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Por uma História do Jornalismo Internacional no Brasil

AGUIAR, Pedro. aluno do Mestrado em Comunicação e Cultura, ECO/UFRJ (RJ)

Resumo:
Este artigo pretende constituir-se um guia preliminar para eventuais pesquisas que se
debrucem sobre o tema, ao oferecer parâmetros de análise, indicar fontes primárias e
secundárias, realizar um levantamento bibliográfico preliminar e apresentar uma
proposta de periodização histórica para a evolução da Inter brasileira nestes 200 anos.
Ao fim, trata-se de fornecer subsídios a demais pesquisadores que se aventurem a
reconstituir o percurso traçado pelo Jornalismo Internacional produzido no Brasil e suas
especificidades socioeconômicas, tecnológicas, ideológicas, discursivas e pragmáticas.

Palavras-chave: história do jornalismo; jornalismo internacional; metodologia de pesquisa

A imprensa brasileira que completa 200 anos de História em 2008 não faz jus às
suas origens no que diz respeito à dedicação quantitativa e qualitativa ao resto do
mundo no espaço do noticiário. Tanto a Gazeta do Rio de Janeiro, jornal fundado para
dar voz à corte portuguesa recém-instalada na sede da administração colonial, quanto o
Correio Braziliense, primeiro órgão de imprensa publicado por um brasileiro e
inteiramente produzido no exterior, se dedicavam prioritariamente a informações sobre
fatos ocorridos fora do Brasil. Aquela, por ser no âmago o veículo oficioso de uma elite
ainda mais preocupada com o curso da guerra na Europa – cujo desenlace determinaria
quando (e se) poderia regressar a Portugal. Este, por partir dos acontecimentos europeus
para desenhar paradigmas de relações entre Estado, sociedade e instituições que se
pudessem aplicar ao projeto nacional de Brasil – constitucionalismo, parlamentarismo,
liberalismo econômico, entre outros. Portanto, seja qual for o veículo tomado como
marco para o nascimento da imprensa nacional, o fato é que o jornalismo brasileiro
nasceu em 1808 com os olhos voltados para fora.
Tal constatação não faz do Brasil uma exceção, tampouco deveria ser novidade.
A tônica da comparação entre soluções políticas européias e norte-americanas com a
realidade brasileira, por sinal, marcou profundamente a cobertura internacional da
imprensa novecentista brasileira, caracterizada pelo engajamento em campanhas. Assim
é que a Revolução de Julho de 1830 na França será evocada em abril do ano seguinte,
no movimento que culmina com a abdicação de Pedro I; a “Primavera dos Povos” de
1848 repercute na Revolução Praieira pernambucana; e a derrubada do Segundo
Império francês e sua subseqüente Comuna de Paris são inspiradores para os
republicanos da geração de 1870, particularmente os radicais apelidados de “jacobinos”.

1
No entanto, ainda é forte no senso comum a crença de que o jornalismo no mundo
teria nascido primeiro voltado para a informação local, e só depois expandido para além
das fronteiras, a partir de recursos tecnológicos advindos da Revolução Industrial. Esta
concepção situa as origens do noticiário sobre fatos estrangeiros num estágio secundário
do desenvolvimento da imprensa, como desdobramento do processo de industrialização
capitalista. De acordo com esta visão, “o jornalismo internacional é um fenômeno da
atividade intelectual e econômica que data do segundo quartel do século XIX”, porque
sua história estaria “ligada ao desenvolvimento da escrita, à imprensa, à indústria
editorial, às tecnologias de comunicação e ao transporte” (ESPINOSA, 1998).
“Os acontecimentos sobre o exterior entraram nas páginas dos jornais
tardiamente, porque não havia formas de compilação de fatos ou porque o
interesse não transcendia fronteiras. Assim foi, em geral, a história da
imprensa no mundo. O jornalismo nasceu como uma atividade de
comunicação local, com uma vocação comunitária. A primeira agência de
notícias internacionais é organizada no segundo quartel do século XIX. As
notícias sobre o exterior ganham seu espaço na imprensa diária quase um
século depois da Revolução Industrial.”1

Contrariando tal concepção, Natali (2004) afirma que o próprio jornalismo


“nasceu internacional”, na medida em que os primeiros órgãos ditos jornalísticos da
modernidade eram os newsletters, boletins noticiosos mercantis da burguesia
neerlandesa em comércio com outras nações, no século XVII. Assim, das folhas
noticiosas de distribuição interna entre os grupos mercantis surgiram os primeiros
impressos com notícias para circulação pública, com ênfase não nas informações locais,
mas nos fatos ocorridos no exterior.
“Poderíamos supor que o jornalismo surgiu como atividade que fizesse circular
informações de interesse local ou paroquial, já que o campo de interesse
comum dos mortais, em comunidades compartimentadas, sofria os efeitos de
uma infra-estrutura precária de comunicações. Pois suporíamos errado. O
jornalismo nasceu, isto sim, sob a forma de jornalismo internacional, com o
formato de coleta e difusão de notícias produzidas em terras distantes.”2

Segundo o autor, a gênese dos primeiros periódicos, criados no contexto da


ascensão da burguesia na Europa nos séculos XVII e XVIII, está ligada à necessidade
de obter notícias sobre o estrangeiro, a fim de gerenciar os negócios domésticos. O
jornalismo, afirma, nasce com a newsletter de circulação interna da Casa Függer (do

1
ESPINOSA DE LOS MONTEROS, Guillermo G.. “Periodismo Internacional, Corresponsales y Testimonios sobre el Extranjero”.
Foro Internacional nº 152-153, Cidade do México: Hemeroteca Virtual/UNAM, 1998.
2
NATALI, J. B.. Jornalismo Internacional. São Paulo: Contexto, 2004, p.23

2
banqueiro Jacob Függer, 1459-1525), com informações externas relevantes para orientar
seus negócios. Estas folhas noticiosas, produzidas por uma “rede de agentes da casa
bancária” de Függer, informavam sobre “a cotação de determinadas mercadorias nas
feiras” comerciais urbanas, bem como “conflitos regionais” e seus efeitos sobre “o risco
de tráfego pelas estradas, as cotações dos pedágios nas alfândegas senhoriais ou o preço
das apólices de seguro”. Segundo Natali, “ali estava de uma inequívoca o embrião do
jornalismo econômico e político, voltado para assuntos internacionais” (2004; 21).
Portanto, seria um equívoco acreditar que o Jornalismo Internacional teria
nascido apenas no século XIX, quando “em Londres os periódicos impressos
ampliavam sua área geográfica de interesse e de cobertura em razão da expansão do
império colonial britânico” e, nos EUA, o noticiário internacional tomava corpo porque
“imigrantes enriquecidos tinham uma visão mais metropolitana do mundo e criavam
uma demanda específica por informações, sobretudo as que tinham origem na Europa”
(NATALI, 2004; 19).
“(...) O jornalismo impresso – e o jornalismo internacional, que nos primórdios
do jornalismo era o único tipo de jornalismo conhecido – não nasceu com o
capitalismo. O mercantilismo já precisava dele e foi por isso que o criou.
Ocorreu, na época mercantil, o florescimento rápido dessas folhas de notícias
impressas que eram vendidas a quem quisesse comprar e não mais circulavam
dentro de um mesmo conglomerado comercial e financeiro (...).”3

Apesar de toda a relevância desta especialização nas origens e na atualidade de


nossa imprensa, é fato público e notório que a bibliografia disponível sobre Jornalismo
Internacional produzido no Brasil é escassa. Excluindo-se os relatos testemunhais, as
coletâneas de crônicas e os livros-reportagem de ex-correspondentes e enviados
especiais, sobram raros títulos de foco específico na área e do modo brasileiro de se
cobrir o exterior. Os livros catalogados como “jornalismo internacional” são, em ampla
maioria, análises sobre a mídia em outros países ou traduções de literatura especializada
estrangeira que aborda a realidade dos profissionais de Inter (redatores, editores,
correspondentes) no exterior – quase sempre, bem diferente das condições de trabalho
nas redações brasileiras.
A escassez de produção bibliográfica sobre Jornalismo Internacional no Brasil
não deve desestimular pesquisadores a se debruçarem sobre o tema. Pelo contrário,
serve de incentivo a trabalhos originais. Há outras fontes disponíveis que ainda
3
NATALI, J.B.. op.cit., p. 22

3
permitem a execução de investigações de riqueza e profundidade teórica. Assim, este
artigo pretende oferecer um levantamento bibliográfico e de fontes disponíveis
preliminar para eventuais pesquisas sobre o tema, além de uma periodização possível
que oriente o estudioso em distintos momentos da evolução técnico-econômica da
produção jornalística em Inter. Não é intenção aqui esboçar uma narrativa diretamente,
mas sim sugerir parâmetros necessários à análise histórica contextualizada a futuros
trabalhos que a isto se proponham. São brevemente considerados certos fatores
determinantes em sua configuração, como tecnologias (notavelmente as de comunicação
a longa distância, necessárias na intermediação com o objeto da notícia neste campo),
estrutura organizacional (constituição tardia como editoria, redes de correspondentes) e
de economia política (relações com fontes externas, agências de notícias e mídia
estrangeira, bem como apropriações discursivas que implicam) em todas as mídias e
suportes: impresso diário e semanal, rádio, televisão e web.

1. Problemas e particularidades
O campo do Jornalismo Internacional apresenta determinadas particularidades e
certos problemas intrínsecos que imprimem ao eventual pesquisador uma metodologia
heterodoxa. O mais visível destes, externamente, é a distância física em relação ao
objeto da notícia. O redator depende de mediações tecnológicas para ter acesso às
informações ou às fontes primárias, e mesmo o correspondente que trave contato direto
com as fontes in loco terá que transmitir sua reportagem até a redação por algum
aparelho – do teletipo, no início do século XX, ao atual e-mail. Esta condicionante
técnica (inexistente, por exemplo, na cobertura de “Cidade”) imprime marcas sobre o
texto, tanto formais-sintáticas quanto discursivas, pois,
“ao trabalhar com ‘apuração a distância’, o Jornalismo Internacional
apresenta uma tendência ‘natural’ a pré-mediatizar o trabalho jornalístico (via
apuração por outras mídias); realizando uma permanente polifonia e
reproduzindo discursos sobre discursos de outrem. Neste processo, corre
permanente risco de negligenciar contextos, deslocar declarações e perenizar
visões pré-concebidas.”4

Também se deve ressaltar característica intrínseca da Inter de descrever a


alteridade, o diferente, o estrangeiro, e o quão distanciado está o objeto da notícia

4
AGUIAR, P.. Jornalismo Internacional em Redes: de como usar NTICs para concretizar a NOMIC. Rio: ECO/UFRJ, 2007,
p. 16

4
internacional, muitas vezes, para um público em grande escala iletrado e sem acesso a
cargas culturais e informativas que contextualizem os fatos – algo que a imprensa deve,
mas nem sempre pode, suprir. É uma área em que a construção da notícia
recorrentemente é dependente de material fornecido por agentes externos ao veículo,
quase sempre estrangeiros – agências de notícias, jornais e TVs europeus e norte-
americanos – que não têm preocupação alguma em suplementar o fato, contextualizando
a informação para o público brasileiro, ou em criar comparações com a nossa realidade.
Este trabalho cabe aos redatores e editores.
Nas redações do Brasil, a Internacional foi uma editoria de constituição tardia:
só a partir do final dos anos 1950, com a modernização das técnicas e dos processos
jornalísticos, é que se destacam equipes especializadas nesta cobertura (embora o
noticiário exterior estivesse presente desde o início).
Outro aspecto é a localização da produção do noticiário internacional, também
determinada por fatores econômicos da mídia. Ainda que também ocorra em outras
especializações, a concentração no eixo Rio-São Paulo é notavelmente maior na Inter,
uma vez que jornais de pequeno e médio porte não têm como sustentar uma estrutura de
correspondentes expatriados e acabam por reproduzir conteúdos de agências (nacionais e
transnacionais) e de outros jornais maiores. Poucos são os jornais do interior (ou mesmo
de capitais estaduais) que mantêm editorias de Internacional, submetendo em geral suas
pautas à seção de Política ou Geral e dedicando à Inter espaços “sob demanda” para
notícias esporádicas e grandes eventos. O mesmo vale para emissoras de TV e rádio. Em
internet, o quadro poderia ser distinto, já que o acesso seria virtualmente o mesmo dos
grandes veículos online, mas a maioria dos portais em centros urbanos menores é
extremamente concentrada em informações locais, cultura e serviços. Isto faz com que
um pesquisador seja forçado a quase sempre limitar seu escopo aos veículos das maiores
metrópoles do país, em particular da chamada “grande mídia”, que tem poder econômico
para manter correspondentes e assinar serviços de agências e veículos estrangeiros.
Não obstante, houve e ainda há no Brasil órgãos rotulados como “mídia alternativa”
e dedicados exclusivamente à cobertura internacional. Exemplo passado foi a revista
Cadernos do Terceiro Mundo, publicada de 1974 a 2005 e editada por Beatriz Bissio e
Neiva Moreira, enquanto exemplo presente é a agência/portal Carta Maior, publicada
desde 2001 em São Paulo e editada por Flavio de Aguiar e Marco Aurélio Weissheimer.

5
Portanto, é fundamental manter a atenção não apenas no conteúdo que teve
espaço nas páginas de Internacional dos jornais, revistas, telejornais, radiojornais e
portais, constituído pelos fatos que passaram pelo crivo do gatekeeping da mídia
corporativa, mas também nos que foram “barrados” por esse filtro. Em outras palavras,
é importante analisar tanto o que saiu quanto o que deixou de sair – o que exige um
conhecimento concomitante de História mundial específico de cada período,
particularmente nos grandes espaços que freqüentam o noticiário internacional
brasileiro, como Europa, América do Sul e Oriente Médio. Afinal, como enfatiza Natali,
“nem tudo o que é notícia aparece no noticiário internacional. O noticiário
não constrói um retrato do mundo com determinado grau de exatidão. Muita
coisa que será vista no futuro como de capital importância histórica é
diariamente deixada de lado. E, ao mesmo tempo, certos temas sem
importância histórica nenhuma acabam virando notícia porque interpelam a
mitologia de nosso mundo cotidiano.”5

Aqui se faz pausa para um alerta fundamental: não se pode ignorar o papel da
censura estatal na imprensa brasileira e suas conseqüências no noticiário internacional,
não apenas pelas pautas proibidas na Inter, senão mais ainda pelas proibidas em outras
editorias e que tiveram naquela sua válvula de escape. Em diversas vezes, as limitações
para noticiar assuntos domésticos impulsionaram a cobertura internacional, em planos
freqüentemente metafóricos ou projetivos das situações internas. São indicativos de que
o Jornalismo Internacional brasileiro serviu durante longo tempo para contornar a
censura ou metaforizar os problemas nacionais, tradição herdada desde as “Cartas
Chilenas” de Tomás Antônio Gonzaga. Por sinal, trágica coincidência histórica foi o uso
do mesmo artifício no já conhecido caso da primeira página sem manchete do Jornal do
Brasil do dia 12/9/1973, que noticiava o golpe militar da véspera no próprio Chile.
De fato, a censura esteve presente no jornalismo brasileiro já de início,
estimulando a cobertura internacional no mesmo movimento em que cerceava as pautas
do noticiário interno. Armitage (apud WERNECK SODRÉ, 1966: 23) descreve a
Gazeta do Rio de Janeiro como jornal “preocupado quase que tão somente com o que se
passava na Europa”, dando a impressão – pelo silenciamento do discurso – de que a
realidade local era próxima à de um “paraíso terrestre”. Há um paralelo direto disto com
o célebre comentário do general-presidente Emílio Garrastazú Medici sobre os
telejornais noturnos, publicado na Folha de S.Paulo em 22 de março de 1973:
5
NATALI, J.B.. op.cit., p. 12

6
“Os noticiários que acompanho, regularmente, no fim da noite, são verdadeiros
tranqüilizantes para mim. Vejo tanta notícia desagradável sobre a Irlanda, o
Vietnã, os índios americanos e, no que respeita ao Brasil, está tudo em paz.”6

Em resumo, qualquer projeto de pesquisa em história do Jornalismo


Internacional no Brasil não pode prescindir, necessariamente, de análise de conteúdo,
análise do discurso, estudo da economia política das empresas de comunicação
envolvidas, bem como os determinantes tecnológicos, ideológicos e socioeconômicos
dos períodos estudados.

2. Fontes secundárias e referencial teórico


A produção bibliográfica sobre o tema ainda é circunscrita à academia, com
vários trabalhos abordando a cobertura internacional da mídia nacional, mas poucos
títulos lançados editorialmente, mesmo pelas editoras universitárias. Até entre autores
de manuais consagrados de jornalismo e suas especializações – como os clássicos de
Mário Erbolato, Técnicas de Codificação em Jornalismo (Vozes, 1979) e Jornalismo
Especializado (Atlas, 1981) – ocorre uma significativa exclusão do tema, até em
listagens das diversas editorias de um jornal diário7.
A situação se reflete nos estudos de história da imprensa. Ao contrário de outros
campos de especialização jornalística, a cobertura internacional não conta com nenhuma
obra que aborde sua trajetória, transformações e especificidades históricas, muito
embora esteja onipresente em nossa mídia desde sua própria gênese. Mais ainda, raras
são as antologias de história da imprensa brasileira que dedicam trechos específicos às
particularidades do noticiário nacional sobre fatos no exterior8. Há, pelo contrário, uma
única obra dedicada exclusivamente ao tema, ainda que de forma sucinta – Jornalismo
Internacional, de João Batista Natali (São Paulo: Contexto, 2004) – que dedica um
capítulo à perspectiva histórica. Não por acaso, o próprio autor se queixa da aridez no
terreno dos estudos sobre a história da cobertura internacional.
“(...) Tudo isso faz parte de um período que ainda hoje é objeto de um imenso
vazio bibliográfico. Não há pesquisas que nos digam de que maneira foram

6
FOLHA DE S.PAULO, 22/03/1973. p.3 (editoria Nacional)
7
Em Técnicas de Codificação em Jornalismo, Erbolato dedica um único parágrafo, com 102 palavras que ocupam 10 linhas, ao
trabalho no noticiário internacional (pp.201-202). Em Jornalismo Especializado, não há nenhuma linha, embora no posfácio se faça
uma observação de que a distinção nacional/internacional se trata “de procedência de informação, não de assunto” (p.155).
8
Outra ressalva importante é a preocupação de Juarez Bahia, que no volume I de seu Jornal: História e Técnica reserva capítulo à
parte para a cobertura internacional brasileira, os primeiros correspondentes e os serviços prestados por agências estrangeiras à
imprensa nacional. Também Nelson Werneck Sodré se ocupa do noticiário internacional no jornalismo brasileiro, mas em menções
dispersas ao longo de sua História da Imprensa no Brasil.

7
noticiados por aqui acontecimentos europeus ou norte-americanos relevantes.
As hemerotecas de pasquins são consultadas por historiadores como fontes
primárias de opiniões divergentes sobre política interna e não tendo como
objetivo o jornalismo em si ou a seção de pautas estrangeiras que agora nos
interessa. O noticiário internacional não é objeto de estudos editados ou
disponíveis em bases de dados de monografias de mestrado ou teses de
doutorado das universidades públicas que consultei. Que fique a sugestão
para quem está à procura de um tema para pesquisa acadêmica. O que temos
são indícios, pescados ao acaso na bibliografia.”9

Entre os trabalhos tópicos, podem-se destacar A História dos Correspondentes


Brasileiros de Guerra e sua Relação com o Poder Estatal e Militar, artigo de Adriana S.
Kuhn apresentado ao 3º encontro da Rede AlCar em 2005; O Mundo por Aqui: notas
sobre jornalismo internacional no Brasil, artigo de Andréa C. S. Peres com base em
capítulo da dissertação de mestrado em Antropologia da autora (Unicamp-SP), que
inclui uma análise histórico-crítica sob a perspectiva da antropologia; e a monografia de
graduação Jornalismo Internacional: a mudança na editoria Inter nos últimos 50 anos,
de Renata Castro, apresentada à Escola de Comunicação da UFRJ em 2006, que
reconstitui a trajetória tecnológica da área desde meio século atrás até os dias de hoje.
Sabe-se que a produção acadêmica sobre o tema vem crescendo, mas ainda não
existem cadastros de publicações específicas. Até esta data, havia apenas um grupo de
pesquisa sobre Jornalismo Internacional constituído na base de dados do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sob o nome “Notícias
Internacionais na Aldeia Global” e coordenado pelo Prof. Jacques Alkalai Wainberg, da
PUC-RS, desde outubro de 2006. Seria de especial relevância um trabalho à parte que se
propusesse a mapear tal produção, em catálogos exaustivos de teses, dissertações e
monografias de graduação. A tarefa se apresenta difícil pelo fato de haver textos que
tangenciam o tema, sem incluir identificação precisa no título ou em palavras-chave.
O levantamento mais completo possível da produção acadêmica nacional sobre o
tema exigiria uma consulta exaustiva às bases de dados disponíveis, notavelmente a
Plataforma Lattes do CNPq – o que em si já constitui uma pesquisa à parte. Mas desde
já pode-se assegurar que a tarefa é exeqüível: levantamento preliminar nesse sistema
feito para este artigo retornou 85 resultados com o termo “jornalismo internacional”,
outros 60 com “correspondentes” ou “correspondente” (filtrados dentro da grande área
Ciências Sociais Aplicadas), 47 com “agências de notícias” e mais 18 com “cobertura

9
NATALI, J.B.. op.cit., pp.37-38

8
internacional”. Presumindo que diversos trabalhos têm duas ou mais destas palavras-
chaves atribuídas e que as referências se multiplicam ao serem repetidas em currículos
de co-autores e participantes de banca, é verossímil concluir que a soma direta é
redundante e que o total de cadastrados é provavelmente menor que 210.
O método, porém, é dificultado por alguns fatores: parte significativa de
pesquisadores atribui palavra-chave “jornalismo internacional” a trabalhos que não são
propriamente de cobertura internacional, mas análises de política internacional, política
externa brasileira ou mesmo pesquisas sobre o jornalismo praticado em outro país, o
que seria mais adequadamente denominado “jornalismo estrangeiro”.
No entanto, parte muito rica do pensamento sobre o Jornalismo Internacional
brasileiro nasce e permanece fora da academia, a partir dos próprios profissionais da
área, por vezes materializada na publicação de estudos, livros-reportagem de enviados
especiais e correspondentes, memórias e relatos pessoais. Depoimentos e entrevistas já
concedidas a outros pesquisadores (particularmente alunos de graduação, a quem alguns
veteranos dedicam notável boa vontade) são outra fonte relevante, em especial quando
são publicados na íntegra em jornais-laboratório ou como anexos de trabalhos. Há ainda
os artigos de jornalistas e outros textos não-acadêmicos, publicados irregularmente em
revistas de entidades sindicais e observatórios de mídias, que trazem abordagens
analíticas e reflexões sobre o campo de trabalho na cobertura internacional nos veículos,
o cotidiano dos correspondentes e os processos de mudanças no mercado.

3. Fontes primárias
O universo das fontes primárias para reconstituições históricas do Jornalismo
Internacional no Brasil é composto primordialmente das reproduções de páginas de
jornais, onde – como já visto – esta especialização começou a se manifestar antes de todas
as demais. Para o caso dos impressos, é mais seguro tomar como referência as coleções
microfilmadas no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, nos catálogos de
periódicos e de obras raras (que engloba o século XIX até cerca de 1870). No entanto,
muitas delas estão com inúmeros “buracos” – incompletudes na série – que podem criar
maior ou menor dificuldade, dependendo do período escolhido para estudo. As coleções
dos jornais e revistas de maior circulação, porém, estão armazenadas na íntegra.
Nas consultas a jornais diários será interessante analisar, por exemplo, em épocas
anteriores aos anos 1950, quantas vezes o noticiário internacional não foi manchete (ou

9
seja, quando algum acontecimento doméstico foi relevante o suficiente para retirar o
privilégio do exterior na primeira página), numa época em que dar o título de primeira
página à Inter era praxe e sinal de respeitabilidade do veículo. A mudança deste
paradigma se deu com o processo de modernização da imprensa, na segunda metade dos
anos 1950. É preciso verificar se, até então, a manchete de temas nacionais era minoria.
Para épocas mais recentes, os manuais de redação institucionais, publicados a
partir dos anos 1970, também fornecem preciosas informações sobre o modus operandi
do Jornalismo Internacional dentro de contextos tecnológicos anteriores. A edição de
1973 das “Normas de Redação” do Jornal do Brasil, por exemplo, traz exaustivas
recomendações aos correspondentes sobre como proceder para enviar matérias por
telegrama, a necessidade de dar a descrição física da pessoa a buscar no aeroporto em
caso de texto enviado por portador, a importância de registrar-se no hotel com o
sobrenome pelo qual é mais conhecido (para evitar atrasos na entrega de recados) e
outras regras cujo anacronismo chega a ser curioso em época de e-mail e celular.
As revistas, particularmente as semanais de informação geral, merecem um
capítulo à parte em uma história do Jornalismo Internacional no Brasil. É nas páginas
delas que muito da cobertura encontrará espaço de experimentação, com folga para
textos abrangentes, grandes reportagens e fotos de alta carga informativa aliada a uma
apuração estética. A rotina produtiva das revistas semanais gera a possibilidade de
escapar de (alguns dos) constrangimentos da imprensa diária – tais como seu
imediatismo e a demanda factual – e, com isso, tais publicações se abriram para a
análise de fundo, a ilustração (nos sentidos literal e literário) e o “interesse humano” – o
que é mais enriquecedor quando se escreve sobre o exterior, o estranho, o outro.
O ápice desta experiência se deu entre as décadas de 1950 e 1990, com O
Cruzeiro, Manchete, Realidade, Veja, e IstoÉ, tradição que se mantém com Carta
Capital e Época. As últimas quatro mencionadas, por sinal, ainda existem e atualmente
são as únicas revistas semanais de informação que mantêm editorias de Internacional.
Em televisão, depende-se muito dos registros armazenados a partir da introdução
do VT (vídeo tape ou fita de vídeo). Antes disso, o telejornalismo era transmitido ao
vivo ou captado em película. No caso da maior rede de televisão, embora os arquivos do
Centro de Documentação (Cedoc) sejam para consulta interna, a pesquisa é facilitada
pelo trabalho do projeto Memória Globo, que desde 1999 organiza o material de arquivo

10
em publicações. Parte do acervo da TV Globo foi perdida no incêndio de 1976 na sede,
no Rio. Fragmentos do Jornal Internacional, telejornal dedicado majoritariamente à
cobertura do exterior que a emissora produziu de 1972 a 1975, estão parcialmente
mantidos. Já o Jornal Nacional só começou a ser arquivado diariamente em 1973
(MEMÓRIA GLOBO, 2004; 14).
Em contraste, os arquivos da TV Manchete, que nos anos 1980 e 1990 investiu a
sério em cobertura internacional, estão em situação precária, sofrendo perda total em
inúmeros casos. Desde a falência da Bloch Editores, a “maior parte das fitas da emissora
ficou presa no prédio (...) lacrado pela Justiça, sob péssimas condições de conservação”,
de propriedade da empresa Hesed Participações, à espera de decisão judicial10.
As redes Bandeirantes e Record não abrem seus acervos a pesquisa pública
(mantidos com o que não foi perdido nos incêndios da década de 1960). Finalmente, os
arquivos de emissoras extintas como a TV Tupi e a Excelsior foram distribuídos entre
entidades como o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, o arquivo do Centro Cultural
São Paulo e o Arquivo da Fundação Assis Chateaubriand, em Brasília.
Em rádio, a situação é significativamente pior: além da quase inexistência da
cobertura internacional da mídia sonora no Brasil, em virtude das barreiras da língua e
das características da linguagem do áudio, há dificuldades graves para o acesso a
registros originais. A maior emissora de jornalismo em rede nacional atualmente, a
CBN, das Organizações Globo, simplesmente não grava a íntegra de sua programação, e
mantém uma seleção bem reduzida de arquivo. Já o acervo da Rádio JB (referência em
Jornalismo Internacional nesta mídia nas décadas de 1970 e 1980) foi desmontado e
vendido a terceiros quando do arrendamento pelo grupo Docas Investimentos.
Mas, sem dúvida, o caso mais desfavorável ao pesquisador é o das agências de
notícias transnacionais. Nenhuma das que mantêm redação no Brasil (AFP, Reuters,
Lusa, EFE) guarda arquivo do material que produz aqui, assim como as que possuem
apenas escritórios de equipe reduzida (DPA, ANSA, Xinhua). As demais mantêm
apenas um correspondente, que não raro trabalha de sua própria residência. A consulta
ao acervo dos despachos enviados só pode ser feita nas sedes das agências no exterior,
e nenhuma delas disponibiliza-o digitalmente para pesquisadores.
No entanto, um fator imprevisto tornou o conteúdo recente das agências
disponível quase integralmente, e em total gratuidade: como muitas delas têm como
10
BORTOLOTI, Marcelo. “Acervo da Manchete está se perdendo”. in: Folha de S. Paulo, 4/8/2002.

11
clientes os portais de informação (UOL, Terra, iG, G1) e estes publicam praticamente
todos os despachos recebidos (às vezes inclusive o que não era para ser divulgado,
como correções, avisos e mensagens internas aos assinantes), a produção das agências
conseqüentemente passou a circular entre o público, em relativa completude, desde por
volta do ano 2000. Para pesquisas cujo período se inicie já neste milênio, este recurso
pode ser de valiosa ajuda.
De importância primordial também é a documentação da memória testemunhal,
por meio de entrevistas com profissionais (ativos e aposentados) da área. O relato oral
destes personagens é capaz de resgatar detalhes sobre processos, bastidores de grandes
coberturas (não apenas de correspondentes e enviados, mas de decisões editoriais,
critérios de seleção, edição e sobre o tratamento dos fatos) e que assuntos da pauta
foram vetados, já que em dado momento as ordens deixaram de ser escritas exatamente
para não deixar rastros. O testemunho é capaz de reconstituir não só a ação da censura,
mas também da auto-censura.
Uma certa pressa é necessária neste trabalho. Toda uma geração de profissionais
envolvidos com a modernização da cobertura internacional, decorridos 50 anos desde a
criação das primeiras editorias nos jornais diários, está na terceira idade. Diversos
destes pioneiros já faleceram: Antonio Callado (que, entre muitos destaques, cobriu a
Guerra do Vietnã), Araújo Neto (correspondente do Jornal do Brasil na Itália durante
décadas) e Carlos Alberto Tenório (repórter da revista Manchete que entrevistou Fidel
Castro na Sierra Maestra em 1958) foram alguns. Recentemente, a morte do ex-
correspondente de guerra Joel Silveira encerrou um arquivo inestimável, ainda que
parcialmente registrado em uma extensa obra escrita. Já não é este o caso de Newton
Carlos, Clóvis Rossi e Theodoro de Barros, que publicaram um número menor de obras
e, destas, nem todas especificamente sobre o trabalho de cobertura internacional.
Além destes, há um número de profissionais que podem ser considerados
expoentes na área, listados aqui os que dedicaram a carreira majoritariamente à
cobertura internacional em cada mídia. Na trajetória do impresso (jornal diário),
destacam-se Newton Carlos, Carlos Castilho, Clóvis Rossi, Fritz Utzeri, João Batista
Natali, Rosental Calmon Alves, Roberto Lameirinhas, José Arbex Jr., mais Claudia
Antunes e Marcelo Ninio (ambos na Folha de S.Paulo), Regina Zappa no Jornal do
Brasil, Ana Maria Bahiana na cobertura cultural e Nathaniel Braia como excepcional

12
exemplo de Inter do jornalismo popular. Em revistas, podemos listar Mino Carta,
Argemiro Ferreira, Mario Sergio Conti e Claudio Camargo, entre outros. Na televisão,
os mesmos Newton Carlos e Carlos Castilho, mais Carlos Chagas, José Carlos
Monteiro, Argemiro Ferreira, Hermano Henning, Sílio Boccanera, William Waack, Caio
Blinder, Lucas Mendes, Carlos Dornelles, Caco Barcellos, Jorge Pontual, Antônio
Brasil, Beth Costa, Pedro Bial, além dos repórteres Sandra Passarinho, Roberto Feith,
Edney Silvestre, Luiz Fernando Silva Pinto, Marcos Uchoa e Geneton Moraes Neto
(todos os últimos na TV Globo).
Quanto ao rádio, defrontamo-nos com os problemas já mencionados, o que deixa
poucos nomes para entrevistas. Além dos envolvidos com o Repórter Esso (1941-1968),
destacam-se Vicente Adorno (na Rádio Eldorado e na NHK japonesa, entre outras) e
diversos jornalistas que passaram pela BBC Brasil, braço do serviço mundial da rede
pública britânica.
Já para o suporte digital (seja offline, como as primeiras publicações em CD-
ROM, ou online, como o webjornalismo), são referências até agora Jaime Spitzcovsky,
correspondente em Moscou e Pequim, ex-editor da Folha de S.Paulo e, depois, do
Jornal do Terra; e também Ligia Braslauskas, da editoria Mundo da Folha Online.
Para pesquisas de corte temporal recente, cabe citar nomes de algumas gerações
mais novas que vivenciaram a mudança de paradigma tecnológico, como Eric Hart (do
Jornal Nacional da TV Globo), Pedro Doria (colunista de Internacional do portal
NoMínimo, 2002-2007) e Juliana Iooty, n’O Globo e no GloboOnline.

4. Proposta de periodização
A fim de facilitar o trabalho de eventuais pesquisadores, é proposta aqui uma
divisão dos 200 anos da história do Jornalismo Internacional no Brasil em períodos,
constituídos por grandes ciclos e subciclos menores, caracterizados por determinados
paradigmas que perduram até serem quebrados. Parece dispensável ressaltar que,
embora a partilha temporal tenda a impor o generalismo, os ciclos não são de forma
alguma homogêneos do início ao fim, mas processos contínuos de transformação
delimitados por momentos de ruptura. A metodologia de periodização foi feita
obedecendo a critérios de análise que levam em consideração primordialmente as
transformações da vida política nacional – já que no Brasil a imprensa guarda relação
intrínseca com o Estado desde suas origens – mas também aspectos da própria

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imprensa, como os eventos no exterior que tenham recebido cobertura, a economia das
empresas de mídia e os paradigmas tecnológicos. Em cada etapa, a introdução de cada
nova tecnologia de comunicação remota, como o telégrafo, o telex ou a internet, tem
impactos significativos, quando não revolucionários.
Note-se que os ciclos da história do Jornalismo Internacional no Brasil não são
necessariamente os mesmos da história da imprensa brasileira, uma vez que se
determinam por outras condicionantes: as tecnologias e as pautas não são as mesmas,
ainda que as socioeconômicas sejam.
Um primeiro grande ciclo é o que se inicia com o nascimento da própria
imprensa brasileira e dura até meados da década de 1870, quando convergem fatores
tecnológicos e políticos: a instalação do cabo telegráfico entre o Brasil e a Europa, o fim
da Guerra do Paraguai, da Guerra Franco-Prussiana, e a gênese do republicanismo.
Neste período, o pesquisador deverá sempre atentar para a grande diferença
temporal entre a data do fato e a possibilidade de sua publicação no Brasil: em 1808, este
atraso chegava a três meses, e em meados do século oscilava entre um mês e um mês e
meio. Com o telégrafo, passou a ser desprezível. Núcleos regionais importantes nesta
época são Recife, pela posição privilegiada como primeiro porto na rota dos navios que
chegavam da Europa, e o Rio Grande do Sul como área de fronteira numa época em que
as relações do Brasil com seus vizinhos no Cone Sul eram particularmente conturbadas.
São veículos de referência neste período o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro (desde
1827), o Diário do Rio de Janeiro (1821-1876; muito embora se dedicasse pouco a
notícias políticas, fossem nacionais ou internacionais) e, pelos motivos já explicitados, o
Diário de Pernambuco (desde 1825), o Diário de Porto Alegre (1827-1828) e os diversos
jornais de colônias de imigrantes no Rio Grande do Sul.
O segundo grande ciclo se inicia com a chegada do telégrafo, via cabo
submarino transatlântico em 1874 (FERREIRA, 1980: 5). Vários jornais,
principalmente na Corte Imperial, passaram a publicar o noticiário internacional com
destaque: na primeira coluna da primeira página, à esquerda. Era a íntegra traduzida dos
telegramas internacionais, inserida no início porque, na época, a paginação era
composta linearmente e os telegramas eram o primeiro material a ficar pronto para o
fechamento (AGUIAR, 2007: 21). São veículos de referência neste período os jornais

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Gazeta de Notícias (1875-1942), O Paiz (1884-1934), O Estado de S.Paulo (desde
1875), e a Gazeta da Tarde (1880-1901).
O terceiro grande ciclo pode abranger a partir do advento do rádio (no Brasil, em
1922) e as conturbadas relações políticas domésticas que ofuscaram a pauta
internacional. Nas décadas seguintes, as grandes reportagens sobre fatos internacionais
– especialmente coberturas de guerra, da Segunda Guerra Mundial à Coréia e ao Vietnã
– ficam a cargo das revistas ilustradas e coloridas, como O Cruzeiro, Manchete e
Realidade. Data ainda desta época a introdução do teletipo, com o qual as agências
agilizaram significativamente o envio de notícias, em texto decodificado (NATALI,
2004; 34). São veículos de referência neste período o Repórter Esso, primeiro no rádio e
depois na TV, a revista O Cruzeiro (1928-1975), os jornais Correio da Manhã (1901-
1974), Diário de Notícias (1930-1976) e O Jornal (1919-1974).
O quarto grande ciclo se inicia pouco após a chegada da televisão (mais tarde, do
satélite) e a substituição em larga escala do teletipo pelo telex nas redações. Consta que
a primeira editoria de Internacional em um jornal brasileiro foi criada no Jornal do
Brasil em 1958, inicialmente chefiada por Newton Carlos – ou assim se atribui o crédito
o próprio11. Outro fator relevante é o início da política desenvolvimentista de Juscelino
Kubitschek, que inclui a facilitação à importação de equipamentos e serviços do
exterior, incluindo as assinaturas de publicações estrangeiras. O aspecto econômico
assume um papel orientador na cobertura internacional, forçando os correspondentes a
escrever não só sobre política internacional, mas também para a editoria Economia. São
veículos de referência neste período a TV Globo (principalmente a partir de 1969, com
seu telejornal carro-chefe, o Jornal Nacional), o Jornal do Brasil (destacadamente o de
maior apreço a questões internacionais desde sua reforma editorial e gráfica de 1958-
1959), além das revistas Veja (desde 1968), Manchete (1952-2000), Visão (1952-1993),
Realidade (1966-1976) e Cadernos do Terceiro Mundo (1974-2005).
O quinto e atual grande ciclo teve início em meados dos anos 1990, com a
revolução nas tecnologias de informação e comunicação – das quais a mais visível é a
internet. No plano geopolítico, a chamada “nova ordem mundial” pós-Guerra Fria, o
processo de globalização econômica e a consolidação do neoliberalismo no Terceiro
Mundo marcam a cobertura internacional. Países se unem em blocos que passam a ser
novos atores e fontes na pauta da editoria: União Européia, Mercosul, NAFTA, ASEAN
11
Em entrevista em 2002 concedida a alunos de graduação da UERJ; Cf. AGUIAR, P. op.cit. p. 32.

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e outras iniciativas de integração. Estas contribuem para relativizar as definições de
pauta internacional, até então baseada em fronteiras de soberania estáticas.
Também no Brasil, as reformas econômicas desta época permitem
reestruturações da mídia, inclusive com a chegada de canais estrangeiros de notícias via
TV por assinatura: CNN, TVE espanhola, RTPi – que é uma forma de ver outro tipo de
Jornalismo Internacional em português. Com estas são vistas as primeiras coberturas de
guerra in loco depois de longo tempo, como a Guerra do Golfo (1991, considerada a
primeira “guerra ao vivo”) e as guerras da Iugoslávia (1993-1995 e 1999). Neste
período, a eloqüência das imagens televisivas muitas vezes se sobrepôs às
possibilidades do texto no jornalismo impresso. Os atentados de 11 de setembro de 2001
nos EUA são um marco óbvio desta alteração estética e discursiva na cobertura.
São veículos de referência neste período o canal Globonews (inaugurado em
1996), a Folha de S.Paulo (programa de correspondentes-bolsistas e tem a editoria
Mundo mais respeitada atualmente), o jornal O Globo (o que manteve a mais extensa
rede de correspondentes), as revistas CartaCapital (desde 1994), além dos portais UOL
(desde 1996), Terra (desde 1999, como ZAZ), Carta Maior (desde 2001) e G1 (que
investe em enviados próprios ao exterior, desde 2007).
Não há dúvida de que diversos outros aspectos, como a marcada distinção entre
discurso jornalístico e construção da narrativa histórica, ou uma abordagem mais
aprofundada do papel da censura, estão deixados de fora. Mas não puderam ser
incluídos dadas as limitações metodológicas deste trabalho que, como anunciado ao
início, não se pretendia ser um esboço de narrativa historiográfica. Trata-se apenas de
uma tentativa inicial de constituir uma (entre muitas possíveis) orientação de pesquisa
motivada pela convicção de que a história do Jornalismo Internacional no Brasil, agora
que completa 200 anos, pode finalmente começar a ser escrita.

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BIBLIOGRAFIA

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