. Cerca de meia hora depois, o mel é
espalhado pelos favos para que a água evapore e ele fique bem concentrado. Esse processo
facilita a digestão do mel para asa abelhas e impede que ele seja atacado por bactérias.
Durante a coleta de néctar para a produção de mel, as abelhas desempenham um
papel fundamental para nós, os seres humanos: a polinização! Mesmo com todas as novas
tecnologias, ainda são as abelhas as responsáveis pela maior parte da polinização dos nossos
alimentos. Por esse motivo, as abelhas e outros insetos polinizadores são alvo de diversas
pesquisas. Sobretudo em áreas urbanas, onde funções ecossistêmicas e ciclos

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CAPÍTULO 1
biogeoquímicos podem ser afetados pelos processos de urbanização, esses estudos são
fundamentais.
Na falta de áreas de florestas com recursos florais abundantes, esses insetos
procuram, no ambiente urbano, fontes alternativas de alimentos. Restaurantes, lanchonetes
ou até no churrasco do final de semana, as abelhas estão sempre presentes esperando uma
chance para coletarem algum recurso que possa ser utilizado, e as substâncias preferidas
pelas abelhas são os refrigerantes! Com altas concentrações de açúcar, os refrigerantes são
um prato cheio para esses insetos. É possível perceber ainda que, no momento de forrageio
em ambiente humano, esses insetos demonstram uma baixa agressividade, diferente das
encontradas no ambiente natural.

Formigas
Pertencentes à mesma ordem que as vespas e as abelhas, as formigas estão
distribuídas em praticamente todos os ambientes terrestres e representam cerca de 12 mil
espécies em todo o mundo. Contribuem para a estabilidade do ambiente desempenhando
papel fundamental na ciclagem de nutrientes, aeração dos solos, dispersão de sementes e
controlando, ainda, algumas espécies de insetos que podem causar danos aos seres
humanos. Estima-se que, dentre todas as espécies de formigas, apenas dez podem ser
consideradas sinantrópicas. Ainda assim, por apresentarem colônias compostas por até
milhões de indivíduos, essas formigas urbanas podem causar grandes danos.
O sucesso dessas formigas urbanas se deve à sua sociabilidade, ao hábito alimentar
onívoro e à pouca especialização em seus comportamentos. Além disso, de acordo com
Bueno & Bueno (2007), foi detectada uma diminuição na variabilidade genética das formigas
urbanas, ou seja, há um alto grau de parentesco entre as populações e, com isso, diminuição
de agressividade intraespecífica mesmo de colônias diferentes, o que possibilita a formação
de megacolônias interligadas.
Ainda segundo Bueno & Bueno (2007), os ninhos das formigas urbanas são pouco
estruturados. Por isso, essas formigas conseguem se estabelecer dentro das moradias em
pequenas frestas nas estruturas, sob azulejos e pisos, batentes de portas e até equipamentos
eletrônicos (Figura 5).

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CAPÍTULO 1

Figura 5 – A – Colônia de formiga sob azulejos; B – Danos causados na estrutura de uma casa
devido à presença do formigueiro. Autor: Retirada da internet.

Assim como as vespas sociais, as formigas também se beneficiam ao nidificarem em


construções humanas, já que essas fornecem proteção contra chuva, vento, incidência direta
do sol e ataque de predadores e um melhor controle da temperatura. Fernandes et al (2014)
registram uma espécie [Camponotus sericeiventris (Guérin-Méneville, 1838)] tipicamente
arborícola colonizando, pela primeira vez, substrato humano. No estudo, a espécie foi
encontrada nidificando uma peça de cimento da calçada (Figura 6) onde usufruía das
características térmicas do cimento para controlar a temperatura interna da colônia em
épocas do ano mais frias.
Um outro comportamento adaptado dessas formigas ao ambiente urbano é o fato de
utilizarem a estratégia de fuga para se defenderem. Quando há uma perturbação, as
operárias, seguidas pelas rainhas, fogem para todas as direções carregando as crias nas
mandíbulas e mudam a colônia de lugar.
Predominam no ambiente urbano as espécies que possuem várias rainhas. Essa
condição é chamada de poliginia e mais de 200 rainhas podem conviver sem a presença de
comportamento agressivo.
Além disso, a reprodução dessas espécies também sofreu alterações. Para reduzir a
taxa de predação das rainhas, algumas aboliram o voo nupcial e o acasalamento ocorre
dentro do próprio ninho ou em suas proximidades.
Já a formação de novas colônias de formigas urbanas se dá por sociotomia, ou seja, uma
colônia, ao apresentar alta densidade populacional ou sofrer grande perturbação pelo
homem (mecânica ou química), se divide e pode formar até cinco novas colônias.

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CAPÍTULO 1

Figura 6 – A - Local de fundação da colônia de Camponotus sericeiventris; B – Indivíduo de C.


sericeiventris em postura agressiva de defesa; C e D - Área escavada para a fundação da
colônia e remoção de placas de cimento. Fonte: Fernandes et al (2014).

Cupins
Único grupo de insetos sociais que não são hymenópteros, os cupins, ou térmitas,
pertencem à Ordem Isoptera e desempenham um papel fundamental no ambiente natural,
participando da ciclagem de nutrientes como decompositores de troncos e restos vegetais. Com
cerca de 3 mil espécies descritas no mundo e 300 no Brasil, menos de 30 espécies estão adaptadas
para viver no mesmo ambiente que os seres humanos.
Dos insetos sociais, os cupins são os que apresentam a maior diferenciação morfológica
entre as castas. A casta dominante é composta por indivíduos cegos, ápteros (sem asas) e estéreis,
responsáveis pela construção dos ninhos e dos túneis, cuidado com a prole, coleta dos alimentos e
alimentação dos outros membros da colônia, são os chamados operários. Também cegos, ápteros
e estéreis, os soldados se diferenciam dos operários por apresentarem fortes mandíbulas, já que
são responsáveis pela defesa da colônia. Os membros reprodutores da colônia, por sua vez, são
alados, enxergam, possuem órgãos reprodutores funcionais e podem ser machos ou fêmeas.

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CAPÍTULO 1
Conhecidos como “siriris” ou “aleluias”, esses insetos têm revoada na primavera onde os machos
e as fêmeas se encontram, perdem suas asas, formam o casal real e iniciam juntos uma nova
colônia. Uma característica marcante em muitas espécies de cupins é o aumento no tamanho da
rainha dado pelo grande desenvolvimento do aparelho reprodutor. Essas rainhas são chamadas de
fisogástricas (Figura 7).

Figura 7 – Representação das diferentes castas apresentadas na sociedade dos cupins.

Os cupins são, inevitavelmente, relacionados à prejuízos materiais e, por isso, são talvez
os insetos-praga urbanos mais conhecidos pela população no geral. Essa fama tem motivo, já que
as espécies de cupins urbanos se adaptaram tão bem que conseguiram colonizar praticamente todos
os tipos de ambiente. Devido ao seu comportamento e hábitos de nidificação e alimentação, os
cupins são capazes de causar danos em madeiras estruturais, mobiliário e até em grama.
Os cupins subterrâneos mais comuns nas áreas urbanas pertencem aos gêneros Syntermes
e Coptotermes. Os Syntermes são frequentemente confundidos com formigas. Os soldados
apresentam mandíbulas robustas, cabeças avermelhadas e alta agressividade. Com hábito noturno,
operários e soldados saem para forragear folhas e raízes por orifícios na grama conhecidos como
“olheiros”. Esses cupins têm preferência pelas espécies de grama utilizadas em jardins e campos
de futebol e a grama infestada fica amarelada, seca e morre.
Entre os Coptotermes, Coptotermes gestroi se destaca. Popularmente chamada de “cupim
de solo” ou “cupim de parede”, essa espécie foi introduzida no Brasil e já está bem estabelecida
na região costeira. Os soldados dessa espécie são facilmente reconhecidos por apresentarem
cabeças alaranjadas e mandíbulas de pontas finas e recurvadas. Os ninhos são cartonados,
construídos com uma mistura de solo, partículas de madeira, saliva e fezes e podem ser aéreos ou
subterrâneos. Esses cupins forrageiam utilizando túneis construídos ao longo das árvores,

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CAPÍTULO 1
superfície do solo e paredes das edificações. Podem causar danos a madeiras, papéis, papelão,
plástico, reboco, isopor, metal, borracha, betume, gesso, cabos elétricos, telefônicos, interruptores
e tomadas.
A invasão humana a áreas florestais possibilitou a aproximação das residências à árvores e
vegetação nativas, com isso, facilitou a entrada de cupins arborícolas nessas construções. No
Brasil, Nasutitermes corniger (Motschulsky, 1855) é a principal espécie praga desse tipo de cupim.
Os N. corniger constroem ninhos cartonados sobre as árvores ligados ao solo por túneis e é
exatamente através desses túneis que podem chegar às residências e atacar madeiramento de
telhados, forros e cercas. Um outro gênero que vem apresentando riscos no Brasil é o
Microcerotermes que, em áreas naturais se alimentam de plantas vivas e vegetação ao redor, mas
foi recentemente encontrado em várias regiões de São Paulo atacando vigas de telhados, armários
embutidos, rodapés e até papéis, o que mostra uma adaptação desse gênero.
No entanto, são as espécies de madeira seca as que mais se adaptaram ao ambiente urbano.
Pertencente à família Kalotermitidae, Cryptotermes brevis (Walker, 1853) é a maior responsável
pelas infestações. C. brevis apresenta ninhos pequenos com crescimento lento. Outra característica
bastante marcante é o fato de que a morte da rainha não significa o fim da colônia, já que os
indivíduos adultos podem se transformar em reprodutores e uma grande parte da colônia é
composta por ninfas com brotos alares, podendo também se transformar quando preciso. Esses
cupins vivem em galerias escavadas na própria madeira infestada da qual ele se alimenta. A
infestação é percebida através do “pozinho de cupim”, resíduos fecais eliminados
intermitentemente que se acumulam sob os objetos contaminados. Entre os materiais atacados
estão móveis, molduras de quadros, pianos, portas, rodapés, forros, vigas de telhado, compensados
ou qualquer outro objeto de madeira. Além disso, livros, cortinas, roupas ou papéis podem ser
perfurados por esses cupins.

Bibliografia
Barbosa, B.C. (2015). Vespas sociais (Vespidae: Polistinae) em fragmento urbano: riqueza,
distribuição espacial e redes de interação. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil. 68p
Bueno, O.C. & Bueno, F.C. (2007). Controle de formigas em áreas urbanas. Manejo de Pragas
Urbanas. Ed. CP2, Piracicaba, 68-77.
Bueno, O.C.; Campos, A.E.C. & Morini, M.S.C. (2017) Formigas em ambientes urbanos no
Brasil. 1ª. ed. Bauru, SP.: Canal6 editora, 683p .

16
CAPÍTULO 1
Fernandes, E.F.; Castro, M.M.D.; Barbosa, B.C. & Prezoto, F. (2014). Variation in nesting
behavior of the arboreal ant Camponotus sericeiventris (Hymenoptera: Formicidae).
Florida Entomologist, 97(3), 1237-1239.
Maciel, T. T. & Barbosa, B. C. 2015. Áreas verdes urbanas: história, conceitos e importância
ecológica. CES Revista 29 (1): 30-42.
Maciel, T. T., Barbosa, B. C., & Prezoto, F. (2017) áreas verdes urbanas e a sua participação
na qualidade de vida de humanos e animais em grandes cidades, pp. 87-94. In:
Barbosa, B.C.; Resende, L.O.; Prezoto, F. & Gonçalves, E. L. (eds.). Tópicos em
Sustentabilidade & Conservação, Juiz de Fora, Real Consultoria em Negócios Ltda,
107p
Prezoto F.; Castro M.M.; De Souza A.R. & Gobbi N. (2015). Foundress association in the paper
wasp Polistes simillimus (Hymenoptera: Vespidae). Florida Entomologist, 98(2), 556-
559.
Prezoto, F.; Barbosa, B.C.; Maciel, T.T.; Detoni, M. (2016) Agroecossistemas e o serviço
ecológico dos insetos na sustentabilidade. In: Leonardo de Oliveira Resende; Fábio
Prezoto; Bruno Corrêa Barbosa; Elesier Lima Gonçalves. (Org.). Sustentabilidade:
Tópicos da Zona da Mata Mineira. 1ed.Juiz de Fora: Independente, p. 18-29.

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CAPÍTULO 2

INSETOS AQUÁTICOS:
BIOINDICADORES DE IMPACTOS ANTRÓPICOS

Pedro Henrique Monteiro do Amaral*


Roberto da Gama Alves

Laboratório de Invertebrados Bentônicos (LIB), Departamento de Zoologia, Instituto de


Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Bairro Martelos, Juiz de Fora,
Minas Gerais, CEP 36036900, Brasil.
*Contato: pedrobio2009@gmail.com

Desde a antiguidade, a resposta dos organismos vivos frente a diferentes estressores


ambientais tem sido utilizada como ferramenta para avaliar e monitorar mudanças na
qualidade do ambiente em que vivem (Magalhães & Filho 2008). Na Inglaterra, por volta de
1880, canarinhos faziam parte dos elementos de segurança dos operários da mineração de
carvão, indicando níveis perigosos de gases venenosos no fundo das minas. Há também
relatos de que Aristóteles (384-322 a.C.), considerado o fundador da ciência, submeteu
peixes de água doce à água do mar para estudar suas reações. Por responderem às mudanças
nas condições ambientais dos ecossistemas aquáticos, diversos grupos como peixes,
perifíton, oligoquetas e insetos aquáticos têm sido utilizados como indicadores de impactos
antrópicos (Fausch et al. 1990; Martín et al. 2004; Amaral et al. 2015). Vale ressaltar que,
apesar das modificações ambientais serem mais intensas através das ações humanas,
fenômenos naturais como enchentes, furacões e tornados podem levar a alterações no
ambiente e concomitantemente na estrutura da comunidade aquática (Martins et. 2014).

18
CAPÍTULO 2
Os ecossistemas aquáticos são sistemas extremamente dinâmicos, com complexa
interação entre a fauna aquática e seu ambiente físico e químico (Silveira 2004). Alterações
na paisagem associadas aos diferentes usos da terra é a principal ameaça à integridade da
estrutura física e química do ambiente aquático, que na maioria das vezes é o principal
determinador da diversidade e abundância de sua fauna (Silveira 2004). Mudanças na
estrutura da comunidade de insetos aquáticos em diferentes escalas, tanto espaciais como
temporais, têm sido utilizadas como indicadoras de qualidade ambiental, permitindo
detectar, analisar e avaliar os impactos ocorridos nos ecossistemas aquáticos. O efeito dessas
mudanças na biodiversidade de insetos são bem conhecidas (ver Amaral et al. 2015; Andrade
et al. 2017; Rosa et. 2018), permitindo incorporá-las na avaliação do estado de preservação
de um ecossistema aquático.
A qualidade dos ambientes aquáticos é um assunto crescente e de fundamental
importância para a sobrevivência humana (Roque et al. 2014) pois fornecem água limpa para
o consumo humano, irrigam florestas, mantêm a produção agrícola e a biodiversidade
terrestre e aquática (Allan 2004) por isso, seus habitats devem ser conservados. Porém,
ainda se observa que estudos da conservação de ambientes aquáticos têm recebido menos
atenção quando comparada com o ambiente terrestre (Strayer & Dudgeon 2010). Nesse
contexto, é importante a abordagem de conceitos fundamentais para o melhor entendimento
do uso dos insetos aquáticos como bioindicadores de impactos antrópicos em sistemas
aquáticos.

IMPACTO ANTRÓPICO
Impacto antrópico é definido como toda ação realizada pelo homem na qual resulta
em um desequilíbrio ao meio ambiente. No tocante ao impacto ambiental, o que consta no
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Resolução CONAMA Nº 01, de 23 de janeiro de 1986),
para efetivo legal é:

“...qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio


ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das
atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: (I) a saúde, a segurança e o
bem-estar da população; (II) as atividades sociais e econômicas; (III) a biota; (IV) as
condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e; (V) a qualidade dos recursos
ambientais”.

19
CAPÍTULO 2
No entanto, em todo o planeta, praticamente não existe um ecossistema que não tenha
sofrido alguma influência antrópica, seja direta ou indiretamente, comprometendo a
quantidade e a qualidade dos recursos naturais disponíveis (Goulart & Callisto 2003),
estando o homem prestes a enfrentar uma crise ambiental sem precedentes. De acordo com
o mapa técnico desenvolvido pela United Nations Environment Programme (2002), nos
últimos 150 anos, a humanidade tem impactado e alterado cerca de 47% de todo planeta, e
pelos próximos 50 anos, os impactos poderão atingir cerca de 90%, acarretando um aumento
substancial de problemas ambientais relacionados à saúde, aos habitats, à biodiversidade, à
produção de alimento e aos recursos de água doce.

AÇÃO HUMANA SOBRE AS ÁGUAS


Os ecossistemas aquáticos têm sido utilizados para os mais diversos fins, seja para o
abastecimento público, recreação, geração de energia, agricultura, aquicultura ou mineração
(Ferreira et al. 2017). Como consequência dessas e de outras atividades, tem-se observado
uma redução da quantidade e da qualidade das águas, bem como uma expressiva perda da
biodiversidade aquática, ocorrida pela desestabilização do ambiente físico, químico e da
dinâmica natural das comunidades aquáticas (Moulton 1998). A tabela abaixo (tabela 1)
lista, de maneira sucinta, alguma das principais alterações antrópicas causadas por
diferentes usos da terra sobre os corpos d´agua.
Neste cenário, podemos verificar que os ecossistemas aquáticos são sistemas
extremamente dinâmicos e que rios e riachos atuam como uma rede interativa entre os
compartimentos terrestre e aquático das paisagens, refletindo o uso e ocupação do solo de
suas respectivas bacias de drenagem (Souza et al. 2011). Essas mudanças na estrutura da
fauna aquática refletem o estado de conservação desse ecossistema, integrando os efeitos
dos diferentes agentes impactantes e fornecendo uma medida agregadora dos impactos
(Barbour et al. 1999). De acordo com Cairns et al. (1993), é de suma importância a correta
identificação dos efeitos das ações antropogênicas sobre os sistemas biológicos. Assim,
entender essa dinâmica é importante na avaliação do estado ecológico de um sistema
aquático e, respostas derivadas do uso de indicadores ecológicos podem indicar uma boa ou
má qualidade da água, permitindo detectar e avaliar os impactos ocorridos nesses
ecossistemas (Wang et al. 2016).

20
CAPÍTULO 2
Tabela 1 - Principais alterações antrópicas causada por diferentes usos da terra sobre os
corpos d’água (adaptado de Ferreira et. 2017).

Atividade Descrição do efeito no ambiente e na fauna Pressões ambientais

Alteração do ciclo hidrológico entre


evapotranspiração e escoamento superficial, -Lançamento de esgoto
modificando a amplitude e frequência das não tratado
*Urbanização inundações; contaminação e aumento da carga -Canalização
orgânica; alteração parcial ou total de habitats, com -Desmatamento
substituição e/ou desaparecimento da fauna -Assoreamento
aquática.
Aumentado na carga de metais pesados, sintéticos e -Contaminação
orgânicos, levando a uma diminuição e/ou -Desmatamento
eliminação da fauna aquática; Contaminação e -Parcelamento do solo
*Industrialização
acúmulo de materiais tóxicos, comprometendo o -Aumento no escoamento
abastecimento público de água e o consumo de superficial
pescado.

Aumento na concentração de nutrientes e de -Entrada de fertilizantes e


substancias tóxicas nos ambientes aquáticos, e nos agrotóxicos
tecidos da fauna; Supressão da vegetação natural, -Redução da vegetação
*Agricultura
com aumento da entrada de luz, modificando a natural
composição da fauna; alteração granulométrica do -Erosão
sedimento; Diminuição da quantidade de água. -Alteração hidrológica

Erosão e aporte de materiais (sedimento, rejeito e


-Extração
outros) levando ao assoreamento e alteração das
-Contaminação
características físico-químicas da água; Perda de
*Mineração -Assoreamento
substratos de alimentação e fixação da fauna;
-Redução da vegetação
Redução na diversidade de invertebrados e de
natural
peixes.

BIOINDICADORES DE QUALIDADE DA ÁGUA


Os bioindicadores aquáticos são espécies, grupos de espécies ou comunidades
biológicas cuja presença, abundância e distribuição indicam a magnitude e a dimensão do
impacto ambiental em um ecossistema aquático e sua bacia de drenagem (Callisto et al.
2005), permitindo uma avaliação eficaz dos efeitos ecológicos causados no ambiente.
Diferentes grupos de organismos são potencialmente indicadores, podendo citar alguns
Filos com representantes importantes, como: Platyhelminthes, Annelida, Mollusca e

21
CAPÍTULO 2
Arthropoda. Dentre estes, os Arthropoda possuem a maior diversidade estimada de espécies,
tanto no Brasil (1.539 espécies), quanto no mundo (aproximadamente 29.600 espécies), com
representantes que podem ser encontrados tanto em ambientes aquáticos pequenos como
poças de água e copos de bromélia, até em grandes rios e lagos (Paula, 2008).
No entanto, para se buscar o organismo indicador recomendado para determinado
ambiente aquático é necessário verificar se sua presença, abundância e/ou comportamento
refletem o efeito dos múltiplos estressores ambientais sobre a fauna. Para tanto, é necessário
que os organismos utilizados apresentem algumas características, como: (i) fácil
amostragem; (ii) sensibilidade as alterações físicas e químicas do ambiente; (iii) serem
detectáveis e mensuráveis às alterações; (iv) preditores, predizendo mudanças evitáveis por
intervenções de manejo e; (v) baixa variabilidade nas respostas frente as alterações
ambientais sofridas (Paula 2008).
Dentre os diferentes grupos de organismos aquáticos, as comunidades de
macroinvertebrados bentônicos têm sido cada vez mais utilizadas como bioindicadores de
qualidade ambiental, pois refletem não só a situação momentânea do sistema, mas também
a poluição não-pontual (Arias et al. 2007; Martins et al. 2014) como por exemplo, as
modificações causadas no ambiente pela urbanização e as atividades industriais (Bieger et
al. 2010), pela pastagem (Amaral et al. 2015) e pela monocultura (Andrade et al. 2017). No
Brasil, os primeiros trabalhos com macroinvertebrados bentônicos foram iniciados na
década de 1960, na região amazônica por Fittkau (1971) e Reis (1977) e em São Paulo por
Strixino (1971) e Rocha (1972). Em alguns estados do país, o enfoque de bioindicadores de
qualidade de água começou a ser discutido recentemente por representantes de ONGs,
governo, órgãos de fiscalização e empresas (Moreno & Callisto 2006).
Entre os invertebrados, os insetos formam o grupo taxonômico mais utilizado em
estudos de avaliação ambiental (Baptista 2008), pois esses organismos são capazes de
viverem e manterem alta diversidade na maioria dos ecossistemas aquáticos (Rosemberg &
Resh, 1993). Por reste razão, vários países estão realizando o biomonitoramento dos
ecossistemas aquáticos usando os insetos como indicadores ambientais.

INSETOS AQUÁTICOS NA AVALIAÇÃO AMBIENTAL


A classe Insecta constitui a mais diversificada e abundante existente na terra, com
aproximadamente 1 milhão de espécies descritas (Ferreira et al. 2017), com representantes
encontrados em ambientes terrestre e aquático. Insetos que passam pelo menos um estágio
do seu ciclo de vida em ambiente com água são chamados de insetos aquáticos. Esses

22
CAPÍTULO 2
organismos são importantes na estrutura e funcionamento dos ecossistemas aquáticos, onde
sua distribuição é influenciada pelas características do sedimento, profundidade da coluna
d’água, disponibilidade de microhabitats, vegetação ripária, competição entre as diferentes
espécies, mudanças na produção primária e indiretamente afetada por modificações nas
concentrações de nutrientes (Queiroz et al. 2000). De acordo com Rosenberg & Resh (1993)
e Resh et al. (1995) insetos aquáticos têm sido apontados como indicadores ideais das
condições locais da qualidade das águas por exibirem vantagens na avaliação, como:

I. Cosmopolita, presentes em diversos tipos de ambientes aquáticos o que facilita


sua amostragem;
II. Grande número de espécies, com diferentes respostas aos impactos
ambientais (espécies sensíveis e tolerantes);
III. Baixa capacidade de deslocamento, permitindo uma análise espacial dos
impactos ambientais;
IV. Ciclo de vida relativamente longo, o que possibilita a elucidação dos efeitos da
poluição por longos períodos;
V. Facilidade de coleta dos organismos, é realizada com equipamento de baixo
custo e simples de operar;
VI. Vivem e se alimentam dentro, sobre, e próximo aos sedimentos, onde as
toxinas tendem a acumular;
VII. Medida holística do impacto ecológico, o que permite integrar o efeito de
diferentes poluentes e as condições do ambiente ao longo do tempo.

Contudo, apesar dos insetos aquáticos serem monitores contínuos do hábitat em que
vivem, e constantemente utilizados em estudos de avaliação de qualidade do ecossistema
aquático (Watanabe 2007) é preciso levar em consideração algumas dificuldades (Resh &
Jackson 1993):

I. Dificuldade na identificação taxonômica, devido ao grande número de espécies


é necessário o treinamento específico para pessoal qualificado na área;
II. Grande tempo gasto até o resultado final, em função da triagem e identificação
do material;
III. Trabalhos quantitativos requerem grande número de amostras, podendo
tornar o estudo oneroso.

23
CAPÍTULO 2
Em geral, as dificuldades encontradas no uso desses organismos em estudos de
avaliação ecológica estão relacionadas à necessidade de profissionais treinados e
capacitados para identificar e analisar táxons amostrados (Silveira 2004). Contudo, o uso
dos insetos aquáticos em programas de avaliação ambiental é uma tendência crescente nos
estudos de qualidade da água, sendo usados como uma análise complementar no
gerenciamento ambiental (Souza 2013).

MEDIDAS BIOINDICADORAS
Diferentes medidas bioindicadoras são empregadas em estudos de avaliação
ecológica de ecossistemas aquáticos, que podem ser distribuídas em cinco principais
categorias: (i) composição taxonômica; (ii) riqueza; (iii) diversidade; (iv) grupo funcional de
alimentação e; (v) tolerância (Tabela 2). Normalmente essas métricas apresentam respostas
distintas em ambientes preservados e impactados, podendo ser empregadas
individualmente ou combinadas entre si, compondo um índice multimétrico (Martins et al.
2014). O aumento ou diminuição de uma das medidas aplicadas no estudo de avaliação
ecológica e proporcional ao impacto do ecossistema aquático (Silveira 2004). Como exemplo,
a medida de grupo trófico “fragmentador” irá diminuir proporcionalmente com a redução da
cobertura vegetal, devido a uma diminuição na entrada de matéria orgânica particulada
grossa (Amaral et al. 2015).
Para que possa ser incorporado como uma medida de avaliação ambiental, as
métricas usadas devem refletir o impacto de maneira confiável e precisa (Thorne & Williams
1997). De acordo com Graça & Coimbra (1998), organismos altamente dependentes de
oxigênio, correnteza e do tamanho das partículas do substrato são importantes indicadores
de boa qualidade ambiental, refletindo de maneira confiável o impacto no ecossistema
aquático. Nesse grupo podemos incluir todos os Plecoptera, e grande parte dos
Ephemeroptera e Trichoptera (Amaral et al. 2015). Por outro lado, a redução na qualidade
da água pode diminuir e/ou eliminar ordens mais sensíveis e levar a um aumento de táxons
menos exigentes (tolerantes) as baixas concentrações de oxigênio, como por exemplo, alguns
Chironomidae do gênero Chironomus (Graça & Coimbra 1998). De maneira geral, ambientes
que apresentam uma melhor qualidade da água apresentam elevada diversidade de
organismos, quando comparando com ambientes menos íntegros e com baixa qualidade da
água (Barbosa & Callisto 2000).
É importante ressaltar que em estudos de avaliação ambiental, a eficiência da
resposta dos insetos aquáticos frente a um determinado impacto, dependerá do nível

24
CAPÍTULO 2
taxonômico utilizado para detectar os padrões ecológicos investigados (Rosa et al. 2018)
onde a redução taxonômica deve ser inversamente proporcional a intensidade do impacto
existente (Melo & Hepp 2008). Ou seja, níveis taxonômicos mais detalhados devem ser
usados para identificar impactos ambientais mais sutis, enquanto níveis taxonômicos
superiores podem ser eficientes em detectar impactos mais severos (Martins et al. 2014).

PROJEÇÕES FUTURAS
Historicamente, programas de avaliação ambiental de ecossistemas aquáticos têm
sido realizados por metodologias tradicionais, baseadas apenas em parâmetros físicos,
químicos e microbiológicos (coliformes totais e fecais) (Goulart & Callisto 2003). No entanto,
diversos países como, por exemplo, Estados Unidos, vem desenvolvendo protocolos e
utilizando cada vez mais os invertebrados aquáticos em seus programas de avaliação
ambiental dos ecossistemas aquáticos (Smith et al. 1999) Para que se possa ter uma ideia,
dos cinquenta estados que constituem o país, quarenta e dois já utilizam índices biológicos
multimétricos (Karr 1998).
No Brasil, apesar do aumento nos estudos que utilizam estes organismos na avaliação
ambiental dos ecossistemas aquáticos, ainda é necessário vencer alguns obstáculos para se
consolidar como metodologia de grande relevância em programas de avaliação de qualidade
de água (Silveira et al. 2004). O baixo investimento em pesquisas básicas (por exemplo,
taxonomistas e ecólogos) e a falta de padronização das metodologias estabelecidas que
busque direcionar as atividades de avaliação ambiental dos ecossistemas aquáticos e tornar
os dados disponíveis (Martins et al. 2014) são exemplos dos obstáculos a serem vencidos.
Portanto, as lacunas do conhecimento devem ser estudadas e preenchidas para que se possa
aplicar e adaptar as metodologias para as nossas regiões, e assim propor uma legislação
ambiental que inclua o uso dos invertebrados aquáticos na avaliação de qualidade de água.
Desse modo, o presente capítulo teve como objetivo principal contribuir para o
conhecimento do uso dos insetos aquáticos como instrumento de avaliação ambiental,
principalmente de ecossistemas lóticos, como rios e riachos, e assim, contribuir com a
literatura brasileira sobre o uso desses organismos.

25
CAPÍTULO 2
Tabela 2 - Medidas de composição, riqueza, diversidade e tolerância usada em estudos de
avaliação ambiental e as respostas esperadas (ver Silveira, 2004; Baptista et al. 2008;
Martins et al. 2014).
Medidas Resposta Definição
Composição
Contribuição relativa de EPT* em relação
EPT* % Diminui
à fauna total.
Contribuição relativa de Ephemeroptera
Ephemeroptera % Diminui
em relação à fauna total.
Contribuição relativa de Plecoptera em
Plecoptera % Diminui
relação à fauna total.
Contribuição relativa de Trichoptera em
Trichoptera % Diminui
relação à fauna total.
Riqueza
Número de diferentes famílias de
Total de Táxons Diminui
macroinvertebrados.

Número de Táxons de EPT* Diminui Número de famílias de EPT*

Número de táxons de Ephemeroptera Diminui Número de famílias de Ephemeroptera.

Número de táxons de Plecoptera Diminui Número de famílias de Plecoptera.

Número de táxons de Trichoptera Diminui Número de famílias de Trichoptera

Grupo Trófico
Contribuição relativa de fragmentador
Fragmentador % Diminui
em relação à fauna total.
Diversidade
Número de indivíduos, bem como o
Diversidade de Shannon Diminui
número de táxons.
Tolerância
Abundância de EPT* em relação à
EPT/Chironomidae Diminui
abundância de Chironomidae.
Índices Bióticos com valores de
Índice Biótico BMWP** Diminui tolerância pré-estabelecidos para táxons
(famílias, gêneros, espécies).

26
CAPÍTULO 2
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30
CAPÍTULO 3

RÉPTEIS E SERES HUMANOS: DISCUTINDO ESSA RELAÇÃO

Paola Rosa de Oliveira*


Bernadete Maria de Sousa

Laboratório de Répteis, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de


Fora, Rua José Lourenço Kelmer, s/n, Campus Universitário, Bairro São Pedro, CEP 36036-
900, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.
*Contato: paolarooliveira91@gmail.com

Os primeiros animais Tetrápodes, ou seja, que possuem quatro patas (membros para
locomoção), surgiram a cerca de 408 milhões de anos e parecem ter surgido a partir de
peixes com nadadeiras lobadas (Sarcopterygii), na segunda metade do período Devoniano
(Era Paleozóica) (Pough et al. 2008; Silva & Araújo 2008). A linhagem que originou os
Tetrapoda, tendo como ancestral comum os Sarcopterygii, deu origem ao grupo dos
Rhipidistia onde os grupos viventes são os anfíbios, répteis, aves e mamíferos (Liem et al.
2013). Com o tempo, os tetrápodes foram se adaptando e se modificando, conquistando o
ambiente terrestre. Entre as grandes aquisições para o ambiente terrestre destaca-se o ovo
amniótico; seu surgimento permitiu aos vertebrados uma conquista mais efetiva do meio
terrestre, uma vez que esse tipo de ovo é capaz de reter sua própria reserva de água,
viabilizando a independência do ambiente aquático (Silva & Araújo 2008).
Os Amniotas (vertebrados que possuem o tipo de ovo amniótico) conhecidos como
Répteis (do latim reptare = “rastejar”), são animais que dentre outras características
possuem a pele recoberta por escamas e são ectotérmicos (a temperatura corporal é
regulada de acordo com a temperatura ambiental) (Araújo & Luna 2017). O grupo dos
Répteis é bem diverso, podendo-se observar representantes que vivem em diferentes

31
CAPÍTULO 3
habitats, com diferentes formas corporais, diferentes modos reprodutivos e com os mais
diversificados hábitos alimentares. Os diferentes subgrupos que formam o grande grupo dos
Répteis são apresentados na Tabela 1.
É possível encontrar representantes do clado dos Répteis nos mais variados habitats,
sendo encontrado praticamente em todo o globo terrestre (Pough et al. 2008).
Mundialmente, são conhecidas mais de 10.700 espécies de Répteis (Figura 1), sendo 194
espécies de anfisbenas, 6.451 espécies de lagartos, 3.691 espécies de serpentes, 350 espécies
de quelônios (= Testudines), 24 espécies de Crocodylia e 1 espécie de Rhynchocephalia (Uetz
& Hosek 2018). Os Squamata (lagartos, serpentes e anfisbenas) compreendem cerca de 95%
dos Répteis viventes conhecidos (Hickman et al. 2001). Dentre os diversos grupos de
Reptilia, apenas Rhynchocenphalia (“tuataras”) (Figura 1a) não ocorrem no Brasil; todos os
demais grupos possuem representantes. O Brasil possui atualmente descritas 842 espécies
e subespécies, destas 75 são anfisbenas, 282 espécies de lagartos, 442 espécies de serpentes,
37 espécies de quelônios e 6 espécies de Crocodylia; destas, 47% (395) são endêmicas do
território nacional (Costa & Bérnils 2018). O Brasil possui uma grande diversidade de
Répteis, ocupando o 3° lugar de riqueza de espécies de Répteis no mundo, atrás apenas da
Austrália e do México (Costa & Bérnils 2018). Quando focamos no estado de Minas Gerais,
encontramos um total de 260 Répteis registrados (11 Testudines, 2 Crocodylia, 72
“Lagartos”, 16 Amphisbaenia e 159 Serpentes).
A história evolutiva do ser humano sempre esteve profundamente envolvida com
outros seres vivos, possuindo uma conexão emocional inata com as demais espécies da Terra
(Wilson 1989; Araújo & Luna 2017). Desta forma, desenvolveu-se um significativo sistema
informacional com relação as espécies e o ambiente, que se traduz em saberes, crenças e
práticas culturais relacionados com a fauna de cada lugar (Araújo & Luna 2017).
Segundo Souto et al. (2014), “as interações foram se diversificando tão intensamente
como a própria evolução cultural, social e tecnológica dos homens. Temos hoje relações
trófica, econômica, afetiva, mítico-religiosa, médica, lúdica, simbológica, estética, artística,
ergonômica, ... uma infinidade de possibilidades”. Tais formas de interação homem-animal
podem ser estudadas sobre diferentes perspectivas, inter e intraculturais, sobre diferentes
abordagens; sejam voltadas a investigação dos sistemas de classificação popular, aos
conhecimentos biológicos e ecológicos sobre determinadas espécies ou ambientes e, ainda
pela análise de mitos, tabus e crenças relativos aos animais (Pinto et al. 2015).
Em diversas situações a relação homem-animal pode ser ‘desvantajosa’; o que pode
ocasionar a perseguição desses animais, como ocorre com alguns Répteis. Tal perseguição

32
CAPÍTULO 3
humana de anti-conservação em relação a Répteis e outros pode ser explicada pelo folclore
e valores negativos (Araújo & Luna 2017) que alguns desses animais representam para o
homem. Os Répteis não são responsáveis por nenhum prejuízo econômico e são inofensivos,
porém, são temidos e perseguidos (Araújo 2016), por julgarem os mesmos perigosos (sem
distinção de grupo), como apontado pela pesquisa de Araújo & Luna (2017). As serpentes
são um bom exemplo, apesar de despertarem admiração e curiosidade, ainda estão
presentes no imaginário popular de forma negativa, despertando também medo e repulsa
(Lima et al. 2017).

Figura 1 - Exemplos de Répteis encontrados no Brasil e no Mundo. (a) Sphenodon punctatus


(Gray, 1842); (b) Caiman latirostris (Daudin, 1802); (c) Tropidurus sp. (Wied-Neuwied,
1820); (d) Oxyrhopus occipitalis (Wied-Neuwied, 1824). Créditos das imagens ao lado
esquerdo.

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Tabela 1 - Relação dos subgrupos (ordens e subordens) que formam o clado dos Répteis, com
exemplos de representantes com nome científico e nome popular.

RÉPTEIS
Exemplos Exemplos
(Nomes Científicos) (Nomes Populares)
Hydromedusa
maximiliani Cágado Pescoço de Cobra
(Mikan, 1820)
Ordem Testudines
Chelonoidis carbonarius Jabuti
(Spix, 1824)
Chelonia mydas Tartaruga Marinha
(Linnaeus, 1758)
Sphenodon punctatus
Ordem Rhynchocephalia Tuatara
(Gray, 1842)
Ordem Squamata
Tropidurus torquatus Calango, Lagartixa,
Subordem Sauria
(Wied-Neuwied, 1820) Lagarto
Subordem Amphisbaenia alba
Cobra de Duas Cabeças
amphisbaenia (Linnaeus, 1758)
Bothrops jararaca
Subordem Ophidia Cobra, Serpente
(Wied-Neuwied, 1824)
Caiman crocodilus
Ordem Crocodylia Jacaretinga
(Linnaeus, 1758)

A falta de conhecimento que uma sociedade possui sobre determinadas espécies pode
favorecer seu extermínio indiscriminado (Moura et al. 2010); por isso o conhecimento se
torna de suma importância para a conservação da biodiversidade (Pinto et al. 2015). Estudos
de Araújo & Luna (2017) e Neto (2011), que entrevistaram pessoas de diferentes localidades,
evidenciaram este fato, quando mais da metade dos entrevistados afirmaram que os Répteis
não apresentam uso/importância para sociedade.
Considerando que a relação Répteis – Seres Humanos há tempos é conflituosa, ao
longo do presente capítulo discutiremos algumas interações entre os mesmos. Objetivamos,
através de exemplos e explicações biológicas e ecológicas, desmistificar estes animais, tão

34
CAPÍTULO 3
interessantes e também tão perseguidos, ressaltando sua importância a nível local, regional
e mundial.

ECOLOGICAMENTE FALANDO...
Entender a importância ecológica dos Répteis é fundamental para a conservação dos
diferentes grupos. Ecologicamente falando, como os hábitos dos Répteis podem influenciar
no dia-a-dia do homem?
Os cágados, tartarugas e jabutis formam o grupo denominado “quelônios”. São
espécies aquáticas e semiaquáticas (marinha ou de água doce), que se locomovem
lentamente quando em terra, mas são nadadores vorazes. Possuem quatro membros e nas
espécies marinhas os membros anteriores são modificados em nadadeiras e os posteriores
em remo. Possuem o corpo envolvido por uma carapaça que é dividida em espaldar (parte
superior) e plastrão (parte inferior). Não possuem dentes e, portanto, se alimentam por
sucção ou retiram um pedaço do alimento através de um bico córneo. São onívoros (se
alimentam de diferentes fontes de proteína, seja animal ou vegetal) e ovíparos (Hickman et
al. 2001; Pough et al. 2008).
Em comparação aos anfíbios (sapos, pererecas), os Répteis em geral não são muito
aplicados em estudos como bioindicadores (Bertoluci et al. 2009). Espécies consideradas
bioindicadoras são aquelas utilizadas para avaliar a qualidade ambiental, através de uma
conexão entre efeitos ecológicos e saúde do organismo. Bioindicadores ideais são aqueles
organismos com ciclo de vida longo, que possuem ampla distribuição geográfica e
populações na área de estudo. Os quelônios, por sua vez, além de todas essas características,
estão posicionados intermediariamente na cadeia trófica e são facilmente capturados (Silva
2011). Phrynops geoffroanus (Shweigger, 1812), conhecido como cágado-de-barbicha, é uma
espécie amplamente distribuída na região neotropical e trata-se de uma espécie de quelônio
bioindicadora, considerando que podem ser encontradas em lagos, açudes, rios e riachos,
mesmos os poluídos (Silva 2011; Deconte 2012), tal espécie parece se adaptar bem a
diferentes mudanças do habitat. Por outro lado, destacamos a Hydromedusa maximiliani
(Mikan, 1820), popularmente conhecida como cágado-pescoço-de-cobra, que habita riachos
e rios estreitos, de água translucida e com pedras e vegetação na margem; e, devido a essa
especificidade de hábitat e a forma que o usa, torna-se um ótimo bioindicador de qualidade
do habitat (Novelli et al. 2013; Lima 2014).
Os lagartos formam o grupo mais numeroso mundialmente e, portanto, o mais
diversificado; sendo encontrado em ambientes terrestres, subterrâneos, arbóreos, aquáticos

35
CAPÍTULO 3
e até aéreos. Possuem variadas formas corporais, do alongado ao achatado dorso-
ventralmente. A grande maioria possui membros para locomoção, a grande exceção são os
lagartos do gênero Ophiodes Wagler, 1828 (popularmente conhecidas como cobra de vidro),
que são ápodos (sem patas). São observados dois tipos de reprodução: há lagartos ovíparos
(colocam ovos, e o filhote termina seu desenvolvimento fora do corpo materno) ou vivíparos
(todo o desenvolvimento embrionário ocorre dentro do corpo materno). A presença de
ouvido externo e pálpebras móveis é comum neste grupo; e, quanto a seu período de
atividade, podem ser noturnos (como o caso do Hemidactylus mabouia (Moreau de Jonnés,
1818) – lagartixa de parede, presente em residências) ou diurnos (como Tropidurus
torquatus – calango) (Hickman et al. 2001; Pough et al. 2008; Montechiaro et al. 2011).
As serpentes, conhecidas popularmente como cobras, são ápodes, totalmente
desprovidas de membros para locomoção (o modo de locomoção mais comum é através de
ondulações laterais do corpo). Também podem ser encontradas nos mais diversos
ambientes, incluindo arbóreo. Possuem hábito, em sua grande maioria, diurno, mas também
podem ser encontradas em atividades durante a noite. Assim como os lagartos, as serpentes
podem ser ovíparas ou vivíparas. Não possuem ouvido externo mas não são surdas e não
possue, pálpebras, porém, existe uma membrana para proteção ocular. São bastantes
sensíveis a vibrações transportadas pelo solo (captadas pela mandíbula). Possuem órgãos
de sentido bem apurados como o ‘órgão de Jacobson’ (= órgão vomeronasal) –
quimiorreceptor, localizado no teto da boca – e a ‘fosseta loreal’ (= fosseta labial em boídeos,
ex.: Corallus batesii (Gray, 1860) – jibóia) – termorreceptor, localizado entre os olhos e as
narinas nas serpentes do grupo crotalineo (Hickman et al. 2001; Pinho & Pereira 2001;
Pough et al. 2008; Dias & Andrade 2015).
Todas as serpentes são carnívoras e ingerem sua presa por inteiro (Cardoso et al.
2009), enquanto a maioria dos lagartos apresenta uma dieta composta principalmente por
artrópodes (Silva & Araújo 2008). As diferentes espécies de lagartos e serpentes apresentam
variadas especializações alimentares, como por exemplo, serpentes que possuem a cabeça
abrupta com mandíbulas alongadas, sendo capazes de alcançar o interior da concha e
consumir o caracol ou serpentes que não possuem quase nenhum dente, que engolem ovos
de aves inteiros e que só são quebrados por hipoapófises (processos ventrais das vértebras
do pescoço); e, por fim, os camaleões que protraem a língua para capturar insetos com sua
extremidade pegajosa (Pough et al. 2008). Devido à grande diversidade de hábitos
alimentares e da dieta alimentar, lagartos e serpentes são de fundamental importância no
controle de populacional de invertebrados e de outros vertebrados (Bittencourt 2004;

36
CAPÍTULO 3
Pazinato 2013). Serpentes como a Crotalus durissus Linnaeus, 1758 (cascavel) que possuem
a dieta composta por pequenos roedores (Valle & Brites 2012; Mello 2013), ou como
Sibynomorphus neuwied (Ihering, 1911) e S. mikanii (Schlegel, 1837), serpentes comumente
conhecidas como dormideira ou jararaquinha, alimentam-se de caramujos (Bittencourt
2004); lagartos como Tropidurus oreadicus Rodrigues, 1937 (calango) tem preferência
alimentar por insetos (Rocha & Siqueira 2008), tais espécies podem ser consideradas de
suma importância como controladores biológicos de animais considerados pragas (urbanas
ou agropecuárias) e vetores de doenças.
As anfibenas ou cobra de duas cabeças formam um grupo extremamente
especializado em Squamata para a vida subterrânea, apresentando diversas adaptações
morfológicas. Possuem o corpo alongado e cilíndrico com numerosos anéis externos, não
apresentam membros locomotores, são ovíparas e seus olhos e ouvidos são minúsculos,
quase que ausentes visivelmente. Todas essas características unidas fazem com que
frequentemente este animal seja confundido com minhocas (Hickman et al. 2001; Pough et
al. 2008). Devido ao seu hábito de vida, pouco se sabe ainda sobre sua ecologia e biologia.
Vale ressaltar que as anfisbenas juntamente com os lagartos conhecidos como cobra-de-
vidro (Ophiodes sp.) (Figura 2) são comumente confundidos com serpentes, devido
principalmente à sua forma corporal, o que resulta em uma classificação errónea de
“perigosas” (Pires et al. 2010) e ocasiona a morte desnecessária desses animais,
principalmente por medo.

Figura 2 - Exemplares de Amphisbaena alba Linnaeus, 1758 (a) e Ophiodes sp. (b), espécies
comumente confundidas com serpentes. Créditos das imagens ao lado esquerdo.

37
CAPÍTULO 3
O papel biológico dos Répteis deve ser difundido de forma que contribua para a
elaboração de propostas de conservação e de resolução de problemas, como superpopulação
de alguma espécie invasora e/ou danosa a saúde pública, e estudos de impactos ambientais
locais ou regionais, conectando o conhecimento científico ao popular. Resumidamente, os
Répteis são de suma importância para manutenção do equilíbrio ecológico devido
principalmente aos seus hábitos alimentares e auxiliam na percepção do ambiente uma vez
que são sensíveis a algumas alterações ocasionadas por fatores bióticos e abióticos.

SOCIOECONOMICAMENTE FALANDO....
Do ponto de vista socioeconômico, os Répteis são utilizados e discutidos nas áreas da
saúde e alimentação. Destacaremos implicações de saúde pública com relação ao uso desses
animais em zooterapias e na fabricação de medicamentos.
As serpentes (ou ofídios) são uns dos animais mais temidos pelos seres humanos, pois
grande parte das pessoas acreditam que serão atacadas sempre que se depararem com esses
animais (Araújo & Luna 2017). Como exemplificamos anteriormente, as serpentes possuem
um importante papel ecológico no controle populacional de outras espécies, já que são
carnívoras, e também são fonte de alimento para diversos outros animais. No entanto, este
grupo está presente no imaginário popular, na maioria das vezes, de forma negativa; seja
pela sua morfologia, que causa medo e repulsa, ou seja por constituir de várias formas as
crendices populares, sendo a personificação do mal na Terra, como por exemplo na Bíblia
Sagrada, onde as serpentes representam o mal, incentivando Adão e Eva a pecar, o que causa
a expulsão dos mesmos do Paraíso (Lima et al. 2017).
Diante da necessidade de adaptações ao longo da evolução do grupo das serpentes,
diferentes formas de dentição também evoluíram. As quatro formas de dentição encontradas
em serpentes são: áglifa (não há dentes inoculadores de peçonha ou veneno), opistóglifa (um
ou mais dentes especializados na secreção de substâncias ativas na porção posterior da
maxila), proteróglifa (dentes anteriores localizados no maxilar são conectados a glândula de
veneno) e solenóglifa (um único dente funcional em cada maxila, extremamente grande e
diferenciado aos demais, especializado na inoculação de peçonha/veneno) (Pough et al.
2008; Cardoso et al. 2009). As variadas formas de dentição juntamente com a presença ou
ausência de peçonha/veneno provavelmente evoluíram como uma adaptação alimentar
(Cardoso et al. 2009).
Envenenamentos causados por acidentes ofídicos são de grande interesse à saúde
pública tanto pela incidência e frequência em que ocorram, quanto pela mortalidade

38
CAPÍTULO 3
ocasionada (Pinho & Pereira 2001; Moura & Mourão 2012). No Brasil são relatados mais de
20.000 acidentes ofídicos por ano; a maioria acontece nos meses quentes e chuvosos do ano,
mas também está associada ao aumento da atividade humana no campo (Pinho & Pereira
2001; Moura & Mourão 2012; Araújo & Luna 2017). Os acidentes são causados pelo encontro
com serpentes da família Elapidae (Micrurus sp. e Leptomicrurus sp.) e Viperidae (Crotalus
sp., Lachesis sp., Bothrops sp. e Bothrocophias sp.) (Figura 3); sendo que as serpentes do
gênero Bothrops são responsáveis por 90 % dos acidentes ofídicos no Brasil (Moura &
Mourão 2012).

Figura 3 - Exemplos de espécies de serpentes peçonhentas que são encontradas no Brasil e


que causam acidentes ofídicos. (a) Crotalus durissus Linnaeus, 1758; (b) Bothrops moojeni
Hoge, 1966; (c) Lachesis muta (Linnaeus, 1766); (d) Micrurus sp. Créditos das imagens ao
lado esquerdo.

Como exemplificado anteriormente, há uma grande variedade de serpentes


peçonhentas e com isso pode-se observar diferentes potenciais de ação associados a
peçonha. As serpentes elapídicas, que são as corais verdadeiras, Micrurus e Leptomicrurus,
tem ação principalmente neurotóxica; das cascavéis, Crotalus durissus spp., tem atividade
miotóxica, neurotóxica e coagulante; as serpentes dos gêneros Bothrops sp. e Bothrocophias

39
CAPÍTULO 3
sp. possuem peçonha com ação proteolítica, coagulante e hemorrágica; e por fim, a peçonha
laquética, que são as surucurus, tem atividade proteolítica, coagulante, hemorrágica e
neurotóxica (Cardoso et al. 2009). O tratamento indicado pelo Ministério da Saúde para
acidentes ofídicos é a administração intravenosa do soro antiofídico, sendo produzidos os
soros das principais serpentes causadoras de acidentes no Brasil: o soro antielapídico
(Micrurus sp. – corais verdadeiras), o soro antilaquético (Lachesis muta spp. – surucucu, pico
de jaca), o soro anticrotálico (Crotalus sp. – cascavéis) e o soro antibotrópico (Bothrops sp. –
jararaca); há também alguns soros produzidos de forma a induzir resposta a dois tipos
diferentes de peçonhas como o soro antibotrópico-laquético (Bothrops sp. + Lachesis sp.) e o
antibotrópico-crotálico (Bothrops sp. + Crotalus sp.) (Moura & Mourão 2012), estes tipos de
soros são indicados para quando o paciente não tem certeza de qual serpente causou o
acidente.
No entanto, em algumas regiões, é difícil o acesso ao soro e a outros medicamentos,
sendo comum o uso de zooterápicos. Tal prática é comum nas regiões norte/nordeste do
Brasil (Moura et al. 2010). A utilização de animais como medicamentos é uma prática antiga,
data desde o antigo Egito, onde substâncias provenientes de glândulas ou até partes dos
animais eram utilizadas para fins medicinais (Araújo 2016). Ao longo do tempo, as
comunidades humanas desenvolveram uma prática de amplo conhecimento das
propriedades terapêuticas e medicinais de muitos animais e plantas, sendo possível
observar o uso de animais medicinais tanto em ambientes rurais quanto em ambientes
urbanos no Brasil. O uso de tais recursos naturais como remédios populares frequentemente
substitui medicamentos produzidos pela indústria farmacêutica com preços muitas vezes
acima do alcance econômico local ou de difícil acesso (Ferreira et al. 2009; Pinto et al. 2015).
Algumas espécies de Répteis (Figura 4) utilizadas como zooterápicos, a forma de uso e as
enfermidades combatidas são apresentadas na Tabela 2.
Vale ressaltar que a comercialização de animais silvestre é proibida, sendo que a
maioria do comércio acontece de forma clandestina ou semiclandestina. Muitas espécies
utilizadas são listadas como raras ou ameaçadas de extinção. O uso e comercialização de
zooterápicos resulta em variadas implicações ecológicas, culturais, sociais, públicas e de
saúde (Alves et al. 2008; Ferreira et al. 2009). Entretanto, o uso de animais medicinais por
vezes está enraizado em determinado local, através dos chamados “curandeiros” ou da
própria população, sendo resultado de gerações de experiências acumuladas,
experimentação e troca de informações (Costa-Neto 2000).

40
Tabela 2 - Lista de algumas espécies de Répteis usados como zooterápicos, material orgânico
utilizado e enfermidade tratada utilizados em diferentes regiões no Brasil.

Zooterápico
Material
(nome científico) Enfermidade Referência
Utilizado
(nome popular)

Inchaço, dor de garganta,


Phrynops geoffroanus gripe, nariz entupido, Alves et al. (2012a)
(Scheweigger, 1812) Gordura queimadura, fratura óssea, Confessor et al. (2009)
(cágado de barbicha) tumor, derrame, perebas e Costa-Neto (2000)
reumatismo
Phrynops tuberosus
Asma, reumatismo e
(Peters, 1870) Casco e gordura Ferreira et al. (2009)
hematomas
(ajapá)
Dor de garganta, trombose,
dor, furunculose, Alves et al. (2012a)
Salvator merianae
Gordura, cauda, inflamações (“estrepes”), Confessor et al. (2009)
(Dumeril & Bibron, 1839)
carne e couro problemas nos olhos, Ferreira et al. (2009)
(teiú, tejú)
inchaço, dores de ouvido e Costa-Neto (2000)
reumatismo
Tropidurus hispidus
Alves et al. (2012a)
(Spix, 1825) Animal inteiro Dor de garganta
Ferreira et al. (2009)
(calango, lagartixa)
Iguana iguana
Osso, gordura e Espinhos, furunculose,
(Linnaeus, 1758) Confessor et al. (2009)
couro inchaços e “estrepes”
(Iguana)
Reumatismo, manchas a
pele, problemas oculares, Alves et al. (2012a)
Crotalus durissus
Gordura e fascite plantar, inchaço, Confessor et al. (2009)
Linnaeus, 1758
chocalho dores em geral, rouquidão, Ferreira et al. (2009)
(cascavel)
tumor, feridas, mordida de Costa-Neto (2000)
cobra, osteoporose e lepra
Boa constrictor Reumatismo, inchaço,
Alves et al. (2012)
Linnaeus, 1758 Gordura hérnia de disco e fraturas
Costa- Neto (2000)
(jibóia) ósseas
Pinto et al. (2015)
Caiman cf latirostris Derrame, mordida de
Casco, pele e Costa-Neto & Resende
(Daudin, 1802) cobra, dores lombares e
dente (2004)
(jacaré do papo amarelo) reumatismo
Costa-Neto (2000)

41
CAPÍTULO 3

Figura 4 - Exemplos de Répteis utilizados como zooterápicos. (a) Boa constrictor Linnaeus,
1758; (b) Iguana iguana (Linnaeus, 1758); (c) Phrynops geoffroanus (Scheweigger, 1812).
Créditos das imagens ao lado esquerdo.

Entretanto, existem alguns Répteis amplamente utilizados pela indústria


farmacêutica e outros tanto ainda sendo estudados. Alguns destes são citados abaixo:
• A cola cirúrgica ou adesivo cirúrgico é uma substância utilizada em suturas, que
favorece a cicatrização. É derivada do veneno de serpentes, como a cascavel (Crotalus sp.),
sendo composto por fibrinogênio de origem animal e uma enzima trombina-like, obtida do
veneno de serpente. A cola cirúrgica de fibrina com base em veneno de serpente, além de
auxiliar na cicatrização, evita a transmissão de doenças como hepatite, aids, sífilis e doença
de Chagas por não conter componentes derivados do sangue humano (Goulart 2013; Lima
et al. 2017).
• O Captopril é um medicamento desenvolvido por pesquisadores dos Estados Unidos,
utilizado para tratamento de hipertensão arterial. Tal medicamento foi elaborado a partir da
peçonha de jararacas (Bothrops sp.). Em 2001, pesquisadores do Instituto Butantan (Brasil),

42
CAPÍTULO 3
patentearam o Evasin, medicamento similar ao Captopril que apresenta uma ação mais
seletiva (Pazinato 2013; Lima et al. 2017).
• O Enpak (Endogenous pain killer) é uma substância de origem protéica com poder
analgésico obtida da peçonha de cascavel (Crotalus sp.) e também foi desenvolvida no
Instituto Butantan (Brasil). Seu potencial de ação é similar ao da morfina, no entanto, é 600
x mais poderoso (Pazinato 2013).
• O potencial farmacológico de Lachesis muta (surucucu) tem sido estudado no
Instituto Butantan (Brasil) quanto a sua ação imunossupressora da peçonha, ou seja, a
capacidade de diminuir a resposta imunológica do organismo. Determinado medicamento
pode ser usado em transplantes, tratamento de doenças autoimunes, processos de reação
alérgica e infecções (Pazinato 2013).
A atividade de caça tem desempenhado importante papel como estratégia de
reprodução social de grupos humanos que vivem nas áreas de floresta tropical do planeta,
onde os recursos faunísticos são utilizados para diversas finalidades, inclusiva alimentação
(Figueiredo & Barros 2015). A caça de subsistência e o uso da fauna são práticas antigas e
que desempenham um importante papel socioeconômico ao fornecer carne de alto valor
nutritivo e representam uma forma tradicional de manejo da fauna silvestre. Os animais não
são usados só como alimentos, mas também como remédios, couro, pele e peças ornamentais
(Alves et al. 2012b; Lima et al. 2017).
Cajaiba et al. (2015) destacam que a caça e consumo de animais silvestres por
humanos vem sendo apontada como uma das principais causas de extinção ou declínio
populacional de várias espécies; diminuição da densidade populacional das espécies
caçadas; redução da massa corporal média das populações em consequência da seleção dos
animais maiores e diminuição da produtividade futura das populações caçadas. Por sua vez,
a caça tem seus efeitos intensificados pela fragmentação de habitat ampliando as
possibilidades de acesso dos caçadores a áreas anteriormente quase inacessíveis (Cajaiba et
al. 2015).
Os Répteis não são os animais mais caçados no ponto de vista do número de espécies,
ficando atrás de mamíferos e aves. Dentre as espécies de Répteis destaca-se a caça para uso
alimentar de: Chelonoidis carbonarius (Spix, 1824) – jabuti-vermelho, Chelonoidis
denticulatus - jabuti-amarelo, Podocnemis expansa (Schweigger, 1812) – tartaruga-da-
Amazônia, Podocnemis unifilis Troschel, 1848 - tracajá, Iguana iguana (Linnaeus, 1758) -
iguana, Salvator merianae (Dumeril & Bibron, 1839) - teiú, Melanosuchus niger (Spix, 1825)
– jacaré açu, Caiman crocodilus (Linnaeus, 1758) - jacaretinga, Caiman latirostris (Daudin,

43
CAPÍTULO 3
1802) – jacaré-do-papo-amarelo, Boa constrictor Linnaeus, 1758 – jibóia (Alves et al. 2012b;
Cajaiba et al. 2015; Figueiredo & Barros 2015; Yves et al. 2018 no prelo).
Os diferentes métodos de caça podem causar danos morfológicos aos animais, como
exemplificado por Yves et al. (NO PRELO), em Caiman latirostris com a parte inferior da
mandíbula sem preenchimento orgânico (Figura 5); esta injúria pode ser associada a
armadilhas comumente utilizadas na captura desses animais. Dentre as espécies citadas
acima, algumas podem ser encontradas na lista de espécies ameaçadas da International
Union for Conservation of Nature (IUCN 2018) com o status “dependente de conservação”
como Podocnemis expansa e Melanosuchus niger; e outras com status “vulnerável” como
Podocnemis unifilis e Chelonoidis denticulatus. A presença destas espécies na lista de ameaça
de extinção, sejam em maior ou menor grau, nos coloca frente ao desafio de buscar novas
formas de exploração, visando minimizar o impacto sobre as diferentes espécies (Cajaiba et
al. 2015).

Figura 5 - Espécime de Caiman latirostris (Daudin, 1802) encontrada sem o preenchimento


da mandíbula. Créditos das imagens ao lado esquerdo.

44
CAPÍTULO 3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer a fauna, em especial a herpetofauna (anfíbios e répteis) de uma região
auxilia em um maior conhecimento das espécies existentes em uma região, contribuindo
assim em sua conservação e preservação. Mais do que o crescimento científico das espécies
de uma região é importante conhecer como essas interagem com as espécies vizinhas
(aquelas com quem compartilham o habitat); dentre essas espécies destacamos os seres
humanos. Ao longo deste capítulo vimos a quão antiga, conturbada e importante é a relação
Homem x Animal; e, principalmente Homem x Répteis. Com isso, trabalhos como este, que
explicam a importância da relação Homem – Animal se tornam tão relevantes.
Keller & Westervelt (1984) discutiram a relação do homem com o meio ambiente,
ressaltando que as atitudes em relação ao meio ambiente em geral (vida selvagem, poluição
do ar, superpopulação, etc.) parecem ser influenciadas por características socio-
demográficas como idade, origem, étnica, sexo, área de residência, habilidade escolar, status
socioeconômico, ocupação parental, conhecimento do mundo natural, participação ativa em
atividades orientadas para natureza e uma variedade de agentes culturais, incluindo livros,
televisão, escola, família e amigos. Tal fato é comprovado pelo uso de zooterápicos, por
exemplo, que é observado em grande parte em habitantes de zonas rurais, onde o alcance e
disponibilidade ao medicamento farmacêutico é limitado; sendo observado em menor uso
em habitantes de zonas urbanas. Também é de conhecimento a profunda relação que homem
do campo tem com os animais, como ao saber onde encontrá-lo e seus comportamentos
frequentes de reprodução e alimentação, auxiliando diretamente no conhecimento
científico.
Ressaltamos a importância ecológica, biológica e social que nos levam a refletir e nos
questionar: “Esses animais merecem nosso esforço de conservação?” A resposta hoje e
sempre deve ser: “Sim, qualquer animal merece!”, seja ele doméstico ou silvestre, de
importância médica e alimentícia ou ‘sem uso’ para o homem, seja ele agressivo ou pacífico,
peçonhento/venenoso ou inofensivo. Nosso dever é o de informar e esperar que tais
informações sejam repassadas, discutidas e vivenciadas de forma a conservar as mais
diferentes espécies de nosso planeta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Plantas e Animais Medicinais em Área Metropolitanas do Norte e Nordeste do Brasil.
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45
CAPÍTULO 3
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49
CAPÍTULO 4

A FEBRE MACULOSA BRASILEIRA

Emília de Carvalho Nunes

Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas – Comportamento e Biologia Animal,


Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Rua José Lourenço
Kelmer, s/n, Campus Universitário, Bairro São Pedro, CEP 36036-900, Juiz de Fora, Minas
Gerais, Brasil.
Contato: emiliacnunes@gmail.com

Breve Histórico da doença


As rickettsioses são zoonoses de distribuição cosmopolita, causadas por bactérias
patogênicas que fazem parte da família Rickettsiaceae, Ordem Rickettsiales. Causam impacto
significativo sobre a saúde pública e sobre atividades econômicas, por atingirem animais
domésticos, o que favorece a extensão cíclica da cadeia de infecção (Pinter et al. 2011)
Após a ocorrência dos prováveis primeiros casos, em 1873, o primeiro relato de febre
maculosa (FM) nas Américas foi realizado por Edward E. Maxey, em 1899, nos Estados
Unidos da América (EUA) no Estado de Idaho (Maxey 1899), onde foi realizada a descrição
clínica de uma doença caracterizada por febre alta, acompanhada de erupções purpúreas na
pele, que ocorrem primeiramente nos tornozelos, pulsos e testa, e depois espalha-se pelo
corpo (Maxey 1899). Tal enfermidade por ser registrada primeiramente em uma área dos
EUA onde o relevo é composto por cadeias de montanhas, foi denominada de Febre Maculosa
das Montanhas Rochosas (Maxey 1899; Parola et al. 2005).
Sete anos após o primeiro relato da doença, Howard T. Ricketts consolidou o conceito
de caráter infeccioso atribuído à recém descrita doença, caracterizando a etiologia

50
CAPÍTULO 4
bacteriana, corroborou a possível transmissão vetorial por carrapatos e identificou o agente
etiológico, posteriormente chamando de Rickettsia rickettsii (Ricketts 1906; 1909).
Por vários anos esta espécie foi a única riquétsia associada à doença humana no
hemisfério ocidental (Parola et al. 2005; Parola et al. 2013). Entre 1916 e 1919, Wolbach,
pela primeira vez, visualiza o agente etiológico, no interior de células endoteliais humanas
lesadas e descreve a presença do agente em exemplares de carrapatos de todas as fases
evolutivas, incluindo ovos (Parola et al. 2005; Dantas-Torres 2007). A partir de 1920, a
Febre Maculosa das Montanhas Rochosas passou a ser notificada pelo sistema de vigilância
em âmbito nacional nos EUA (Paddock et al. 1999)
Alguns anos depois, outras riquétsias foram detectadas e descritas na América do
Norte: R. parkeri em 1939, R. montanensis em 1963, e R. rhipicephalus em 1978. (Raoult &
Roux 1997; Parola & Raoult 2001; Brouqui et al. 2007; Eldin & Parola 2015).
Nos continentes Europeu e Africano, durante algumas décadas R. conorii foi
considerada como a única riquétsia transmitida por carrapatos a humanos. Da mesma forma,
R. sibirica na ex-União Soviética e China e R. australis na Austrália, foram por muito tempo as
únicas riquétsias transmitidas por carrapatos a humanos (Raoult & Roux, 1997; Parola et al.
2005; Brouqui et al. 2007; Parola et al. 2009)
No Brasil, as primeiras descrições da Febra Maculosa Brasileira, quando ainda era
denominada “typho exanthemático de São Paulo”, se remetem ao ano de 1929, a partir da
ocorrência de casos na capital paulista, em áreas que passavam por um processo de expansão
urbana e que hoje corresponderiam aos bairros de Sumaré, Perdizes e Pinheiros (Piza et al.
1932; Labruna 2009).
Após a primeira descrição, deixou de ser detectada por alguns anos, vindo a se tornar
um problema de saúde pública em meados de 1980 nos Estados de São Paulo, onde passou
a ocorrer de maneira endêmica, sobretudo, nos municípios localizados nas bacias
hidrográficas dos rios Atibaia, Jaguari e Camanducaia, sendo os mais importantes Pedreira e
Jaguariúna, ambos na região de Campinas, interior do estado de São Paulo (Del Guercio et al.
1997; Lemos et al. 2001; Lima et al. 2003). A aparente reemergência da doença também foi
observada no estado de Minas Gerais, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, e
se deu, aproximadamente, à mesma época em que a FMB volta a ser descrita no estado de
São Paulo (Lemos et al. 1994; Minas Gerais. Coordenação Estadual de Zoonoses 2001).
Na tabela 1 é possível observar a evolução dos números de casos confirmados da
doença no país nos últimos anos. (SINAN 2018)

51
CAPÍTULO 4
Tabela1 – Casos confirmados de Febre Maculosa Brasileira no Sistema de Agravos de
Notificação no Brasil.
Ano 1º
RO TO CE PB BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF Total
Sintoma(s)
<1975 - - - - - - - - 1 - - - - - - - 1
2001 - - - - - - - - - 1 - - - - - - 1
2006 - - - - - - - - - - 1 - - - - - 1
2007 - - - - 1 13 4 13 33 2 34 2 - - - - 102
2008 - - - - - 12 2 8 43 2 25 - - - - - 92
2009 - - - - - 11 1 6 68 1 38 2 - - - - 127
2010 - - 1 1 - 10 5 7 66 3 26 - - 1 1 - 121
2011 - - - - - 18 8 16 82 1 26 1 - - - - 152
2012 - - 1 - 1 11 3 5 83 4 38 - - - 2 - 148
2013 - - 4 - - 16 4 6 61 2 33 2 - - - 1 129
2014 - - 3 - - 12 5 22 82 2 52 1 - - - - 179
2015 1 - 5 - - 19 5 11 111 5 19 - 3 - 4 - 183
2016 2 - 2 - - 21 7 13 62 3 27 - 2 - 3 1 143
2017 - 1 2 1 - 25 1 2 46 4 16 2 - - 1 - 101
Total 3 1 18 2 2 168 45 109 738 30 335 10 5 1 11 2 1480

O Estado de Minas Gerais é o terceiro Estado com maior número de casos de FMB
país, com 168 casos na última década (SINAN 2018), com taxa de mortalidade de 34,31%,
com destaque para os municípios de Belo Horizonte, Juiz de Fora e Ipatinga.

TRANSMISSÃO
Nos humanos, FM é adquirida pela picada do carrapato infectado com a riquétsia e a
transmissão ocorre quando o mesmo permanece aderido ao hospedeiro (Raoult e Roux,
1997; Parola et al., 2005). Este quando parasita o homem, já ingurgitado, pode ter um
período antecipado da infecção. No Brasil algumas espécies de carrapatos já demostraram
que a fixação do vetor ao hospedeiro de no mínimo 15 minutos, já seria suficiente para que
ocorra a infecção por riquétsias (Saraiva et al., 2014).
Nos carrapatos, a perpetuação das riquétsias é possibilitada por meio da transmissão
vertical (transovariana), estadio-estadio (transestadial) ou a partir da cópula, além da
possibilidade de alimentação simultânea de carrapatos infectados com não infectados em
animais com suficiente riquetsemia (Szabo et al., 2013; Eremeeva e Dasch, 2015; Krawczak
et al., 2016b).
52
CAPÍTULO 4

Mapa 1: Número de casos confirmados de FMB no Estado de Minas Gerais na última década
(2007 à 2017)

AGENTE ETIOLÓGICO
O agente etiológico da FMB, R. rickettsii, é uma espiroqueta gram negativa, de vida
intracelular obrigatória, que circula na natureza por meio de carrapatos, e, infecta células
endoteliais de animais e do homem, com complicações sistêmicas que podem ser fatais em
falta de tratamento (Dumler 2005; Parola et al. 2005)
Classicamente, as espécies do gênero Rickettsia estão subdivididas em três grupos:
Grupo Tifo, composto por R. prowazekii e R. typhi; Grupo Ancestral, composto por R.
canadenses e R. belli, com patogenicidade desconhecida e Grupo Febre Maculosa, o de maior
relevância epidemiológica nas Américas. (Roux et al. 1997; Roux & Raoult 2000; Parola et al.
2005; Parola et al. 2009)
No Brasil, o principal agente etiológico da FM é a Rickettsia rickettsii (Dantas-Torres
2007; Labruna et al. 2011). Casos de FM causados por essa espécie são identificados no Sul
(Paraná) (Oliveira et al. 2016a) e Sudeste do Brasil (Angerami et al. 2006). R. rickettsii em
53
CAPÍTULO 4
animais tem sido detectada em algumas espécies de mamíferos e aves silvestres como:
capivaras, gambás, coelhos, equinos, cães e outros animais domésticos e silvestres (Joannitti
et al. 2014). É importante destacar o papel das capivaras, gambás e equinos na cadeia
epidemiológica da FMB, pois além de transportarem os vetores para os domicílios,
desempenham papel importante na exaltação da virulência, alimentando os carrapatos
(Tiriba 1999; Fonseca & Martins 2007).

Figura 1 – Fotomicrografias ilustrando a presença de Rickettsia spp. do Grupo Febre


Maculosa (pontos vermelhos) em células Vero e células Vero não infectadas (Controle),
tingido de acordo com o método de Giménez (Giménez 1964) (1000 ×Ampliação,
microscópio óptico Olympus DP72) a 24, 48 e 72 h pós inoculação bacteriana. Créditos:
Arannadia Silva

A partir de 2010 uma Rickettsia sp. denominada cepa Mata Atlântica, espécie próxima
a Rickettsia sibirica, Rickettsia parkeri e Rickettsia africae, foi relacionada à ocorrência da FM
com apresentação clínica mais branda com ocorrência em ambientes de Mata Atlântica nos
54
CAPÍTULO 4
Estados do Sul, Sudeste e Nordeste (Spolidorio et al. 2010; Silva et al. 2011; Krawczak et al.
2016a). Outras espécies de riquétsias do GFM já foram detectadas em carrapatos e pulgas no
Brasil (R. felis, R. rhipicephali, R. bellii, R. typhi, R. amblyommii, R. andeane e R. menteiroi), cuja
a patogenicidade para humanos ainda é desconhecida, o que indica a complexidade do ciclo
enzoótico e epidêmico da doença. (Parola et al. 2001; Parola et al. 2009; Labruna et al. 2011;
Parola et al. 2013; Nunes et al. 2015).

VETORES
Os carrapatos, vetores da doença, estão entre os primeiros aracnídeos que habitaram
a Terra, sendo seu surgimento estimado em cerca de 300 milhões de anos (Mans & Neitz
2004), e, devido à sua extensa distribuição geográfica, capacidade de parasitar diversas
espécies de vertebrados, resistência a condições ambientais adversas e competência
biológica enquanto reservatório de diversos patógenos (vírus, bactérias, protozoários), os
carrapatos constituem hoje o segundo grupo em importância como vetores de doenças
infecciosas para animais e humanos (Parola & Raoult 2001).
São parasitos obrigatórios e temporários de vertebrados terrestres e, só perdem para
os mosquitos como transmissores de agentes infecciosos para humanos (Hoskins & Cupp
1988). Na realidade, carrapatos transmitem uma variedade maior de microorganismos
patogênicos do que qualquer outro grupo de vetores (Jongejan & Uilenberg 2004). Dentre as
várias enfermidades infecciosas transmitidas ao homem e animais, incluem-se a doença de
Lyme, a febre maculosa, diversas encefalites virais, a erliquiose, a anaplasmose, a babesiose
e a teileriose (Estrada-Peña & Jongejan 1999; Jongejan & Uilenberg 2004). Considerando a
longevidade excepcional destes ácaros eles se tornam não apenas vetores, mas também
reservatórios de agentes infecciosos (Labuda & Nuttall, 2004). O seu ciclo de vida tem os
seguintes estágios: ovo, larva, ninfa e adulto (Klompen et al. 1996; Barros-Battesti et al. 2006;
Meira et al. 2013). De forma geral, todos os estágios ativos dos carrapatos (larva, ninfa e
adulto) são hematófagos, realizando ecdises de um estágio para o outro e a ovipostura no
ambiente. Estes vetores podem viver até 19 meses e são extremamente prolíficos, com
posturas de 2.000 a 22.000 ovos (Klompen et al. 1996; Barros-Battesti et al. 2006; Meira et
al. 2013). A ecologia das populações desses animais, além de ser influenciada por fatores
bióticos (hospedeiros, predadores, tipo de vegetação, fragmentação do habitat, perdidas ou
migração de animais, etc) também são afetados por fatores abióticos (temperatura,
humidade, precipitações, altitude, etc) (Eremeeva & Dasch 2015; Estrada- Peña et al. 2016 -

55
CAPÍTULO 4
Labruna 2009; Ogrzewalska et al. 2011; Labruna et al. 2001). Por tanto, esse conjunto de
fatores são fundamentais na variação espaço-temporal do risco na transmissão de patógenos
aos humanos (Sumilo et al. 2007; Cumming 2002).
Os principais vetores da FM são os carrapatos da família Ixodidae, gênero Amlyomma.
Amblyomma cajennense (atualmente complexo Amblyomma cajennense: A. cajennense stricto
s.s., A. mixtum, A. sculptum, A. interandinum, A. tonelliae e A. patinoi) (Nava et al. 2014) foi por
muito tempo considerado uma única espécie com ampla distribuição nas Américas e
relacionado à transmissão da FM na região Sudeste do Brasil (Labruna 2009).
No Brasil os principais vetores da doença são A. sculptum, A. aureolatum e A. ovale
(Szabo et al. 2013). Outras espécies já foram assinaladas como importantes para a
manutenção do ciclo enzoótico de riquétsias em áreas endêmicas da FM como A. dubitatum
(Almeida et al. 2011; Brites-Neto et al. 2015), espécie parasita de capivaras e Rhipicephalus
sanguineus conhecido como carrapato do cão (Gehrke et al. 2009; Cunha et al. 2009; de
Almeida et al. 2013).
A dinâmica da FM nos estados endêmicos do Brasil é de caráter sazonal (de Oliveira
et al. 2016; Brasil 2014; Katz et al. 2009; Montenegro et al., 2017). Essa sazonalidade tem
sido associada à dinâmica populacional de espécies do gênero Amblyomma, especialmente a
maior densidade de larvas e ninfas de A. sculptum (Szabó et al. 2013; Labruna et al. 2002; de
Lemos et al. 1997). Esse carrapato é considerado o principal vetor de R. rickettsii para a
população humana no Brasil (Szabó et al. 2013; Brasil 2014; Montenegro et al. 2017).
A ecologia das populações dos carrapatos, além de ser influenciada por fatores
bióticos (hospedeiros, predadores, tipo de vegetação, fragmentação do habitat, perdidas ou
migração de animais, etc) também são afetados por fatores abióticos (temperatura,
humidade, precipitações, altitude, etc) (Eremeeva & Dasch 2015; Estrada- Peña et al. 2016;
Milagres et al. 2010; Labruna 2009; Ogrzewalska et al. 2011; Labruna et al. 2001). Por tanto,
esse conjunto de fatores são fundamentais na variação espaço-temporal do risco na
transmissão de patógenos aos humanos, incluindo a FM (Sumilo et al. 2007; Cumming 2002).
Ao longo dos anos estudos demonstram que a ocorrência de casos vem ocorrendo
cada vez mais em áreas urbanas, aliados à presença frequente da capivara como hospedeiro
primário nos municípios e a constante proximidade dos LPI às coleções hídricas. Em várias
regiões do país, estudos têm mostrado uma suposta urbanização da FMB e que essa doença
vem ocorrendo em regiões até então não consideradas de risco para transmissão, o que
incita discussões sobre a interferência humana no ambiente e a consequente relação com o

56
CAPÍTULO 4
vetor da bactéria. Observa-se que a doença não mais se restringe às áreas rurais e de mata,
e ocorre com frequência em áreas periurbanas e urbanas, inclusive parques públicos, como
por exemplo a região da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte. De acordo com Souza et al.
(2013), a maioria dos casos de FMB está relacionada ao aumento populacional da capivara,
um dos principais hospedeiros primários para todos os estágios de desenvolvimento do
carrapato A. sculptum. O aumento do crescimento da produção agrícola, as políticas de
proteção e o declínio de predadores naturais são os dois principais fatores que contribuem
para o aumento e a expansão da população de capivaras, além da a alta capacidade
reprodutiva dessa espécie. Não só as capivaras como também os equinos são hospedeiros
primários dos carrapatos transmissores da febre maculosa ,os equinos, por atenderem a
critérios estabelecidos para animais sentinelas, têm sido utilizados para tal fim uma vez que
são susceptíveis à FMB, geram boa resposta imunológica e não são amplificadores do agente,
a utilização de animais sentinelas pode fornecer informações sobre a mudança da incidência
de uma doença ao longo do tempo, sua propagação e sobre os fatores de risco a ela
associados. Quanto maior a densidade de capivaras em área urbana, maior a disponibilidade
de hospedeiros para a fase adulta do vetor, aumentando exponencialmente a taxa de
multiplicação de carrapatos e a probabilidade de encontro do vetor com transeuntes que
possam passar nas localidades onde essas capivaras se encontram. Dessa forma podemos
inferir que, os casos de FMB em áreas urbanas podem estar intimamente ligados à presença
desses animas nas cidades. Assim se fazem necessárias ações do poder público para que
ocorra um controle desses animais e maiores políticas de conscientização da população
acerca dos riscos da infestação de carrapatos e da importância de evitar o contato com esses
animais.
A Febre Maculosa é uma doença de notificação compulsória e os dados sobre casos
desta e de outras doenças podem ser acessados em: http://datasus.saude.gov.br/

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62
CAPÍTULO 5

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS REPRESENTANTES DO FILO


CILIOPHORA DOFLEIN, 1901, COM NOTAS A RESPEITO DO
IMPACTO ANTRÓPICO SOBRE A BIOLOGIA DESSES
MICRO-ORGANISMOS

Vítor Ribeiro Halfeld*

Laboratório de Protozoologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz


de Fora, Rua José Lourenço Kelmer, s/n, Campus Universitário, Bairro São Pedro, CEP 36036-
900, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.
*Contato: vitor.halfeld@hotmail.com

Este capítulo apresenta uma literatura introdutória ao estudo dos representantes do


filo Ciliophora Doflein, 1901. Dessa forma, são abordados temas elementares acerca da
biologia desses micro-organismos, tais como sua diversidade, evolução e ecologia. Mas, em
ressonância com as publicações contemporâneas, são abordados temas relacionados à sua
biogeografia, filogenia molecular e potencial biotecnológico. Essas informações subsidiarão
discussões, ao final do capítulo, sobre os prejuízos que ações antrópicas podem causar em
micro-ecosistemas. E também ponderar sobre as estratégias de conservação necessárias.

TAXONOMIA E DIVERSIDADE DE CILIOPHORA


Agrupamentos artificiais marcaram a história da sistemática dos micro-organismos
eucariontes. Denominações resumidas no termo protozoário ou ainda, no reino “Protista”,
agrupavam organismos com histórias evolutivas distintas. Atualmente, entretanto,
reconstruções filogenéticas baseadas em características moleculares demonstram suporte a

63
CAPÍTULO 5
diversos filos, e propõem classificações superiores a este nível taxonômico (Adl et al. 2012;
Pawlowski 2013). Dentro dessas propostas, é consensual que o filo Ciliophora permaneça
agrupado com Dinoflagelata e Apicomplexa, no superfilo Alveolata. Este superfilo, por sua
vez, está inserido no clado SAR (Stramenopila, Alveolata, Rizharia).
Portanto, o filo Ciliophora é reconhecidamente um agrupamento monofilético, que
reúne organismos eucariontes, unicelulares, heterótrofos, definidos pelas seguintes
sinapomorfias: (1) Dimorfismo nuclear, (2) infraciliatura complexa e (3) reprodução
sexuada pelo processo de conjugação (Figura 1).

Figura 1 – Sinapomorfias do filo Ciliophora: 1 – Diferenciação morfológica entre


macronúcleo e micronúcleo; 2A – Dois ciliados em etapa anterior ao processo de conjugação;
2B- Dois ciliados durante o processo de conjugação. Asteriscos indicam o deslocamento dos
micronúcleos em direção à região do citóstoma; 3 – Detalhes da infraciliatura dos ciliados: A
– Fibra cinetodesmal, B – microtúbulos transversos, C – microtúbulos pós-ciliares.

Dimorfismo nuclear
Ciliados apresentam seu material genético segregado em dois agrupamentos: O
macronúcleo, poliploide, está relacionado com funções vegetativas, como a síntese proteica.
Pode apresentar-se com diferentes formas, tais como arredondados, irregulares, elípticos,
em forma de “J”, em forma de ferradura, entre outros, podendo ser segmentado em dois ou
vários nódulos, ou único.
O micronúcleo, diploide, está envolvido com o processo de reprodução sexuada. Sua
forma pode variar entre esférico, elíptico ou irregular. Pode ser encontrado aderido ao
64
CAPÍTULO 5
macronúcleo ou próximo a ele. Algumas espécies não apresentam micronúcleo, algo o que é
considerado uma característica derivada.

Reprodução sexuada por conjugação


A reprodução sexuada pelo processo de conjugação consiste na fusão temporária de
dois organismos através da região do citóstoma (boca celular). Forma-se, com isso, uma
ponte citoplasmática, através da qual ocorre a troca de material genético presente no
micronúcleo. Após esse processo, os ciliados se separam e realizam o processo de divisão
celular (fissão binária), dando origem a novos organismos com genética distinta dos que
iniciaram o processo de conjugação.

Infraciliatura complexa
Os cílios são organelas fundamentais para a alimentação, reprodução e locomoção dos
representantes do filo Ciliophora. Nesses organismos, os cílios estão associados a estruturas
fibrilares (fibra cinetodesmal, microtúbulos pós ciliares e microtúbulos transversos), algo
distinto do que se observa na ultraestrutura de outros micro-organismos que apresentam
cílios.
O filo Ciliophora divide-se em dois subfilos, os quais reúnem o total de onze classes
(Tabela 1, Figura 2) (Lynn 2008). O subfilo Postciliodesmatophora Gerassimova & Seravim,
1976 tem como característica a presença da fibra postciliodesmal (ou posticiliodesmata).
Essa estrutura em forma de bastão é formada por microtúbulos posteriores a cada cílio,
localizados à direita e em posição oblíqua aos corpos basais. A fibra postciliodesmal está
relacionada com a contração e extensão do organismo, por meio de proteínas associadas a
essas estruturas fibrilares.
O subfilo Intramacronucleata Lynn, 1996, por sua vez, é caracterizado por apresentar
o processo de divisão do macronúcleo (mitose) realizado por microtúbulos que se localizam
no interior do aparato macronuclear. De maneira geral, os organismos do subfilo
Postciliodesmatophora não realizam divisão do macronúcleo. As exceções a essa condição
(Stentor sp. por exemplo), o fazem por meio de microtúbulos externos ao macronúcleo.

65
CAPÍTULO 5
Tabela 1 – Classificação sistemática de Ciliophora: Subfilos e classes

CILIADOS NOS ECOSSISTEMAS


São reconhecidas cerca de 8000 espécies de ciliados. No entanto, algumas estimativas
considerando a taxa de descrição de novas espécies por amostragem (Foissner 2006),
assumem que possa existir um número dezenas de vezes maior que esse. De fato, a
diversidade de formas, estratégias reprodutivas, tolerância ecológica permitiram que os
ciliados colonizassem os mais diversos ecossistemas. Foissner et al. (1985), Blatterer &
Foissner (1988) e Foissner (1999) demonstraram a existência de grande riqueza de espécies
de ciliados em ambientes terrestres. Nestes trabalhos, foram encontradas respectivamente
132 espécies de ciliados em 53 amostras oriundas da Áustria; 139 espécies de ciliados em
21 amostras coletadas na Austrália e 125 espécies de ciliados em apenas nove amostras
provenientes do Quênia.
Poucos trabalhos investigaram a taxocenose de ciliados associados a fungos
liquenizados. Foissner (1987), em um trabalho realizado com amostras de liquens da
Alemanha, Áustria, França e Quênia, demonstrou que os ciliados encontrados nesses micro-
habitats são integrantes da microbiota do solo.
Em relação a ambientes marinhos, Grattepanche et al. (2016) demonstraram que a
diversidade de ciliados surpreendentemente não diminui abaixo da zona fótica, em um
trabalho realizado ao longo de 163 quilômetros na costa leste dos Estados Unidos. Esteban
66
CAPÍTULO 5
& Fynlay (2007) inventariaram 85 espécies de ciliados em poças litorâneas em apenas dois
sítios amostrais no sul do Reino Unido.
Em ambientes de água doce, os ciliados também são muito representativos. Foissner
& O’Donoghue (1990) descreveram 13 novas espécies de ciliados a partir de duas áreas
amostrais próximas a áreas urbanas na Austrália. Foissner & Berger (1990) publicaram um
guia de identificação de espécies recorrentes em inventários realizados em ambientes
dulcícolas. Foram listadas mais de 300 espécies. Petz et al. (2007), por sua vez, encontraram
cerca de 60 novas espécies em amostragens realizadas em regiões polares.
Dentre os ambientes dulcícolas, destacam-se os fitotelmos. Esses micro-ecossistemas
estabelecidos em estruturas vegetais são hábitats ricos em espécies de ciliados. Foissner et
al. (2003) iniciaram estudos exploratórios em tanques de bromélias na América Central e na
América do Sul. Desde então, diversas novas espécies foram descritas. São exemplos
Bromeliophrya brasiliensis Foissner, 2003; Lambornella trichoglossa Foissner, 2003;
Platyophrya bromelicola Foissner & Wolf, 2009; Bromeliothrix metopoides Foissner, 2010;
Cotterillia bromelicola Foissner & Stoek, 2011; Leptopharynx bromeliophilus Omar &
Foissner, 2011; Glaucomides bromelicola Foissner, 2012; Bromeliophrya quadristicha
Foissner & Stoek, 2013; e novas espécies da família Spathidiidae, descritas por Foissner et
al. (2015).
Ainda sobre ciliados em tanques de bromélias, Buosi et al. (2015) registraram 92
espécies de ciliados em fitotelmos distribuídos ao longo de 10 quilômetros na margem do
rio Paraná, no Sul do Brasil. Em inventário realizado no México, Durán-Ramírez et al. (2015)
encontrou 61 espécies de ciliados ocorrendo em apenas duas espécies de bromélias.
Hu (2014) realizou uma compilação de trabalhos que demonstram a ocorrência de
ciliados em ambientes extremos. Sistemas lênticos hipersalinos, anóxicos, alcalinos ou
ácidos; reservatórios de mineração; fontes termais submarinas, lagos vulcânicos; desertos e
ambientes polares são hábitats para diversas espécies de ciliados. Dessa forma, o referido
autor classifica os ciliados como “não menos adaptados que organismos procariontes” a
ambientes extremos. Shatilovich et al. (2015) demonstraram que cistos de ciliados do gênero
Colpoda, retirados de amostras de solos congelados na Sibéria, com idade de 30.000 anos,
podem se tornar ativos e desenvolver o ciclo reprodutivo de modo aparentemente normal.

67
CAPÍTULO 5

Figura 2 – Diversidade morfológica de Ciliophora: Representantes das 11 classes do filo


Ciliophora: A – Loxodes sp., B – Spirostomum sp., C – Cyrtohymena sp., D – Caenomorpha sp.,
E – Dileptus sp., F – Acineta sp., G – Chilodontopsis sp., H – Coleps sp., I – Colpoda sp., L –
Vorticella sp., M – Tetrahymena sp. Barras de medida indicam 50 µm.

68
CAPÍTULO 5
Ciliados e associações simbióticas
Ciliados também podem utilizar outros organismos como hábitat. Relações de
parasitismo não são raras entre os representantes do filo Ciliophora. Strüder-Kypke et al.
(2001) demonstraram que o modo de vida parasitário surgiu mais de uma vez na evolução
das espécies do gênero Tetrahymena. Walakira et al. (2014) incluíram o ciliado
Ichthyopthirius multiphilis em uma lista dos patógenos responsáveis por perdas econômicas
no setor de piscicultura no leste da África. Espécies do gênero Trichodina, por sua vez, são
indicadas como fatores limitantes à criação de peixes ornamentais no sul do Brasil (Martins
et al. 2012). Sharon et al. (2014) demonstraram que certas espécies de peixes ornamentais
são mais suscetíveis a infecções por Tetrahymena sp., não demonstrando a resposta imune
observada em espécies filogeneticamente distantes.
Balantidium coli é uma espécie de ciliado capaz de infectar seres humanos, outros
primatas e suínos. A balantidiose é considerada uma zoonose negligenciada, que, em casos
graves, pode levar o hospedeiro a óbito. Outras espécies do gênero Balantidium foram
registradas como parasitos de artrópodes, peixes e répteis, além de mamíferos equinos,
bovinos e roedores (Areán & Koopisch 1956; Zaman 1964).
Associações mutualísticas também são recorrentes. Gürelli & Göçmen (2012)
inventariaram 37 espécies de ciliados associados ao intestino de cavalos. Entretanto, a
associação de ciliados com mamíferos ruminantes destacam-se na literatura científica. Imai
et al. (1989) identificaram vinte e oito espécies de ciliados comensais em uma população
com onze espécimes gado holandês (Bos taurus). Dehority (1979) encontrou 49 espécies de
ciliados em búfalos, no Brasil. Atualmente, a interação dos ciliados com bactérias e arqueas
no ambiente ruminal tem ganhado destaque entre os grupos de pesquisas.
Ciliados envolvidos em relações de epibiose e foresia também são comumente
observados. Crustáceos da ordem Cladocera são basibiontes para 39 espécies de ciliados da
subclasse Peritrichia (Chatterjee et al. 2013). Dias et al. (2009) e Cabral et al. (2010)
registraram ciliados desse mesmo táxon como epibiontes de oligoquetas e insetos
quironomídeos, respectivamente. Sabagh et al. (2011) identificaram a relação de
hiperforesia envolvendo ciliados como epibiontes de ostracodas, estes coletados aderidos a
anuros em tanques de bromélias, no litoral do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil.
Um dos aspectos mais relevantes da ecologia dos ciliados é sua participação no
processo denominado “alça microbiana” (Figura 3), que consiste na transposição da energia
presente na biomassa bacteriana para os metazoários de níveis tróficos superiores, visto que

69
CAPÍTULO 5
estes organismos normalmente não apresentam especializações que os permitam se
alimentar de bactérias.

Figura 3 – Alça microbiana representada em uma teia trófica clássica.

Nas teias tróficas, a diversidade funcional das bactérias não está relacionada apenas
com a decomposição da matéria orgânica. Estes organismos são também alimento para
outros micro-organismos, entre os quais estão os ciliados. Estes micro-organismos
bacterívoros, por sua vez, servirão de alimento para o zooplâncton. Dentro dessa dinâmica,
a matéria orgânica dissolvida cicla nas cadeias alimentares sem passar pelo processo de
mineralização.

ORIGEM EVOLUTIVA DE CILIOPHORA


Relógios moleculares são técnicas importantes para a análise evolutiva de qualquer
táxon. Esse tipo de ferramenta permite que seja inferido o tempo de divergência entre
diferentes grupos, com base nas taxas de variações genéticas e no registro fóssil. Embora
fósseis de ciliados sejam raros, vestígios de representantes da ordem Tintinnida Kofoid &

70
CAPÍTULO 5
Campbell, 1929 são abundantes em sedimentos da era Mesozoica. Ainda nos dias de hoje,
esse grupo de ciliados compõe parte relevante do zooplâncton. As espécies atuais, assim
como as espécies fósseis, são caracterizadas por secretar uma lórica proteica, com
significativa rigidez, capaz de aglutinar partículas ambientais. Essa lórica mantém-se
preservada no registro fóssil, ao contrário dos demais componentes celulares. Com idade de
cerca de 450 milhões de anos, os fósseis mais antigos de loricas de tintinídeos datam do
período Ordoviciano (era Paleozoica), e são úteis na calibração dos relógios moleculares.
O trabalho de Wright & Lynn (1997) apresentou um modelo de divergência evolutiva
das principais classes do filo Ciliophora. Segundo os referidos autores, o grupo dos ciliados
teria se diferenciado de um ancestral flagelado há cerca de 2,2 bilhões de anos. As classes
que formam o filo já estariam todas diferenciadas há cerca de 1,3 bilhão de anos. Uma
comparação interessante é a de que as primeiras plantas e os primeiros vertebrados
surgiram mais de 1 bilhão de anos depois dos ciliados, na era Paleozoica, entre 500-400
milhões de anos atrás (Figura 4).
Esses resultados demonstram que os ciliados mantiveram seu processo evolutivo
mesmo em períodos de crise para a biodiversidade, como as extinções em massa que
marcaram a transição Permiano-Triássico e Cretáceo-Terciário.

Figura 3 – Divergência evolutiva das principais classes de Ciliophora

71
CAPÍTULO 5
BIOGEOGRAFIA
Por muito tempo foi consensual entre os pesquisadores que, assim como é válido para
bactérias, as espécies de ciliados seriam ubíquas, ou seja, apresentariam ampla distribuição
geográfica, de modo que “todas as espécies poderiam ser encontradas em todos os lugares”.
Essa perspectiva, defendida nos trabalhos de Finlay et al. (1998, 2004) e Fenchel (2005) foi
baseada na premissa de que, devido ao pequeno tamanho e elevada abundância, os cistos
(formas de resistência) dos ciliados poderiam ser facilmente transportados a longas
distâncias pelos ventos. Fenchel (2005) também se vale da similaridade genética de muitas
populações de ciliados globalmente distribuídas para sustentar seu modelo de ubiquidade.
De fato, grande parte das espécies conhecidas atualmente pode ser encontrada ao redor do
globo. No entanto, o modelo de distribuição chamado de “endemismo moderado” parece
refletir melhor os registros de ciliados em ambientes especializados.
Foissner (2006) propôs outra visão sobre a distribuição geográfica dos ciliados. De
acordo com o modelo do “endemismo moderado”, há espécies de ciliados adaptadas
exclusivamente a ambientes restritos, como os tanques de bromélias. Essas plantas ocorrem
de maneira natural somente na região neotropical, com exceção de apenas duas espécies
registradas no continente africano. Diante disso, ciliados especializados a esses ambientes
acompanhariam a distribuição geográfica das plantas, de modo que não seriam encontrados
em outros ambientes dulcícolas. Essa mesma constatação se aplica a ciliados associados a
animais com distribuição geográfica restrita.
Foissner (2006) também argumenta que fungos, e plantas do grupo das briófitas e
pteridófitas apresentam esporos com tamanho equivalente ou inferior ao de muitas espécies
de ciliados. Tais esporos também são mais abundantes que ciliados em ambientes florestais,
por exemplo. E segundo o modelo defendido por Finlay e Fenchel, esses organismos
deveriam ocorrer globalmente. No entanto, é consensual que fungos e plantas apresentam
distribuição geográfica restrita.
Algumas espécies de ciliados são os principais argumentos do modelo de “endemismo
moderado”. Espécies de grande tamanho, forma e coloração diferenciadas são chamadas de
“flagships”. Foissner (2006) considera essas espécies como os “elefantes do mundo
microscópico”. Não apenas pelo tamanho, mas pela ocorrência em ambientes peculiares.
Segundo o referido autor, Circinella arenicola e um representante gigante do gênero
Tetrahymena são alguns dos exemplos de ciliados “flagships”. Estas espécies foram
encontradas respectivamente em amostras de solo na América do Norte e em tanques de

72
CAPÍTULO 5
bromélias na América do Sul e Central. Trata-se de ciliados com mais de 600µm, que não
foram registradas em levantamentos realizados em ambientes similares ao redor do globo.
Petz et al. (2007) realizaram um estudo comparativo sobre a taxocenose de ciliados
de água doce oriundos de ilhas localizadas nos círculos polares Ártico e Antártico. Foram
identificadas 334 espécies. Desse total 44 espécies (13%) ocorreram nos dois ambientes.
Entretanto, a maior parte dos ciliados encontrados apresentava algum grau de endemismo.
Essa constatação corrobora Foissner (2006) que demonstrou o padrão paleogeográfico de
distribuição de algumas espécies de ciliados, como Neobursaridium gigas, que ocorre em
regiões derivadas do supercontinente Gondwana.
De fato, grande parte das espécies conhecidas atualmente pode ser encontrada ao
redor do globo. E, embora o modelo do “endemismo moderado” seja mais aceito pela
comunidade científica atualmente, novas amostragens são necessárias para o fortalecimento
de qualquer ideia a respeito da distribuição geográfica de ciliados. Hines et al. (2015)
registraram um ciliado flagship, Loxodes rex, considerado endêmico da África, em uma área
alagada da Flórida, na América do Norte. Esse registrou reacendeu o debate sobre a
existência de biogeografia para ciliados.

CONSERVAÇÃO DE MICRO-ORGANISMOS
Tradicionalmente, micro-organismos são negligenciados em listas e estratégias de
conservação da biodiversidade. Sobre os ciliados, isso não é diferente. Os prejuízos
referentes a essa situação são diversos. A problemática mais evidente se relaciona com a
subestimação da biodiversidade perdida com a degradação de hábitats naturais. A extinção
de espécies animais e vegetais inevitavelmente ocasiona o desaparecimento da microbiota
associada (Cotterill et al. 2007). Por exemplo, o risco de extinção de centenas de espécies de
bromélias no bioma Mata Atlântica (Martinelli, 2008) se estende a dezenas de espécies de
ciliados endêmicos de fitotelmos. Possivelmente, a muitas espécies que não foram sequer
descritas. E o mesmo vale para micro-organismos associados a espécies ameaçadas de
vertebrados.
Estratégias de conservação têm como pilar o conhecimento da biodiversidade. No
entanto, poucos trabalhos de cunho taxonômico têm sido realizados nos hotspot de
biodiversidade global, o que limita o conhecimento sobre a taxocenose de Ciliophora
endêmica desses pontos. Solos cultivados e corpos d’água subterrâneos também são
ambientes interessantes para a investigação da diversidade de micro-organismos,

73
CAPÍTULO 5
considerando o número de espécies previamente descritas. Entretanto, a presença de
poluentes tradicionais (efluentes industriais e domésticos, defensivos agrícolas) e
emergentes (antibióticos, detergentes e alcaloides), nesses ambientes gera um impacto
ainda não mensurado sobre a microbiota.
As regiões polares também abrigam espécies endêmicas (Petz et al. 2007). Nesse
sentido, o degelo dessas localidades compromete a existência desses ambientes
especializados. A desertificação de áreas florestais, prevista em diversos modelos de
projeção climática, também representa risco de perda de microambientes, espécies vegetais
e animais, carreando à extinção sua microbiota associada.
Ações antrópicas também podem influenciar a distribuição de micro-organismos ao
redor do globo. Partículas de solo em produtos de origem agrícola, grandes volumes de água
usado como lastro em navios e a introdução de espécies exóticas, animais ou vegetais, podem
transportar espécies endêmicas por longas distâncias, entre continentes, contribuindo para
uma visão equivocada sobre a distribuição das espécies.
A longa história evolutiva dos ciliados é vista como um forte argumento para sua
conservação. Cotterill et al. (2007) afirma que clados estabelecidos há tanto tempo, como as
diversas classes do filo Ciliophora, são potencialmente mais aptos a superar perturbações
ambientais que grupos mais recentes.
Ainda de acordo com Cotterill et al. (2007), a conservação de micro-organismos passa
pelo aspecto ético e pela biofilia. Tais aspectos devem ser fortalecidos nas sociedades por
meio da divulgação científica e da continuidade das pesquisas.

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