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CLIO História – Textos e Documentos

irlandeses eram irlandeses e não ingleses,


A IDÉIA DE PROGRESSO
os tchecos eram tchecos e não alemães, os
Eric Hobsbawn finlandeses não eram russos e nenhum povo
deveria ser explorado ou dirigido por outro.
Hobsbawn, Eric J. A Era do Capital (1848- (...)
1875). 3' ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1982, pp. 103-6. (Coleção Pensamento O ponto significativo aqui é que a típica
Critico, v. 12.) nação “a-histórica” ou “semi-histórica” era
também uma pequena nação, e isto
A Europa, deixando de lado o resto do colocava o nacionalismo do século XIX
mundo, estava dividida evidentemente em diante de um dilema que tem sido
“nações” cujas aspirações em fundar Estados raramente reconhecido. Pois os grandes
não deixava, pelo certo ou pelo errado, defensores da “nação-estado” entendiam-se
nenhuma dúvida, e em “nações” a cerca das não apenas como nacional, mas também
quais havia uma boa dose de incerteza como “progressista”, isto é, capaz de uma
quanto a aspirações semelhantes. O melhor economia, tecnologia, organização de
guia para o primeiro tipo era o fato político, a Estado e força militar viáveis, ou em outras
história institucional ou a história cultural das palavras, que precisava ser territorialmente
tradições. A França, Inglaterra, Espanha e grande. Terminava por ser, na realidade, a
Rússia eram inegavelmente “nações” porque unidade “natural”'do desenvolvimento da
possuíam Estados identificados com os sociedade burguesa, moderna, liberal e
franceses, ingleses, etc. (...) progressista. “Unificação”, assim como
A Alemanha era uma nação por força de que “independência”, era o princípio básico, e
seus numerosos principados (apesar de onde argumentos históricos para unificação
nunca unidos em um único estado territorial) não existissem – como era o caso da
terem constituído outrora o então chamado Alemanha e Itália – esta era, quando
“Sagrado Império Romano da Nação possível, formulada como um programa. (...)
Germânica” e formado por outro lado a O argumento mais simples daqueles que
Federação germânica, mas também porque identificavam nações-estados com o
todos os alemães de educação elevada progresso era negar o caráter de “nações
partilhavam a mesma língua escrita e reais” aos povos pequenos e atrasados, ou
literatura. A Itália, apesar de nunca ter sido então argumentar que o progresso iria
uma entidade política enquanto tal, possuía reduzi-los a meras idiossincrasias dentro das
talvez a mais antiga das literaturas comuns à grandes “nações reais”, ou mesmo levá-los a
sua própria elite. (...) um desaparecimento de fato por assimilação
O critério “histórico” de nacionalidade a algum Kulturvolk. Isso não parecia fora da
implicava portanto a importância decisiva das realidade. Depois de tudo, a participação
instituições e da cultura das classes como membro na Alemanha não impedia os
dominantes ou elites de educação elevada, mecken-burgueses de falar em seu dialeto,
supondo-as identificadas, ou pelo menos não que era mais próximo do holandês que do
muito obviamente incompatíveis, com o povo alto-alemão e que nenhum bávaro conseguia
comum. Mas o argumento ideológico para o entender, como também não evitava que os
nacionalismo era bem diferente e muito mais eslavos lusatianos não aceitassem (como
radical, democrático e revolucionário. ainda discutem) um estado basicamente
Apoiava-se no fato de que, o que fosse que a alemão. A existência dos bretões, e uma
história ou a cultura pudessem dizer, os parte dos bascos, catalães e flamengos, para
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não mencionar aqueles que se comunicam Da maneira como as coisas seguiam, nem os
em provençal ou na Langue d’oc, parecia sicilianos nem os sardenhos insistiram na
perfeitamente compatível com a nação sua nacionalidade separada, portanto seus
francesa da qual faziam parte, e os problemas poderiam ser redefinidos, na
alsacianos criaram um problema apenas melhor das hipóteses, como “regionalismo”.
porque uma outra grande nação-estado – a Este fenômeno apenas se tornou
Alemanha – disputava-os. Além disso, havia politicamente significativo uma vez que um
exemplos de pequenos grupos lingüísticos, pequeno povo reclamou pela sua
cujas elites de instrução elevada olhavam nacionalidade, como os tchecos fizeram em
para frente sem remorsos em relação ao 1848, quando seus porta-vozes recusaram o
desaparecimento de seus próprios idiomas. convite dos liberais alemães para tomar
Muitos gauleses em meados do século XIX parte no parlamento de Frankfurt. Os
estavam resignados a isto, e alguns viam alemães não negaram que eles fossem
mesmo com prazer este processo, na medida tchecos. Apenas entenderam, o que era
em que facilitasse a penetração do progresso correto, que todos os tchecos de boa cultura
numa região atrasada. liam e escreviam alemão, partilhavam da
Havia um forte elemento de diferenciação e alta cultura alemã e que, portanto
talvez um mais forte de patrocínio especial (incorretamente) eram alemães. O fato de
em tais argumentos. Algumas nações – as que a elite tcheca também falasse tcheco e
maiores, as “avançadas”, as estabelecidas, partilhasse da cultura do povo simples local
incluindo certamente a própria nação do parecia ser politicamente irrelevante, como
ideólogo – estavam destinadas pela história a as atitudes do povo simples em geral e do
prevalecer ou (se o ideólogo preferisse uma campesinato em particular.
conceituação darwinista) a serem vitoriosas
na luta pela existência; e outras não. Todavia
isso não deve ser entendido como
simplesmente uma conspiração de parte de
algumas nações para oprimir outras, embora
porta-vozes das nações desprezadas não
devessem ser repreendidos por pensar assim.
Pois o argumento era dirigido não apenas
contra as línguas e culturas regionais das
nações como também contra intrusos;
também não pretendia seu desaparecimento,
mas apenas seu “rebaixamento” da
qualidade de “língua” para a de “dialeto”.
Cavour não negou aos habitantes da Savóia o
direito de falar sua própria língua (mais
próxima do francês do que do italiano), numa
Itália unificada: ele mesmo falava-a por
razões domésticas. Ele e outros italianos
nacionalistas apenas insistiam em que
deveria haver somente uma língua e um meio
de instrução oficiais, em outras palavras o
italiano, e que as outras deveriam sumir,
evaporar-se da melhor forma que pudessem.

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