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OS FRUSTADOS

de

Walter de Azevedo

EPISÓDIO 05

A DAMA DO CINE SHANGRILÁ

PARTE I

participação especial

MAITÊ PROENÇA

como LUDMILA/MULHER MISTERIOSA


CENA 1 – Tomada de São Paulo à noite. Várias cenas mostrando o movimento da cidade.

CORTA PARA:

CENA 2 – ESCRITÓRIO DE ROBERTO/INT/NOITE

O clima do episódio é de um filme policial classe B dos anos 30 ou 40 de Hollywwod.

Roberto está se preparando para ir embora.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Tudo começou como apenas

mais um dia de trabalho. Eu havia atendido meus clientes e perdido

algumas causas, mas tinha confiança de que amanhã as coisas seriam

diferentes.

Roberto apanha a sua pasta e prepara-se para desligar o abajur que tem em cima da mesa.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Foi então que ela chegou!

A porta se abre e Ludmila entra. Roberto fica a olhando, surpreso com sua beleza.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Ela era maravilhosa. A

mulher que todo homem sempre sonhou em ter. Belas pernas, um

corpo escultural e dois olhos que pareciam mais diamantes. Ela se

aproximou de mim com um ar muito preocupado.

Ludmila se aproxima de Roberto com um ar preocupado.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Ela precisava da minha ajuda

LUDMILA – Eu preciso da sua ajuda.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu estava fascinado por

aquela mulher que me parecia tão frágil e assustada. Pedi para que

ela se sentasse e me contasse tudo.

ROBERTO – Por favor, sente-se e me conte tudo.


LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Dá pra parar de falar tudo o que

vai acontecer? Isso tá ficando um saco. Parece aquelas pessoas

chatas no cinema que sentam na nossa frente e começam a contar o

filme.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Sai Lucas! Hoje a história é

minha. Você aparece demais.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Invejoso.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Alguém pode me dizer o que está

acontecendo aqui?

Roberto e Ludmila, em cena, olham para cima, como se aguardassem o final da discussão

entre os narradores.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Acontece que eu tô tentando

contar o episódio de hoje e o Lucas tá me atrapalhando.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – E sobre o que é?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Ainda não deu pra descobrir. Ele

é péssimo. Fica enrolando. Ele não entende que os episódios são

curtos e não dá pra ficar enchendo lingüiça.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Nossa! É a Maitê Proença ali

embaixo?

Ludmila dá um tchauzinho para cima.

ROBERTO (EM OFF NARRANDO) – Dá pra vocês dois ficarem

quietos e me deixaram terminar?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – E por acaso você já começou?


CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Pára Lucas. Vamos ver no que dá

isso. (pausa) Quando eu tiver um episódio só meu assim eu também

quero escolher a atriz que vai aparecer.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Não fui eu que escolhi. Foi o

Walter. Agora calem a boca vocês dois que eu vou continuar. (pausa)

Aquela mulher precisava desesperadamente de ajuda.

LUDMILA – Eu preciso desesperadamente de ajuda.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Eles não decoraram o texto? O

Roberto precisa ficar dizendo o que eles têm que falar?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Eu não sei. Só sei que se

continuar assim eu vou mudar de canal e assistir a reprise de Will &

Grace.

LUDMILA (PARA OS NARRADORES) – Dá pra vocês pararem

com essa confusão aí em cima?(pausa) Falta de profissionalismo.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Não falo mais nada.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Pssss!

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Voltando. (pausa) Naquele

momento, tudo o que eu queria era tomá-la em meus braços e fazer

amor até o dia amanhecer. (pausa) Mas eu não podia dizer isso. Mal

a conhecia. E ela parecia confiar em mim. Não podia decepcioná-la.

ROBERTO – No que eu posso lhe ajudar?

LUDMILA – Bem...Eu estou sendo perseguida. Ele quer acabar

comigo.
ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu percebi que ia me meter

em confusão, mas os olhos daquela mulher me hipnotizavam,

impedindo-me de me afastar do perigo.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Não quero ser chato, mas a gente

já tá na página quatro. Não dá pra adiantar o filme? Ai! Não me

chuta!

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Mandei ficar quieto.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Zzzzzzzzzzzz.

CAIO – (EM OFF/NARRANDO) – Hehe.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Vou continuar. (pausa) Não

resisti e quis saber mais sobre o que estava acontecendo.

ROBERTO – Quem quer acabar com a senhora?

LUDMILA – Meu marido.

ROBERTO – Mas por que ele ia querer fazer uma coisa dessas com a

senhora?

Ludmila se levanta e vai até a janela. Parece procurar se tem alguém na rua.

LUDMILA (SUSSURRANDO) – Porque eu sei demais.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – O que foi? Não ouvi. Dá pra

falar mais alto?

LUDMILA (MAIS ALTO) – Porque eu sei demais.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Obrigado.

LUDMILA – De nada.

Roberto se aproxima de Ludmila.


ROBERTO – Mas o que a senhora sabe que pode colocar a sua vida

em risco?

LUDMILA – Muita coisa. (pausa) Me falaram que você é um ótimo

advogado. Achei que poderia me ajudar.

Ludmila passa os braços sensualmente pelo pescoço de Roberto.

LUDMILA – Que poderia me proteger.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Não acredito que ele vai pegar a

Maitê Proença!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Se eu fosse você reclamava com

o autor e exigia direitos iguais.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – A proximidade dela mexeu

comigo. Eu queria defender aquela mulher de qualquer coisa.

ROBERTO – Pode ficar tranqüila. Comigo ao seu lado, nada de mal

irá lhe acontecer.

Nesse momento uma bala quebra a vidraça e acerta as costas de Ludmila, que tomba nos

braços de Roberto.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Meu Deus! Mataram a Maitê

Proença!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Caraca!

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Senti o seu corpo sem vida

nos meus braços. Não sabia o que fazer.

ROBERTO – Meu Deus! O que faço agora?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – E agora? Quem poderá me

defender?
CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Eeeeeeu!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Hahahahahaha.

Roberto coloca o corpo sem vida de Ludmila na cadeira.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu precisava de auxílio

naquela hora. Foi quando um amigo meu entrou.

Lucas entra.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Misericórdia! Sou eu ali em

baixo! Que coisa mais estranha. Como eu posso estar lá e aqui ao

mesmo tempo? (pausa) Será que aquele lá é o meu clone?

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Sobre nossas cabeças, o sol....

LUCAS – Meu Deus! Há uma mulher morta no seu escritório!

Lucas fecha a porta.

ROBERTO – Eu preciso de sua ajuda.

LUCAS – Se você pensa que vai fazer de mim o que faz com todo

mundo que te ama...

ROBERTO (ESTRANHANDO) – Como é?

LUCAS – Não era isso que eu ia falar. (pausa) Se você pensa que eu

vou ajudar você a encobrir o seu crime, está muito enganado! Vou

denunciá-lo às autoridades!

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Chegou pra botar ordem no

barraco.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Como eu iria convencer meu

amigo de que não era culpado por aquele crime? Foi então que me

lembrei de uma coisa.


ROBERTO – Não fui eu! Veja a janela!

LUCAS – Isso não é hora de ficar admirando a paisagem! Tenha

respeito por essa defunta, homem!

ROBERTO – Não. Olhe. A janela está quebrada.

LUCAS – Isso só prova que, além de assassino, você é um péssimo

inquilino.

ROBERTO – Não. A janela está quebrada porque a bala que matou

essa mulher atravessou a vidraça e a atingiu. Se eu estava aqui, como

iria atirar nela de lá de fora?

LUCAS – O que me garante que não foi o seu eu narrador?

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Claro que não fui eu. Eu

estava aqui.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Eu sou testemunha! Ele é

inocente!

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Eu também.

LUCAS – Bom...Pelo menos em um deles eu posso confiar. (pausa)

Tá bem. Você não matou a pe...

Lucas olha atentamente para a morta.

LUCAS – Meu Deus! Você matou a Ludmila Petrovna!

ROBERTO (ABORRECIDO) – Eu não matei ninguém! (pausa)

Quem é a Ludmila Petrovna?

LUCAS – Ela é casada com o chefe da máfia russa.

ROBERTO (ESTRANHANDO) – Tem uma máfia russa aqui no

Brasil?
LUCAS – Claro. Eles são que nem formiga. Tem em todo lugar do

mundo.

ROBERTO – E o que eu vou fazer agora?

LUCAS – Você precisa se livrar do corpo. Se o marido dela

descobre.

ROBERTO – Mas pelo jeito foi ele que matou.

LUCAS – Pior ainda. Vai jogar toda a culpa em cima de você. Você

vai ser acusado, julgado, condenado e vai ser o maior sucesso da

cadeia. Os caras lá vão te adorar.

ROBERTO – Não fala isso nem brincando. (pausa) E como é que

nós vamos fazer pra sumir com ela?

LUCAS – Acho que precisa ser uma coisa digna, respeitosa. (pausa)

O que você acha de a gente cortar ela aos pedaços e espalhar pelas

latas de lixo da cidade?

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Que horror! Que nojo!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Como nojo? Você não é

médico?

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Sou, mas na hora do sangue

eu...Fecho os olhos.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Jesus Cristo. Já sei quem eu

não vou procurar quando precisar de um médico.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Continua a história que a gente

já tá na página oito.
ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Tá. A gente vai mudar de

cena.

CORTA PARA:

CENA 3 – PRÉDIO DO ESCRITÓRIO DE ROBERTO/EXT/NOITE

Roberto sai do prédio e vem andando pela rua.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Achei melhor sair para tomar

um pouco de ar fresco. Deixei meu amigo lá...Cuidando do corpo.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Já percebi que o carniceiro da

história vou ser eu. Se me pegarem eu nego tudo. Eu digo que pensei

que ela era um bife.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Segui andando e pensando

no que deveria fazer de minha vida.

Roberto segue até o fim da rua.

CORTA PARA:

CENA 4 – RUA/EXT/NOITE

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Quantas externas! A gente quase

nunca tem externas.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – É muito caro pra fazer.

Roberto vem andando pela rua e pára de frente para um cinema muito decadente. Lê-se a

placa “CINE SHANGRILÁ”.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Passando por uma rua

escura, me deparei com o cine Shangrilá. Resolvi entrar e assistir um

filme para me distrair um pouco.

Roberto entra no cinema.


CORTA PARA:

CENA 5 – CINEMA/INT/NOITE

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Que coisa mais surreal! Ele vai

se distrair no cinema enquanto o amigo dele tá fazendo picadinho da

mulher? Que história mais sem pé nem cabeça!

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – A história...e a essa altura a

mulher.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Hahahahahahahaha. É verdade.

Roberto entra e se senta em uma cadeira.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Naquele momento, havia

uma coisa rondando minha cabeça.

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Piolho!

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Passa Scabin!

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu vou dar uma muqueta nos

dois se vocês não ficarem quietos!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Que violento!

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Deixa ele terminar logo.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Foi então que eu vi, ali, na

tela do cinema. A mulher que acabara de morrer no meu escritório.

Na tela está passando um filme cuja atriz é idêntica à Ludmila. Roberto fica espantado.

ROBERTO – Céus! É ela! É a Ludmila Petrovna!

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Fiquei desnorteado e sem

saber o que fazer. Me levantei e saí da sala.

CORTA PARA:
CENA 6 – CINEMA/SALA DE ESPERA/INT/NOITE

Roberto entra na sala completamente perdido.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Sai dali como se tivesse

tomado um tapa no rosto.

(SOM DE UM TAPA)

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Ai! Tá doido? Por que você

me bateu?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Pra dar mais realismo à coisa.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Eu também quero!

(SOM DE OUTRO TAPA)

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Ai! Por que você me bateu?

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Ué. Você não disse que também

queria?

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Eu queria bater!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Ah! Desculpe. Não entendi

direito.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu vou botar os dois pra fora

do episódio!

LUCAS (EM OFF/NARRANDO) – Depois a bichinha nervosa sou

eu.

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Eu estava lá, parado, sem

saber o que fazer. Tentando entender o que Ludmila estava fazendo

naquele filme quando o pior aconteceu.


Roberto está parado, se apoiando a uma parede e uma cigarrilha aparece ao seu lado, muito

próximo. A tomada não mostra quem está segurando.

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Como assim “o pior aconteceu”?

Já mataram a Maitê Proença, depois cortaram ela em pedaços. Eu

não apareci no episódio, só a minha voz. O que de pior pode

acontecer?

ROBERTO (EM OFF/NARRANDO) – Quando eu olhei para saber

quem estava com aquela cigarrilha, meu queixo foi ao chão. Ao meu

lado, vestido de mulher, estava um dos meus melhores amigos.

A tomada mostra Caio vestido com uma saia e uma blusa típica dos anos trinta, salto alto,

um turbante na cabeça e segurando a cigarrilha.

CAIO – Você tem fogo...Bonitão?

CAIO (EM OFF/NARRANDO) – Nããããããããããããão!

(CONTINUA NO PRÓXIMO EPISÓDIO)

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