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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA TERCEIRA SEMANA.

SEGUNDA-FEIRA

94. ESTENDE A TUA MÃO


– O Senhor não pede coisas impossíveis. Dá-nos a graça para sermos santos.

– Lutar no pouco, naquilo que está ao nosso alcance, no que nos aconselham na direcção
espiritual.

– Docilidade ao que o Senhor nos pede cada dia.

I. JESUS ENTROU NUM SÁBADO na sinagoga, onde havia um


homem que tinha a mão seca. São Lucas especifica que era a
direita1. E os escribas e os fariseus tinham os olhos postos n’Ele
para ver se curava em dia de sábado. A interpretação farisaica
da Lei só permitia aplicar remédios médicos nesse dia dedicado
ao Senhor se houvesse perigo de morte; e não era esse o caso
daquele homem, que fora à sinagoga com a esperança posta em
Jesus.

O Senhor, que conhecia bem os pensamentos e as intrigas


daqueles que amavam mais a letra da Lei do que o Senhor da
Lei, disse ao homem da mão seca: Levanta- te e põe- te no meio.
Ele, levantando- se, pôs- se no meio. E Jesus, percorrendo com o
olhar todos os que estavam à sua volta, disse ao homem:
Estende a tua mão. E esse homem, apesar das suas
experiências anteriores, esforçou-se por fazer o que o Senhor
lhe dizia, e a sua mão ficou sã. Curou-se graças à força divina
das palavras de Cristo, mas também pela sua docilidade em
levar a cabo o esforço que lhe era pedido.

Assim são os milagres da graça: perante defeitos que nos


parecem insuperáveis ou perante objectivos apostólicos que se
nos afiguram excessivamente ambiciosos ou difíceis, o Senhor
pede essa mesma atitude: confiança n’Ele, manifestada em
fazer o que está ao nosso alcance e o que o Mestre nos insinua
na intimidade da oração ou por meio dos conselhos recebidos
na direcção espiritual.

Alguns Padres da Igreja viram nas palavras do Senhor:


“Estende a tua mão”, uma chamada à prática das virtudes.
“Estende-a muitas vezes – comenta Santo Ambrósio –,
favorecendo o teu próximo; defende de qualquer injúria os que
vejas sofrer sob o peso da calúnia, estende também a tua mão
ao pobre que te pede; estende-a ao Senhor, pedindo-lhe o perdão
dos teus pecados: é assim que se deve estender a mão, e é
assim que ela fica curada”2, isto é, realizando pequenos actos
daquelas virtudes que desejamos adquirir, dando pequenos
passos em direcção às metas que queremos atingir. Se não nos
faltar empenho, a graça realizará maravilhas com esses
esforços que parecem valer pouco. As virtudes forjam-se nas
situações do dia-a-dia, a santidade lavra-se pela fidelidade em
acções que de per si seriam irrelevantes, se não estivessem
continuamente vivificadas pela graça.

“Cada dia um pouco mais – como se se tratasse de talhar uma


pedra ou uma madeira –, é preciso ir limando asperezas, tirando
defeitos da nossa vida pessoal, com espírito de penitência, com
pequenas mortificações [...]. Depois, Jesus Cristo vai
completando o que falta”3. É Ele quem realmente realiza a obra
da santidade e quem move as almas, mas quer contar com a
nossa colaboração, pela obediência ao que nos indica, ainda
que pareça insignificante, como estender a mão. O nosso poder
está no que é pequeno.

II. A TIBIEZA faz com que pareçam irrealizáveis os menores


esforços: de um grão de areia faz uma montanha. O tíbio pensa
que, ainda que seja o Senhor quem lhe pede para estender a
mão, ele não pode fazê-lo. E, consequentemente, não a
estende... e não se cura. Acostuma-se à sua mediania,
convivendo com ela como se não houvesse outros horizontes
que o da sua mão seca.

Pelo contrário, o amor não se conforma com as limitações


pessoais, e, apoiado na graça, vai limando os defeitos e forjando
as virtudes. Uma gota de água permeia pouco a pouco a pedra e
acaba por perfurá-la, a chuva miúda fecunda a terra sedenta, e
assim também as boas obras repetidas criam o bom hábito, a
virtude sólida, conservam-na e aumentam-na4. A caridade em
acção impele a traduzi-la no esforço constante por mexer a
mão, numa “fisioterapia” talvez demorada, mas em que se
persevera porque continua a ecoar nos ouvidos a ordem do
Senhor: Estende a tua mão.

Há uma condição indispensável para essa perseverança no


exercício a longo prazo: querer. Lutar por vencer os defeitos, por
adquirir virtudes que nos são muito necessárias, é querer lutar,
ao menos ter desejos de querer lutar, em movimentos mínimos
da vontade que pouco a pouco darão lugar a outros de maior
amplitude. Por isso as personalidades fracas definham não só
humanamente, mas também no terreno da luta espiritual, que
aliás comanda o resto da vida.

“Vontade. É uma característica muito importante. Não


desprezes as pequenas coisas, porque, através do contínuo
exercício de negar e te negares a ti próprio nessas coisas – que
nunca são futilidades nem ninharias –, fortalecerás, virilizarás,
com a graça de Deus, a tua vontade, para seres, em primeiro
lugar, inteiro senhor de ti mesmo.

“E depois, guia, chefe, líder! – que prendas, que empurres, que


arrastes, com o teu exemplo e com a tua palavra e com a tua
ciência e com o teu império”5.

“Dizes que sim, que queres. – Está bem.

“– Mas... queres como um avaro quer o seu ouro, como uma


mãe quer ao seu filho, como um ambicioso quer as honras, ou
como um pobre sensual quer o seu prazer?

“– Não? Então não queres”6.

III. AQUELE HOMEM da mão tolhida foi dócil às palavras de


Jesus: pôs-se no meio de todos e depois estendeu a mão, tal
como o Senhor lhe havia pedido. A acção do Espírito Santo na
intimidade da alma sugere continuamente esses pequenos
esforços que nos ajudam eficazmente a preparar-nos para novas
graças, numa cadeia ininterrupta. Quando um cristão se esforça
por todos os meios por secundar essas sugestões para que as
virtudes se desenvolvam na sua vida – afastando-se das
ocasiões de pecar, tirando os obstáculos, abafando
decididamente uma tentação ainda nos começos –, Deus
envia-lhe novas ajudas para fortalecer essas virtudes
incipientes e oferece-lhe os dons do Espírito Santo, que
aperfeiçoam esses hábitos formados pela graça.

O Senhor quer ver-nos sempre animados de desejos eficazes e


concretos de ser santos; na vida interior, não bastam as ideias
gerais e os propósitos vagos. A docilidade à voz do Senhor não é
simples boa vontade sentimental e fugaz, mas um tecido
maravilhoso de pequenas obras de correspondência.

“Viste como levantaram aquele edifício de grandeza


imponente? – Um tijolo, e outro. Milhares. Mas, um a um. – E
sacos de cimento, um a um. E blocos de pedra, que são bem
pouco ante a mole do conjunto. – E pedaços de ferro. – E
operários trabalhando, dia a dia, as mesmas horas...

“Viste como levantaram aquele edifício de grandeza


imponente?... À força de pequenas coisas!”7

Quando se fala ou se escreve sobre santidade, é freqüente


sublinhar alguns aspectos chamativos: as grandes provas, as
circunstâncias extraordinárias, o martírio; como se a vida cristã
vivida com todas as suas consequências consistisse
forçosamente nesses momentos episódicos e fosse tarefa
destinada apenas a personalidades de envergadura excepcional;
e como se o Senhor se conformasse, no caso da maioria das
pessoas, com uma vida cristã de segunda classe. Nós, pelo
contrário, temos de meditar profundamente que o Senhor nos
chama a todos à santidade: a todos os que não teremos o nosso
nome inscrito no livro de ouro da história8: chama a mãe de
família aflita porque mal tem tempo para arrumar a casa, chama
o empresário, o estudante, o carteiro, o funcionário público de
uma repartição de bairro, o homem que cuida de uma banca de
verduras. O Espírito Santo diz-nos a todos: Esta é a vontade de
Deus, a vossa santificação9. E trata-se de uma vontade eficaz,
porque Deus conta com todas as circunstâncias pelas quais vai
passar uma vida, por mais modesta que seja, e dá a todos as
graças necessárias para se comportarem santamente.

“Exemplo sublime para todos nós desta docilidade é a


Santíssima Virgem, Maria de Nazaré, que pronunciou o “faça-se”
da sua disponibilidade total aos desígnios de Deus, de modo que
o Espírito Santo pôde começar n’Ela a realização concreta do
plano de salvação”10. Pedimos hoje à nossa Mãe Santa Maria
que nos ajude a ser cada vez mais dóceis ao Espírito Santo,
crescendo nas virtudes pela luta enérgica nas pequenas metas
de cada dia.

(1) Lc 6, 6-11; (2) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São Lucas; (3)
Josemaría Escrivá, Forja, n. 403; (4) cfr. R. Garrigou-Lagrange, Las tres
edades de la vida interior, vol. I, pág. 532; (5) Josemaría Escrivá, Caminho, n.
19; (6) ib., n. 316; (7) ib., n. 823; (8) cfr. Josemaría Escrivá, É Cristo que passa,
n. 174; (9) 1 Tess 4, 3; (10) João Paulo II, Alocução, 30-V-1981.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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