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Tenente-Coronel Sarmento (Alberfo Artur)

eptei
Batráqueos

Arquipélago da Madeira

Tenente-Coronel Sarmento (Alberfo Arfur)


Ptiiieh»l-Madei 1.2:
I :l 4o
'I'ip. «DIARIO DE NOTICIA Sn
.Tiragem de 150 exemplareb
Trabalhos pubiicadw t
As Uesertan--Monografia de um grupo de ilhotas.
AR ~ v i ~ e n ~ - ~ o n o ~der um
i f igrupo
a de' ilhotas.
O Ti'un~hrrl--(2.~edição)- Publicação comemorativa do quadriczntenArio da Cidade.
OISalicerces para u Qistória niilitar da Madeira-conferencias no quartel do R. I. 27.
bscendêicia, natirralidadt4 & Mrrdanqa de nome he João Fernandes Vieira--Bos-
quejo histórico.
As Migalhas- ( 2.' edição)- -Contos e esbocetos.
Um ponto de História Pátria--Conferencia no quartel do R. I. 27.
tlistórla Militar da Madeira-Rnsaio documentado.
Corografia elementar do arquip6lago & ~addeira-NO* mínimas.- (2.' edição) -
Louvada pela Junta Geral ~ u t ó n o k ado Distrito do Funcliol.
IIorneiiagein a João Femandes Vieira-Discurso na inauguração do seu monunieiito.
' *
hf:~deira-1801-02; 1807-1814-~otas"e documentos sobre'a ocupação inglesa.
Uiii auto na ~ r h a d a - ~ o n t Ó iegional.'
Santo António de LisMa bosquejado na Madeira-No VI1 centenhrio d a sua ,glória,
A Madeira e a s P r a w s de Africa-Esforço antigo madeirenae.
'1s Freguesias da RIadei<.a-CdecçBo de monografias.
Notícia liistórioo-militar sobre a Ifha do Parto Santo-Memória apreientatla 6
Comissão de HistÓkia M:litar.
3
ICcs,,, d : ~uMarij-tih Fonte» na hadeira-~istória local.
Mric<las, SBlos, $&e1 Selado e Medalhas na ~adeiraLEleinentosWra ou cplecio-
nadores.
Vsquias da meira-Retalhos históricos.
O s peixes dos mares da Maüeh-Em colaboração com Adolfo de Noronha.
Au aves do arquib611ago da Madeirh-Indígenas e de passagem.
RTalnífcros do ariuipblago da ~adeim-hdigsnas e introduzidos.
~iibsídiopara o &$tudo d a i Formigas ' da ~adeik-lntligenas e ' i'hLroduzidas.
O s e;ci-avos na &&deira--~istória local.
Leida de pedra2eminiscênc:as &e Vulcano, na Madeira.
Ensaias h'i~-órico;da minha'~erra-Elementos para a História da Madeira.
ILil~asda Made&@-Retalhos históricos.
lI&litPis:<' '~athi~kicos-1ndi&nas e intímduzidos
T e d ,&do notácia dos Mamiferos, Aves e Peixes
do Arquipélago da Madeira, em separadps trabalhos dc
vulgarizqãu, faltava completar a lista dos Vertebrados,
indicando os Repteis e Batráqueos que se cncontrwm
nestas ilhas.

Nüo tem êste trabalho pretensão científica.


Moldado nos ante7.iomate publicados, sôbl-c ciêtl-
cias da Naturesa, restrktos ao nosso meio, é u m com.-
plemento necessário que se impunha, ligeiro, com o rc-
sultado de observações pessoak e o fundamento preciso
na consulta dos livros &a especia.l&tde, embora nem sem-
pre digam o que se procura saber, referente aos hábitos
dos an$ma*.
Répteis
Na classificação de Lineu, achavam-se os vertebrados de corpo
achegado á terra, movendo-se sobre o solo, ou ainda alguns, passando
uma fase da vida no seio das águas, conglobados na classe dos Reptílioa.

Laurenti chamou a lagartixa, u m réptil andante; e a rã, um répfiii


saltante, mas as diferenças entre êstes animais são tão manifestas, quc
para o segundo, foi necessário criar-se a classe dos Batráqueos.

E m todos os sistemas de classificação, se passa do maior agrupa-


mento, sucessivamente dividido e subdividido, a outros menores, até
ficar o indivíduo bem assinalado no último quadro de representação.

A lagartixa e a osga estão na ordem X a t ~ r i a ;o cágado e a tar-taru-


ga, na Chelonia.
A rã, na Ecaudata.

A lagartixa pertence á família Lacertidae; a osga, á Gekonidae.


O cágado á Testudinidae; a tartaruga, á Chelonidae.
A rã, á Ranidae.

Vem assim descendo, separadamente pelos característicos mais


afins, até chegar-se á família com os seus géneros e dos géneros ás es-
1)4cics,mas ainda se pode continuar esmiuçando variedades, etc.
A LAGARTIXA

A lagartixa tem o corpo coberto de escamas; unia ou iiiais placa:;


sc notam na cabêqa, com o focinho aguçado e olhos pcqueninos; a boca.
:ião dilatavel, e a língua extensível, bífida, isto é, terminando em duas
pontas.
Mo-ve-se com dois pares de patas, cada uma com cinco &dos.
Na c1assificac:ão das iagartixas'são factores i m p r t m t e s o formato
do corpo e da cab>ça, as placas que apresenta, a s fiadas de escamas no
dorso, no pescko, c seu arranjo, o comprimento da caiida em relação ao
corpo.

A lagartixa existente no arquipélago da Madeira C muito próxinia


da Imerta rnura1i.r (Laur.) espécie europeia, e provavelniente, dela nio-
dif icada.
Diferenciações marcantes, obtidas no meio insular, levaram á cria-
ção duma separada espécie, por Milne Edwards que a dedicou a Dugks,
coni o nome ciêntifico de Laccrta dugesii.
Encontrada tambem nos Açores e Canárias, vê-sc que faz parte d-t
fauna ,nacarcnésica que abrange estas ilhas, em conjunto.

Por ocasião do reconhecimento da Ilha da Madeira, não foram en-


contrados bichos pcçonhentos, como em outras partes, senão «humas la-
gartixas pequenas, tamanhas de hum dedo que não f;r.zem damno nota-
vel nem são peçonhentaw. (1).
No estado seini-fóssil, nos terrenos calcáreos e áridos da Piedade,

( 1 ) Sairdades du Terra - L.o 2.0 Cap. XíII


-na Ponta de S . Lourenço,-de mistura com carapaças de moluscos,
encontra-se, embora raramente, vértebras e maxilas de lagartixas quc
cxistirarii anteriormente á colonização.

Vem sendo dito que da Madeira foi obtida uma Lacerta galloti Dum.,
mas houve nisso uma certa confusão com a proveniência provavel das
Canárias, ou troca de etiquetas nos exemplares submetidos a estudo.
O primeiro naturalista que a menciona, refere já a opinião de UIII
outro que a não examinou, in h o , mas sim, no i9eu gabinete.
Godman, (1) baseando-se em Drouet, cita a L. dugesii, uma laga&i-
ira por êste observada na Ilha Graciosa, que é espécie peculiar nos gru-
pos atlânticos, sendo, até então, conhecida sómente na Madeira e Terie-
rife.
Acrescenta, porém, que a L. galloti é considerada pelo Dr. Gunther,
como peculiar á Madeira, mas, o certo é, nunca ter sido colhido nesta.
ilha, indivíduo algum dessa espécie.

Johnson, (2) na. 3:' edição dum livro sobre a Madeira, em que in-
troduz alguns capítulos sobre a fauna, referindo-se aos repteis, diz quc
o único terrestre encontrado é a L. dugmii M. Edw, observada em to
dos os muros onde bate o sol, tornando-se uina verdadeira praga na de-
vastacão das uvas.
Notou que a sua coloração varia bastante, aigumas vezes quási pre-
ta., outras, verde azulada, mas vulgarmente pardacemta.

Na verdadé, o manto escamoso das lagartixas apresenta bem diSe


rentes tonalidades, mas não são tão arbitrárias, como á primeira vista
se pode supor.
E' preciso atender, que, entre o bando, há juvenis e advltos, e unia
certa fatiota é mais apropriada aos machos, os quais, quási sempre,
apresentam maior desenvolvimento.
Em pequenas, as lagartixinhas vestem-se com uma roupagem muito

( 1 ) Natural History of the Azores or Western Islands - Frederick du Cane


Cotlman. London. 1870.
( 2 ) James Yate Johrison - Madeira Its Climate and Bmnery. London, 1885.
semelhante á das mães. Vão-se descamisando, por succssivas mudas,
depojam-se do fato apertado pelo crescimento do corpo, tendo a fàcul-
dade de o renovar ou modificar consoante a idade e a estação.

A L. dzcgesii não tem uma coloração uniforme, predominando a par-


dacenta, acastanhada ou de cambiantes terruscas, correndo-lhe no dorso
uma tira longitudinal mais escura, alinhavada, aos lados, com pontua-
ções claras ou esbranquicadas, nem sempre apresentanQo o cabeção ou
semi-coleira que lhe orla o pescôço.
O tipo marcante sofre, porém, profundas alterações, quer na cor.
geral, que passa a verde, cinzenta ou negra: qiier no !.nanto. sarapinta-
do, no todo ou em parte. Estas colordções ainda podem ser inixtas qu
bipartidas, especialmente na época das mudas dos adultos, observando-
se uns de corpo pardo e cauda verde, etc.
Os machos, atingindo uma maior corpuIência, têm a tiéstia mais gar -
rida, pardo-mármore ou pedrada, em verdemontanha e verdenegro, :1
esbater para as ancas.
O ventre das lagartixas é sempre claro, branco, amarelento, róseo
ou azulado, mais tinto, junto á fenda cloacal.

Percorrendo as zonas da sua distribuição, póde observar-se, de


grosso modo, que :
-as lagartixas negras vivem no litoral, pelo jusante das ribeiras
e praias piscatórias, onde a principal alimentação é procurada nos debu-
lhos de peixe e dejectos;
-as pardas e as cinzentas encontram-se nas margens das ribeiras e
terrenos da encosta e enxameiam pelos monturos, á caça de insectos e
larvas ;
-As mais variadamente coloridas aparecem' nas terras cultivadas,
onde não lhes falta subsistência, á escolha.

Do escalvado crú, á planície verdejante, variam as condições tér-


micas e os elementos duma flórula destribuida e escalonada em diferen-
tes recursos de alimentação, e assim, necessáriame1:te influem as con-
dições do meio no revestimento da lagartixa.

Desde o litoral pedregoso, até a montanha, onde se encontre uma


habitação, êste lacertideo acompanha o homem, pr.ra se aproveitar de
alguns frutos do pomar ou da horta e ainda dos reslos de comida e des-
pojos da cosinha, lançados aos animais domésticos, furtivamente fre-
quentando a s capoeiras e pocilgas.
Fazem a sua morada, entre calhaus rolados na praia ou nas margens
das ribeiras, onde normalmente a água não atinge; nas vedações de pe-
dra solta, nos muros velhos, arregôas das paredes e agulheiros sêcos;
nas fendas das rochas; ou nos troncos vetustos de lenho carcomido.

As que vivem entre os pedregulhos das praia:: são algumas vczcs


silrpreendidas por um mais alto preamar de levadia.
Deslocam-se, então, a-seguro, para as rochas de cota dominante, lon-
ge dos salpicos salinos, e ficam-se, como a esperar que a fúria acalme e
a habitação enxugue, para retomarem a sua proprie lade pedranceira.
Associam-se em colónia ordeira, com certa organizeção no conjiin-
to. sendo notado, acarretarem para a s tácas, alimento de armazenagem.
Nas moradas das lagartixas, encontra-se carapaças vasias de cara-
cois, o que parece dar a entender ser repasto delas, durante o inverno.
Em dias de sol, veem á entrada do abrigo, inostrando a cabêqa,
(!e-fóra, num reconhecimento prévio antes de seguirem para a explora-
cão.
Parece haver determinada obediência a um chefe que dá sinal do
alarme, em ocasião própria, pois é seguido na mesnia correria, nas oca-
siões de perigo.
Em chegando, porem, o tempo dos amores, acabou-se a ordem
cbservada.
Cada macho, vestindo a jaqueta nupcial, verde-azulada, enfeita-se
para a conquista e recrutamento das suas noivas.
O cio torna-o feroz, e dão-se, então, cênas violentas, com mordedu-
ras desenfreadas, entre êles, que se arremetem, estrebuxam e se enros-
cam, procurando, de preferência, ferir-se nas guelas.
AssiStem a s fémeas, sem pavor, e não distantes, estáticas, a esta pu-
gna brutal, para premiarem depois o vencedor com o seu condescendeii-
te afecto. O vencido, sem alento, muitas vezes, deixando o rabo perdido
11% arena, - a s vértebras estorcidas em convulsões elacbnos, - afasta-
sc meditabundo, e desiludido pelo azar da sorte.
Procuram as lagartixas, na materriidade, um lugar escuto c dscuso,
onde abandonam, entre os meses de abril a maio, os ovos, tehdo ali o
calor necessário para a incubação.
Rstes, teem a forma aIongada, frouxos, de revestimento perghmino-
so. brancos ou tendentes ao verde tenro desmaiado.
As lagartixinhas, rompendo em pouco tempo, o invólucro brando,
apresentam-se completamente formadas e de coloração indecisa e neu-
tra, predominando a pardacenta.

Pelo verãor, é o maior numem delas, acrescido p&s Últiirias postu-


ras. Os estragos causadm nas a- maduras 19% importantes, pela in-
constante passagem no ataque de rim cacho para outro. Com a s maxilas
s e r r i b d a s , em f ó m de pqueninos dentes, rompera a bago, e nesta ope-
ração, veem sendo perseguidas p@ outras que julgam ser êsse o mais
saboroso e cedem a s primeiras 1-0 o seu lugar, visto haver muito ain-
da a escolher.
Aproveitam-se, então, a s vêspas e abelhas, do bago ofendido, para
o sugar mais facilmente.
Nas culturas das hortas, a s lagartixas preferem o fruto maduro do
tomateiro, e nos pomares, a s ameixas sazonadas.

Para dar cabo delas, inventaram-se armadilhas, sendo a s mais vul-


gares os lagartixeiros, formados por vasilhas altas, quadrangulares, de
folha de Flandres, em que se importa o petróleo. Depois de estaseadas
e tirado o tampo, são queimadas no interior e beneficiadas com uma. la-
.,agem de água de cal, para Ihes anular o cheiro. Na abertura, fixai-il-se
&das vergas opostas, ao meio das faces, enf-ianclo-se, em cada uma, dois
canudos de cana, e no cruzamento das duas, ao cimo da abertura da va-
silha, põe-se o engôdo-um tomate, um figo, etC.
Os lagartixeiros são colocados de encosto a um muro, á estaca dii-
ma latada, a um tronco de arvore, por onde as lagartixas costumam
transitar, e atraídas pela isca, tentam passar o canudo, em ponte, que
sendo escorregadiça, balouça e rola, atirando com a lagartixa para o
fundo da vasilha, de paredes lisas, donde não pode trepar para se evadira,;é-b:,-:
E assim, sucessivamente, váo tombando mais outras. /A, -- f . -
Na Ilha do Porto Santo, os lagartixeiros ficam enterrados na areia,
<c.: .
de boca-aberta, a9 nivél do sólo.
Quando o numero das capturadas é já bastante grande, lança-se-lhes
água fervente, e é vêr a dança macabra de saltos e o estrebuxamento,
até sucumbirem. O odor emanado é repugnante.
Os garotos, no campo, divertem-se com as lagartixas, armando-lhes
um laço formado pelo caule flexivel e fino do balanco, Avena barbata
Brot., pondo-lhe uma bolinha espumante de cuspo, no extremo, achegan

A lagarlina
Lacerta
dugesii
rediizide ;i
iiietade do ta-
inanlio nntii-
ri11.

do-a Q lagartixas, quando repimpadas ao sol, a latejar o coracão. Na.


ocasião da lambeílela, enfiam-lhe o laço na cabêça e o animal fica prática-
mente na forca, obtendo destarte uma cambulhada, nilaudido, jubiloso,
aquele que caqou um maior número.
Considerada a lagartixa um animal daninho, as correições recomen
davam se lhe désse caça. Antigas posturas camarárias obrigavam os
moradores a apresentar em certo dia, pelo verão, u n ~determinado nu-
mero de rabos de lagartixas, sob pena de multa.
No Porto Santo passaram a construir-se os muros, de vedação, com
pedras dispostas em xadrez, deixando aiternadamente espaços ou olhei-
ros sem protecção para as lagartixas. Este dispositivo pítoresco rece-
beu o nome popular de muros & crochet.
A lagartixa é um animal inofensivo. Certos preconceitos a fazem
temida, especialmcnte das mulheres, mas não existe nela maldade mani-
festa, nem a s intenções que lhe querem atribuir.
As pequeninas unhas, em forma de ganchetas, no extremo dos dedos,
podem causar um certo arrepio, em contacto com a pele, sem nenhum
dâno, mas há pessoas que se temem duma lagartixa, como do diabo. Não
podem conter-se, quando julgam que este animal se lhes introduziu sob
o fato. Saltam, guincham, sacodem-se, esperneam, e se realmente, a têm
consigo,-chegam a desabotoar-se, com tal pressa, que arrebentam casas
c botões da vestimenta.

Em certa ocasião,-já lá vão bastantes anos-festejando-se um ani-


versário em casa duma família cerimoniosa,dançava-se «lanceiros» quan-
do a meio dos cumprimentos, uma menina divizou uma ininúscula lagar-
tixa, impassível, num cortinado da sala.
Instintivamente, começou a gritar, pálida e trémula, apontando pa-
ra a janela. Estabeleceu-se uma enorme confusão e no dispersar da dan-
ça, subiram senhoras para os sofás, aqanhando as saias, um encontrão
num contador fez tombar uma estatueta, em cacos. Acudiu a criadagein,
mordida de riso, até que o cosinheiro, trepando ba baiiqueta do piano,
agarrou a pobre lagartixinha atónita, que mal adivinhava ter sido a cau-
sa de tamanho borborinho.
E' uma questão de educação e temperamento.

Observêmos, agora, uma cêna oposta :


Numa das nossas praias basálticas, uma estrangeira original, cos-
tumava depois do banho salgado, estender-se num abandono sobre as
pedras, buscando na hélioterápia dolente, o calor reconfortante do en-
xugo. Para matar o tempo da exposição luminosa, ia triturando bolachi-
nhas e espargindo migalhas ás lagartixas que se aproximavam, e de tão
familarizadas atreveram-se, a mais de contacto, fazer-se agradecidas.
Estremecendo, em cocegasinhas ligeiras, habituou-se ao devaneio, de
sensibilidades flagrantes, sem rebuço de deixar-se fotografar, com pre-
tensões a domesticadora,
Mas antes, o compo&amento das pudibundas, assustadiças, em ex-
cesso de recato.
Esgarafunhando costumes, foi já simbolizada a leviandade, na fi-
gura duma lagartixa; espreguiçada ao sol.
Aparecem lagartixas com o rabo poido, sem ser no tempo da muda
o que indica terem andado em briga de pouca monta, perdendo apenas
as escamas mais frageis que são longas e verticiladas, ao passo que, as
do ventre, largas e quadrangulares, oferecem maior resistencia.
Nota-se tambem, haver lagartixas com dois rabos, ou mais ainda.
Pouco vulgar, a multiplicidade, pode ser bem definida, desde a base
da primeira vértebra caudal, quando bifida, ou ter a aparência de ex-
crescências cartilagíneas, fenómeno teratológico, brotado depois da am-
putação ou esmagamento por uma pedra certeira, observando-se, então,
uma ebpdcie de cicdttii ou costura no ponto de forquilhamento.
As lagartixas sem cauda são mais corredoras, pela diminuicão do
atrito, e parece oscilarem na direcção, por falta do leme regulador do
arrasto.
No 5." vblume do importante tratado «The Royal Natural History»
onde colaborhtam os maiores mestres de zoologia, lê-se no Capitulo dos
Lacertideos, uma referência á nossa lagartixa:

It was observed some years ago oin a certain road in Madeira, aZE
the lixards belonging to a nearly allied species (L. duyesi) were iwithout
tails. The circunstante was explained by the spot being the favourite
resort of the midshipmen 1andin.g from the ships visiting the idand,
U I ~ amused
O themselves b y knocking off the lixard's tails.

E' um pouco forçado tirar conclusões desta natureza, pois induz,


em êrro, supor-se que as 'lagartixas,, numa determinada zona da Madei-
ra, só se apresentam sem cauda, e a explicação é mais ingenua vindo
acusando os guarda-marinhas que visitam a ilha, de andar a entreter-se,
á pancada no rabo das lagartixas.
Êste, é considerado um talisman precioso no domínio da bruxaria,
com a-virtude de provocar a atracção entre os sexos. E assim, diz-se que
basta com êle ser tocada, uma pessoa, embora imperccptivelmente, numa
mão, para operar-se o magnetismo animal. E se a cauda é bífida, dobrada
é a descarga de provocação.. . !

A camisa da lagartixa,-ou seja a pele da muda, que o animal, in-


terrompendo a operação, traz as vezes, entrouxada sobre o dorso, a-laia-
de mochila,-é um elemento de grande valor, disputado pelas mè-ei-
ras, em virtude ~ : L S propriedades psíquico-terapeuticas, que influem na
alma e no corpo, 3s quais, seria longo enumerar. Não se desvendam a s
receitas, para não provocar maravilhas, a que a lua não é estranha com
as suas carêtas estremunhadas.
Uma lagartixa metida num canudo de cana, em que um tabique é
substituido por uma rolha e amarrado com um cadarqo, como se fosse
um bentinho, suspenso ao pescôço, rente ao peito, é considerado remi-
dio eficaz contra a asma e outras doenças respiratórias, só ficando cu-
rado o padecente quando a lagartixa definha, o que leva alguns me-
ses, pela grande vitalidade do animal, embora naquele recinto fechado.

As lagartixas passam, em alguns países, recolhidas nas suas tócas,


durante o inverno, num estado de entorpecimento, facto que na Madeira
se não dá, devido 5 benignidade do clima, sendo vistas durante tódos os
meses do ano, lagartixas ao sol reconfortante.

Procuram, no inverno, de preferência, os troncos das arvores, â pro-


cura de luz alta, ou uma pedra que fosse aquecida pelo sol, para pousar
durante algum tempo e receber calor por conductibilidade, aquecendo. o
ventre. Levantam, então, a s patas dianteiras e nesta curiosa posição de
mãos estendidas, ficam-se como a dizer-Orate fmtres.

Irmã lagartixa lhe chamaria S. Francisco de Assis, se a tivesse


visto.
«Todos os animais louvam o Senhor».

Uma delas, mais caritativa vimo-la, numa ocasião, regressar á toca,


trazendo atravessada na boca, sem a molestar, uma IagartJxinha, para
a livrar de algum perigg, talvez.. .
Adquiriram, &é hábitos nocturnos. Nos muros iluminardos fortemen-
te por um fóco eléctrico, atraídas as falenas e outras borboletinhss da
noite, pela claridade da luz intensa projectada, rodopiando, e pousadas
em seguida aos intervalos do volteio, dão-lhe caça as lagartixas que an-
davam á espreita, para uma ceia apetitosa.
O sentido da vista é agudo, mas ainda mais o do olfacto.
Na Deserta Grande, quando os pescadores ali preparam uma cal-
deirada de peixe, numa fornalha improvisda entre duas pedras da praia,
é sabido, que, logs, acodem as lagartixas em coluna cerrada, em avanqo,
de bem longe, para cpmgartilharem dos despojos da greparaqãi, do refo-
gado, dando-se lutas de tracção, curiosas, com casc,as de tomate, e bri-
gas de esfomeadas pelos restos dumi petisco cheiroso..
Numa excursão á Ponta de S. Lourenço, onde moram lagartixas
dum pardacento i~resoluto,c a m b h d o para a côr do terreno, foi notado
que, logo ao abrir-se a casta das comedorias, bandos delas s e aproxima-
ram a cumprimehtar os ,exgloradores, homenagem intencional subordi-
nada ao seu olfacto.
Nas pedreiras do Ilheu da Cal, a horas certas, os trabalhadores se
reunem, acudindo as lagartixas, em assembleia mendicante, a um peda-
cinho da rosquilha rija, que esmoem agradecidas, a lamber o focinho.

E' interessante registar que, sendo os Lacertideos, insectívoros, por


condição, além doutras evoluções mesológicas provocadas pelas condi-
qões especiais de adaptação, tornaram-se a s lagartixas predominante-
mente, frugivoras, podendo até transitar para o dos animais que
são considerados omnívoros.
Não possuem a propriedade do mimetismo que provoca a s varia-
cões momentâneas de colaboração, mas sabem procurar um pousío, de
espera, assente sobre um fundo que niais se coadune, diluido no tom
predominante da sua vestimenta.
Houve tempo em que a medicina chegou a aconselhar o sangue da
lagartixa para a cura da lepra, mas os gafos zombaram do remédio, com
desapêgo e descrença.
O nosso povo, cheio de preconceitos, não arredou de opinião, temen-
do manchar-se, com bich,o imundo, quando pela mente lhe corre que um
salpieb.de sangue de lagartixa, pelos olhos, lhe póde, até, causar a ce-
gueirat.

Como se mutilam ideas, ao coice de concepções opostas e tão mal


engendradas-pró e contra.. .

Ainda no comêl;o do século passado o Dr. Adams (") que exerceu


clínica fia Madeira, preconisava a ingestão de pedacinhos da carne d%
lagartixa, tomados em pilulas, para a cura da tuberculose pulmonar.
A. ância doutros tempos, em pretender-se recuperar a saùde, á-pres-
sai por palpite em droga nova e prescrições da moda, deve ter dado um
ror de ricaços e uma boa lista! de mártires desconhecidos.

1nimigos.da lagartixa são, nomeadamente, os gatos e os francelhos,


já citados nos nossos trabalhos sobre os Mamíferos e a s Aves.
~ e l i n oque se dâne, á caça de lagartixa, é gato perdido, com pala-
dár depravado, emagrentando súbito, perdendo a pelagem, rancento de
pele.
A-modo-de comparação, ou imagem ingénua de gente campesina, em
vendo uma rapariga triste, a breve tempo desarmada de carnes e esmae-
cida de cores, sem causa notória determinante, a quem pregunta, por
graça: - se comeu lagartixa, - o troco se não demora, numa resposta
torta.
( * ) ,Dr.
~ Joseph Admns-Observations on Pulmonary Consumption and on the Uti-
litity o€ the Climate of Madeira for Phthisic-11 Patients--London 3801.
A LAGARTIXA DAS DESERTAS

A revista científica alemã cSenckenbergiana» no 20." volurxie-


1938, ,publicou um desenvolvido artigo da.aqtoria dum naturalista espe-
cializado no estudo dos Lacertídeos, referente ás lagartixas colhidas na
Ilha Deserta Grande, pelo conceituado derrnoplasticista e conservador
do Museu Municipal do Funchal, Sr. Maul, dedicanda-lhe uma nova sub-
espécie :
Lacertu dugesii rnauli Martens

Sem descermos a minúsculos detalhes comparativos, a observação


atenta dum g u ~ d r ode mensurações feitas nos exemplares obtidos, indi-
ca'que, devido ao seu habitat, isto é, ás condições do meio, acha-se sen-
sivelmente diminuido o desenvolvimento dêste réptil, o que aliás, é o fa-
cto constatado de nanismo, nos vertebrados insulares, tanto mais pro-
nunciado, quanto mais pequena a área a que se achem restringidos.

A lagartixa mauli tem, em média, o macho, de comprimento 67 mm.


(cabeça e tronco) e a fémea 57 mm. A cauda 'excede, quasi sempre, em
ambos os sexos, o comprimento,do corpo.
A côi! generalisada, da lagartixa do litoral das Desertas é dum ne-
gro retinto, parecendo uniforme, á primeira vista. Uma observação, mais
cuidada, mostra pontuações verduscas, salpicadas, ao meio da linha dor-
sal, rareando para os lados e ainda de cor cinzenta escurh, matizando a
garganta.
As escamas ventrais, geralmente, são, ao-de-leve, orladas dum esver-
deado fusco e o baixo ventre apresenta, algumas vezes, manchàs esbran-
quiçadas, tépidas, puxando para o azul-sujo-marinho,
Nalgumas lagartixas faltarri as unhas, talvez limada:; pelo desgaste!,
nas pedras, noutras, ausência da ponta dos dêdos, mas isro então, deno-
ta doença para ser estudada por especialistas.

Vinte e oito exemplarés da L. d. ma2110 figuram no Museu de Histó-


ria Natural de F'rancfort.
Além da pequenez desta lagartixa e da disposicão das escamas, dis-
postas em fileiras de adorno, com sistemático arranjo, a-dentro-dum li-
mite iiumérico estabelecido para a sub-espécie; a relativa uniformidade
da coloração negra, patenteada em todos os exempltwes que foram su-
jeibs'a exâme; levaram o naturalista Dr. Martens, á-dedhçãsde que êste
L a c d d e o , tinha caracteristicos para cieritificamentx poder &r aparta-
do do tipo comum.

Ha um exemplo semelhante:
Nas Ilhas Berlengas e F'arilhões, na costa de Portugal, os natura-
listas Daveau e Girard, notando tambem uma certa uniformidade de ti-
po na lagartixa ali- encontrada, apartando-se um tanto da Lncerta mu-
ralis, continental, publicaram uma monografia, no boletim da Sociedade
de Geografia de Lisboa, em 1883, dando-lhes as honras da nova varie-
dade fusca.

Todos êstes estudos são interessantes,-claro está, para quem por


6les se possa interessar.

A subdivisão das espécies, em vez de esclarecer, confunde, pois ra-


ramente possuem um tipo acentuado, definitivo, apartado do quadro an-
terior e que se possa perpetuar, quando transferidas para outra região.

Um desenvolvido estudo, puramente de caracter científico e com-


parativo dos diferentes Lacertideos de Portugal, Espanha, Madeira,
Aqores e Canárias, foi publicado, na língua alemã, pelo naturalista sue-
co, DP, Qtto Cyrén: - eZur Kenntnis der Lacertiden der Iberischen
Halbinsel und Makaronesiens-Goteborg. 1934%.
A O S G A

A osga, apenas no arquipélago madeirense, é encontrada no grupo


das Ilhas Selvagens, què fica situado entre a s Desertas e as Canárias.
Eerii diferente da lagartixa, pelo aspecto, no entanto o seu talhc
apresenta algumas semelhanças.

A O S G A
Tarentola d slalandii
i.c.tliizid;i ;i rii. ticdt. do t i i i i : + n l i o
11ai 11vi4 I .

Tem o corpo deprimido, a cabeça larga e achatada, os olhos gran-


des, salientes, os maxilares serrilhados com pequeninos dentes contí-
guos, a língua grossa e romba no extremo, o corpo coberto de grânulos
escamiformes e pequenos tubérculos.
Os membros são desenvolvidos e possantes, os posteriores mais es-
canchados.
Cada pata, disposta em leque, com cinco dedos espalmados, ter-
minando em pequenos discos, adesivos, com refolhos cutâneos na parte
inferior, dá-lhe segurança, numa marcha lenta e com êles se apéga ás
superfícies lisas de subida ou suspensão.
A cauda grossa na base, ligeiramente se afunilha, toda revestida
de aneis bem definidos. O seu comprimento regula pelo tamanho do
corpo.
A osga, como a sua parenta, a lagartixa, é um animal tímido e iiio
fensivo, porém, com hábitos nocturnos.
Pela disposição das suas garras apreensoras e a mobilidade de pu-
pila, vertical, contratil com o excesso da luz, tem certas particularidades
de gato, mas nutre-se, ao que parece, apenas de insectos e aracnídeos.

Numa 'caixa envidraçada, onde observámos algumas osgas prêsas,


conservavam-se imoveis durante o dia, apesar-das moscas, a dentro
lançadas, para seu alimento, que esvoaçavam e lhes pilssavam, sem re-
ceio, pelo focinho; pois tinham a disciplina necessária para a s paparem,
só ás escuras.
Em liberdade, durante o claro dia, acolhem-se nos buracos e fendas
das rochas ou se ncobertam debaixo das pedrqs soltas.
A osga das Ilhas Selvagens tem afinidades com a Lacerta mauritu-
nica L., espécie mediterrânea e ainda com a Tarentola delalaqzdii Duin.
e Bib., das Canárias, com certas modificações estructurais, adquiridas
num meio mais acanhado, notoriamente, a diminuição de corpulência.
O professor Mgrtens, nqtur&lista de Francfort, aproxima-a das vi-
sinhas osgas 'espanholas, especialmente da Gran Cankia, onde existx:
a subespécie boettgeri.
A coloração da osga das Selvagens é cinzento-pardncenta, com cairi-
biantes de tom qiie chega a aproximar-se do verdoengo e tonalidades
ventrais mais pálidas, como aconteee com a s lagartixas que nestas pe-
quenas ilhas se encontram, formando uma sociedade apartada, com mo-
radia pela meia encosta.

No Ilheu Grande e Ilheu de Fóra tambem habita111 a s osgas ilurn;r


quietação absoluta, aonde foram parar, naturalmente, em tempos geo-
lógicos quando estas ilhas formavam um só todo.
CAGADOS AQUÃTICOS

A ordem dos Quelónios abrange os repteis, com o dorso coberto


por uma concha rija que vem unir-se na parte inferior do corpo, a uma
placa extensa, tambem resistente.
A concha ou carapaça que lhe tapa as costas está mais ou menos
ligada com as vértebras dorsais e a placa ou peitilho representa o es-
terno achatado e desenvolvido.
A aproximação destas duas peças, porém, deixa aberturas neces-
sárias para a passagem da cabeça, patas e cauda do animal.
Classificam-se consoante o formato do corpo, a consistencia da ca-
raparaça, o número dos escudetes córneos e a configuração das patas.
Os quelónios reproduzem-se por meio de ovos, esferoides, brancos,
contendo clara e gema como os das aves, porém de casca frouxa, aban-
doiiados num só10 quente.
O focinho termina em bico córneo, desprovido de dentes.
Conforme o meio em que habitualmente vivem, tomam a designa-
cão de tartarugas fluviais, terrestres e marítimas.

Podem ser, de certo modo, incluidas na fauna madeirense, embo-


ra aqui não procriem.
As tartarugas terrestre e fluviais são mais conhecidas pelo nome de
cágados e houve delas antigamente, importadas para comércio, adorno
nos jardins e ainda como utilização para fins terapeuticos.
A carne das cágados é comestivel e foi preconizada para a cura da
tisica, muito antes das «pilulas de lagartixa, do Dr. Adams.
Da gordura, fizeram-se unguentos de certa fama na medicina marro-
quina.
No século XV andaram madeirenses, volta-e-meia, a acudir ás
praças de Africa c por lá se demoravam por vezes, na consolidação da
conquista, repelinclo novos ataques dos mouros, internando-se em ex-
ploraqões e tomaiido conhecimento dos usos e costurnes dessa gente
com quem lidavam.
Uma narrativa picaresca duma caqada aos cágados, num r i a c k ~
dos arredores de Arzila, sucedida no ano de 1520, mereceu ser conta-
da, pelo inesperado da situacão:
«Andando El-Rei de Fez por aquelles campos fazendo contínua
guerra aos nossos, e estando então bem juntos de Arzila, com muitz
gente toda encoberta, esperando alguma boa ocasião: acaso viu sahir
da Vila vinte cavalleiros, e cuidando serem Almogaraves, mandou que
os esperassem quatro centos de cavallos, que bastavão, segundo seu
parecer, para os tomarem ás mãos. Mas assim como nisto se enganoc
em o mais; porque elles eram cavalleiros moradores em Arzila, que
para a saude de unl soldado velho seu amigo, e estava doente de Phtisica
hião ao rio doce buscar kágados. Os quais andando na pesca muito en-
tretidos, por ser o dia de muita calma, e fazerem grande grita nadan-
do, e pescando, não sentirão os Mouros, senão a tempo, que o não tive-
rão para mais, que para se porem a cavallo, sem mais vestidos, nem
armas, nem sellas, nem freios, e sómente com algumas lanças, em que
os cavallos estavão atados; assim nús remetterão aos Mouros, com tan-
to esforço, que passarão por entre elles, dando, e recebendo golpes;
mas nenhum delles sahio ferido, com espanto de todos, a que tamanha
oiisadia, e tão estranho acommettimento parece tolher a s mãos, para
lhe não poderem tolher que não passassem, e chegassem a Arzila a
tempo, que Dom João Coutinho estava fóra da porta vendo o que era,
pelos ter a elles já por mortos, ou cativos: e de tamanha novidade com
razão confundido, quando mais se chegarão, mais se desfazião em rizo;
porque assim nús vinhão com tanto fervor, como se vierão armados;
e da mesma maneira quasi todos entrárão na Villa publicamente, e
outros mal cubertos, com que a vista das pessoas dobravão o rizo e
contentamento. Dom João lhes fez mercê; e E1 Rei de Fez, quando sou-
be o caso, o festejou muito, e louvou o esforço, sobre todos oa que s e u
olhos tinhão visto: e não vos espanteis de assim fazer, porque era es-
pecial cavalleiro e prezava-se muito disso.» (")

;Que genero de cágados seriam êsses que deram causa a uma es


earamuça com gente tão pouco armada?

Está-se a ver pela caçada feita em água doce, que eram cágados
aquáticos, passando a maior parte do dia pelos charcos e ribeiros.
São de cor negrusca, variadamente marcados de amarelo com tra-
ços e pontuações, numa distkibuição irregular, notando-se uma placa
sobre a nuca e duas sobre a cauda.
A cabeça, cauda e patas dêstes quelónios fluviais estão mais de
senvolvidas em comparação dos terrestres, e entre as unhas,-que são
cinco nos membros anteriores e quatro nos posteriores - aparecem
membranas de ligação, proprias para nadar.
De noite, saem da água para dormir em enxuto, e nutrem-se dtt
insectos aquáticos, caracois e rãs.
A fémea escava no sólo, com a cauda e patas t~azeiras,uma pequc-
na eira, onde deposita os ovos pergaminhosos, cobrindo-os com uma
ligeira camada de terra ou areia, e o calor do só10 é suficiente para a
incubação.

Alguns autores separam já êstes cágados, de água doce, formancl,~;


a família Emididae e á-parte da Testudinidaei.
Entre outros caracteristicos, apresentam a carapaça pouco abo-
bodada, o peitilho curto e a cabêça nua.

No Catálogo dos Vertebrados de Portugal, de Ferreira e Seabra.


vem mencionados apenas, dois, dêstes cágados ou sapos-conchos: n
Clemmys leprosa (Schw.) e o orbicularis (L).

Os cágados aquhticos desapareceram, há muito, dos tanques da M a -


deira.

Pedrp gc Mariz-Dialogo IV de Historia Varia. Edição de 1806 pg. 749.


CAGADOS TERRESTRES

Os cágados terrestres distinguem-se logo, pela convexidade mais


anaiilada da carapaca, a cabeça pequena e pela configuração dos mem-
bros dispostos para andar sobre o sólo, com dêdos curtos, arredondados
em forma de coutos, providos de unhas.
Deslocam-se vagarosamente e teem a faculdade'de retrair a cabeça,
as patas e cauda, eilcobrindo-as sob a carapaça.
O peitilho, nos machos apresenta-se achatado e nas fémeas, ligeira-
inente côncavo.
Antigamente, eram frequentes nas quintas, dando urna nota alegre
nos relvados.
Divertiam as crianças, assentadas numa almofada sobre êles, á
espera que se movessem, escapando-se ao pêso, a libertar-se daquela
posição asfixiante.
Eram uteis nos jardins, para exterminação dos caracois, minhocas e
lurvas. Gostavam de comer falhas de rosa e rebentos tenros,

A adaptação a um diferente clima, alterou-lhes os hábitos e soube-


mos dum, que fraternizando com um gato, compartilhava da refeição
de sopas de leite.
Desaparecem durante algum tempo, escavando galerias subterrâ-
neas, para depois, j& julgados perdidos, regressarem de surpresa.

Encontra-se ainda, a Testudo graeca L., de bem marcados escude-


tes estriados de amarelo com uma mancha negra ao centro, repetida em
t ~ ã a orla marginal da carapaça que se fende, posteriormente, sobre u
cauda.
Esta espécie é própria da Europa meridional e atinge o comprimcn-
to de 30 cm.
De Marrocos são trazidos os cágados escuros Tcvtudo muzcritatlica L.

Antigamente eram aplicadas as carapaças pa7-a acunhar as pipas


nos armazens de vinho ou ainda a-bordo, no transpwte.

!I'ARTARUGAS DO MAR

As tartarugas marinhas teem a carapaça cordiforme, aguçando para


a parte posterior. Os membros destinados, mais pvopriamente, á nata-
cão, tomam o dispositivo dum remo para melhor bater a água.
A mais vulgar das tartarugas oceânicas que aparece nêstes mares é
u ThaEassochelys coauanu Daud., á quai Lineu havia chamado Testudo
caretta tendo vária sinonímia, conforme os autores, o que acontece sem-
pre nos diferentes métodos de classificação.
&ta tartaruga aparece, com frequencia, á venda no Mercado de S.
Pedro, onde é exposta, em companhia do peixe para o consumo, sendo
apanhada, & noite, pelos pescadores, em mar bon\ançoso. Aproximam
então o barco, de-mansinho, remando cautelosamente e sem ruido, pa-
r a onde as avistaram e há o costume de deitar água no tolête, afim de
evitar a rangência no fulcro dos remos.
Surpreendidas no seu sono, á-flor d'água, apanham-nas á-mão, sen-
do pequenas, ou de laço atirado ao pescoço das maiores.
Por vezes, se encontram, achegadas numa colónia de descanço, des-
preocupadamente, ao abandono.

Relata, o capitão inglês J. Tuckey, chefe de uma expedição científi-


ca ao Atlântico, que, em 31 de Março de 1816, passando pela Madeira,
encontrou nêstes mares, grande numero de tartarugas dorminhôcas, a
boiar.
Não menciona o género delas, mas com certeza, tratava-se duma
excursão de talassas vindas da costa marroquina.
Há delas, que chegam a ter mais de um metro de comprimento.

As pequeninas, são interessantes. Corre-lhes uni cspigão ou casení


bem distinta a meio do dorso, separando os escudetes, cinco de cada lado
e simétricos, tomando a cor pardacenta, com tonalidades mais carrega-
das, conformd a idade.
Quando a s caçam, voltam-nas de costas, posição em que não podem
volver-se, esperneando, incessantemente, com a s patas no ar. E' assim,
que a s vemos, barafustando, arreliadas, na posse dos vendedores.
No andar, são pesadas, pois os seus membros, bastante desiguais,
muito maiores os anteriores, batem espalmados o sólo, em solavancos,
para poder deslocar o corpo.
As tartarugas do mar teem dêdos, mas ficam ocultos dentro duma
membrana grosseira, e nalgumas, espigam pequeninas unhas que são
consideradas função da idade.
A caretta adulta apresenta, em geral, duas unhas em cada membro.
Para respirarem - como os pulmões não arfam, o a r é deglutido,
c nesta operação, parece que o animal está bochechando.
A carne desta tartaruga é escura e um tanto filamentosa e rija,
mas apreciada na culinária, para sopa e ensopados, a que não faltem os
condimentos necessários. Faz até lembrar o caso da sôpade-pedra.
Matam êstes animais, cortando-lhes a cabêça, mas mêsmo depois de
decepada, o bico córneo, é trancante, mordendo com força decrescente
durante mais de uma semana. Um cão que deparou com uma cabeça sol-
ta duma tartaruga, já morta há dias, apanhou tal dentada no focinho,
que veiu a ganir para perto do dono, pedindo que o livrasse daquele mar-
tírio, o que não foi sem custo, pelo afêrro dominante.
Segundo Cuvier, a vida duma tartaruga orça por 200 anos.

Escudos de tartaruga, e tartaruguinhas dessecadas encontram-se á


venda com brilho do verniz aplicado, atraindo a atenção do turista.
A tartaruga careta, quanto mais pequenina, co~venieiitementeprc-
parada, para colecções, tem mais procura do que a adulta, por ser tam-
bem um interessailte adorno para o recanto duma si~ieta,onde há pclcs
especialmente dc carnivoros, esticadas pelo chão.
O juvenil aspecto da. tart:rriiga, 6 nliiito diierclitc, 1)cla color.aorto
tenra, acastanhada, lelêvo iiiais saliente dos escudctcs c seu arranjo,
fazendo até supor tratar-se duma espécie apartada. O niotivo disso, vem
da imbricação ou seu dispositivo se assimilhar a um retelhamento com

Uma juvenil careta desseca-


da,transparecendo nos mem-
bros anteriores a ossificação
dos dedos,

abas escoantes, sobrepostos os extremos dos escudctes, uns sobre os


outros.
Com o crescimento do animal, vão os discos do rilosaico se afastan-
do, diminuindo a convexidade da cobertura e ajustam-se, por fim, de
contacto numa superfície, sem o ressalto de telha, que os caracterizava
anteriormente.
Os membros anteriores adquirem, bem cedo, um grande desenvolvi-
mento e o formato da carapaça, transita pela fase sub-cordiforme. A
maior das caretas observada nestes mares excedia o comprimento de um
metro.
Sendo o mar, o seu meio próprio, teem as tartarugas de aflorar, á
tona de água, para respirar, nadando com a cabeqa esgiiida. Quando siib-
mersas, fecham as narinas com uma membrana que impede a entrada da
água pelo focinho.
Fazendo as tartarugas a postura em terra, esta circunstância pa-
rece indicar serem elas, em boa suposição, representantes doutros repteis
de afastadas eras. rastejantes sobre o só10 visinho das águas. Conser-
vam ainda o hábito, mesmo fóra do tempo da reproduqão, de vir espai-
recer nas costas arenosas, em noites calmas de luar.
E' voz do po-JO, que trazendo-se uma destas tartarugas, para um
local distante da praia, embora dali o animal não possa ver o mar, nem
ouvir o seu ruído, inicia logo a marcha na direcção do litoral marítimo.

As tartarugas de escudo ósseo, aparecidas nos mares da Madeira,


não são propriamente as utilizadas para fins industriais, pela pequena
espessura do seu revestimento, no entanto, houve antigamente um pe-
queno ensaio, aproveitado o casco destes quelónios para a confecção de
resumidos objectos de arte, especialmente marcas para jogos de cartas,
palhetas de leques, etc.
As tartarugas de espesso revestimento pertencem á fauna dos ma-
res quentes.
Pela compressão e calor, podem soldar-se as diferentes partes do
seu revestimento, constituindo placas para a mão de obra.
TARTARUGA ESVERDERDA

A tartaruga esverdeada, Chelone viridk Schn., tem a carapaça depri-


mida, oval, o pescôço curto, forte, bico rombo, e uma unha no primeiro
dedo de cada pata.
Distingue-se pelos quatro escudetes laterais, não imbricados e pela
coloração da carapaça, num pardacento variavel, que roça pelo esver-
deado, com reflexos irizados, de oleoso brilho.
O roda-pé ou fiada das placas, sensivelmente iguais da orla, forma
um redente mais pronunciado para a parte posterior da carapaça, onde se
encontra a concorrência, que vem fechar dos lados, talhada em cauda-
de-andorinha.

Vive esta tartaruga nos fundos subniersos, achanados c vales nra-


rinhos, onde abundam as algas, de que especialmente se nutre.
Quando juvenis, são pardaças, com ligeiras manchas alouradas de
transicão, umas vezes mais claras, outras, fuscando para o tom da azei-
tona nova.
Embora, noutros mares excedam o tamanho da careta, atingindo o
comprimento de 2 metros, os exemplares colhidos pelos nossos pescado-
res, teem sido até agora, muito menores e nenhum chega á metade déssa
diniensão.
A tartaruga de couro, Demnocheiys co~iuceaL., é o maior quelónio,
que teni aparecido nos mares da ~ a d e i r ae raramente observado nos de
Portugal, citado pelo naturalista madeirense Dr. J. V. Barbosa du Bo-

Uma tarlaruqa d e
coiro, notando-se
na carapaça bran-
da o s enrugarnen-
t o s caracteristi-
COS

cabe, em 1863, na «Liste des Mammifères et Reptiles observés en Portu-


gal» publicado na «Revue et Magazin de Zoologie. Vol. XV-Paris».
A cabeça grande, globosa, semi-nua, termina num focinho roriibo c
rioduloso.
A bôcp retraída, trancante, é munida de maxilarei: em talhe trinn-
gular.
Os membros não teem unhas. Os anteriores bastante conipridos e
relativamente estreitados, sofrem um certo retraimento quando o sni-
tiial cliega a adulto.
Os membros posteriores em contraste, são bastante c!urtos, trunca-
doa, espalmaiido-se cm fórnia de leque.
Este animal é considerado, como o representante duma série de que-
iónios doutras eras, já extintos ou tendendo ao desaparecimento.

A principal evolução sofrida manifesta-se na carapaça, gradual-


mente modificada no desintegramento da coluna dorsal de suporte, evo-
lucionando os escudos do revestimento a formar discos ósseos, longitu-
dinaes, espaçados, que lhe enrugam o dorso, coberto por uma pele rija, e
se manifestam tambem no peitilho ou parte inferior do corpo. São 7 as
rugas marcantes, mais em relêvo a média e três laterais, contando-se coiii
a do rebordo. A carapaça termina num saliente sobre a cauda.
Embora, encontrada em todos os Oceanos e no Mar Mediterrâneo,
refugia-se mais no Atlântico Meridional.

A Úitima manifestada na Madeira, em Janeiro de 1937, colhida pelos


pescadores do Porto do Moniz, era um belo exemplar, pesando 190 quilos.
Pelas dificuldades do transporte, não poude ser trazida ao Funchal
e estragou-se, apesar das tentativas ali feitas papa a poderem conser-
var. Destinava-se ao Museii Municipal.

Nestes d a anos atraz, foram observadas mais irinas seis tartarugas


de couro, nas visinhanças da costa.
Possue o Museu do Seminario uma magnifica Dermuchelys corea-
cea, a tartaruga de couro, chamada, pelas circunstancias do seu revesti-
mento.
Batraqueos
A Ltà D O S C H A R C O k ;

Levou muito tempo a acertar no quadro em que dcveriam ser ínclixi-


das ss rãs.

Ainda .no meado do século XVIII, era-lhes dada cm Portugal, a (:a-


tegoria de insecto, como se vê no:
Dicc. Portuguez de plantas & reptis - Lisboa 1765.» Dedicado ao
conde de Oeiras, por José Monteiro de Carvalho.

Rã-Insecto anfibio, porém mais aquatico que terrestre, o qual ten!


quatro pés, com que nada, ou salta; dous dentes dian'eiros moveis, que
se levantam, quando quer morder, e o macho se distingue da femea em
ter perto da cabeça trez bexiguinhas, e a parte interior da perna deantei-
r a quatro vezes maior; sustenta-se de hervas, e de alguns insectos mais
pequenos.

As Ciências Naturais andavam ainda atrasadas, nessa época, care-


cendo de mais cuidada observação que o tempo vem mrrigindo.
.39qmi%de demoradas na classe dos Reptilideos, as rãs e os rani-
formes p m a r a m para a classe dos Batráqueos, apartados, principalmen-
te, p e h t m d o r m a ç õ e s que nelas se operam na primeira fase da vida
na água dtjce, com respiração branquial, até que, em chegando a adultos
passam á iranca respiração, ao a r livre.
Primeiramente, apresentam a fórma globosa, e eni duas semanas de
crescimento se lhes nota já um aspecto de cabêça e a cauda a imprimir
movimentos de natação.
Mostram depois, a s pernas desenvolvendo-se, ao passo que a caud&
vai sucessivamente retraindo, até desaparecer sem deixar vestígios, ope-
rando-se continuas mudas, com largados mucos que se esfarrapam e si
dissolvem.
Desenvolvido o sistema interno, êste vertebrado, sem costelas, che-
gou ao estado perfeito, apto a uma nova manifestação $a vida, podendo
saltar em terra, expandir-se e cantar.
No tempo dos amores, estreitam-se os pares, por6m a fecundacão'
dos ovos, efectua-se fóra do corpo da fémea que os expele em fórma diiiri
cordão gelatinoso, contendo na sua massa os germes, envoltos numa
substância que os alimenta em pequeninos, enquanto vivem dentro de
água.
As rãs s5o animais de temperatura variavel, a que antigamente se
chamavam animais de sangue-frio. Gostam do calor do sol e nutrem-se
de larvas, vermes, e pequenos caracois.
Corre entre a nossa gente pouco observadora, que as rãs fazem es-
tragos nas hortas, comendo alfaces etc., mas os ranideos não são herbi-
voros e em vez de prejudiciais, causam beneficio á agricultura, pelos ir?-
sectos que devoram, entre os quais, as moscas nocivas aos pomares.
A sua maior actividade manifesta-se durante a primavera 'e verão.
E' incômodo o seu canto gregoriano, salmejado num ronquenho ren-
ponsório, quando gorgolejam os machos, vibrando as vesiculas dos can-
tos da boca como a preguntar:
--Quere qualquõr rex? (desejando indiferentemente um rei)
Expressam-se mal. A lingua está presa na frente c na parte postc-
rior, forquilhada.
E a s fémeas, em tom maia brando, porque lhes falta a vesicula bo-
cal, gargarejam em coro, respondendo brandamente:

O verbo coaxar derivou assim desta onomatopeia, num ambiehte Ce


água e lama.
Pelos frios de outono e no decorrer do inverno, os ranideos desapa-
recem, dissolve-se a orquestra-pagã. Escondem-se nos charcos ou por de-
baixo das pedras, não tanto entorpecidos como em outros climas que
lhes paralisam os movimentos.
Na apanha dos inhames,-as nossas Arólceas coinestiveis - xinda
saltam por vezes, em Janeiro fóra, á procura de abrigos nos terrenos
encharcadiços.

Duas r ã s diferentes, pertencentes cada uma a sua família própria,


foram introduzidas na Madeira: a Rana escuienta L. e a Hyla arbmea L
A primeira é a r ã vulgar das ribeiras, charcos e tanques, represen-
tante da família RanZdae.
Tem o formato da cabêça, triangular, olhos grandes, focinho rombo.
Trouxe-a da Europa, por 1834, o 1." conde de Carvalhal, para a sua
quinta do Palheiro do Ferreiro. E r a uma novidade que podia ser util,
pois lá fóra, no estrangeiro, apreciára um prato de coxas panadas de rã,
exquisitice culinária, tendendo em sabor para a perna de frango, embora
com muito menos fêvera, a mastigar.
Enfastiou-se depressa.
As rãs aumentavam exetraordináriamente e o que se torna vulgar
não é tão apetecido.
Fugidas da sua quinta para as levadas, as águas em curso distribiii-
ram-nas pelas terras visinhas, e dai, saltarani, ás reprêsas do vale, avas-
salando, em progressão, paùes e nateiros.
Era um gláudio de conquista, entoando o canto bárbaro, da posse
sem resistência.

ti;slcreve um jornalista, mal humorado, numa crónica madeirense, em


1840, que não pudera pregar Ôlho, numa noite inteira, com os engasga.
dos trinos dos rcvuxinois do sr. Conde.

Com pouco mais de um século de permanência na Madeira e Porto


Santo, a s modificações sofridas são caracteristicas, quer na vestimenta
ou tamanho.
O colorido inicial passou a um tom mais neutro, pardaço predoml-
nsnle, sem as malhas amarelentas e as verruguinhas pronunciadas nos
flancos, marcantes da espécie;+ comprimento médio da Rana esculen-
tu, entre a ponta do focinho e a fenda cloacal, anda por 76 mm., o que
reduz, sensivelmente o tipo.
Como regra geral, os juvenis e as fémeas irmanam-se na coloração
do terreno e das lamas, aquietando-se imoveis, em qualquer perigo, neste
fundo de protecção. Os machos metaliaam-se de bronze, num verdete
alistado ou total de vestimenta,
O tipo mais robusto encontra-se na Levada da Negra e o mais gar-
rido, pela Levada da Serra do Faial.
A r ã é um animal estúpido. Deixa-se enganar facilmente, por sei
muito vorax.

Os garotos a caçam com um cordel, tendo rio extremo um alfinete


gancheado em fórma de anzol, onde prendem um pedacinho de trapo
'vermelho.
De noite, são apanhadas á luz duma lanterna, pois ofuscadas, se não
movem de susto, e o brilho do dorso a s denuncia.

Na orla dos tanques conservam-se por vezes, á espi eita, aquietadas,


do focinho fóra do água, aguardando a eaça dos insectos, mas muitos
dêsses que pousam á tona líquida, lhes escapam, ao aperceberem a on-
dulação provocada por qualquer movimento. Quando conseguem apanhar
algum, reviram a lingua fóra da boca, numa chicotada dextra, contri-
buindo para a agarra, a goma que segregam na parte forquilhada.
Caiu uma abelha num tanque, sem poder levantar voo. Veiu uma rã,
apressada e papou-a, mas logo andou como doida, aos mergulhos curtos
e a bater com o focinho pelas paredes. E' de supôr que a abelha a picasse
com o ferrão, mas causa extranhesa que o instinto a não precavesse.
Os membros posteriores, muito rriais-desenvolvidos que os da frente,
s5o providos de músculos-pahntes e-.são êstes, os mais dispostos para
a natação, por serem providos de uma rriemerana desenvolvida entre os
cinco dedos.

Em terra, a s rãs caçam ao salto. Em carreira, os pulos são alterna-


dos de intensidade, até o que a dirige para a água ser o mais possante.
O mergulho é efectuado de cabeça abaixo, e na trajectória esticam
as patas trazeiras para minorar o atrito do ar.
Ao mergulharem as rãs num charco, descem ao ftindo, a refugiar-se
no depósito terroso que revolvem, provocando um turbilhão de lama que
conspurca a água, numa opacidade de proteoçh, indicado, porém, o
ponto de esconderijo, pelas bolhas de a r que sobem á superfície.
Nos tanques onde vejeta a pastinha, em colcha verde de cobertura,
granulada de folhitas ovoides, que se acamarn pelo entrelaço das suas
raizes brancas, filiforme&,-as rãs chapinam-se no mergulho, aos ras-
gões pelo lençol que deixa ver a água mansa, pelas claraboias qbertas.
A Lemna gibba, L., da família das Lemnáceas, é a nossa pmtinha
mais vulgar, tapando os charcos em tão completo, que outro animal se
atola, não sabendo nadar.
Em águas assim, escaceam as larvas das melgas e outros dipteros
da noite, pela falta de arejamento no sifão recurvo, vibditil, dando-lhes
o movimento constante de subida e descida no seu meio próprio.
Em compensação, a pródiga Natureza, sempre atenta ás condições
de vida e suas modificações necessárias, deu guarida, na trança da pas-
tinha, a pequenims moluscos aquáticos, interessantes na fórma;-uns,
bivalves, outros espiralados. As rãs os trincam e mastigam com os den-
tes breves do maxilar inferior.
A ICÃSINHA V E R D E

A outra rã, ranêta ou rãsinha das arvores, pertence á familia Hyli-


dae, classíficada Hyla arborea L., espécie significativa do seu compor-
tamento, apta a trepar pela vegetação ribeirinha, arbustos e árvores
das terras húmidas.
A rãsinha verde apareceu na Madeira pelo meado do passado século.
Não se sabe por quem foi introduzida, mas provavelmente por algum
ejicêntrico proprietário, como se deu o caso, com a R. escuíenta, do conde
de Oarvalhal.
Antes de ser construido o Caminho de Berro do Monte, havia, por
êsse vale acima, represas de água, charcos e cultivo imenso de vimeiros.
Habitava por ali, a.Hyía arborea, gracil, pequenina, atirando-se á
águá, logo que pressentia a aproximação de qualquer pessoa.
Vimo-la tambem em algumas quintas, na encosta de Santa Luzia.
A área da sua destribuição não foi muito longe.
Existiu nas pequenas lagoas do Jardim Municipal, donde se escoa a
água para o lago maior.
Ainda há poucos anos, se conservava na Quinta Santana, com ten-
dência a desaparecer.
Tem apenas a metade da corpulência da anterior, muito semelhante
no aspecto e nos costumes, porém, ostológicamente, com diferenciações a
considerar.
O corpo é mais lanç~n@~,c~lleqa pdueiia, um tanto aguçada para o
focinho, ólhos menos salientes, a pele do crâiieo descolada, dentes na ma-
xila superior, a língua distinta, elíptica, os membros esguios terminam
eni dedos longos, providos com discos, firmando as patas, ligeiramente
espalmadas.
O seu manto é verde franco, harmonizado coni a vegetação farta,
poluido em claro, escorrido a branco, pelo abdomen.
E' tal a porosidade da pele, que absorve a humidade do ar, aumen-
tando em volume variavel.
Nutre-se igualmente de insectos, larvas terrestres e aquáticas.
Busca as águas tranquilas, as poças limosas e pouco profundas.
Gasta o tempo, mórmente, pelas visinhanças, intrometida nas cul-
turas, ascende ás ramagens, procurando o sol, aquietada numa tal man-
sidão sonolenta, que se deixa apanhar á-mão. O seu domicílio preferido
é pela ramarla.
Pachorrenta, em vendo um insecto parado, espera que.êle se mova,
para então caçá-lo, aos saltos curtos na perseguição.
. A rãsinha verde tem um coaxar mais agudo, oitava-alta da maior,-2
R. esculenta, que se aprofunda nos baixos chqcarrejros, a pedir um rei.
Na sua estulticia gritadeira, movida de inveja pela sua pequenez,
inflata-se pelo entrefôrro da garganta, entumescendo o bócio, esticado
ao máximo, que lhe dobra a corpulência, para gritar:
-Há por lá, boi?
Os sons da natureza admitem letra, e quanta se aplica ao tanger
do sino, á marcha do comboio, etc. A fábula pôs os animais a falar, ti-
rando conceito moralizador. O velho Fedro, em sonoros versos, fê-la re-
bentar em castigo da sua prosápia, querendo equiparar-se ao boi, muito
mais graduado na escala zoológica.
A cada qual, o que lhe compete, para sobressair harmonia na grandc
obra da Criação, mas não h a treguas na luta insana pela vida.
A linda rãsinha verde carecia do que hoje se chama protecção a Na-
turesa.
Os patos e os gatos veem dando cabo dela.
Um exemplar para estudo figura entre as colecões do Museu do Se-
lilinario: Yate Johnson na 3."edição do livro-«Hand book for Madeira-
London 1885» a menciona na lista dos batráqueos, e tambem se acha
incluida nas duas edições da nossa «Corografia elementar do Arquipela-
go da Madeira. Funchal 1912 e 1936.»

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