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DAS ILHAS
R E G I Ã O A U T Ó N O M A D A M A D E I R A
A AUTONOMIA NA HISTÓRIA DA MADEIRA
QUEST~ESE EQUÍVOCOS
Q u d oI -
Z as abas Províncias ou Colónias
O debate sobre a autonomia está ligado à definiçâio do sistema de relaqões
estabelecido desde os inícios do povoamento entre a ilha e a metrópole. Aqui a ideia
de colónia nunca é entendida de acordo com o sentido m ~ p o l o g i c omas
, sim pelas
questões de ordem política e financeira. Na definição da ideia do colonialismo a
dominar as r e l a w com o continente está a espolia@o financeira, com o envio para
Lisboa de toda a riqueza gerada, sem que se aplique na valorização local. Os poucos
investimentos acontecem nos sectores capazes de gerar mais benefícios ao Estado e
não no bem estar das populações. Isto resultam no consequente prmsso de
subdesenvolvimentoe pobreza.
A economia colonial foi motivo & estudo mais acentuado a partir de Adam
Smith, mas foi com Marx que ganhou maior evidência. Aliás, para a escola marxista
a valorização da teia de relações entre a metrópole e as colbnias foi e continua a ser
um dos motivos mais destamdos de interesse.Este tipo de relações tem expressão na
pilhagem da riqueza coloniaI em favor do desenvolvimento da metrópole. A isto
junta-se a dependência mercantil e a política financeira com o estabelecimento da
moeda f i x a nas colónias e forte na metrópole. Qualquer das situações não se afasta
do percurso económico madeirense nos últimos cinco séculos. A definição de uma
economia colonial assenta na sangria quase total das despesas e num reduzido ou
quase nulo investimento que não seja vocacionado para apoiar a extracção da
riqueza.
A ideia de colonialismo adcluiriu vários significados ao longo do processo
histórico, ficando todavia a expressar uma relação de dependência e expIoração de
uma determinada região ou colónia com o centrolmetr6pole. Ora isso n3o implica
a clássica visão de um espaqo já ocupado que é alvo da usurpaqão europeia. É
neste quadro que devemos encarar a situação da Madeira.
E um facto indesmentivel que a Madeira se enquadra no processo de
expansão colonial portuguesa, sendo o primeiro passo desta estratégia e como tal
irá manter-se por muito tempo. A sua separação em termos politicos e admi-
nistrativos foi apenas resultado da revolução liberal. E deste modo aquilo que a
atd então era colónia, adquire num lapso de tempo o titulo de ilha adjacentes, sem
que se tenha alterado o relacionamento típico.
O debate político cola-se por vezes a História na busca das razões que fun-
damentem tal relacionamento institucional. E neste caso mantém actualidade o
relacionamento da ilha com o continente europeu, uma relação colonial que só
poder dos liberais viu acabar em completa ruptura com o passado. Na verdade, até
então a Madeira merecia um tratamento idêntico ao demais espaço colonial. Aliás,
estava sob a mesma alçada do Conselho Ulrtrornarino (1643-1 833). Note-se que
nas páginas do Patriota Funcblense, o bastião da liberdade de opinião, recla-
mava-se contra o tratamento de colónia feito pelos "mandões de Lisboa". Desde
I832 a ilha deixou de ser uma colónia, passando a província administrativa, igual
às demais do continente. A reforma administrativa de Mouzinho da Silveira foi o
corte radical com o passado pelo menos em termos jurídicos, o que não implica
que no plano real esse tipo de relacionamento se tenha mantido até 1974.
O estatuto de colónia não resulta do facto de um espaço estar habitado a
chegada do europeu, pois se isso fosse condição Cabo Verde nunca teria mantido
esse estatuto, pois como quase todas as ilhas Atlânticas estava deserta h chegada
dos Portugueses, excepção apenas para as Canárias. A sua definição resulta fun-
damentalmente do relacionamento que se estabelece entre a metrópole e a região.
Ao nível político o estatuto colonial caracteriza-se por uma profunda distância em
relação aos centros de poder. São os governadores e capitães generais que se
comportam de forma altiva do interior da fortaleza do poder, As ordens despóti-
cas, a subserviência dos ilhéus, que reclamam em Lisboa através dos seus pro-
curadores e políticos à mesa da coroa e do orçamento umas magras migaihas da
riqueza que remetem anualmente. E o sentimento de orfandade perante uma auto-
ridade paternalista e despótica. O regionalismo como constatqão dos desequili-
brios regionais e do esbanjamento dos seus recursos por um poder estranho e dis-
tante, 6 revelador deste estatuto. Desta forma podemos afirmar que o despontar do
movimento autonomista resulta desta constatação do colonialismo que define as
relações institucionais.
Ao nivel económico e financeiro esta relação revelava-se na entrega de toda
a riqueza. As culturas são impostas para servir os caprichos da metrópole e todo o
lucro situa-se no sector da circulação fora da ilha. Sucedeu assim com a cana de
açúcar que se transformou na galinha dos ovos de ouro para a Coroa portuguesa
entre finais do século XV e princípios do seguinte. Alihs, toda a riqueza resultante
desta exploração económica, impostos incluídos, era orientada para fora do
espaço que a criava. Tão pouco sucede um investimento na valorização do seu
interesse. O pouco que retomava surge sob a forma de caridade da própria Coroa,
sob a forma de oferta.
O Rei D. Manuel foi de todos o mais caridoso para com os madeirenses
mas tambkm o que mais feriu das riquezas da ilha. Distribuiu benesses e obras de
arte aos madeirenses. Mas a dívida da dádiva madeirense era maior e ao que
parece ainda esíA por saldar (5). A situaçao da Madeira, desde o século XV, não se
diferencia das demais possessões portuguesas no espaço atlântico. A ilha estabe-
lecia vínculos de subordinação institucional idênticos aos de Angola, Cabo Verde
ou Brasil, estando a partir de 1642 sob a alçada do conselho ultramarino. Esta
situação perdurou até 1736, altura em que foi criada a Secretaria de Estado da
Marinha e Ultramar. Em 1808 com a saída da coroa para o Brasil estabelecem-se
algumas alterações na administraçgo da justipa, passando a Madeira a depender da
Casa da Suplicaqão do Brasil.
A ideia de colónia estava entranhada nas relações institucionais como na
linguagem dos funcionários do reino que assiduamente visitavam a ilha em mis-
são, Em I8 15 o inspector geral de Agricultura, José Maria de Fonseca, refere a
ilha como colónia. Por outro lado a forma de intervenção do reino é de cariz colo-
nial entregando as missões referentes ao arquipélago a agentes estranhos. Em
1810 foi criada a Junta de Melhoramentos da Agricultura das ilhas com o objec-
tivo de estudar as soIuções para a crise. Estes no parecer de Paulo Dias de
(6j Rui Carita, Paulo Dias de Aimeida e a Descrição da Ilh da Madeira, Funchai, 1982,
pp.54-5s.
estendeu A Madeira em 1834. A partir desta data os governadores deixam de
corresponder-se directamente com a correspondente repartição colonial para
passarem a depender das diversas repartições governamentais. O chamado
arquivo da Marinha e Ultramar é disso exemplo deixando de existir documen-
tação madeirense a partir de 1833.
O debate das questões da autonomia, manifestamente partidarizado, tem
conduzido a alguns equivocos e conduzido a que muitas das questTies pertinentes
do debate seja tabu. É, na verdade, a primeira vez que tal sucede, pois no período
que decorre desde a Revolução Liberal (1 820) até ao golpe militar de 28 de Maio
de 1926, eram comuns entre os diversos sectores politicos da sociedade madei-
rense. Hoje parece que « não é politicamente coir~cto»,falar de colonialismo,
colónias, sangria ou espoliaçgo financeira. Será que o discurso da auton*
mia perdeu autonomia ?
A palavra colonialismo parece ser um dos tabus mais bem geridos ao qual
se pretende apresentar apenas o significado antropológico restrito, ignorandese as
componentes económica e politica Sem pretende polemizar os entendidos na maté-
ria apenas deixamos aqui alguns dados soltos, h t o paciente leitura da documen-
tação e da valorização das mensagens que a mesma tem para nos transmitir,
Esta ideia da ilha como colónia está presente de igual forma no debate que
ocorreu logo após o vinte e cinco de Abril. Assim o MAIA, grupo anterior ao 25
de Abril, chefiado por Carlos Lklis, José Maria da silva, entre outros, em
comunicado publicado na imprensa a 5 de Janeiro afirma a pretensão de "liquida-
ção imediata da situação de colónia(eshtuto de colónia) existente nas mlaqões
entre Portugal continental e as ilhas da Madeira e Porto Santo", definido o colo-
nialismo como a "exploração de uma comunidade de homens por outra comuni-
dade". O RUMA, um outro movimento de esquerda defendia em comunicado de
22 de Outubro de 1974 que "as ilhas adjacentes não podiam ser excluídas do
processo de descolonização.". ao mesmo tempo a UPM (União do Povo da
Madeira), donde surgiu a actual UDP-Madeira, afirmava na convocatória para o
Comício que realizou no Pavilhão Girnndesportivo do Funchal a 29 de Junho de
1974, que a Madeira '?em sido, desde sempre, uma colónia dos interesses capita-
listas continentais e estrangeiros.".
Os diversos grupos, que no período do 'Verão Quente" arvoraram a ban-
deira da independência, apresentaram no seu discurso de reivindicação da inde-
pendência a ideia de col6nia para o sistema de relações estabelecidas pelo
Governo na Madeira. O RUMA (Movimento de Trabalhadores Rurais e Maríti-
mos, um movimento esquerdista reclamava em comunicado de 22 de Outubro de
1974 que "as ilhas adjacentes não paiiam ser excluídas do prmesso de descoloni-
zaçh". A 18 de Novembro, um grupo que se auto intitula "um grupo de madei-
renses que não é dos caseiros nem dos senhorios", em manifesto reclama a des-
colonização e, a propósito da manifestação do dia 17 do mesmo mês, refere "o
novo colonialismo intelectual e dialéctico".
Para além desta exposição da realidade, e da forma com ela dominou o
discurso politico autonomista até a década de setenta do seculo XX, poderá
avançar-se com um confronto teorico e do evoluir do ocidente europeu a partir do
século XV. Mas nada disso merece agora a nossa atenção. Com ou sem tabus, o
tipo de relações entre a Madeira e a metrópole está evidenciado, através do debate
político que provocou, que não era tão linear como uma primeira leitura o possa
revelar. Na verdade, a Histbria, o sistema de relações que o seu devir provoca, não
resulta daquilo que hoje seja possivel pensar-se ou querer-se induzir aos demais.
Entre aquilo que na realidade queremos que tenha acontecido, o que realmente
aconteceu existe por norma uma grande distância.
Perante este quadro somos forçados a afirmar que a partir do século XVI os
dados estatísticos revelam-nos que Portugal tinha a principal fonte de riqueza nas
ilhas e possessões ultramarinas. Apenas a conjuntura resultante da união dinástica na
década de oitenta conduziu a uma quebra acentuada da receita das colónias. Em
qualquer das circunstâncias os novos espaços gerados com os descobrimentos
revelam-se em todos os momentos dos séculos XVI e XVII como a mais valia e
principal fonte de financiamento.
EvoluçBo percentual da receita do Reino e Possessóes
colonias
("1 . Maria Lamas, Arquipélago dn Madeira Maravilho Atlânficq Funchal, 1956, p.353.
(I') . Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Mdeira, Funchal,
1982, p.101.
orçamental em que o onpmento de estado era aprovado pelo Parlamento (I4)).
A partir de 1831 os orçamentos gerais do estado (OGE) revelam se o esforço
finánceiro do estado na região apenas se resumiu hs despesas correntes ou se foi
pautado por uma política de investimento ('3. Durante este largo período de cerca de
um século o sistema bibutário foi alvo de várias reformas que deram continuidade ao
processo iniciado com Mouzinho da Silveira. As mais importantes aconteceram em
1870 e 1881. A Ekpública, em 1910, foi o início de um segundo momento de
mudança do sistema tributário, assente na constituipto de 191 1 e nas reformas de
1922. O processo ganhou novo folgo com o golpe de estado de 1926, sendo o
principal obreiro das mudanças SaIamr, quando Ministro das Finanças. O regime do
Estado Novo apostou na década & sessenta na reforma do sistema que só foi voltou
a ser alterada passados vinte anos.
Os impostos computados na receita global da ilha para o período de 1876 a
1974 compreendem os seguintes impostos: contribuição bancária, sumptuária, de
renda de casa, décima de juros, imposto de rendimento, do real da água, de selo,
rendimento aduaneiro, contribuiflo predial e industrial, d k i m a de juros e direitos de
mercê (...). De uma forma global o .movimento das receitas evidência que a carga
fiscal foi onerada no período do Estado Novo no momento de consolidação na
década de trinta. É também neste período que a participação madeimnse na receita
nacional 4 reforçada. A mais elevada percentagem, isto é 17%, acontece na década
de trinta, o período de maior dificuldade para a Madeira. A situaqão perdurou nas
décadas seguintes, sendo apenas contrariado na década de quarenta com a guerra.
Algo semelhante só voltou a acontecer na primeira década do século XX, sendo nos
demais períodos os valores inferiores, mas nunca desceram além da barreira do 1%.
Quanto A despesa do Estado na região a situação não é idéntica. Assim, o valor
mais elevado da intervenção é reduzido sendo superior a 1% apenas em três
décadas, quando, ao invés a receita atingiu sempre foi vaIores muito superiores.
Note-se que em qualquer dos casos onde a despesa suplantava 1% temos também os
valores mais elevados para a receita.
Se esquecemos a década de 60, definida por algum investimento piiblico, como
foi o caso do aeroporto, podemos afirmar que a República iniciou um periodo de
forte sangria financeira. A República jacobina foi marcadamente centralista. O
movimento autonomista das primeiras décadas do século XX, apoiado nos
sectores politicos mais conservadores da sociedade madeirense, fez desta
orfandade e sangria financeira o cavalo de batalha para a luta autonómica. E
(I4) Em 1839 esclarece-se a foma como se preparava o orçamento nas diversas repartições
ministeriais existentes no Funchal. Em Juiho o Tesouro PUblico recomendava ao Administrador Geral
do Distrito deveria organizar o mapa da despesa de acordo com as instmç8es e enviá-lo atk 15 de
Outubro. A primeira reforma da lei orçamental ocorreu em 1849, seguindo-se outras em 1928 e 1960
( I 5 ) A informaçb completa sobre a &ação dos diversos impostos esth disponivel nos
boletins estatísticos a partir de 1876. Os dados reunidos abarcam todo o periodo até 1974, havendo
apenas um hiato entre 195 1-55,
foram redobradas as razões para tal uma vez que o esforço de investimento
financeiro do estado na região não suplantava 0,2%, quando o contributo
financeiro da ilha para o todo nacional chegava aos 12,5%. Note-se que no caso
das províncias ultramarinas o panorama da despesa é distinto, atingindo-se em
1914-15 os 16%. O contraste é evidente e por isso mobilizador de alguns sectores
políticos da sociedade madeirense.
('3 Carta resposta ao Dr.João Abel de Freitas de 23 de Maio de 1935, edição digital em
Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos,
Funchal, CEHA, 2001(Cdmm).
Percentagem da despesa da Madeira no OGE
('4
O gráfico da despesa orpnentada revela que o estado não foi pródigo nas
transferências financeiras para a Região e revelou uma posição marcadamente
colonial, sonegando à iha a aplicação local da riqueza gerada, uma vez que a quase
totalidade das verbas foram utilizadas como despesas correntes. As despesas de
investimento surgem de forma precária com os Ministkrios do Reino (1843-53),
Obras Públicas (1 853-19 1 1, 1947-74), Fomento (1 9 12- 1S), Comércio e Cornu-
nicqões (191 8-1974). Este investimento está orientado para a área das cornu-
nicaqões (66,70%), sendo menor no domínio nas áreas da educação e agricultura.
O resultado disto está no elevado analfabetismo e na permanente sangria do mundo
rural. com a emigrafio.
Os valores referentes ao século XIX demonstram que o investimento do
Estado na região foi b, pois quase todo o dinheiro era canalizado para rubrica de
despesas correntes. A situa@o invertsse no século XX, mas deve ser apenas
resultado da evolução do sistema administrativo resultante da autonomia
administrativa a partir de 1901, Deste modo, a Junta Geral ficou com o encargo de
importantes ónus financeiros que compreendia a despesa corrente de funcionamento
de parte significativa das estruturas do Estado na região, faltando-lhe para
desenvolver infra-estruturas. Neste pesado fardo incluiam-se os encargos com os
salários dos funcionários e professores, pois só em 1971 estes passaram para a
algada do Estado. A reforma de 1928 fez aumentar o pesado encargo das despesas
correntes da Junta, uma vez que esta passou a superintender os serviços dos
ministérios do Comércio e Comunicações, Agricultura e h s t r u ~ do
, Governo
Civil, polícia cívica, saúde pública, assistência e previdhcia, que estiveram
dependentes dos ministérios do Interior e Finanças.
InveSOmmtos e despesas correntes. OGE 1831-1974
Stculo XIX Século M
S$
Aeroportos
EslIadas
Portas
Escolas
Hidm-agrída e d W i c a
Ou
mo h
TOTAL!nvdmentos
DESPESAS Correntes
TOTAL
Madeira
Aqores
Angola
Mofambique
(I9) Numa mhlise sumhria chega-se h conclusão que nas Canárias as imposições oneravam
apenas em 15% o preço do açúcar e vinho, enquanto na Madeira o açiicar era sobrecarregado com
25S e no vinho em 1830 chegava a 66%.
(20) Eccko Mickaelense, 30 de Junho de 1883, publ. N. Verissimo, O deputado do Povo
( I ' ) Avelino Quirino de Jesus, "A Autonomia da Madeira e dos Açores", in A Pbtria, n0.960,
Lisboa 7 de Julho de 1923
(22) Quinto Centenário do Descobrime~nioda Madeira, Farnchal, 1922.
(=) Correio dn Madeira, 23.03.1922
IU) O semmario publicou-se de 10 de Junho de 1928 a 26 de Março de 1929, retomou a I de
Novembro. O titulo foi vendido em 1933 e iniciou a 2" strie de publicação a 3 de Julho, mas só
saíram 3 nhmeros.
Orgulhamo-nos tanto de ser portugueses, que só uma Hist6ria nos serve - a de
Portugal". Carlos Frazão Sardinha, um dos intervenientes, em testemunho de
1979, reafirma o que atrás ficou dito: 'Nunca em nenhuma circunstância, se falou
ou tratou da chamada 'independência' de Madeira".
Foi no periodo conhecido como "Verão Quente" que mais se colocou esta
ideia de independência com projectos concretos no sentido da sua realização. De
diversos quadrantes políticos surgiram grupos cuja expressão política se fazia
quase sempre por comunicados, inscriçks nas paredes e atentados bombistas.
A partir desta forma de expressão é possível assinalar a forma com o discurso da
independência entrou de forma pacifica ou violenta no debate politico.
A UPM (União do Povo da Madeira), um grupo de extrema esquerda
criado no seio da publicação "O Comércio do Funchal surge em 19 de Setembro
de 1975 contra este discurso através de uma manifestação que contou com
diversos sindicatos, cooperativas e comissões de moradores que lhe eram
próximos. A convocatória é clara: uma "manifestação anti-fascista contra a
independência da Madeira."
t Durante- o período surgiram diversos grupos que se afirmaram quase só por
1 comunicados distribuídos na cidade do Funchal. De entre estes podemos salientar:
Frente Popular e Democráticca & Mdeira, Movimento Popular de Libertação do
Arquipélago da Madeira,Movimento de Libertação do Arquipélago da Mudeira,
Libertação e Autonomia Intemcional da Mdeira, fiircito de Libei-bação do
ArquipéEago da Madeira, Movimento para a Independência da Mudeira, dimça
Revolxionária da Mudeira, Independncia Democráfica da Mdeira, J w a
Revolucionária & Mdeira, Associe& Política do Arquipélago da Madeira e a
Frente de Libertaçgo do A~quipélaguda Madeira.
A FLAMA foi, de entre todos os agrupamentos politicos, o que teve maior
consistência no discurso político, sendo responsabilizado, airavés do BRTMA, o seu
braço mado, dos diversos atentados bombistas ocorridos nos anos de 1975 e 1976.
Da sua política de defesa da independência criou uma bandeira, divulgou a sua
moeda, o Zarco, e criou um "Governo Clandestino" na Flórida (25).
Hoje, passados mais de vinte e cinco anos parece que ainda é cedo para
conhecer-se com exactidão os contornos do debate político da Madeira nos anos de
1974 a 1976. Deste perícdo conturbado ficaram os documentos, recoihidos por
particulares ou depositados no Arquivo Regional da Madeira, que apenas expressam
os princípios e orientações destes grupos, impedindo-nos de ter inform@o segura
sobre a sua implantação social c6).
(=3.Sobre este movimento veja-se Luis Calisto, A c h na Autonomia, Funcha1,1995. edipão
digital em Doc. Publicado em VTEIRA, Alberto(wordenaç&o),A AUTONOMIA: Histdria e
documentos, Funchal, CEHA, 2001 (Cdrom).
( 1 6 ) DOSarquivos Particulares merece a nossa atenção o do Dr. Greg6rio Gouveia, que vem
publicando no sernanirio "Tribuna da Madeira", testemunhos eiucidativos da importância do seu
QuestBo V: Os Projectos de Autonomia
arquivo. Os textos s&o publicados sob o titulo "Período Revolucionário da Autonomia", Tribuna da
Madeira, 8 de Dezembro de 2000 a 24 de Agosto de 2001.
('3 O primeira projecto de autonomia foi apresentado em 1900 na Cimara dos Deputados
por João Augusto Pereirq mas não se sabe do seu paradeiro, Cf. F. "Silva, "Pereira(Jo30 Augusto)",
in Elucidririo Madeirense, Funchal, 1984, vol. 111, p. 66.
r) Referido por Fernando Augusto da Silva, Eluciddrio Madeirense, vol. 111, p.66
Fereira(João Augusto)]
( l ~ ~Pestanae l Reis, "Regionalismo. A autonomia da Madeira", in Quinto Centertário
do Descobrime~toda Mdeira, Publicação comemorativa, Funchal, Dezembro 1922. Cf ainda
estudo de VERISSIMO, Nelson, O Alargamento da Autonomia dos distritos Insulares. O Debate na
Madeira (1922-19231, in Actas do I1 Coldquio Internacionai de História da Madeira, Funchal,
1990. Também publ. em Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordena@io), A AUTONOMIA:
História e documentos, Funchd, C E M , 200 I (Cdrom).
especial ao conselho Legislativo afirmando que a situaçb do distrito obriga a
legisla@o específica que só os madeirenses são capazes de definir por sua
cabeça.
O madeirense Quirino de Jesus, ainda que muito pr6ximo de Salazar na
,
:
definiçb da política económica e financeira, não conseguiu demovê-lo quanto a
sua visão da autonomia. Ele que defendera que a autonomia insular era definida
i pelo carãcter financeiro e económico, s6 se podendo afirmar com reformas
I
i financeiras. Na sua ideia de divisão administrativa o Distrito cederia lugar à
I Província, que teria ao comando um Governador Geral, residente, de nomeação
i governamental, que representava o Governo Central. A ele juntava-se a Junta
i Gerai de Província e o Conselho de Governo. O primeiro era composto de
i
procuradores eleitos pelas Câmaras Municipais, associaqks, professores e chefes
de serviço das repartiçries públicas, enquanto o segundo seria presidido pelo
governador, integrando vogais eleitos entre as procuradores e chefes dos servi-
ços cO): O facto de ter sido advogado da família Hinton levou a que os
autonomistas madeirenses não valorizassem o seu projecto e que tivesse reper-
cussb favorável na ilha.
Foi em 1928 que as ilhas tiveram novo estatuto. Os poderes das juntas
foram ampliados mas estavam ainda longe das propostas avançadas em 1922. Isto
marca o início da solução política que tomará corpo com o Estado Novo. O fervor
autonomista foi abafado pela rettirica do discurso do Governo da Ditadura. Os
autonomistas de 1922, como Manuel Pestana Reis, acomodaram-se a um estatuto
de fiéis seguidores do novo regime,
A mudança de regime a partir de 1926, considerada uma esperança para
muitos dos autonornistas, não contribuiu para qualquer mudança na evolução do
processo autonómico. A crise dos anos trinta conduziu a que a Madeira tivesse em
1931, durante cerca de um mês, um governa próprio, que atendeu as suas
legítimas reclamqbes. Mas isto foi um acto que se reverteu contra os
madeirenses.
No período a seguir ao 25 de Abril de 1974 o discurso reivindicativo da
autonomia continua no campo do afrontamento político-partidhrio. Apenas o
MAiA(Movimenbo de Autonomia das Rhm Atldnticas), saída do debate de um
p p o composto por Crisóstoma de Aguiar, Carlos Lélis, José Maria da Silva,
(w) "(...) um governador geral, nomeado pelo governa, uma Junta Geral de Provincia, eleita
gelas C&naras municipais, petas associaçfies de classe, pelo professorado e pelos chefes de serviços
piiblicos: um conselho de governo constituído por parte dos hltimos, e por vogais que a Junta eleja
Mtre os seus membros e presidido pelo Governador(...) ficariam reservados ao poder central todos
os assuntos de direito constitucional e civil; as relaçoes com m potsncias estrangeiras; os serviços de
@erra, marinha e capitania dos portos; os regimes de instniçb e os seus programas; os do fisco e da
'md;t; os da produção, importação e exportação(...)"[ A Pdiria, Lisboa 7 de Julho de 1923, Correio
Açores, 26 de Julho de 19231 Cf. VERISSIMO, Nelson, A Autonomia InsuIar. As Ideias de
I p W o de Jesus, in Islenka, 7, 1N O .
José António Camacho, viria a divulgar a 5 de Janeiro de 1975 na imprensa
regional a sua proposta de autonomia. Os Órgãos de soberania que davam corpo à
autonomia eram o Governador, que deveria ser eleito por sufrágio directo, os
secretários do governo, escolhidos pelo governador, e uma Câmara Legislativa.
Quanto ao processo de transferência de poderes pretendia-se a total transferência
dos sectores, incluindo o Exército e a Justiça.
Muitos dos elementos deste gmpo estiveram ligados aos inícios do Partido
Popular Democrático na Madeira. Deste modo não será por acaso que o projecto
mais amplo de autonomia para as ilhas Atlânticas apresentando na Assembleia
Constituinte fosse o do PSD r').
Questão V: Duas visões distintas da mesma realidade
O século XX pode ser considerado como uma das épocas mais fulgurantes da
Histliria da Madeira pelas mudanças políticas que envolveu os rnadeirenses.
A política e a crise económi~sociaidominaram a centúria. A instabilidade
internacional e nacional reflectiram-se de forma directa no quotidiano rnadeirense.
I
Portugal, e sanatório para Tuberculoses. Ao mesmo tempo sente-se manietado
pela política financeiro do governo. Aqui reclama-se soluções e verbas do
governo central.
A resposta de Salazar a 23 de Maio, fundada também em relatório oficial
da Junta e no conhecimento directo que o mesmo diz possuir sobre a Madeira C3),
levou-o a estabelecer um memorandum resposta em que s$ío definidas as linhas de
intervenção do Governo. Em primeiro lugar ameap que da próxima vez que os
madeirenses reclamem não esperem "a doçura da repressão usada da oub-a vez."
Ao mesmo tempo expressa a sua visão contrária h autonomia, lançando um aviso:
"A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património
ou uma receita, tirando de um ou da outra o maior rendimento." A todas as
questões Salazar responde, dando a entender a necessidade de contenção
financeira que deve presidir a todas estas medidas, que obriga a repensar alguns
i dos projectos que a Madeira reclama soiuçgo imediata. As ameaças de Salazar
cumpriram-se no ano imediato com a chamada revolta do leite, mas as medidas
i reclamadas pelas rnadeirenses foram adiadas por força da segunda Guerra
Mundial, concretizando-se s6 nos anos cinquenta.
Passados pouco mais de trinta anos, em plena "primavera Marcelista", um
grupo de cidadãos aceita o repto do Governador civil, António Braamcamp
Sobral, para a "colaboragio franca e leal de todas as pessoas interessadas no
desenvolvimento econiimico e social da Madeira", apresentando sugestões sobre
os diversos domínios da sociedade. Todavia faziam depender a solugão de um
estatuto de autonomia, elaborado "em moldes de participação democrática das
populações da ilha nas decisões de que depende o seu futuro", "a autonomia é
1. Documentos e Testemunhos:
CAMACHO, Augusia da Silva Branco, Escohito das Distritos Autónomos das ilhas Adjacentw,
P. Delgada, 1972.
FERREIRA, Fernando +n,%io,, 1 Regiões Autónomas tw Comlituição Portuguesa, Coimbra,
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