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2009

Tania Montandon

[Pensando
HumanaMente]
[Um convite à reflexão sobre e através da mente priorizando o que possui de
mais humano sobre o que concerne à existência do ser no mundo, seus conflitos,
produções, sabotagens e labirintos ignotos que o momento atual demanda.
Somos convocados a ousar perscrutá-los e possibilitar construções,
desconstruções, reconstruções ou mesmo inovações na esperança de uma
mudança na consciência de cada um sobre si e sua relação com os demais e com a
natureza.]
I - O humano no ser existencial

O ser humano é aquele que pensa a Natureza. Através da fenomenologia, ele pode ocupar
um lugar de pensante de si e pode descrever essa consciência, que é o campo onde todo
fenômeno adquire sentido. É como uma ascese, o sujeito busca o despojamento de si para
estar purificado e propiciar a comunhão com a verdade.

O existencialismo é um conjunto de filosofias da existência distintas entre si. A


fenomenologia é a metodologia mais fundamentada para se problematizar a existência
humana. As filosofias anteriores a Kierkegaard davam prioridade à existência em
detrimento da essência. Kierkergaard inverteu. Disse que Deus dá a matéria-prima e o
homem dá a forma para formar sua essência ao longo de sua existência. Há a
possibilidade do pecado, mas é voluntário – existe o livre-arbítrio.

A existência precede a essência. Esta é construída pelo conjunto dos atos, por
merecimento, conseqüências ... A liberdade do ser é proporcional à sua responsabilidade.
O único ser incondicionado é Deus, absoluto, sem relação de determinação. O conceito de
angústia caracteriza o efeito do conflito entre o fato do ser humano ser livre e responsável
concomitantemente, querendo ou não.

As escolhas não são pacíficas, produzem angústia. A angústia existencial é


inerente à constituição do ser humano. Sem ela, é como se o homem fosse
esvaziado de sua alma. A loucura é da dimensão humana, porém compromete
alguns aspectos da condição humana, pois impede a completude do exercício da
liberdade.

A existência precede a psicopatologia. A patologia não é uma essência. A


morbidade é uma qualidade que não anula o objeto a que se refere. O sujeito é
muito mais do que sua possível doença.

Nietzsche foi um filósofo ateu, não acreditava nas questões metafísicas e


religiosas. Trabalhou a vontade de realização dos instintos vitais do homem.
Todos os obstáculos precisam ser combatidos. O homem como um guerreiro da
existência, devendo lutar pela plenitude da alma. Visa à realização individual
puramente. Inspira-se na seleção natural de Darwin. Na Natureza inexistiria
questão moral. Sobrevivem os mais aptos. Hegel dizia que a realização do
espírito absoluto faz com que as guerras sejam necessárias.

É existindo que o ser humano vai dar forma à matéria-prima oferecida por Deus -
segundo Kierkergaard - e constituir sua essência através dos atos e omissões. A
qualidade da essência do indivíduo é de responsabilidade de cada um.

A liberdade humana é uma autonomia relativa, pois se manifesta como cunhas,


brechas no indeterminismo mundano. Somente o homem pode retroagir dentro do

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universo determinista, exercendo sua liberdade com suas escolhas. No entanto,
nunca há garantia de realização das possibilidades, o que também gera angústia.

As filosofias da existência tendem a focalizar a dimensão subjetiva do ser humano, um ser


finito. Este jamais será o todo, sempre será parte. Deve-se reconhecer os limites, a
finitude da condição humana. A questão da liberdade só pode ser consciente, pois é
voluntária e responsável. A finitude manifesta-se através das limitações, que são
parâmetros determinantes em termos de conhecimento, poder, morte...

A consciência dos limites é necessária para se ter uma existência autêntica. Deve-se
refletir sobre a morte, pois o homem é um ser para a morte. A lealdade para si é a
capacidade de compreender isso. O bem e o mal é circunstancial. Implícito a todo ser vivo
há o impulso à afirmação de ser, pois a vida quer continuar a ser sem limites, contudo
sempre deparando-se com o determinismo paradoxal que lhe é próprio: a vida possui
limites. Existe uma força que impulsiona o homem a viver apesar dos limites.

A questão vida e morte é uma articulação fundamental. Um universo de conflitos pertence


à saúde mental.

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II - O sem-sentido na Psicanálise

Lacan dizia, em 1949, que a loucura seria algo vivido inteiramente no registro do sentido
- definição feita a partir do delírio, que seria uma reconstituição do sentido perdido pelo
sujeito lá onde ocorreu uma dissolução imaginária do mundo. Para Freud, isso ocorria
quando o enfermo retira das pessoas e do mundo externo todo seu investimento
libidinal(de energia), fazendo com que tudo se torne indiferente e como se não houvesse
relação alguma com ele- o delirante, eis porque ele sente esta necessidade
urgente(tentativa de cura) de explicar para si o universo- aqui começa a elaboração do
delírio.

Esse trabalho de explicação do universo é o único meio pelo qual o sujeito pode voltar a
encontrar sentido pra sua vida. Sentido esse que está fora daquele entendido pela norma
simbólica do Complexo de Édipo, norma que rege a busca do sentido nos neuróticos,
ligada à sexualidade basicamente.

Os fenômenos de sentido se apóiam na função simbólica da linguagem e essa divisão


entre significante e significado é o que se usa pra tentar explicar a psicose pela ótica
lacaniana. Na neurose, a intervenção da funçao paterna e introjeção da consciência moral
e da "lei que proíbe o incesto" possibilita que o sujeito produza uma significação da
sexualidade(diferente de sexual, mais no sentido de energia, interesse) e seus
investimentos que o guiarão em seu desenvolvimento e suas buscas até a idade adulta.

Já na psicose, esse processo falha e o sujeito não consegue articular essa simbolização.
Então encontramos na psicose as construções produzidas por essa falha, o inconsciente
fica como a céu aberto e há prevalência do significante. Entre essas construções estão a
alucinação verbal(há o modelo do significante desprovido de significado, de sentido
inteligível pela sociedade) como os pássaros miraculados de Schreber que não conhecem
o sentido das palavras que enunciam; também os fenômenos da alusão, da perplexidade e
da intuição - formas que o sujeito tenta trazer de volta ao Real os significantes a que não
conseguiu atribuir significado, sentido, não conseguiu simbolizar. Seria o delírio, como
formação imaginária, que traria sentido(ainda que não entendido pela sociedade) aos
significantes que forçam sua volta ao Real.

"O sentido de um sintoma na neurose como na psicose não é um sentido comum - não há
senso comum para o sintoma - ele é sempre singular. Por isso a psicanálise é o avesso do
discurso do mestre que produz o senso comum, o sentido partilhado. A psicanálise deve
levar o sujeito a produzir seu proprio sentido que não é comum. Se o sentido é
imaginário, o imaginário não é pura imaginação, o imaginário dá consistência ao Real.
O imaginário dá o efeito de sentido exigido pelo discurso analítico: efeito real."(Quinet,
in: Teoria e Clínica da Psicose)

O sentido se opõe ao equívoco, pois é sempre unívoco, singular, caracteristica do


imaginário que detém a ambiguidade enigmatica do significante que retorna ao Real
através dos fenômenos psicóticos.

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III - O poder como o mal da humanidade

Foucault mostra a necessidade de uma interpretação sobre o lugar das ciências humanas
na modernidad, assinalando as transformações sofridas pelas soceidades modernas em
relação às precedentes. Focaliza a genealogia do poder, buscando conhecer suas origens,
que são místicas e se desdobram até chegarem ao fato. O poder não está presente só no
presidente, no professor, no Papa... está também na capilaridade entre homens e mulheres,
adultos e crianças... O poder é um exercício de vida que ocorre nas relações, uma via de
mão dupla que caminha junto com o social. O que constitui os indivíduos, gestos, desejos,
maneira de ser é um efeito do poder e, ao mesmo tempo, seu centro de transmissão.

Pensando o contexto das prisões no século XVIII, o enclausuramento do louco, como um


ato de poder e não de conhecimento, Foucault inaugura uma arqueologia do saber, enterra
a razão no solo da desrazão, dando voz ao silêncio conferido aos loucos.

Nas sociedades primitivas, o poder baseava-se na relação soberano-súdito, com controle


via proibição e punição. Nas mais modernas, a base está mais nos aspectos disciplinares,
agindo menos pela repressão e mais pelo instinto e estímulos.

A contemporaneidade valoriza o corpo e seus atos, contrapondo à valorização da terra e


seus produtos como antigamente. Enfatiza-se a estética do corpo como concepção de
poder. Este domina pela excitação, mais que pela proibição. É individualizante e
regulador do tempo, funciona na rede de dispositivos espalhados com a intenção de
produzir corpos úteis e dóceis. Usa os desejos individuais, incentivando e manipulando-o
visando a preservar a hierarquia do poder.

A genealogia está atrás das fontes e dos conhecimentos. O enclausuramento dos loucos
permitiu aos psiquiatras entender algo da loucura, produziu saber. O poder produz o
saber. Produzir conhecimento é ir ao encontro do desconhecido, do inexplorado.

Foucault considera a genealogia uma anti-ciência por propor construir não uma teoria
sistemática do poder, mas uma análise que permita uma política de resistência e luta
contra as formas hegemônicas de dominação. Aposta numa relação inelutável entre poder
e saber. A genealogia não contraria a ciência em si, mas sim a função social de exercício
de poder. Denuncia os saberes como peça de ação política e também produz saber, pois se
torna efeito de seu exercício. Sim, uma contradição, não há saber neutro, sempre é
político, inclusive o produzido pelo exercício da genealogia.

Não se pretende uma hegemonia teórica, a aposta está na eficácia das ofensivas locais e
descontínuas, como a luta anti-manicomial. É o reconhecimento do caráter histórico e
mutante dos sujeitos e do saber sobre os mesmos.

O universo psi funciona como produtor e modelador de um tipo de subjetivação próprio


da sociedade disciplinar, através de um discurso de verdade sobre a normalidade. O
indivíduo, o comportamento, o emocional, o psicológico, o inconsciente são objetos de
investigação e constituem o saber psi - um instrumento dócil para o exercício do poder
disciplinar. Isso é verificável constatando-se que os resultados alcançados fortalecem a

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demanda pelos especialistas muito mais que o aumento dos níveis de saúde mental da
população.
Foucault ensina que o saber não deve ser dissociado da política, pois não se pode
desconciderar os determinantes sociais, políticos, econômicos e culturais que atravessam
os saberes e as práticas do campo psi, assim como toda reforma e mudança pressupõe um
embate de forças, com ações e resistências.

Ciência Sabedoria

Saber em forma Saber disforme

Saber em letras Saber em atos

Saber provado Saber ousado

Saber elite Saber humilde

Saber fetiche Saber efetivo

Saber objetivo Saber subjetivo

Saber limite Saber palpite

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IV - Sobre as sociedades de controle

As sociedades disciplinares procedem à organização dos grandes meios de confinamento.


Estes visam concentrar, distribuir no espaço, ordenar no tempo e compor no espaço-
tempo uma força produtiva com efeito superior à soma das forças elementares.

Esse modelo sucede as sociedades de soberania, cujos objetivos eram mais do que
organizar a produção, decidiam sobre a morte mais do que geravam a vida. Eram
extremamente repressores. Napoleão marcou a transição de um modelo ao outro.

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade disciplinar encontrou uma forte crise
generalizada a todos os meios de confinamento, em que toda a agonia acarretou o
surgimento de um novo modelo de organização – as sociedades de controle, que designa
a sociedade atual.

Como exemplos, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os


hospitais-dia, o atendimento a domicílio puderam marcar de início novas liberdades,
porém também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais
duros confinamentos, o que merece já uma nova reflexão.

Os confinamentos são moldes, distintas moldagens, mas os controles são uma modulação,
como uma moldagem autodeformante que mudasse continuamente a cada instante. Numa
sociedade de controle, a empresa substituiu a fábrica e tornou-se a alma do sistema.

A situação de empresa pode ser adequadamente expressa através dos jogos de televisão
idiotas. A fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, sendo cada elemento vigiado;
e a massa coletiva formava sindicatos mobilizando a resistência. Já a empresa introduz
sempre uma rivalidade inexplicável como sã emulação, excelente motivação que
contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo.

Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar, enquanto nas de controle nunca
se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e
coexistentes de uma mesma modulação, como que de um deformador universal.

As sociedades disciplinares possuem dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo e o


número de matrícula que indica sua posição numa massa. Já nas sociedades de controle o
essencial é a cifra, uma senha, ao passo que as disciplinares são reguladas por palavras de
ordem. A linguagem numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à
informação ou à rejeição. O dinheiro exprime bem a distinção entre as duas sociedades,
vista que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro. A velha toupeira
monetária é o animal dos meios de confinamento, mas a serpente o é das sociedades de
controle. Este é mais esperto atualmente, sutil, embora não menos poderoso e perverso.

O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, enquanto o homem do


controle é mais ondulatório, que funciona num feixe contínuo. As antigas sociedades de
soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, etc. As sociedades
disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas. As sociedades de
controle operam por máquinas de informática, cujo perigo passivo é a interferência e o
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ativo à pirataria e introdução de vírus. Além de uma evolução tecnológica, é , mais
profundamente, uma mutação do capitalismo.

O serviço de vendas tornou-se o centro ou a “alma” da empresa. O marketing é o


instrumento de controle social, forma a raça impudente de nossos senhores. O controle é
de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a
disciplina era de longa duração, infinita, contudo o homem endividado.

A inaptidão dos sindicatos das sociedades disciplinares permite compreender a


progressiva implantação de um novo regime de dominação. Os sindicatos eram ligados
por toda sua história à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento. Será que
conseguirão adaptar-se ou ceder lugar a novas formas de resistência contra as sociedades
de controle no futuro próximo?

Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as
alegrias do marketing? Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os
buracos de uma toupeira. Cabe aos jovens se conscientizarem disso e escolherem a que
desejam servir e ao que desejam aspirar. É do que depende o futuro da sociedade.

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V - O caos do trabalho na sociedade do espetáculo

No inicio, o individuo preocupa-se com o salário (necessidade física), depois passa a ficar
focado para os cargos, status. Em qualquer organização há jogo de poder, o que determina
quem ganha o quê. É muito desagradável a situação de um empregado que sabe que ganha
mais e o outro que sabe que ganha menos. Afinal, como funciona a questão do salário na
instituição, como ele é inserido na empresa? Por que um indivíduo ganha X ou Y?

O que se diz ser atualmente a pós-modernidade, expressão até engraçada, como se a


velocidade tivesse chegado ao ponto de nos colocarmos numa sociedade do futuro (pós),
pois a modernidade se modernizou tanto que pediu um apelido pra se diferenciar. Pois é,
vivemos no futuro, sempre atrasados, milhões de informações a adquirir, “updates” de
“gadjets”, mulheres, carros, linguagem, bares, viagens e por aí continua…

O que significa modernidade? Bom, estar atrasado por se viver o presente em detrimento
da moda de se viver no “futuro” e estar sempre “updatado”? Talvez o apelido alta
modernidade seja um pouco mais coerente, não?!

Toda mercadoria sustenta-se por dois valores: o de uso e o de troca. O capital sustenta-se
pelo valor de troca, status, fetiche da sociedade. Por isso gera tanto mal-estar,
insegurança. O valor de uso é praticamente inexistente no mundo do capital. A força de
trabalho é vendida por um salário, que deve ser sustentado por um valor de mercado. O
cálculo ocorre pelo valor de troca, o dominante. Como isso tudo funciona?

Primeiro não se deve descartar todas essas mudanças profundas que vêm ocorrendo ou
correndo no trabalho, nas relações, sexualidade, família, subjetividade e demais
instituições vigentes.

Lembremos os principais processos de mudanças, tendências, realidades…

- Globalização da economia; a Era da Biologia; o triunfo do Indivíduo (este passa a ser o


valor supremo, acima de qualquer coisa); o Renascimento das Artes; a Liderança das
Mulheres; a Nova Sociedade de Serviços; a Nova Era do Lazer; o Envelhecimento da
População Ativa; a Década do Cérebro; o Nacionalismo…

Subversão de valores:

. 1 - Auto-realização, imediatismo

↑2 - Status, aparências, fetiches

↑3 - Função, resposta à Demanda Social

↑4 – Segurança - financeira, espacial

↑5 - Necessidades fisiológicas

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- O novo comportamento no ambiente; o fim da profissão; novas qualificações; exigência
de ampliação do conhecimento e informação; a necessidade de atualização permanente;
baixa da qualidade de vida com vistas à quantidade; busca incessante e exageradamente
ansiosa de aperfeiçoamento pessoal e conseqüente aumento do julgamento crítico e
cobranças por vezes de fazer tombar de tanto rir ou chorar…

Resultado? A produção do ser humano revolucionário, perdido no meio de tantas


instituições reacionárias. Isso tudo mexeu com o fundamento da economia, implicando
uma mudança radical na vida. Tudo se encontra pronto, porém caro, o consumo cresce
assim como a demanda social de novas qualificações, ampliação do conhecimento e
informação. O padrão de vida esperado é muito elevado, o povo não consegue pagar por
essa qualidade de vida. Assim, a economia torna-se volátil, movimenta demais, criando
toda a insegurança da perda da profissão, o imperativo de nunca poder cessar a
aprendizagem. Surge, consequentemente, o “famoso” stress, depressão, transtornos de
ansiedade, crises existenciais sobre qual o sentido da vida. As pessoas perdem qualidade
de vida e passa a buscar apoio na espiritualidade, no aperfeiçoamento pessoal ou se
refugiam no álcool, drogas, antigos hábitos nada construtivos…

A violência aumenta, assim também a população carcerária, a insegurança, a fragilidade e


desconfiança dos indivíduos em todas as relações humanas. Se o capital não tiver ética, o
resultado provável beira o fim do mundo. O que fazer com isso agora?

Muitas vezes o sujeito disciplina suas pulsões, energia, através da arte para se contemplar
o mundo naquilo que não há valor de capital, não se troca, porém o deixa próxima à
Natureza, a sua natureza humana de não ser perfeito, robô, da percepção de que por mais
que conquiste nunca atingirá o ideal imposto e introjetado pelas informações em torrentes
e falta de tempo pra parar, pensar, refletir, curtir a própria companhia, conhecê-la…
Pimp! Uau! Eu também sou gente, não trocaria este momento de paz e completude por
dinheiro ou emprego algum. O que fiz com minha vida? Deixei que pensassem por mim,
decidissem o que é o melhor porque a maioria o faz? Logo eu, que tanto critico a
sociedade, estou subsumido por ela e ensinando, cobrando assim dos meus filhos. Não,
não preciso de tanto, meus filhos nunca pediram brinquedos nas datas de festa e nem
assim… -Pai, o presente que eu escolhi foi ter você torcendo por mim no campeonato de
futebol da escolinha quinta depois da aula. Pode? Puxa, eu achava um pouco estranho
porque ele poderia pedir video-games ou o que quisesse, apenas disse claro, é “só” isso?

Hoje não se tem tempo para sentir de verdade a vida, a família, colocar de fato os sentidos
pra funcionar. Tudo gera em torno da mercadoria, insegurança, mal-estar. A mídia põe
medo nas pessoas o tempo todo. Não é mais sociedade industrial, agora é a sociedade de
serviços. Necessita-se trabalhar muito e ter boas férias. À medida em que parte da
sociedade enriquece, perde-se a habilidade social. A solidão domina. As faces estão mais
frágeis, desconfiadas até da própria sombra.

A criatividade, a imaginação, a vontade de mudar, inovar requer coragem, mas compensa


com a grande abertura que ficou para os poucos que aproveitam a pouca concorrência
nesse setor.

“O perigo que o homem moderno sofre é pensar sobre a modernidade.” (Giddens)

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Entendendo um pouco sobre o funcionamento da economia social que não se explica na
TV, porém se impõe sutilmente, podemos notar a importância e objetivo do que se chama,
atualmente, Desenvolvimento Organizacional(D.O.). No próximo!

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VI - Desenvolvimento Organizacional - (D.O.)

O Desenvolvimento Organizacional baseia-se no gerenciamento micro, estratégias macro


e sistema aberto. Flutuações aleatórias mudam o rumo das coisas. A empresa precisa estar
aberta ao seu planejamento de médio e longo prazo, mas não pode desconsiderar tais
flutuações.

A cultura organizacional, que é a coordenação das diferentes atividades, determina o


clima geral na empresa. A do tipo mecânica foca-se no indivíduo, uma hierarquia rígida e
rígida divisão do trabalho. A orgânica preza pela equipe, uma hierarquia flexível,
independência e responsabilidades compartilhadas e negociações. Para que haja mudança
na organização, é necessário o desenvolvimento de equipe e um projeto de sistema
matricial.

Com a mudança, torna-se possível a amplição do cargo, que muda conforme o projeto a
ser desenvolvido. O detalhamento dos cargos faz parte do perfil profissiográfico.

O D.O. possui como objetivos aumentar a confiança dos membros da equipe; confrontar
posição, pessoal, usar o conflito(como fonte de produção) para o desenvolvimento em
organização. Por exemplo: um bom gerente pode tornar um mau conflito em um bom
conflito(um conflito produtivo). A autoridade é sustentada pela sua habilidade, seu
conhecimento… Com a comunicação lateral(fofocas), a gerência tende a perder controle.
O sistema matricial propicia o clareamento da comunicação lateral(diminuindo as fofocas,
que são mecanismos neuróticos de angariar afeto, mostrar poder- que não têm - para
denegrir a imagem de alguém; aparecem como demonstração do sentimento de inveja,
projeção de inferioridade, baixa auto-estima e denuncia uma instituição imatura, fogueira
de vaidades).

O D.O. também visa à motivação, satisfação, responsabilidades compartilhadas, à sinergia


(proliferação de determinadas atitudes, potencialização de uma ação positiva). A idéia pra
montar o D.O. melhora a interação entre os grupos, entre os membros; propicia clareza de
sentimentos, uma visão sistêmica entre os indivíduos, equipes e organização.

Dicas de livros:
- “Entre o Cristal e a Fumaça”, Henry Atlan
- “Do caos à inteligência artificial”, epistemologia da ciência
- “Entre o buraco e o avestruz”, Luis Davi Castiel
- “Moléculas, moléstias e metáforas”, Luis Davi Castiel
- “A medida do possível - risco, saúde e tecnobiociência na pós-modernidade”, Luis
Davi Castiel

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VII - Psicanálise e Fracasso Escolar

A criança, antes de possuir uma mínima aptidão para a leitura e escrita, já possui uma
escritura em seu inconsciente. Esta referindo-se à inscrição de uma marca do impossível
de se saber, quando ocorre o recalque primário e é formado o Aparelho Psíquico. Essa
perda primordial, da possibilidade de se saber sobre tudo mostrará à criança o real da
falta, a castração, o Outro é castrado. O que importa na formação de sua personalidade é o
modo como ela vai encarar esse saber a menos, que, segundo Freud, gira em torno do
mistério da morte e do sexo.

O caráter da criança constitui-se como o efeito de como esse sujeito experimenta a


curiosidade sexual. Quanto mais indagações, melhor o prognóstico. Mesmo que nunca se
vá obter respostas completas, é interessante e saudável o perguntar. Freud descobriu que a
curiosidade sexual antecede a intelectual. Mas não pode ser satisfeita toda, gerando o
fracasso das investigações infantis. A maneira da criança lidar com esse fracasso,
aceitando-o ou recusando-o, influenciará em seu desejo subsequente de saber mais, de
conhecer. Há, portanto, estreita relação entre saber, desejo e conhecimento. “As perguntas
intermináveis das crianças são verdadeiros circunlóquios que vêm em substituição a uma
pergunta que a criança nunca faz.”(Freud)

Inibição, sintoma e sublimação correspondem às vicissitudes que a pulsão toma frente ao


fracasso nas investigações sexuais infantis.

Na inibição, o sujeito evita a angústia conscientemente não exercendo a função(no caso, a


função intelectual). Há uma restrição da função. Evita-se novas formas de recalcamento.
A criança mostra-se indiferente ao aprender, parece que não há desejo, não aprender não é
problema para ela. O acesso ao desejo não ocorre sem angústia. Na inibição o sujeito
evita angústia a todo custo, então parece não haver desejo. É uma defesa psíquica.

Já no sintoma, a função é exercida. A atividade intelectual existe, embora seja distorcida e


não livre. Há o retorno do recalcado, que é incosciente. A função é erogeneizada
inconscientemente. A representação emerge de forma distorcida através dos mecanismos
de deslocamento e condensação pelo processo primário. O sintoma corresponde a um
enigma, uma referência clara ao inconsciente. O conteúdo recalcado é associado à
atividade intelectual emergindo como um sintoma - por exemplo a compulsão por
pesquisa. Profissionais percebem, na clínica, que um sujeito com inibição quando começa
a suportar certa angústia produz sintoma. Este é o mais fácil de ser trabalhado, pois já há
certa aceitação de angústia, a qual é inevitável em qualquer aprendizagem.

A sublimação é a vicissitude mais saudável por não possuir qualidade neurótica. O sujeito
apenas desvia a curiosidade sexual para outra curiosidade (intelectual, artística,
atlética…). É a melhor saída para a pulsão.

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VIII - A constante mutação da civilização

À medida que a história da civilização avança, as formas de dominação vão se


transformando e se adaptando aos interesses e exigências de cada época. Mas o exercício
de poder nunca deixou de existir. Desde suas origens, as relações sociais já possuíam
contradições e conflitos de interesses.

A modernidade e o futuro próximo são caracterizados pela transição de uma forma de


dominação designada disciplinar para a dominação de controle, na qual a diferença básica
consiste na expansão do controle exercido sobre a população de sistemas fechados, como
as escolas, hospitais, empresas para um controle mais sutil e abrangente exercido sobre a
subjetividade, a interioridade de cada cidadção.

Na sociedade disciplinar, há uma supervalorização do trabalho, do esforço fatigante e da


superprodução. A filosofia de vida do trabalhador é estar sempre se superando e produzir
cada vez mais e melhor. Já a sociedade de controle privilegia a venda e a imagem dos
produtos, valoriza a produtividade independente e se foi preciso um grande ou pequeno
esforço para tal.

A empresa moderna percebeu que o domínio era mais eficiente a partir do incentivo às
pessoas fazerem o que desejam e que também seria interessante para a empresa, pois os
indivíduos são naturalmente ambiciosos e desejam ser produtivos, eficientes e, assim,
aprovados pelos demais.

A sociedade moderna investe no potencial humano, na inovação, no trabalhador


participativo, comunicativo e motivado a tomar iniciativas que lhe beneficiem e também à
empresa e à venda de seus produtos.

A subjetividade tornou-se um objeto de estudo, investimento e fonte de novos problemas


e doenças na sociedade, conforme os valores - que são subjetivos - e a autoridade - que
representa os limites que cada cidadão não deve ultrapassar - tornam-se cada vez menos
palpáveis e determinados e tudo começa a ser questionado. As opções de escolha das
pessoas aumentam , assim como os conflitos e responsabilidades relativas ao livre-
arbítrio.

As relações ficam mais complexas, os sexos quase se igualam quanto a direitos e deveres,
não se sabe mais qual papel é de quem e, assim, surgem também as psicopatologias da
modernidade, como a neurose da excelência, depressão, ansiedade, transtorno do pânico,
bulimia, anorexia…

O corpo humano possui um valor como nunca teve antes. Contraditoriamente, também é
objeto de agressão como nunca. A forma de dominação deixa de ser repressora e
proibitiva e passa a ser incitadora dos instintos - da ética do dever para a ética do desejo, a
mentalidade torna-se libertária, narcisista, competitiva ao extremo.

A importância da mídia é fundamental no exercício de poder contemporâneo. O sujeito é


cercado por todos os lados por propagandas, informações que quer e que não quer e fica
mais imperceptivelmente à mercê dessa “era da tecnologia”, pois é preciso aderi-la para
sobreviver na sociedade capitalista. Difícil é conseguir manter-se sujeito dono de si, com
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certo controle e consciência de seu tempo, espaço, de sua vida, sem se entregar de corpo e
alma a todas as exigências da cultura.

O filme “O show de Truman” - show da vida no qual o diretor produz um show 24 horas,
sendo o personagem principal alienado da verdadeira realidade de sua vida e submetido a
viver a história que lhe foi imposta sem ter consciência de que sua vida é um palco de
divertimento para o resto do mundo - é um bom exemplo desse controle sutil e bastante
sedutor dos meios de comunicação. O diretor manipula a curiosidade dos espectadores,
argumentando que Truman vive em um paraíso onde qualquer um gostaria de viver. No
fim do filme, Truman descobre a farsa e chega à porta que delimita o mundo externo e o
que o manteve trancado por todos os anos. É interessante notar que nessa hora o diretor
diz que conhece Truman mais do que ele próprio e sabe que Truman está com medo e que
não vai sair pela porta porque pertence àquele mundo. É aí que o personagem rompe a
relação de controle e mostra que, apesar de sua vida ter sido analisada pelo diretor o
tempo todo, ele é um sujeito com pensamento e idéias próprios e capaz de escolher o
caminho que deseja seguir.

A sociedade atual vive, portanto, um período de mudanças e instabilidades, marcado por


progressos notáveis assim como novos problemas. Cabe a cada sujeito não se deixar
encaixar em rotulações ou perspectivas muito pessimistas ou muito otimistas e lutar para
construir uma percepção real, porém não sem esperanças, da vida e poder aproveitar as
oportunidades de prazer que lhe são oferecidas, sempre considerando a natureza e o
contexto em que está inserido.

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IX - Metáfora Paterna e Metonímia do Desejo

Segundo Lacan, o ser humano não nasce sujeito. Quando nasce, é como um corpo
espedaçado, correspondendo esse período ao que Freud chamou de auto-erotismo, um
corpo regido por pulsões parciais não unificadas. Até que ocorre uma “nova ação
psíquica” (Freud), possibilitando a constituição do eu corporal como unidade.

O período em que ocorre essa nova ação psíquica Lacan chamou de Estádio do Espelho,
constituído por três etapas. Na primeira etapa, a criança percebe a imagem real de um
outro (a mãe), mas esta não é interiorizada. Na segunda etapa, a criança percebe a imagem
da mãe apenas como imagem, a mãe é irrealizada. Já na terceira etapa, que corresponde
ao primeiro tempo do Complexo de Édipo, ocorre a identificação à sua própria imagem,
uma identificação à mãe como imagem. Essa é a identificação primária. A mãe funciona
como um espelho para a criança, refletindo o que esta virá a ser. É uma relação
extremamente próxima e necessária, que determinará toda dependência moral e afetiva do
ser humano ao semelhante. O eu é, assim, formado como um precipitado de traços de
identificação com o outro. A imagem da mãe chega de forma invertida, como de um
espelho.

Contudo, essa relação simbiótica e fusional entre a mãe e o bebê precisa passar por um
corte, o que acontece no segundo tempo do Édipo. No primeiro tempo, a mãe endereça
seu desejo à criança e a toma como aquilo que lhe falta (o falo). O segundo tempo ocorre
com a intervenção da função paterna fazendo um corte no desejo da mãe, fazendo este se
endereçar para outro lugar que não a criança como falo. É através dessa operação que a
criança poderá sair da posição de ser ou não ser o falo para a dimensão do ter ou não ter o
falo, passando a buscar a identificação com quem supostamente tem o falo.

Todo desejo é suportado por uma falta, a qual é inserida no mundo da criança e
simbolizada a partir da intervenção da função paterna. Esta lança o sujeito na alienação
simbólica, porque fica ainda prisioneiro da palavra, da linguagem, que é comum a todos.
Enquanto o eu nasce no campo do outro semelhante, especular, imaginário, o sujeito
nasce no campo do Outro da linguagem, da função paterna, da Lei contra o incesto, que
ordena as relações sociais. O desejo é sempre desejo do Outro, pois o que o sujeito deseja
é determinado por sua relação com a função paterna. O sujeito é sempre marcado pelo
Outro. Surge aí um paradoxo: embora o sujeito seja determinado por algo fora dele, ele
precisa responsabilizar-se pelo seu desejo.

Lacan chama objeto a aquilo que causa o desejo. Esse objeto a é o que não está inscrito,
aquilo que fura, falta e não pode ser representado. É um resto pulsional e tem a ver com a
pulsão de morte. A falta jamais é toda preenchida, ficando o desejo para sempre
insatisfeito. O sujeito busca realizar esse desejo através do deslocamento metonímico na
demanda, na tentativa de satisfazê-lo. É a partir da falta que o sujeito faz sintoma. Chama-
se deslocamento metonímico porque o sujeito toma o objeto substitutivo como se fosse o
objeto original perdido, o qual jamais é encontrado todo. Uma parte do objeto de desejo é
tomado como se fosse o desejo todo.

Um paradigma do acesso ao registro simbólico é a brincadeira do fort-da explicitada por


Freud. Através dessa brincadeira, a criança faz uma renúncia pulsional, suportando as

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ausências da mãe e utiliza como recurso simbólico para lidar com a separação uma
encenação por ela mesma do aparecimento e retorno do carretel, este simbolizando a mãe.

Essa renúncia pulsional é fundamental para sua inserção na cultura social. A criança
precisa suportar o fato de que ela não é o falo da mãe, ou seja, não é o único e exclusivo
objeto do desejo da mãe. Poderia perguntar-se: por que a criança parece ter mais
satisfação do que angústia com a brincadeira? Afinal, a mãe está ausente. Porque a
criança sai da posição passiva para a posição de sujeito, ela passa a ter controle da
situação, podendo, assim, fazer a renúncia pulsional. A criança constrói um controle
simbólico do objeto.

O carretel é um substituto metafórico da mãe, possuindo como traço comum o fato de


estar presente ou ausente. É o Pai simbólico que nomeia a ausência da mãe (se a mãe não
está, é porque está com o pai). Tudo que dá notícia do corte da relação fusional com a
mãe é identificado ao Pai, aquele que inaugura a cadeia de significantes, a cadeia falada
da demanda, e também inaugura o inconsciente.

A demanda é a necessidade desnaturalizada pela interpretação. A dimensão da falta é


constitutiva do sujeito. Para ter representação, é preciso uma falta. É preciso que a coisa
se perca para poder ser representada. Assim,a palavra é a morte da coisa (Lacan). A
criança usa o significante da forma como pode representar algo. A palavra representa a
coisa e reapresenta a falta.

A partir da castração (a operação em que a função paterna corta o desejo da mãe), a


criança (agora mediada pela linguagem), passa do desejo de ser o falo para o desejo de ter
o falo. É o terceiro tempo do Édipo. O desejo tenta realizar-se no deslize pela cadeia
metonímica da demanda, buscando articulação nas substituições. É o objeto a ,
representante do objeto perdido para sempre que causa o desejo, que marca a falta relativa
à questão fálica.

Toda operação de linguagem é não toda, sempre falta algo. Como diz Guimarães Rosa,
muita coisa importante falta nome. E é essa falta primordial que vai estruturar o sujeito.

Os registros imaginário e simbólico são recursos para se lidar com a energia pulsional. O
que não é coberto nem pelo imaginário nem pelo simbólico é o real.

As demandas tentam nomear, à revelia do sujeito, o desejo original. Numa análise, não se
deve responder à demanda do sujeito, ou se estaria tamponando a falta.

Assim, é a metáfora paterna que constitui a estrutura do sujeito: na neurose por sua
incisão através do recalcamento; na psicose por sua forclusão; e na perversão por um
desmentido. O sujeito é, então, um “parlêtre”, como diz Lacan, um ser de linguagem.

Referência bibliográfica:

- DOR, J. Introdução à leitura de Lacan. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989

- QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997

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X - O adulto maduro para Allport

Allport dizia que “aquilo que dirige o comportamento, dirige agora”, não sendo
necessário conhecer a história do impulso para podermos compreender sua operação. Em
grande parte, o funcionamento desses traços é consciente e racional. O indivíduo normal
sabe por que faz e por que não faz as coisas. Seu comportamento ajusta-se a um padrão
congruente. Não é possível compreender o indivíduo sem uma visão de seus objetivos e
de suas aspirações. Seus motivos mais importantes não são ecos do passado, mas desafios
do futuro. Em muitos casos, sabe-se o que a pessoa fará se se conhecer seus planos
conscientes, mais do que suas memórias reprimidas.

Allport admite que esse quadro é idealizado. Nem todos os adultos alcançam a plena
maturidade. Há adultos cujas motivações conservam traços infantis. Nem todos os adultos
parecem guiar seu comportamento em termos de princípios claros e racionais. Contudo,
se sabemos até onde eles evitam a motivação inconsciente e até que ponto seus traços são
independentes das origens infantis, temos a medida de sua normalidade e de sua
maturidade. Somente em indivíduos seriamente perturbados encontraremos adultos
agindo sem saber por que, cujo comportamento está mais intimamente ligado a ocorrência
da infância do que a acontecimentos do presente ou do futuro.

Em contraste com a maior parte dos teóricos da personalidade, cujo interesse


predominante se volta para o lado negativo do ajustamento, Allport leva em conta as
qualidades que determinam um ajustamento mais do que simplesmente “normal” ou
“adequado”. A personalidade madura deve ter, acima de tudo, uma extensão do self, isto
é, sua vida não deve estar estreitamente ligada a atividades relacionadas com suas
necessidades imediatas e com seus deveres. Tal personalidade deve ser capaz de
envolver-se em uuma ampla variedade de atividades. Suas satisfações e frustrações
devem ser muitas e diversas em vez de poucas e estereotipadas. Uma parte importante
dessa extensão do self envolve projeção no futuro - planejamento, perspectiva.

Para alcançar a maturidade, o indivíduo deve também possuir auto-objetivação. Allport


acredita que existem dois principais componentes desse atrivuto, humor e discernimento.
O discernimento refere-se à capacidade do indivíduo para compreender-se, embora não se
conheça um padrão adequado com o qual possam ser comparadas as opiniões do
indivíduo. O senso de humor inclui não apenas a capacidade para ter alegria e prazer nos
momentos próprios, como também a habilidade para manter relações positivas consigo
mesmo e com os objetos amados e, ao mesmo tempo, descobrir as incongruências e os
absurdos a eles relacionados.

A maturidade implica a posse de uma filosofia de vida. Embora o indivíduo deva ser
capaz de objetividade e ainda capaz de tirar proveito das ocorrências de sua vida, ele
deverá manter uma linha de completa seriedade, que dê propósito e significado a tudo
quanto faça. A religião representa uma das fontes mais importantes de filosofias
unificadoras, mas não a única.

Análise crítica:

Allport representa um dos poucos teóricos que provê uma ligação efetiva entre psicologia
acadêmica e suas tradições e o campo da psicologia clínica e da personalidade. Essa
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continuidade enriquece as subdisciplinas e ajuda a manter a continuidade intelectual no
desenvolvimento da psicologia. Allport adverte que o passado não explica tudo a respeito
do indivíduo, pois a psicanálise ou o clínico muitas vezes esquecem a importância dos
determinantes do momento e dos que hão de vir, em favor da determinação histórica. Por
outro lado, a teoria de Allport não é adequadamente formal para permitir a comprovoção
empírica de proposições. A teoria presta-se mais à tentativa de explicar as relações
conhecidas do que a predizer ocorrências não observadas. É falha como recurso formal
para produzir pesquisas. Allport volta-se inteiramente para o lado psicológico, para o
inter-relacionamento de todo o comportamento, porém não reconhece o inter-
relacionamento do comportamento e da situação ambiental na qual opera o
comportamento. Allport atribui muita importância ao que ocorre dentro do organismo e
dispensa pouca atenção ao impacto sedutor e coercitivo das forças externas. Faltou-lhe
uma visão mais ampla no sentido antropológico e sociológico para melhor situar sua
teoria na realidade.

Bibliografia:

- G. Allport. A personalidade madura. In: Personalidade. p.345-385. ed. E.P.U. e EDUSP.


SP. 1961

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