Você está na página 1de 15

Proclamação da República Portuguesa foi o resultado da Revolução de 5

de Outubro de 1910 que naquela data pôs termo à monarquia em Portugal.

Antecedentes

O movimento revolucionário de 5 de Outubro de 1910 deu-se em natural


sequência da acção doutrinária e política que, desde a criação do Partido
Republicano, em 1876, vinha sendo desenvolvida por este partido, cujo
objectivo primário cedo foi o da simples substituição do regime.

Ao fazer depender o renascimento nacional do fim da monarquia o Partido


Republicano punha a questão do regime acima de qualquer outra. Ao
canalizar toda a sua acção política para esse objectivo o partido simplificava
grandemente o seu fim último, pois obtinha ao mesmo tempo três
resultados: demarcava-se do Partido Socialista, que defendia a colaboração
com o regime em troca de regalias para a classe operária; polarizava em
torno de si a simpatia de todos os descontentes; e adquiria uma maior
coesão interna, esbatendo quaisquer divergências ideológicas entre os seus
membros.

Por isto, as divergências dentro do partido residiam mais em questões de


estratégia política do que de ideologia. O rumo ideológico do republicanismo
português já fora traçado muito antes, com as obras de José Félix
Henriques Nogueira, e pouco se foi alterando ao longo dos anos, excepto em
termos de adaptação posterior às realidades do país. Para isso contribuíram
as obras de Teófilo Braga, que tentou concretizar as ideias
descentralizadoras e federalistas, abandonando o carácter socialista em
prol dos aspectos democráticos. Esta mudança visava também não
antagonizar a pequena e média burguesia, que se tornaria uma das principais
bases de militância republicana. No entanto, o abandono dos interesses do
proletariado acabaria por trazer muitos dissabores e dificuldades á
Primeira República Portuguesa.

Esta operação tinha também como finalidade fazer do derrube da


monarquia uma mística messiânica, unificadora, nacional e acima de classes.
Esta panaceia que deveria curar de uma vez todos os males da Nação,
reconduzindo-a à glória, foi acentuando cada vez mais duas vertentes
fundamentais: o nacionalismo e o colonialismo. Desta combinação resultou o
abandono do Iberismo patente nas primeiras teses republicanas de José
Félix Henriques Nogueira, identificando-se monárquicos e monarquia com
antipatriotismo e cedência aos interesses estrangeiros. Outro componente
muito forte da ideologia republicana era o anticlericalismo, devido à
teorização de Teófilo Braga, que identificou religião com atraso científico e
força de oposição ao progresso, em oposição aos republicanos, vanguarda
identificada com ciência e progresso. Também este dissociar dos sectores
mais conservadores da população viria a ser um grave entrave à República.

As questões ideológicas não eram portanto fundamentais na estratégia dos


republicanos: para a maioria dos seus simpatizantes, que nem sequer
conheciam os textos dos principais manifestos, bastava ser contra a
monarquia, contra a Igreja e contra a corrupção política dos partidos
tradicionais. Esta falta de preocupação ideológica não quer dizer que o
partido não se preocupasse com a divulgação dos seus princípios. Em
Outubro de 1910 existiam 167 associações de caracteres vários filiadas no
PRP. A acção mais divulgadora, no entanto, era a propaganda feita através
dos seus jornais e na organização de manifestações populares, comícios, etc.

A propaganda republicana foi sabendo tirar partido de alguns factos


históricos de repercussão popular: as comemorações do terceiro centenário
da morte de Camões, em 1880, e o Ultimatum inglês, em 1890, foram
aproveitados pelos defensores das doutrinas republicanas que se
identificaram com os sentimentos nacionais e aspirações populares.

O terceiro centenário da morte de Camões, foi comemorado com actos


significativos — como o cortejo cívico que percorreu as ruas de Lisboa, no
meio de grande entusiasmo popular e, também, a transladação dos restos
mortais de Camões e Vasco da Gama para o Panteão Nacional. As luminárias
e o ar de festa nacional que caracterizaram essas comemorações
complementaram esse quadro de exaltação patriótica. Partira a ideia das
comemorações camonianas da Sociedade de Geografia de Lisboa, mas a
execução coube a uma comissão de representantes da Imprensa de Lisboa,
constituída pelo Visconde de Jorumenha, por Teófilo Braga, Ramalho
Ortigão, Batalha Reis, Magalhães Lima e Pinheiro Chagas. E o Partido
Republicano, ao qual pertenciam as figuras mais representativas da
Comissão Executiva das comemorações do tricentenário camoniano, ganhou
grande popularidade.

Mesmo toda esta visibilidade era considerada insuficiente pelo sector mais
revolucionário do partido, que defendia a luta armada para tomar o poder a
curto prazo. Foi esta facção que saiu vitoriosa do Congresso do Partido em
Setúbal em Abril de 1909. O novo directório, composto pelos nomes menos
radicais (Teófilo Braga, Basílio Teles, Eusébio Leão, Cupertino Ribeiro e
José Relvas) recebeu do congresso o mandato imperativo de fazer a
revolução. Os nomes mais radicais ficaram encarregues das funções
logísticas na preparação da revolução. O comité civil era formado por
Afonso Costa, João Chagas e António José de Almeida. À frente do comité
militar ficou o almirante Cândido dos Reis.

António José de Almeida ficou encarregue da organização das sociedades


secretas, como a Carbonária, em cuja chefia se integrava o comissário naval
António Maria Machado Santos, a Maçonaria, embora esta independente dos
órgãos do partido, e “Junta Liberal”, dirigida pelo Dr. Miguel Bombarda. A
este eminente médico se ficou a dever uma importante acção de propaganda
republicana sobre o meio burguês, que produziu muitos simpatizantes.

As forças armadas foram outro campo de recrutamento para os ideais


republicanos, inevitável dada a orientação revolucionária escolhida. Embora
já existisse um núcleo republicano, quando em 1909 se começou a preparar a
revolução a curto prazo, havia falta de oficias no movimento. Esta falta foi
suprida por acção conjunta da Maçonaria, do almirante Cândido dos Reis no
Comité Militar Republicano (que recrutou a maior parte dos oficiais) e de
Machado dos Santos na Carbonária.

O período entre o congresso e a eclosão da revolução foi muito instável, com


várias ameaças de sublevação e grande agitação social, e a revolução várias
vezes esteve em risco devido à impaciência do pessoal da marinha, chefiado
por Machado Santos, que estava disposto a todos os riscos. Apesar de toda
a agitação republicana o governo pouco se preparou, mesmo com a
consciência de que o perigo era bem real. A rainha D.ª Amélia teve
consciência do largo apoio que os republicanos congregavam: “As suas
demonstrações de força nas ruas de Lisboa – por exemplo, a de 2 de Agosto
de 1909, que reuniu cinquenta mil pessoas, numa disciplina impressionante –
fazem eco aos tumultos organizados na Assembleia por alguns deputados
republicanos. Foi na noite desse dia 2 de Agosto que compreendi que a coroa
estava em jogo: quando o rei, com razão ou sem ela, é contestado ou
rejeitado por uma parte da opinião, deixa de conseguir cumprir o seu papel
unificador.”[1]

A revolta

A 5 de Outubro de 1910 estalou a revolta republicana que já se avizinhava


no contexto da instabilidade política. Embora muitos envolvidos se tenham
esquivado à participação — chegando mesmo a parecer que a revolta tinha
falhado — esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do
Governo, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de
duzentos revolucionários que na Rotunda resistiam de armas na mão.

Dia 4 de Outubro, movimentos dos revolucionários

No verão de 1910 Lisboa fervilhava de boatos e várias vezes foi o


Presidente do Conselho de Ministros (o Primeiro Ministro) Teixeira de
Sousa, avisado de golpes eminentes. A revolução não foi excepção: o golpe
era esperado pelo governo, que a 3 de Outubro deu ordem para que todas as
tropas da guarnição da cidade ficassem de prevenção. Após o jantar
oferecido em honra de D. Manuel II pelo presidente brasileiro Hermes da
Fonseca, então em visita de estado a Portugal, o monarca recolheu-se ao
Paço das Necessidades enquanto seu tio e herdeiro jurado da coroa, o
infante D. Afonso, seguia para a Cidadela de Cascais, pois o perigo eminente
não aconselhava que estivessem os dois na mesma localização.

Duas notícias precipitaram a revolução: o assassinato de Miguel Bombarda,


baleado por um dos seus pacientes, e a informação de que os navios
fundeados no Tejo iriam sair a dia 4.

Os chefes republicanos reuniram-se de urgência na noite de dia 3. Alguns


oficiais foram contra, dada a prevenção das forças militares, mas o
Almirante Cândido dos Reis insistiu para que se continuasse, sendo-lhe
atribuída a frase: “A Revolução não será adiada: sigam-me, se quiserem.
Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu.” .”[2] Machado
dos Santos já havia passado à acção e nem esteve na reunião. Este dirigiu-se
ao aquartelamento do Regimento de Infantaria 16, onde um cabo
revolucionário provocara o levantamento da maior parte da guarnição: um
comandante e um capitão que se tentaram opor foram mortos a tiro.
Entrando no quartel com umas dezenas de carbonários, o comissário naval
seguiu depois com cerca de 100 praças para o regimento de Artilharia 1,
onde o capitão Afonso Palla e alguns sargentos, introduzindo alguns civis no
quartel, já haviam tomado a secretaria, prendendo os oficiais que se
recusaram a aderir. Com a chegada de Machado Santos formaram-se duas
colunas, que ficaram sob o comando dos capitães Sá Cardoso e Palla. O
primeiro marchou de encontro aos regimentos Infantaria 2 e Caçadores 2,
que deviam também estar sublevados, para seguir para Alcântara onde
deveriam apoiar o quartel de marinheiros. No caminho, cruzou-se com um
destacamento da Guarda municipal pelo que procuraram outro caminho.
Depois de alguns confrontos com a polícia e civis a coluna encontrou-se com
a coluna comandada por Palla e avançaram para a Rotunda, onde se
entrincheiraram cerca das 5 horas da manhã. Compunha-se a força aí
estacionada de 200 a 300 praças do Regimento de Artilharia 1, 50 a 60
praças de Infantaria 16 e cerca de 200 populares. Os capitães Sá Cardoso e
Palla e o comissário naval Machado dos Santos, estavam entre os 9 oficiais
no comando.
Entretanto, o Tenente Ladislau Parreira e alguns oficias e civis
introduziram-se no Quartel do Corpo de Marinheiros de Alcântara a uma
hora da madrugada e conseguiram armar-se, sublevar a guarnição e
aprisionar os comandantes, tendo um destes ficado ferido. Pretendia-se
com esta acção impedir a saída do esquadrão de cavalaria da Guarda
Municipal, o que foi conseguido. Para isto era necessário no entanto o apoio,
em armas e homens, dos 3 navios de guerra ancorados no Tejo. Nestes o
Tenente Mendes Cabeçadas havia tomado o comando da tripulação
sublevada do “Adamastor”, enquanto a tripulação revoltada do “São Rafael”
esperava um oficial para a comandar.

Pelas 7 da manhã Ladislau Parreira, sendo informado por populares da


situação, despachou o segundo-tenente Tito de Morais para tomar o
comando do “São Rafael”, com ordens para que ambos os navios reforçassem
a guarnição do quartel. Quando se soube que no “D. Carlos I” a tripulação se
encontrava sublevada mas os oficiais se haviam entrincheirado, saíram do
“São Rafael” o tenente Carlos da Maia com alguns marinheiros e civis. Após
algum tiroteio, de que resultaram feridos o comandante do navio e um
tenente, os oficiais renderam-se ficando o “D. Carlos I” na mão dos
republicanos.

Foi a última unidade a juntar-se aos revoltosos que contava assim com parte
do regimento de Artilharia 16 e de Artilharia 1, o Corpo de marinheiros e os
três navios citados. A marinha aderira em massa como esperado, mas muitos
dos quartéis considerados simpatizantes não. Assim, os republicanos,
somavam cerca de 400 homens na Rotunda, mas cerca de 1000 a 1500 em
Alcântara, contando com as tripulações dos navios, além de se terem
conseguido apoderar da Artilharia da cidade, com a maioria das munições, ao
que juntava a artilharia dos navios. Estavam ocupadas a Rotunda e
Alcântara, mas a revolução ainda não estava decidida e os principais
dirigentes ainda não haviam aparecido.

Mesmo assim a princípio os acontecimentos não decorreram a favor dos


revoltosos. O sinal de três tiros de canhão que deveria ser o aviso para civis
e militares avançarem não resultou. Apenas um tiro foi ouvido e o Almirante
Cândido dos Reis, que esperava o sinal para tomar o comando dos navios e
informado por oficiais que tudo falhara, retirou-se para casa da irmã. Ao
amanhecer seria encontrado morto numa azinhaga em Arroios. Desesperado
suicidara-se com um tiro na cabeça. Entretanto, na Rotunda, o aparente
sossego da cidade desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais
acharam melhor desistir. Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais retiraram-se
para suas casas, mas Machado dos Santos ficou e assumiu o comando. Esta
decisão seria fundamental para o sucesso da revolução.

Dia 4 de Outubro, as forças do governo

A guarnição militar de Lisboa era constituída por quatro regimentos de


infantaria, dois de cavalaria e dois batalhões de caçadores, com um total
teórico de 6.982 efectivos. Mas na prática, com os destacamentos militares
colocados em funções de vigia e policiamento, nomeadamente nas fábricas
do Barreiro devido ao surto grevista e à agitação sindicalista que se
verificava desde Setembro, esse número estava reduzido a cerca de 3000.
A estes devem juntar-se ainda cerca de 3.000 efectivos policiais. No
entanto a eficiência destes era reduzida, não só pela presença entre os seus
números de uma quantidade desconhecida de simpatizantes republicanos,
como pelo facto de a maioria dos praças não ter mais do que um ano de
preparação militar dado o recente licenciamento.

Já desde o ano anterior que as forças governamentais dispunham de um


plano de acção, elaborado por ordem do comandante militar de Lisboa,
General Manuel Rafael Gorjão Henriques. Quando no fim da tarde de dia 3 o
presidente do Conselho (Primeiro Ministro) Teixeira de Sousa o informou da
eminência da revolução, foi logo dada ordem de prevenção às guarnições na
cidade e chamadas de Santarém as unidades Artilharia 3 e Caçadores 6, e
de Tomar Infantaria 15.

Assim que houve notícia do começo da revolta o plano foi posto em acção: os
regimentos de Infantaria 1, Infantaria 2, Caçadores 2 e Cavalaria 2, mais a
Bateria de Queluz, seguiram para o Paço das Necessidades para proteger a
pessoa do Rei, enquanto Infantaria 5 e Caçadores 5 marcharam para o
Rossio, com a missão de proteger o Quartel-general. Ao primeiro grupo
juntar-se-ia uma companhia e um esquadrão da guarda municipal e ao
segundo o Regimento de Cavalaria 4, muito desfalcado pelas deserções
ocorridas aquando de uma escaramuça em Alcântara. Quanto às forças
policiais a guarda Municipal foi, de acordo com o plano, distribuída pela
cidade para proteger pontos estratégicos como a estação de Rossio, a
Fábrica de Gás, a Casa da Moeda, a estação dos Correios no Rossio, o seu
quartel no Carmo, o depósito de munições de Beirolas e a casa do Presidente
do Conselho enquanto lá esteve reunido o governo. Da guarda-fiscal (total
de 1.397 efectivos) há poucas informações, apenas que alguns soldados
estiveram com as tropas no Rossio. A Polícia Civil (total de efectivos 1.200)
ficou nas esquadras. Esta inacção retira portanto cerca de 2.600 efectivos
às forças do governo.

Dia 4 de Outubro, combates

Os factos combinados de que do lado monárquico terem alinhado algumas


unidades cujas simpatias estavam com os republicanos (de tal maneira que
estes esperavam que se tivessem também sublevado) e do lado dos
revoltosos o plano original de acção havia sido abandonado pelo
entrincheiramento na Rotunda e em Alcântara, levou a que durante todo o
dia 4 a situação se mantivesse num impasse, correndo pela cidade os mais
variados boatos acerca de vitórias e derrotas. No final a maior parte da
movimentação militar coube à Bateria Móvel de Queluz.

Assim que se teve notícia da concentração de revoltosos na Rotunda o


comando militar da cidade organizou um destacamento para a atacar.
Formavam essa coluna, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque,
unidades retiradas da protecção do Palácio das Necessidades: Infantaria 2,
Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última fazia parte o herói
das guerras coloniais, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, que não fora
avisado com antecedência e só por volta das onze da manhã se juntou à sua
unidade, em Sete Rios. A coluna continuou a avançar até perto da
Penitenciária onde assumiu posições de combate. Antes de estas estarem
concluídas, no entanto, foram atacados por revoltosos. O ataque foi repelido
mas a custo de alguns feridos, vários animais de carga mortos e da
debandada de cerca de metade da infantaria. Paiva Couceiro respondeu ao
fogo com os canhões e a infantaria que restava, cerca de 50 homens,
durante três quartos de hora até que lhe pareceu que o inimigo vacilava.
Ordenou então um ataque que foi levado a cabo por cerca de 30 soldados,
mas que foi repelido com algumas baixas. Continuando com o fogo durante
mais algum tempo, ordenou novo ataque mas os soldados hesitaram e apenas
conseguiu que cerca de 20 praças o acompanhassem. Achando ter chegado o
momento ideal para o assalto ao quartel de Artilharia 1, Paiva Couceiro pediu
reforços ao comando da divisão apenas para receber a desconcertante
ordem, do general Carvalhal, para retirar para Sete Rios ao que obedeceu.
Entretanto havia-se formado uma coluna com o propósito de atacar
simultaneamente os revoltosos na Rotunda. Tal não só não ocorreu como foi
dada a Paiva Couceiro a ordem de retirar e a coluna chegou ao Rossio, ao fim
da tarde, sem sequer ter combatido. Tal inacção não se deveu a qualquer
incompetência do seu comandante, o general António Carvalhal, pois como
ficou provado no dia seguinte ao ser nomeado chefe da Divisão Militar pelo
governo republicano, as suas lealdades eram outras.

Os reforços da província, esperados pelo governo ao longo de todo o dia 4,


nunca chegaram. Apenas as unidades já mencionadas e chamadas aquando
das medidas preventivas é que receberam as ordens de marcha. Desde o
início da revolução que os carbonários tinham desligado os fios telegráficos
impedindo assim as mensagens de chegarem às unidades da província. Além
disso, na posse de informação acerca das unidades alertadas, os
revolucionários tinham cortado as linhas férreas pelo que, obrigadas a
marchar, estas nunca chegariam a tempo. Da margem Sul, mais próxima,
também era impossível a chegada de reforços visto que os navios revoltosos
dominavam o rio.

Ao final do dia a situação era difícil para as forças monárquicas: os navios


sublevados tinham estacionado junto ao Terreiro do Paço e o “São Rafael”
fez fogo sobre os edifícios dos ministérios, perante o olhar atónito do
corpo diplomático brasileiro, a bordo do couraçado “São Paulo” no qual
viajava o Presidente Hermes da Fonseca. Este bombardeamento minou o
moral das forças no Rossio, que se julgavam entre dois fogos,
nomeadamente Rotunda e Alcântara.

Dia 4 de Outubro, o Rei

Como mencionado, depois do banquete com Hermes da Fonseca D. Manuel II


regressara ao Paço das Necessidades, mas não se deitou dada a gravidade
dos acontecimentos que se previam, ficando na companhia de alguns oficiais.
Jogavam Bridge quando as primeiras canhonadas confirmaram o que temiam.
O rei tentou telefonar mas encontrou linha cortada conseguindo apenas
informar a rainha-mãe, no palácio da Pena, acerca da situação. Pouco depois
chegaram as unidades já mencionadas, que conseguem repelir os ataques dos
revolucionários embora as balas atingissem as janelas. Cerca das nove horas
o rei recebeu um telefonema do Presidente do Conselho, aconselhando-o a
procurar refúgio em Mafra ou Sintra, dado que os revoltosos ameaçavam
bombardear o Paço das Necessidades. D. Manuel II recusou-se a partir
dizendo no entanto aos presentes: “Vão vocês se quiserem, eu fico. Desde
que a constituição não me marca outro papel senão o de me deixar matar,
[3]
cumpri-lo-ei.”

Com a chegada da bateria móvel de Queluz, as peças foram dispostas nos


jardins do palácio de forma a poderem bombardear o revoltado quartel dos
marinheiros, que ficava a escassos 100 metros do Paço. No entanto, antes
de poder começar, o comandante da bateria recebeu ordem de cancelar o
bombardeamento e juntar-se às forças que saiam do paço, integradas na
coluna que iria atacar os revoltosos na Artilharia 1 e na Rotunda.

Cerca do meio-dia os cruzadores “Adamastor” e “São Rafael”, que desde há


uma hora haviam fundeado em frente ao quartel dos marinheiros,
começaram a bombardear o Palácio das Necessidades, o que desmoralizou as
forças monárquicas aí presentes. O Rei refugiou-se numa pequena casa no
parque do palácio de onde conseguiu telefonar a Teixeira de Sousa, pois os
revolucionários apenas haviam cortado as linhas de telefone especiais do
estado mas não as da rede geral. Ordenou ao primeiro-ministro que
mandasse para as Necessidades a Bateria de Queluz par impedir o
desembarque dos marinheiros mas este retorquiu-lhe que a acção principal
se passava na Rotunda e que todas as tropas eram aí necessárias. Tendo em
conta que as tropas disponíveis não eram suficientes para cercar os
revoltosos na Rotunda, o ministro fez ver ao Rei a conveniência de se
retirar para Sintra ou Mafra de forma a libertar as forças estacionadas no
Paço para sua protecção e que eram necessárias na Rotunda. Alguns
testemunhos afirmam que D. Manuel II chegou a ponderar vestir o uniforme
e marchar com as tropas que estavam nas Necessidades rumo a Lisboa mas
que foi disso dissuadido pelos oficiais presentes e pelos pedidos de sua mãe,
receosa de perder o último filho que lhe restava. Optou então por seguir
para Mafra onde a Escola Prática de Infantaria disporia de força suficiente
para proteger o soberano.

Às duas da tarde as viaturas com o D. Manuel II e seus assessores partiram


do Palácio, escoltados por um esquadrão da Guarda Municipal, que logo ao
inicio da Estrada de Benfica o Rei libertou para que viessem ajudar os seus
companheiros a lutar contra os revolucionários. A comitiva chegou sem
problemas a Mafra cerca das quatro da tarde mas aí depararam com um
problema: devido às férias não se encontravam na Escola Prática de
Infantaria mais do que 100 praças, ao invés das 800 que seria de esperar e
o comandante, coronel Pinto da Rocha, afirmou não dispor de meios para
proteger o rei.

Entretanto chegou de Lisboa o Conselheiro João de Azevedo Coutinho, que


aconselhou o rei a preparar-se para seguir para o Norte e seguir para o
Porto para organizar a resistência. Aconselhava também a chamar a Mafra
as rainhas D. Amélia e D. Maria Pia (respectivamente a mãe e a avó do rei)
que estavam nos Palácios da Pena e da Vila, em Sintra. Estas chegaram de
facto ao fim da tarde. D. Amélia trazia um decreto que o governo lhe havia
feito chegar às mãos para que o rei assinasse. Era um decreto de Suspensão
das Garantias, que D. Manuel II assinou mas por essa altura já era
demasiado tarde.

Em Lisboa a saída do rei não trouxera grandes vantagens pois as tropas


assim libertas, apesar de receberem repetidas ordens do Quartel-general
para marcharem para o Rossio por onde pudessem, para impedirem a
concentração de artilharia revoltosa em Alcântara, desobedeceram. Esta
inactividade deveu-se às predominantes simpatias republicanas dessas
unidades, especialmente entre os oficiais. É de notar que mesmo os oficiais
tendencialmente monárquicos não estavam muito inclinados a participar
activamente. Se a República ganhasse pareceria que se tinham esforçado
demais pelo regime deposto; se a monarquia ganhasse, seriam crucificados
pela imprensa republicana como sanguinários.

Dia 5 de Outubro, a inesperada resolução


À noite o moral encontrava-se baixo entre as tropas monárquicas
estacionadas no Rossio, devido ao perigo constante de serem bombardeadas
pelas forças navais e nem as baterias de Couceiro, aí colocadas
estrategicamente, traziam conforto. No quartel-general discutia-se a
melhor posição para bombardear a Rotunda. Às três da manhã Paiva
Couceiro partiu com a Bateria Móvel, escoltado por um esquadrão da Guarda
Municipal, e instalou-se no Jardim de Castro Guimarães, no Tourel,
aguardando a madrugada. Quando as forças da Rotunda começaram a
disparar sobre o Rossio, revelando a sua posição, Paiva Couceiro abriu fogo
provocando baixas e semeando a confusão entre os revoltosos. O
bombardeamento prosseguiu com vantagem para os monárquicos, mas às oito
da manhã Paiva Couceiro recebeu ordem para cessar-fogo pois iria haver um
armistício de uma hora.

Entretanto no Rossio, depois de Paiva Couceiro ter saído com a Bateria, o


moral das tropas monárquicas, que se julgavam desamparadas, piorou devido
às ameaças de bombardeamento por parte das forças navais. Infantaria 5 e
alguns elementos de Caçadores 5 garantiram que não se oporiam ao
desembarque de marinheiros. Face a esta confraternização com o inimigo os
comandantes destas formações dirigiram-se então ao quartel-general onde
foram surpreendidos pela notícia do armistício.

O novo representante alemão, chegado na antevéspera, instalara-se no


Avenida Palace, lugar de residência de muitos outros estrangeiros. A
proximidade do edifício da zona dos combates não o poupou a estragos.
Perante este perigo o diplomata tomou a resolução de intervir. Dirigiu-se ao
quartel-general e pediu ao general Gorjão Henriques um cessar-fogo que lhe
permitisse evacuar os cidadãos estrangeiros. Sem comunicar ao governo e
talvez na esperança de ganhar tempo para a chegada dos reforços da
província, o general acede.

O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança com a bandeira branca,


dirige-se à Rotunda para acertar o armistício com os revoltosos. Mas eis que
estes, vendo a bandeira branca, julgaram que a força opositora se rendia,
pelo que saem entusiasticamente das fileiras e juntam-se ao povo, que sai
das ruas laterais e se junta numa grande aglomeração gritando “vivas” à
República. Na Rotunda Machado Santos a principio não aceita o armistício,
mas perante os protestos do diplomata acede. De seguida e vendo o maciço
apoio popular à revolta nas ruas, temerariamente dirige-se ao quartel-
general, acompanhado de muitos populares (aos quais se haveriam de juntar
os oficiais que abandonaram as posições na Rotunda). A situação no Rossio,
com a saída dos populares à rua era muito confusa, mas favorável aos
republicanos dado o evidente apoio popular. Machado Santos confronta o
general Gorjão Henriques com o facto consumado e convida-o a manter-se
no comando da divisão mas este recusa. Machado Santos entrega assim o
comando ao general António Carvalhal que sabia ser republicano. Pouco
depois era proclamada a República por José Relvas, na varanda do edifício
da Câmara Municipal de Lisboa, após o que foi nomeado um Governo
Provisório, presidido por membros do partido Republicano, com o fito de
governar a Nação até que fosse aprovada uma nova Lei Fundamental.

Em Mafra, de manhã, o Rei procurava um modo de chegar ao Porto, acção


muito difícil de levar a cabo por terra dada a quase inexistência de uma
escolta e os inúmeros núcleos de revolucionários espalhados pelo país. Cerca
do meio-dia era entregue ao presidente da câmara de Mafra a comunicação
do novo governador civil, ordenando que se alvorasse a bandeira republicana.
Pouco depois o comandante da escola Prática de Infantaria recebe também
um telegrama do seu novo comandante informando-o da nova situação
política. A posição da família Real tornava-se precária.

A solução aparece quando chega a notícia de que o iate real “Amélia”


fundeara ali perto na Ericeira. Às duas da manhã o iate havia recolhido da
cidadela de Cascais o tio e herdeiro do Rei, D. Afonso, e sabendo o Rei em
Mafra, havia rumado à Ericeira por ser o ancoradouro mais próximo. Tendo
a confirmação da proclamação da República e o perigo próximo da sua
prisão, D. Manuel II decide embarcar com vista a dirigir-se ao Porto. A
família real e alguns acompanhantes dirigiram-se à Ericeira de onde, por
meio de dois barcos de pesca e perante os olhares curiosos dos populares
embarcaram no iate real. Uma vez a bordo o rei escreveu ao primeiro-
ministro: “ Meu caro Teixeira de Sousa. – Forçado pelas circunstâncias vejo-
me obrigado a embarcar no yatch real “Amélia”. Sou português e sê-lo-ei
sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em
todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao
serviço do meu País. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha
dedicação, o saberá reconhecer! Viva Portugal! Dê a esta carta a publicidade
que puder. Sempre afectuosamente – Manuel R. – yatch real “Amélia” – 5 de
Outubro de 1910.”[4] Depois de garantir que a carta chegaria ao seu destino
o rei fez saber que queria ir para o Porto. Reuniu-se um conselho com o
soberano, os oficiais e parte da comitiva. O comandante João Ângelo Velez
Caldeira Castelo Branco e o imediato João Jorge Moreira de Sá opuseram-
se à opinião do soberano, alegando que se o Porto não os recebesse o navio
dificilmente teria combustível para chegar a outro ancoradouro. Perante a
insistência de D. Manuel II o imediato argumentou que levavam a bordo toda
a família real pelo que era o seu primeiro dever salvar essas vidas. O porto
de destino escolhido foi Gibraltar, de onde o rei ordenou que o navio, por
ser propriedade do estado português, voltasse a Lisboa. D Manuel II no
entanto viveria o resto dos seus dias no exílio.

Balanço

Assim, num confronto cheio de indecisões, desencontros e hesitações em


ambos os lados, se pôs termo ao regime monárquico parlamentar em
Portugal, um evento por alguns historiadores considerado como o primeiro
sinal do desmoronar da tradicional ordem Europeia, que viria a soçobrar
completamente alguns anos mais tarde com o desfecho da Primeira Guerra
Mundial. A República que emergiu desta revolução pouco mais anos duraria
depois dessa derrocada, minada pelas características que originalmente lhe
permitiram a sua rápida propagação pela opinião pública e que agora se
revelavam como defeitos: o anticlericalismo militante e a falta de um
programa social e sindical viraram contra ela ao mesmo tempo os sectores
mais conservadores e os mais radicais: a panaceia messiânica não resolveu os
problemas e mostrou ser ainda mais instável do que a monarquia nos seus
últimos anos.

Embora ao desgaste, inércia e incompetência dos partidos tradicionais caiba


grande parte da culpa pelo desgaste da monarquia, o Partido Republicano
estava lá, sempre se recusando a colaborar ao mesmo tempo que sabotava o
regime por dentro, acabando por derrubá-lo pela força. Inversamente, e
apesar das incursões monárquicas, foi a república que acabou por se
derrubar a si mesma. Em última análise o 5 de Outubro não só derrubou a
monarquia, abriu também o precedente de que era legítimo derrubar pela
força um Estado de Direito. E foi isso que voltou a acontecer a 28 de Maio
de 1926, mas nessa altura, não se disparou um só tiro.

Referências

1. ↑ Bern, Stéphane, 1999, "Eu, Amélia, Última Rainha de Portugal",


Porto, Livraria Civilização Editora, pag. 172.
2. ↑ Relvas, José, 1977, "Memórias Políticas", Lisboa, Terra Livre, pag.
112.
3. ↑ Rocha Martins, 1931-1933, "D. Manuel II. História do seu Reinado e
da Implantação da República", Lisboa, Edição do Autor, pag. 521.
4. ↑ Rocha Martins, 1931-1933, "D. Manuel II. História do seu Reinado e
da Implantação da República", Lisboa, Edição do Autor, pag. 583.

· Proença, Maria Cândida, 2006, "D. Manuel II"- Colecção "Reis de


Portugal", Lisboa, Círculo de Leitores, ISBN 972-42-3659-5
· Abreu, Jorge de, 1912, "A Revolução Portuguesa: O 5 de Outubro
(Lisboa 1910)", Lisboa, Edição da Casa Alfredo David (eBook)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_Portuguesa

Você também pode gostar