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.Poemas Proscritos.

1Hoje não passo de um traste atirado nas sarjetas do insondável.


Já não sei ver como antes:
Após algum tempo, o olho lamentavelmente se acostuma.
As coisas morrem em tudo aquilo que morre.
Meus pés gelados nas frias noites de inverno numa casa do além:
A mudez sufocante de todos os objetos ao redor.

2Eu preciso de palavras para sangrar em pensamento/


O pensamento e as coisas são o que são sempre prestes a morrer de
asfixia/
Escuto os homens que me esquecem e por isto jamais serei salvo/
Há muito tempo atrás deixei de falar como um velho tonto na praça
vazia/
Aprecio o vôo dos pássaros e o ir e vir das marés em desalento.

3Minha mente está para o nada como o nada está para as coisas]
Imagino mais quando estou só sem saber muito em muito pouco]
Vou me perder no lugar onde os homens enlouquecem ]
Cobrir o mundo de imagens vazias e dizer que amanhã falarei aos
mortos.

4Já estive a ponto de enlouquecer


Dois tiros na cabeça ou um certeiro na boca, este seria o fim.
As palavras como que travaram o correr de minha mente.
Um porto fantasma que me colocava frente a frente com o nada no
inferno.

Vivo espremido contra paredes invisíveis como vários socos no


estômago:
Eu tenho em minhas veias o sangue e desejo dos proscritos.

5Respiro palavras lúgubres quando definho


Lentamente atirado no esgoto como um dejeto qualquer
Não encontrarei a harmonia de que me falam os monges hoje à noite
Mas tosse,catarro e o peito opresso em todos aqueles que padecem.

6Estive à procura de um morto /


E foi um morto que veio ter comigo quando menos esperava/
Aquele frio estranho nos pés e o chá preciso a aquecer minha alma
indiferente/
O morto em aquele que me olhava como se eu não fosse um igual.

7O silêncio me diz estranhezas


Meu pensamento diluído quando estou escuro.
Tenho por hábito não achar coisas que há instantes estavam ali,
Objetos de toda sorte, livros ou roupas de mortos de ocasião.

Meu pensamento que sangra quando estou escuro:


Quando ouço vozes que ignoram meus sentidos.

8Posso ir simplesmente a qualquer lugar /


Tenho a plena certeza de que não serei notado/
Viro o rosto na direção contrária sempre que as palavras sucumbem/
Gastas por usos vãos na alma rasteira de homens razoáveis/
As imagens deste dia no qual estou qualquer/
Na incerteza de que posso amanhecer escuro.

9Fui sempre um homem sem luxos.


Chá e café com biscoitos vez por outra na ampla cozinha de um velho
flat.
Tive poucas mulheres e acumulei poucos bens.
Um veneno estranho tomou conta de mim a partir da idade adulta.
Meu sorriso ácido e irônico tinha o poder de aniquilar muitas vidas.
Eu falava sozinho quando sentia em minha alma a crueldade de meus
atos vis.
Não eliminei ninguém de minha vida por dolência espiritual e tanto
mais..
Tentei inutilmente ouvir os outros e sentir o que eles sentiam.
Foi assim que aprendi a emudecer como os sábios.

10Há um poema que rasteja


No interior de palavras perdidas no escuro
Estaremos em qualquer lugar de onde se fale o que não pode ser ouvido
Estaremos ali no entremeio nem antes nem depois e muito menos
Percorrendo o branco do papel como um mar revolto/
Como ondas infinitamente colossais de rumos imprevistos
Encontraremos os princípios vários de que falavam os antigos
Num susto como o dizer do revelado.

11O oriente me mostra o silêncio


Quando medito o interior das coisas infinitas
Meu pensamento envolvido por gestos que se dissipam
Um a um sem alarde no abandono da respiração compassada.

12
Não encontrei a morte que me fazia rir
Mas fantasmas que me seguiam como se eu ninguém fosse
Meu nome esquecido nos corredores do final dos tempos
Meu nome esquecido e no mais silêncio e sombra.

13Vou falar de coisas mortas


Inesgotáveis em sua precisão invisível no acaso
Há muito tempo atrás onde o espírito se perdeu
Meus olhos que buscavam o além nas ruínas da memória.

Sempre quando algo risca as escuridões


Um brilho oculto pulsa nas veias que desfalecem
E andam por aí como se não fossem
Nem mesmo o rastro deste verbo que arranha o destino dos loucos.

14 Um pedaço de qualquer coisa


Atirado na lata de lixo
Esta comida em meu estômago
Que circula pela casa como se conhecesse muito bem este morto.

Estes órgãos dilacerados


No chão frio das cozinhas planejadas
Consumidos por um assassino
Que perdeu o chão na noite
Ao ir de encontro ao vento
Que zunia em seus ouvidos.

15
Há um nada que me dilacera
Diariamente como se não estivesse
Ao meu lado na esquina do além
A beber uma taça de vinho tinto
Neste jeito de dizer o que não vejo
Arrancando as coisas em sua inércia
Ao revolver o fundo de um poço vazio.

16 Vivo sempre o muito pouco


No interior de qualquer palavra sombria
Estou feito de tons escuros
Rasgado no interior da palavra pano
Saindo por aí na palavra estigma
A fuçar latas de lixo à procura de comida
Alojada no estômago de quem quer que seja
Para perecer como o tempo
Que não dá trégua a ninguém
Nestas fezes agora atiradas
Contra a indiferença de um muro vazio.

17 Eu morro no interior
De uma palavra perdida no escuro
Bem dentro da palavra túnel
Que se agiganta em meus tímpanos febris
Que se ausenta no interior da palavra frio
Mais fria em meus ossos que agora sucumbem
Atirados aos porcos que os devoram como se estes fossem
Os restos mortais de um almoço malfadado.
Não sei mastigar o alimento
No interior deste verbo mastigar
Eu quero intensificar esta minha angústia
Nas entranhas da palavra mais
Que rasga a premência destas horas
Como um cadáver que olha para o além
Que risca as águas inertes deste nada
No interior da palavra faminto
Que abre a boca para o lixo
Ingerindo comida vencida
No interior do interior do interior
De uma palavra perdida na sarjeta.

18 Este meu peso/


Não suporta coisa alguma
Como quem suporta um terrível jantar
Na companhia da palavra detestável/
Que se aloja na parede intestinal
Destruindo toda e qualquer flora
Eu respiro a palavra perfurada
Como uma bactéria que jamais dá trégua a quem quer que seja/
Tão terrivelmente paroxítona e agourenta/
No ventre sanguinolento da palavra crise.

Passo por maus bocados


Nos pesadelos que me assolam como qualquer verbo
Conjugável em minha dor afiada e cruel
Fria e precisa como um corte no dedo inchado
Pisado por alguém que jamais me viu
Do outro lado do espelho no inferno
Comendo meu rosto como um louco esfaimado
No além de qualquer gesto derruído
Prestes a ser devorado por um cão morto.

19 Para dizer o que digo


É preciso conjugar
Os verbos corrosivos de sempre
Como dizer o não dito
Na cabeça de porco defumado
Com cheiro e sabor de uma tal morte
Por asfixia no silêncio das docas vazias
Nos cinco sentidos parcos e sombrios
Que assolam nossa existência ordinária
Que fede como um tanto de qualquer coisa que esteja
Prestes a ir pelos ares sem motivo aparente.

20 Perdi o jeito
De estar como possa estar
Agora o que tenho
São dores e facas que adentram esta minha cútis.
Nesta minha alma afogada
No interior da palavra oceano
Que arranca com suas mãos invisíveis
Minhas entranhas inertes no frio das geleiras
Eu posso agora escutar
O que não dizem as marés
Nestas ondas gigantescas
Que explodem contra a palavra rocha
De que matéria é feita
Este tanto de palavra que escorre
No interior da palavra água
No interior da palavra rocha
No interior de uma fossa qualquer
Indefinida como um rosto no escuro.

21 eu tenho este jeito


Daqueles que perderam o rosto
No interior do interior
De uma palavra qualquer
Escondida nas sarjetas
Quase sempre inviolável
Como uma casca de fruta apodrecida
Inerte em seu abandono de coisa
Percebida por um olhar embriagado
Pelo vinho do desterro que invade
Estas almas que ardem como um inferno em chamas
Neste jeito que se esgarça
Como uma sombra que desfalece
No frio ou no calor que toma o corpo de uma besta
No interior do interior da palavra monstro
Cada vez mais próxima da palavra caos
Prima mais velha da palavra desordem.

Eu tenho este é ou sempre foi


Esta presença qualquer
Antes de meu nascimento e depois de minha morte
Eu tenho este jeito
De buraco que abre sentidos que se perdem
Eu tenho este verbo
Ter que tem jeito de coisa que não tem jeito
Nem jeito de jeito
Como uma palavra perdida
Ou como um qualquer jogado fora
Como se o fora não fosse
Nem dentro e nem fora
De coisa alguma
Em coisa alguma
Como este isto
Que sempre está ou esteve
Ali a nos espreitar
Como uma sombra que pulsa
Desde muito tempo
Em algum lugar
Antes mesmo da palavra tempo
Antes mesmo da palavra lugar.

22 um pouco neste resto


é como a água que bebo e que invade
meu corpo gasto como uma hora inútil
na tampa da caneta comida por um rato
na tinta da caneta que manchou a camisa branca
nos farelos de pão devorados pelas baratas
na palavra mais dura enclausurada sem além.

23 não sei bem o que é


mas a angústia é minha sombra
como qualquer coisa maligna
Que se apodera de minha alma
Especialmente quando mastigo
Mais lentamente um naco de carne de segunda
É como abrir as cortinas numa segunda-feira chuvosa
E se jogar de peito aberto do tal andar impossível
Como quem sempre está de olhos fechados
Respirando no parapeito o ar que não encontra.

22 um pedaço e mais outro pedaço


é tudo que tenho em meus membros combalidos
qualquer coisa que esteja em sintonia como o caos
como o todo da desordem num assombro desvairado.

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