Poesia e silêncio.Reflexões sobre o sentido.A Caminho do Oriente.
A questão relativa ao silêncio na poesia oriental é deveras interessante e
misteriosa.Está relacionada a anos de esforços contínuos e de profunda concentração e meditação por parte de grandes mestres.O resultado deste esforço não é jamais mensurável.Acha-se, pelo contrário, profundamente envolvido com um chamamento de outra natureza. Este chamamento não aponta para nenhum tipo de conquista ou triunfo.Ele nos conduz a um despojar-se, à constatação de que algo deve ser preenchido e tão somente.Este estado de indigência nos faz calar.
A angústia nos move em direção ao indizível.O artista cria quando
percebe esta vacuidade.O filósofo encara a mesma como uma necessidade e a demonstra. Deve-se entender por silêncio, a manifestação no texto poético da palavra na sua originalidade, na palavra dentro de si mesma, encerrada dentro de si mesma.Tal manifestação remeteria invariavelmente a uma experiência imediata imune a qualquer preceito lógico. Falamos aqui de uma transverbalidade inerente à força das imagens na poesia oriental, mais precisamente nos haikais japoneses. A cultura existe enquanto força que estimula e ao mesmo tempo se contrapõe às forças criativas.O silêncio germina no caos enquanto possibilidade, enquanto figura no sentido grego do termo,enquanto movimento que aponta para a infinidade.Os conceitos de figura e força e cultura serão esmiuçados numa próxima oportunidade. Os artistas ouvem precisamente o que as palavras não dizem.Estão, neste sentido,próximos às sensações originárias de abandono,solidão e desterro. A criação acha-se enraizada neste morrer, neste revirar de olhos para dentro em direção a toda e qualquer fruição de sentido. A noção sugerida é precisamente aquela de caráter ritualístico.Aponta para um outro movimento que utiliza as palavras que por sua vez nada ocultam.Elas são as próprias coisas desveladas à nossa frente. Nada querem dizer senão isto mesmo, como não é possível esquecer-se de nada. Os orientais através dos haikais, ilustram bem claramente as situações descritas.Resgatam a transverbalidade em si, nas palavras que emergem no texto dentro de si mesmas. Tudo é dito de forma concisa e profunda corroborando o extremo arrebatamento da ficção.A aparência é vista aqui como algo que não nos quer enganar sendo,portanto,verdadeira.Sabemos precisamente que estamos a lidar com imagens e não com realidades.Estamos à deriva,como que suspensos através de uma ilusão.Os haikais nos convidam a uma espécie de introspecção radical que nos conduzirá a um estado de iluminação profunda.Nossas mentes estarão precisamente onde o nada se revela no irrevelável. O termo ilusão diz,na sua raiz, de uma anormalidade concernente a um dos três elementos da percepção,vale dizer,a sensação atual, as imagens e o sentimento de realidade,tendo como conseqüência lógica um determinado estado de consciência que não reflete a realidade exterior que parece representar.Daí a chamada ilusão dos sentidos. Entendemos agora o fato de que estamos a falar de estados de consciência,de algo que nos arranca repentinamente dos grilhões da linguagem e das inúmeras tentativas de aprisionar as manifestações artísticas em geral. Está claro,creio eu, que o termo ilusão, na sua raiz, aponta para uma anormalidade perceptiva.O prefixo a remete invariavelmente à idéia de negação ou privação.Como pode a adição de apenas um prefixo alterar tanto a significação de uma palavra? Tanto as palavras quanto os conceitos não designam a totalidade das coisas.Estas tendem a ser designadas parcialmente. A arte então pode ser encarada ou pensada como uma manifestação anormal,pois algo ocorre com os sentidos, alguma transformação ocorre quando a mesma se dá..Estamos a corroborar aqui o caráter de transgressão expressado não só na poesia,mas também em todos os outros tipos de manifestações.A anormalidade receptiva pode conduzir a estados estranhos como por exemplo:
A anormalidade receptiva no caso dos haikais é patente.Indago-me
algumas vezes acerca da razão pela qual estes me parecem tão atuais e próximos.A idéia de se indagar aqui age agora como bloqueio nítido devido à adoção de procedimentos lógicos Ao invés de questionar,saltarei por sobre as perguntas na velocidade das constatações súbitas. As palavras nos haikais sempre possíveis imunes ao tempo.No correr dos séculos, sempre frescas quando expostas a qualquer olhar.Se parece lícito supor que em cada signo reina um estereótipo,e se todo estereótipo remete invariavelmente a algo não criador,diríamos que os haikais estão definitivamente fora.
Mas,o que será este fora?
Quando se pergunta algo se pressupõe que haja uma resposta. Há evidentemente perguntas sem possibilidade alguma de resposta. Toda e qualquer pergunta que pressupõe uma resposta remete a um topos qualquer. Toda e qualquer pergunta sem resposta remete a um atopia qualquer. A palavra topia diz na sua raiz de um lugar no qual o pensamento repousa absoluto. A palavra atopia diz na sua raiz de um não lugar no qual o pensamento titubeia ou sangra. A resposta para este fora aqui está no olho que vê o não visto na abertura que se põe bem à nossa frente.Algo é comunicado às nossas mentes e este algo redunda no olhar diferenciado repleto de conexões nervosas .Ver vem de videre que,na sua raiz, aponta para a idéia de abertura para. Há ainda indicações claras de que o termo história aponta para um interrogar,um testemunhar algo.Temos então um olhar que testemunha algo no tempo e no espaço que por sua vez são transgredidos,pois a natureza do que é propriamente artístico possui caráter determinista..Este impossibilidade de pragmatização totalitária do que é artístico rivaliza com as noções de tempo e espaço,pois necessita das mesmas numa primeira instância para existir.A partir do seu nascimento tem início a derrocada daqueles elementos que propiciaram o seu emergir. Sinto-me compelido a refletir acerca da noção de perenidade dos haikais. Nossas raízes emocionais encontram-se sempre relacionadas a um olhar constante a adentrar a indiferença da physis. Por physis entendamos a noção levantada por Heidegger no sentido de que.esta não pode ser confundida com natureza. . 1Este movimento desprovido de desejo e muito além das noções psicológicas de consciente e inconsciente se torna por sua vez um movimento incomunicável,dada a sua natureza volátil.Este era o primeiro passo.Os haikais enquanto memória foram perpetuados pelo vento da criação Por uma série de razões, eles se aproximaram em muito do que eu chamaria de indiferença da physis. Um estado de completa absorção mental ,decerto. Lembro-me agora de uma entrevista a um haikaista.Ele era indagado acerca do motivo pelo qual os haikais permaneciam até nossos dias. Recordo-me claramente que sua resposta estava relacionada aos rumos que a poesia havia tomado após o haikai. Disse sabiamente que, dentre as muitas razões que poderiam ser citadas,uma delas residiria no fato de que a poesia se tornou muito mais discursiva,ou,para usar os termos do mesmo,garbosa e conseqüentemente com versos mais longos.] Os haikais permaneciam assim como uma alternativa para tal. Salientou ainda o fato de que ninguém tem que ser necessariamente poeta para fazer haikai. O estado de profunda absorção e observação pode ser atingido por alguém que não seja necessariamente um artista. Evidentemente que não ficou claro na entrevista a qual poesia garbosa ele se referia.Todavia,ficou patente que a feitura do haikai acha-se relacionada a estados de profundo mergulho na vastidão do cosmos. Fala-se ainda em metáfora direta com relação a esta arte tão concisa e delicada. Concordo com tal assertiva,mas prefiro falar em transposição de imagens.Os conectivos que usamos para tornar nossas sentenças lógicas, segundo os preceitos das cartilhas coesivas e coerentes, encontram pouca ressonância no caso dos haikais. Por metáfora direta entendo claramente a explosão de uma constatação fruto destes estados mentais que nos arrastam para fora de nós mesmos em questão de segundos.Para abrirmos o espírito no sentido da percepção do que nos rodeia, para definitivamente tentarmos fazer tal coisa,é preciso que silenciemos.O sentidos devem estar aguçados e para que isto aconteça e preciso que estejamos imersos na indirefença da physis. Physis por sua vez diz de um fazer nascer.
Bashô nos mostra claramente esta situação
Casca oca A cigarra Cantou-se toda.
Onde estarão agora nossos inúmeros preceitos interpretativos?
Diríamos então que a cigarra morreu pelo fato de haver cantado e por isso ......
Aprisionados pelos conectivos tornamos nossos discursos cada vez mais
eficientes.Talvez careçamos de um sentido maior de observação.
Não somos capazes de bater com as palavras no muro do além. Temos