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SÁBADO, 13 DE DEZEMBRO DE 2003

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CADERNO 2 O ESTADO DE S.PAULO - D3

LITERATURA

Seja bela, seja consumista, ensina Lolita Pille ses ricos, belos e vulgares. O livro é Hell Paris lher dotada de uma grande lucidez para decodi-
Aos 21 anos, francesa fala
75016 (lançamento da Editora Intrínseca, boa ficar as regras do jogo de um mundinho medío-
ao ‘Estado’ de ‘Hell Paris 75016’, novidade que vem do Rio) e saiu no ano passa- cre”, escreveu Emilie Grangeray, no Le Monde.
um ‘livro sintoma’ no qual do na França. Em um mês, o livro vendeu 25 mil Lolita vive em Paris um pouco como seus per-
descreve o vácuo de uma geração exemplares e colocou em evidência o que Loli- sonagens. Não acorda antes das 16 horas e não dá
ta, hoje com 21 anos, chama de Geração Think entrevistas antes da meia-noite. O repórter do Es-
JOTABÊ MEDEIROS Pink, cuja maior referência cultural são signos tado comete o erro de ligar para ela às 15 horas, e
de consumo: jeans Chloé desbotado, suéteres ela atende com voz empastada e sem disfarçar o

A
s garotas do 16ème arrondissement, da Paule Ka, óculos Gucci, botinhas e bolsas incômodo. “Se sou a Françoise Sagan dos anos
em Paris, vestem casacos de pele e Prada, Porsches GT3 e cocaína delivery. 2000? Não sei. Li (Frédéric) Beigbeder e foi por
usam relógios Cartier, choram por Dizem que ela, Lolita, é uma no- isso que comecei a escrever. Vo-
uma coisinha de nada e fingem orgasmos. Co- va Françoise Sagan e que seu Hell cê pode me perguntar isso de-
meçam a namorar aos 14 anos, aos 15 fazem o Paris equivale a Bom Dia Triste- pois das 8? Aí talvez eu possa
primeiro blow job e aos 17 fazem a primeira za. Ela leva jeito. Escreveu o livro responder corretamente.”
plástica (lipo, nariz, peitos). Aprenderam a em seis meses e toda a filosofia A escritora define sua vi-
ler na revista Voici, compram todas bolsas de vida de seus personagens se re- da em uma biografia su-
iguais e a única coisa que amam além de si sume numa frase de Georges Ba- cinta: nasceu em 27 de
mesmas é seu yorkshire e sua grana. taille: “Se os ricos não são felizes, outubro de 1982 em
O retrato protossociológico acima é tra- é porque a felicidade não existe.” Sèvres, filha de pai arqui-
çado por uma dessas mesmas garotas, a es- O problema todo é que Lolita teto e mãe contadora. O
critora francesa Lolita Pille, que aos 19 resolveu escrever sobre um mun- primeiro poema escreveu em
anos resolveu criar um alter ego (uma cari- do íntimo, e suas amigas e seus 1989, “o sujeito tornado autor
catura chamada Hell) e contar a vida des- namorados são os modelos de da liberdade”. Em 1993, entrou
sua literatura. Quase foi banida no Colégio La Fontaine. Ela mar-
do seu convívio, por relatar coi- ca sua biografia com fatos que
sas tão pessoais – as drogas, os há- possam referendar sua visão frí-
bitos sexuais, as relações com os vola do mundo: “Em 1997, fui pe-
pais e a solidão. Sybbile, por la primeira vez a uma boate, em
exemplo, a melhor amiga de Hell, adepta de um Planches, e comprei mi- Jason Reed/Reuters
bom Bellini martíni e de tênis baskets desenha- nha primeira grande rou-
A escritora dos por Yamamoto. A garota é um retrato dessa pa de grife, da casa Victoi-
francesa Lolita devastação espiritual: perdeu a mãe aos 3 anos e re, butique especializada
Pille, de 21 anos, foi criada pelo pai, “o arquétipo do paquerador de em vestir mocinhas para
autora de ‘Hell’: 50 anos, show-off, drogado”. as noitadas parisienses.”
“Li (Frédéric) Um dia, Sybbile tira os óculos e, mostrando os Em 1999, a primeira rela-
Beigbeder olhos vermelhos, diz a Hell que não suporta ção sexual, “uma penetra-
e foi por isso mais viver, diz que usa Prozac desde os 16 por- ção fastidiosa mais que
que comecei que não agüenta mais “a violência do pai, toda uma história de amor”.
a escrever” aquela gente doidona de heroína no salão de Em 2000, cheirou sua pri-
visitas de madrugada, tomar o café com mo- meira carreira de coca.
delos russas de 15 anos, ligar para o celular Em 2001, fez dois meses
Divulgação

do pai e ouvir que está em Bali ou no Rio, de uma faculdade de Direi-


ficar dias inteiros sozinha com a empre- to em Assas, e abandonou.
gada filipina ou no iate em Ibiza”. No ano passado, lançou
“Ela cheira, ela bebe, ela quei- Hell pela editora Grasset e
ma. Mas, sobretudo, ela se ator- ganhou também uma crô-
menta. E nós com ela”, escreveu nica na revista Femmes.
Olivier LeNaire, na L’Express, “Eu sou uma putinha, da-
sobre Lolita Pille. “Se Lolita quelas mais insuportáveis,
Pille provavelmente fez parte da pior espécie”, descreve-
da geração dopada por Bret se Hell/Lolita. Por conta dis-
Easton Ellis e Frédéric Beig- so, os críticos dizem que
beder, isso não a impediu de ela é apenas um conceito
reler Harmonie du Soir, de de marketing. A moça pare-
Baudelaire. E, por baixo da ce não dar a mínima. “O
sua insolência exasperante, mundo real é pequeno, e o
descobrimos uma jovem mu- meu também”, diz apenas.

TRECHO
Hoje fui fazer a ronda das butiques. Comprei dois jeans Cavalli, leggings na Colisée de Sacha e um pa-
letó Barbara Bui, mais toda a vitrine da Paul and Joe, uma calça Joseph, um par de sapatos Prada e, na
Dior, uma vigésima bolsa, a carteira combinando e óculos tipo ray-ban, eu até comprei pochete Fendi
monogramada que nunca vou usar; a não ser aos domingos para ir ao cinema.
Esta noite, tenho quatro jantares: um é beneficente para ajudar uma associação de caridade no Les
Bains, o tipo de noite em que a gente usa um longo de quatro zeros, se entope de comida em paz com a cons-
ciência, uma vez que a nossa presença significa que pagamos 500 paus o lugar, que graças à grana 30
criancinhas africanas estão salvas. Mas não vou a esse jantar, o Les Bains é muito longe.
De fato, tenho quatro jantares, mas todos eles são mais ou menos um saco de ir, de forma que não sei o
que fazer: estou com vontade de ir ao Market, o novo ponto de Jean-Georges, mas me deu vontade também
de comer uns sushis, porém não no Nobu, e quero beber doses de vodca com malabar rosa, que só são pre-
paradas no Zo e no Bindi, e por que não um frango com coca-cola? Além do mais, se ouço um criado dizer
“está saindo” em vez de “imediatamente”, e se leio num cardápio a palavra “toque” (“com um toque de cal-
do de cenoura feito na hora”, ou “um toque de parmesão”), sou capaz de cometer um assassinato.
Tasso Marcelo/AE Albert Ferreira/Reuters

A hora e a vez da geração Think Pink Fred Prouser/Reuters


Ricas e frívolas, dragas Estão na música, no cinema,
no sofá da Hebe, por todo lugar.
afetivas, elas têm em Kelly Osbourne, Paris Hilton,
comum as grifes e o fato Débora Secco, Preta Gil, Avril
de serem mimadas Lavigne. O que as une, além de
serem meninas mimadas? Algu-

N
o cinema, elas já têm ma grana, a vontade de serem o
sua perfeita tradução: que não são (nem que seja por
trata-se da vencedora El- decreto), a confusão de papéis,
le Woods, a personagem de Ree- as grifes, a dragagem afetiva.
se Whiterspoon em Legalmente A herdeira do império bilioná-
Loira (Legally Blonde). Fútil e rio dos hotéis Hilton, Paris Hil-
sortuda, ela invade o mundo ton, por exemplo, diz que é
dos habeas-corpus e das juris- atriz. Começou fazendo vídeos
prudências com processos em pornô com o namorado, e al-
pastas rosas e um coração assis- guns dias atrás a sua pequena Preta Gil: “Tio Caetano gostou” Avril Lavigne: Sid Vicious rosado
tencialista de ouro. grande travessura tornou-se pú-
As meninas da geração blica, pela internet. Tem 22 왘 acha que é uma reencarna- fundir a imagem think pink da
Think Pink estão em alta, e es- anos e está estrelando um show ção de Sid Vicious, dos Sex Pis- atriz. Outro dia, as colunas de-
tão por todo lado. Com os seus de TV chamado The Simple Life tols. E tudo que faz a respeito é ram nota dando conta que ela
“sorrisos brancos de louça de (A Vida Simples), programa exi- botar as cuecas para fora do passou sete horas no salão de
banheiro e os cílios de borbole- bido pela Fox, no qual, com sua jeans. Ou regravar em versão Marco Antônio di Biaggi, “e
ta”, como define Lolita Pille, amiga Nicole Richie (filha do drops kids hortelã um grande saiu de lá com cabelos alonga-
também almejam, como Elle cantor Lionel Richie), troca sucesso de Bob Dylan. John dos por uma nova técnica suí-
Woods, ocupar o centro dos re- seus milhões por alguns dias pa- Lydon, ex-frontman dos Sex Pis- ça e com high-lights na cor ca-
fletores sem despender nem ra viver como colona numa fa- tols, deu risada da pretensão de ramelo Palatof”. Ulalá!
uma gota sequer de suor – e zenda do Arkansas. Avril de comparar-se a Sid Vi- Preta Gil, que canta pouco e
sem desgastar um só neurônio. A cantora Avril Lavigne 왘 cious. “Se ela morrer, talvez fi- fala muito, gasta a maior parte
Divulgação Renato Rocha Miranda/Divulgação que igual a ele”, divertiu-se. do tempo participando de pink
Kelly Osbourne foi enfiada shows como os da veterana He-
goela abaixo dos ouvintes por be e o da newcomer Galisteu.
causa do sucesso do pai, Ozzy, e Ela esgrime como seus maio-
de sua participação no papel de res trunfos o argumento de que
menina rica entediada e porqui- alguns compadres famosos “fa-
nha no reality show The Osbour- laram bem” da sua música:
nes. Tem quem ache engraçado uma vez foi Caetano, outra vez
vê-la maltratando criados na te- foi Roberto Carlos.
levisão, mas Kelly é osso duro Pode-se dizer que falar mal
de roer. O pai, no entanto, não das meninas think pink é cruel-
quer nem saber (afinal, é pai), e dade, que é apenas mais um lan-
até gravou um dueto com a pim- ce da filosofia “o inferno são os
polha para ajudar em sua obses- outros”, mas essa ideologia ‘Ri-
siva promoção. quinho Rico’ de viver seduz a mí-
Débora Secco celebriza-se dia e dá cria. Por exemplo: o ca-
rapidamente pela capacidade nal de filmes HBO está exibindo
de namorar em uma revista e Born Rich (Nascido Rico), um
terminar o namoro em outra. documentário criado pela her-
Não é uma exclusividade da deira do império farmacêutico
moça, mas sua estratégia de di- Johnson & Johnson, Jamie
Reese: direitos dos animais fofos Débora: 7 horas no cabeleireiro Paris Hilton: desculpas públicas pelo vídeo pornô com o namorado vulgação é implacável em di- Johnson, de 23 anos. (J.M.)

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