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Carreiras anticoncepcionais
IMAGEM: KIPPER
E m um artigo publicado em 12
de abril de 2006, a revista in-
glesa The Economist lançou uma nova
lho e pretende chamar a atenção para
o fato de que essa possível “mudan-
ça de sexo” está trazendo ganhos
plo, apenas um terço das mulheres
em idade para trabalhar tinha uma
ocupação, em geral ligada às áreas
palavra que tem grandes chances de para as economias nacionais de al- de educação, saúde e serviços sociais.
entrar para o vocabulário corrente do guns países desenvolvidos. Cinco décadas mais tarde, esse nú-
mundo corporativo: womenomics. O A tese da feminização parece mero aumentou para dois terços, o
neologismo endossa a tese da amparar-se em fatos. Nos Estados que significa que quase metade da
“feminização” do mercado de traba- Unidos dos anos de 1950, por exem- força de trabalho daquele país é
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então terem apenas um filho. O di- escolherem suas carreiras. Ocorre conseqüência, tal discurso acaba ge-
lema das mulheres é provocado por que grande parte das mulheres, e o rando desigualdades na prática.
duas características importantes da Brasil é exemplar nesse sentido, não O preço pago pela mulher que
carreira moderna: primeira, assumir tem acesso à alta educação, de sorte tenha optado por uma carreira cer-
um curso individualista de ação, que sua única opção é o casamento tamente é mais alto do que o pago
quer dizer, ter de orientar-se por va- e, principalmente, a criação dos fi- por um homem. No entanto, dada
lores ligados aos próprios interesses, lhos, intercalado com algum tipo de a atual condição social, não pode-
à própria auto-imagem e ao desejo trabalho para a manutenção finan- mos desconsiderar que a escolha
de se destacar em relação a um gru- ceira da família. Mulheres menos está com a mulher. Então, podemos
po, inclusive a família. Em uma so- instruídas são hoje as que mais se esperar que, quanto mais elas opta-
ciedade pretensamente burguesa, a dedicam à maternidade (segundo a rem por uma carreira, portanto,
carreira é uma das poucas – senão a pesquisa do IBGE já citada, o aumen- quanto mais colocarem suas priori-
única – formas de acesso a prestígio to da escolaridade feminina reduz a dades como indivíduos em detri-
e status e fator de singularização do fertilidade). São mulheres que não mento de sua condição biológica de
sujeito (tornar-se alguém “único”). têm uma carreira, mas sim um em- reprodução, da família e da tradi-
Uma mulher que hoje não possua prego, pois sobrepõem diferentes pa- ção, mais as futuras estatísticas irão
carreira sente que sua condição é du- péis sociais e têm uma orientação mostrar a oscilação do pêndulo a
plamente mais difícil que a do ho- muito mais “coletiva” do que indivi- favor delas. O “preconceito”, repe-
mem, pois, além de temer o desem- dualista, característica que, como timos mais uma vez para encerrar,
prego (que não depende de gênero vimos, é fundamental à noção mo- é muito mais um custo de oportu-
para ser nefasto), teme ficar sob a tu- derna de carreira. nidade, ou seja, uma questão de as
tela dos pais ou mesmo do marido. Acreditamos que, para enten- mulheres decidirem pelas perdas
Expressões de senso comum, tais dermos a situação das mulheres que terão enquanto mães ao entra-
como “pilotar fogão” ou “ela deu o hoje no mercado de trabalho, é rem no mercado de trabalho com
golpe do baú”, são altamente expres- muito mais vantajoso considerar uma carreira, do que a imposição
sivas dessa sensibilidade restritiva fatos como a invenção da pílula e a do mundo corporativo machista que
em relação às mulheres. liberação do comportamento sexual não as reconhecem como competen-
Uma segunda característica da feminino (e masculino) do que o tes. No fundo, a questão atinge a
carreira moderna é o alto grau de so- suposto preconceito do mercado. todos: é a sociedade centrada no
fisticação educacional que ela exige. Pois na medida em que a mulher mercado quem dita as regras.
No mundo inteiro o que se tem ob- consegue desvencilhar-se da com-
servado, lembra novamente Wolf, é pulsoriedade biológica da materni-
que mulheres mais instruídas são as dade, consegue estar livre, disponí-
que têm maiores chances de assumir vel e dócil diante das exigências ine-
postos prestigiados no mercado de gociáveis da carreira moderna. Cre-
trabalho, isso se não tiver filhos ou mos, portanto, que o discurso da Maurício C. Serafim
tiver apenas um. Por conseguinte, igualdade de oportunidades no mer- Doutorando em Administração de Em-
presas na FGV-EAESP
afirma a autora, o movimento femi- cado é predominantemente machis- E-mail: serafim@gvmail.br
nista possui uma dimensão falsa na ta, este sim preconceituoso, pois
medida em que faz dos interesses de implica a fantasia de que existem Pedro F. Bendassolli
Prof. do Departamento de Fundamen-
uma pequena elite de mulheres ins- condições idênticas entre homens e
tos Sociais e Jurídicos da Administra-
truídas uma regra para todas as mu- mulheres a um nível muito básico, o ção da FGV-EAESP
lheres: liberdade e autonomia para que claramente não é verdade. Como E-mail: pbendassolli@fgvsp.br