Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Τ
Rosa M. Prista
A família, por sua vez, reduzida, em muitos casos, a figura materna, cristaliza
papéis sociais que bloqueando a ação criativa das figuras parentais impedem o
reconhecimento e resignificação da potencialidade dos habitantes deste grupo social. A
busca de sobrevivência destas famílias provoca a subordinação dos valores da vida aos
valores da utilidade.
Τ
Psicóloga, psicomotricista, mestre em Psicologia, diretora científica do Centro de
Estudos da Criança, fundadora do Programa de Desenvolvimento para pessoas
portadoras de Síndrome de Down, doutoranda em Psicologia e Qualidade de Vida,
American World – Iowa/ EUA; Conselheira-presidente do I Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre a Pedagogia Freinet e Psicomotricidade do Rio de Janeiro.
(I) Conceitos contemporâneos de valor
A visão sistêmica de vida deve ser a base apropriada para pensar qualidade de
vida. É urgente rever a adaptação do ser humano sob um prisma de interdependência e
complexidade para dar suporte ao movimento multidilacerante que está presente no
mundo. Há carência de informações nos seres humanos que permitam a cada um
construir um plano de vida que suporte além da sobrevivência, um estado de bem-estar
compatível às necessidades humanas. O crescimento tecnológico econômico e
institucional indiferenciado não comportou o desenvolvimento humano, na verdade o
Homem criou seu próprio fracasso. Pensou nas maiores estratégias tecnológicas mas
esqueceu de suas próprias necessidades. Do esquecimento à adoção de modelos
fragmentados, rígidos, e áridos a estrutura cartesiana é bem representada. Entretanto
para se falar de qualidade de vida é preciso falar de dinamismo, de contínua mudança,
de transcendência, de interdependência ecológica...É preciso olhar para si e num fluxo
dialético olhar o meio e os habitantes além dos próprios desejos. É preciso
intersubjetivar...
“Não podemos alterar nossa constituição genética, mas podemos
influenciar a expressão dessa genética’”.17
Para chegar a uma nova visão da realidade, é exigido um papel amadurecido, de co-
participante no sistema. Tal papel só pode ser introjetado quando a ligação com o
mundo vai além do externo e atinge a “consciência intuitiva de unidade da vida,
interdependência em suas múltiplas manifestações e seus ciclos de mudança e
transformação.”
Tais mudanças são sentidas mundialmente na área da Psicologia, nos programas em
prol do desenvolvimento humano; na área da medicina com o crescimento da
psicossomática e os programas preventivos. A busca de compreensão do indivíduo e do
sintoma partem para uma visão sistêmica, de família, de construção histórica. Inúmeras
pesquisas permeiam a busca do todo, da integração corpo-mente...
Na educação especial podemos encontrar instituições que descontentes com o
sistema vigente, exploram novas alternativas, ousam criar metodologias científicas onde
a totalidade da vida seja contemplada. Uma instituição que ousou foi o Centro de
Estudos da Criança já citado neste artigo. Denominado de comunidade científica por
Manuel Sérgio Vieira e Cunha, sua equipe trabalha livremente na utilização maior de
sua capacidade intelectual, em contato ativo com profissionais de vários saberes e
nacionalidades. Desta possibilidade foi possível criar o programa de qualidade de vida
onde os responsáveis por pessoas portadoras de necessidades especiais são estimulados
a ir além do papel remediativo, “esquecer” que são pai e mãe de “excepcional” para
reencontrar a sua unidade como seres humanos.
Daí as temáticas são experenciadas além do canal gnoseológico, vivendo o estético,
segundo o qual informações, imagens são apreendidos como construções subjetivas e
portanto únicas em cada contexto familiar. O objetivo não é o de acumular informações
ou de massificar pais com regras, normas e exercícios, mas devolver aos progenitores
sua autonomia de pensamento, seus sonhos, seu potencial criador, de forma que suas
vidas possam alternar movimentos, num dinamismo exigido atualmente.
17 – Capra, 1996
“Nada é fixo para aquele que alternadamente pensa e sonha”. 18
Com certeza, o caminho para a descoberta de novos horizontes, novas soluções
encerra um elemento irracional, intuitivo que não pode surgir em pessoas que
duramente foram dilaceradas por terem um filho que foge aos padrões esperados. Sob o
enquadre de protecionismo, de ajuda, muito do prazer, do dinamismo, da criatividade,
da união familiar foi mutilado.
O programa de qualidade de vida promove saúde, prazer, vida...Se subdivide em
três unidades: a primeira de retorno à consciência corporal, enquanto totalidade
psicofísica, percebendo o corpo não como instrumento mas como seu próprio SER.
Intervenções corporais, relaxamentos inventários de stress, inventários de vida, de
potencialidades são algumas técnicas utilizadas. A Segunda unidade, de percepção e
mudança nutricional: nutrição afetiva, de tempo, de espaço, sexual e alimentar através
de relaxamentos, dinâmicas grupais, atividades físicas e palestras informativas. A
terceira unidade, de reconstrução de papéis, funções e formas de viver baseia-se nos
princípios filosóficos escolhidos por cada estrutura familiar e um novo mapeamento do
estilo de viver.
O desenvolvimento do programa tem possibilitado o resgate do sujeito
historicamente posicionado, livre de pseudo-culpas, amadurecendo seu interior na busca
de objetivos, ideais para seu contexto familiar e portanto disponível a cooperar com o
social de forma autônoma, crítica e criativa.
É um processo transformador, às vezes contrário ao movimento social, mas
tampouco os que nele embarcam cedem seu tempo, espaço, às novas idéias e ao novo
bem-estar que permite lidar eficazmente com as diversas situações de vida.