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H673¢ Viana Hissa,— ISBN: 978-85-7041-993-4 4. Pesquisa ~ Metodologia. 2. Epistemologia, 3.Teoria do conhecimento, 1, Titulo. cpp: 121 cpu 16 inento de Tnformasio DIRETORA DA COLEGAO Heloisa Maria Murgel COORDENACAO EDITORIAL Maria Elisa Moreira ASSISTENCIA EDITORIAL Euclidia Macedo, COORDENAGAO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro -EPARAGAO DE TEXTOS Maria do Rosirio A. Pere REVISAO DE PROVAS Alexandre Vasconcelos de Melo ¢ Ca PROJETO GRAFICO Revisto por Césio Ribeiro pati de Gl COORDENAGAO GRAFICA, FORMATACAO E MONTAGEM DE CAPA. Cissio Ribeiro PRODUGAO GRAFICA Waren Marilac EDITORA UFMG i ‘Aw: AntOnio Carlos, 6.627 ~ CAD H1/ Bloco 1 Iha ~ Belo HorigonteMG CEP 31.270-901 1 Fax: +58 (31) 3409-4768 © pres ica de Teresa, dos manuais: sugestao de solugdes mecdnicas para pro- blemas nao mecéi ‘Os manuais contém esquemas que se desejam criticos, roteiros, ‘menos ou mais preenchidos, de sugestées tomadas como iiteis para os iniciantes que procuram aperfeicoar a sua capacidade reflexiva e criativa. Durante a elaboragio dos projetos, seria mesmo importante conferir diversos manuais: para que a diivida -acerca da sua utilizagao seja fortalecidas para que, contradito -thente, seja construfda uma inseguranga mais critica; para que, “durante a elaboragao dos projetos, os sujeitos possam se sentir, _progressivamente, mais 4 vontade para criarem os seus proprios soteiros, compativeis com as necessidades de sua pesquisa , especialmente, com os seus estilos; para que, progressivamente, sintam-se livres dos roteiros prontos; para que, com o tempo, ‘possam compreender, talvez, que a construcao dos seus préprios roteiros seja parte essencial do processo de amadurecimento intelectual e criativos para que compreendam, talvez, na pritica, a referéncia de que os modelos ¢ os roteiros sejam feitos para experimentar a transformagao conforme os passos dados na direso do que no conhecem; para que, talvez, conforme observa Boaventura de Sousa Santos, possam se libertar do pensamento 14 pensado ese dedicarem, criticos e criativos, a pensar 0 pensa mento" que Ihes chega enquanto pensam; mesmo que as estru- turas conyencionais, como Cristovam Buarque registra, prefiram, “atribuir mérito as ideias consolidadas”.” Ares vA SEME TEORIA E PRATICA Da indivisibilidade “O pensamento moderno ocidental é um pensamento abis- sal.”*® A sentenga poderé nos servir para a abordagem de diversas questdes que, pela via da costumeira e confortavel dicotomia, se apresentam para a estruturagéo do pensamento e das atitudes vigentes e hegemOnicas na modernidade. O pensamento cientifico moderno, do mesmo modo, esta fundamentado em cortes a divi- dir 0 todo em duas partes supostamente rivais e contrérias ¢, mais adiante, em diversas outras. A prépria imagem fornecida pelo que € tomado como complexo é construida através da imagem de multiplicidade de partes ~ dessa poténcia de recortar 0 todo até a sua infinita pequenez - ¢ nfo exatamente pela imagem do todo indivisivel ou pela imagem da silenciada ligagao entre tudo. Nesses termos, assume carter ficcional a imagem de que qualquer parte, retirada do todo, adquira vida auténoma, Mas ela perde vida porque Ihe é retirada a vida no todo e,a partir da mesma imagem te6rica, o todo perde a sua condigdo essencial ese movimentard, caso nao perega, com o propésito da recuperacao ou substituicao do recorte perdido. Nota 40 Dividir em partes e construir abismos entre elas. is de tal modo, com tal intensidade, que a divisio nfo seja percebida Artificialmente, dividir mundos indivi: como parcelamento € que as partes nfo sejam compre- endidas como parcelas, Dividir tao rotinelramente que 0 a da pratica incependentemente da existéncia da teoria? € pratica auténomas? Poder-se-ia conceber a existéncia exercicio de fraturar impossibilite a percepedo do carater de indivisibilidade de um todo e a percepcao de que as Partes sejam integrantes de uma totalidade. Dividir, aqui, €separar raidicalmente, na raiz ou na constituicio do pen- Nota 41 Imaginemos, aqui, as priticas na medicina dos quintais € dos terreiros.* As guardias tie folhas - conhecedoras, ‘como so chamadas -, antes, ja teriam sido aprendizes, Aprenderam. Mais adiante, talvez, caso continuem a aprender, serdo mestras, sabias, Entretanto, as guardtas de folhas no poderdo ser médicas convencionais - a néo ser que percorram os caminhos da universidade e, sobretudo, que pensem o mundo de outro modo. so praticas, plenas de mundo, antes de tudo. O seu apren- dizado deu-se na pratica e através dela. A sua formacao ¢ pratica, diferentemente da formagio do médico ou do bidlogo. Mas o que dizer dos médicos convencionais? Que sio tedricos e que nao sio praticos? Como ¢ que poderao Ser te6ricos se esto afastados da pratica? Que, no oficio, saprenderdo a ser praticos? A guardia de folhas, ainda: ela estd afastada da teoria? Como € que, entéo, aprendeu? Nao ha um pensamento na sua pratica apreendida? Nao ha reflexao, meméria, pensamento acumulados pela sua prética (saberes compartilhados na sua prética) que fazem com que ela aprenda? Ela poderd nos dizer por Gue determinada atitude podera ser melhor do que outra? Digamos que sim. Entretanto, s6 poderemos pensar em tal possibilidade caso ela tenha aprendido: o aprender no é repetir. Nao se aprende a arte com repeticées, pols a arte nao se repete - ainda que a repeticao possa nos ensinar outros modos de aprender. Digamos, entao, que ‘ha diversas gradacées de aprender, assim como diversas ‘satento. O obscuro inerente a fratura: quando se compre- 2 ende o mundo nesses termos - dividido em partes -, nao Se percebe que a divisdo esta em nés e que nos divide em artes. Nao percebemos 0 que nos divide e, tampouco, que a divisio nos faz como somos."! © Pensamento moderno é bipartido, dicotémico, ¢ 0 projeto da ciéncia moderna ~ que se explicita através das disciplinas cientificas — resulta na divisio do todo em partes, construindo a expectativa de que se possa conhecer melhor e de forma mais aprofundada esse todo. Tal projeto € coerente com a leitura cultural produzida pelas sociedades moderno-ocidentais, O de dentro ¢ 0 de foras o superior ¢o inferior; 0 negro e o branco; 0 eu 0 outro; o cérebro ea mente; a razdo e a cmogao; a cultura © 4 Natureza; o sujeito e o objeto; o masculino eo feminino; 0 mundo ea abstragio; a concretude e a ficgios a teoria ea pritica, As dicotomias, além de culturais, so de natureza politica e sic fortalecidas pelo pensamento moderno-ocidental feito de fraruras aprofundadas pela ciéncia moderna.*? Ao se referir criticamente ao Pensamento moderno como. bipartido®’ dicotémico, o que se deseja é reflet acerca de outros caminhos de pensar o mundo; outra compreensio de mundo, Algumas questées que nos fariam, talver, abordar conceitual. ‘mente todas as dicotomias noutros termo: -xistird o pensamento sem a experimentagdo do mundo, o sentir o mundo? Existira ra7d0 sem emogio? Existiré objeto sem sujeito? A concepgio te6rica do objeto jd nao incorpora o sujeito? Como conceber gradacdes de pratica que, por sua vez, correspondem @ diversas gradagdes de aprendizado tedrico. Mas hé teoria incorporada pela pratica da guardia de folhas, pelas praticas da fitoterdpica popular? Poderiamos dizer, também, que hé gradag6es de incorporacao teérica pela pratica das guardias de folhas e das conhecedoras. Isso valeria, também, para os médicos. Entretanto, enquanto pensa a sua pratica, no exercicio do seu oficio, a guardia de folhas nao a registra por escrito sob a forma de pes quisa convencional. Ha necessidade de se registrar, por escrito, essa epistemologia que, diferentemente das epistemologias disciplinares, desenha e representa um saber que se aprende especialmente na pratica? Hé muita intuicdo, experimentagao, acerto e erro, imaginacao ¢ compreensio ética e estética: , aqui, se faz referencia as praticas fitoterdpicas populares e as guardias de folhas gue aprenderam e se fizeram mestras e sabias. Em toda pratica ha pensamento, No uso coloquial da palavea, a teoria assume significados relativamente distances, € até mesmo contrarios, daqueles utili- zados para a sua compreensio na epistemologia, na filosofia da ciéncia e, particularmente, também, nas praticas de pesquisa ou nos processos de producao do conhecimento. No uso informal da palavra ~ que se dé, inclusive, na universidade moderna ou no lugar da ciéncia-téenica -, teorizar significa construir estruturas fantasiosas, imagindrias ¢ utépicas. O teérico, nesses termos, seria aquele que se alimenta de fantasias e que se afasta das praticas ou do que se acostumou a denominar realidade. Vive de sonhos distantes do mundo dito concreto. Na universidade-fabrica, no senso comum da universidade operacional, como preferiu dizet Marilena Chaui, 0 te6rico € 0 contrério do pratico.* Hi desqualificagao do que teérico, na suposisiio equivocada de que 0 tedrico é destituido de pratica; na suposigiio equivocada de que hé o pratico esvaziado de pensamentos na prevalencia do discurso em prol da prética, na expectativa de que o pratico seja mais util. Nota 42 Na utilizagao corrente da palavra, 0 que é tomado como prético também experimenta estigmas e preconceitos. Assim, o protético, pratico, ndo é o dentista: é apenas um pratico; é © que se diz, Ele é menor, inferior. Do mesmo modo, 0 médico nao diplomado € charlatdo, na suposigio de que caso fosse diplomado se serviria da teoria; ele 6 inferior. A situacao, aqui, talvez, nos diga muito acerca da relevancia da teoria, do pensamento e da critica, na construgao da prética que se serve da reflexdo e da critica ‘Mas o aprender ndo seria um preenchimento reciproco de praticas ¢ teorias? E certo que os niveis do referido preenchi mento, nos sujeitos, ndo se dio no mesmo ritmo e na mesma magnitude. Sera possivel conceber a diversidade de sujeitos a partir, também, dessa intensidade de experimentacao de mundo feito de diversos lugares abertos as possibilidades variadas de preenchimento recfproco de praticas e teorias. Sera possivel conceber o aprender a partir da intensidade de experimentar e viver'o mundo, de ser ¢ estar no mundo, de sentir e de se deixar afetar por ele. Teoria € conhecimento sistematico e resultante de praticas empiricas.* Poder-se-ia dizer que a teoria resulta da experimenta- cao do mundo que, por sua vez, permitiria a sua transformagao. A construgao tebrica do discurso ja € prética. Para a epistemologia, 0 tedrico € 0 sujcito que se ocupa de teoria na arte ou na ciéncia. Contudo, o artista e 0 cientista — praticos, tedricos, desenhistas e intérpretes de mundos ~ assim poderio ser compreendidos caso rotineiramente reflitam sobre a sua prépria prética. Entretanto, na modernidade, dadas as condig6es de privilégio a técnica, a ciéncia moderna legitima o que ela propria define como pratico © desqualifica o que € teérico, aprofundando o limite artificial que separa 0 te6rico do pratico, Para tanto, particularmente porque alicergada no racionalismo de René Descartes (1596-1650) e no empirismo inglés de Francis Bacon (1561-1626) e John Locke (1632-1704), o que ela legitima como pratico esta envolvido pela quantificagdo e pela experiéncia sistemitica ¢ intencional..” Nota 43 Para alguns racionalistas, somente quando é passivel de quantificagéo um objeto pode ser abordado cientifi- camente. Para alguns outros, a pesquisa sera mais bem identificada como cientifica quando ha possibilidades de abordagem empirica. Portanto, para os paradigmas hegem6nicos da ciéncia moderna, somente sera compre endido como cléncia aquele exercicio que incorpora a quantificagao e a experiéncia que vai desde o trato labo- ratorial até a aplicacdo de questionarios, entrevistas no campo visitado. © empirico é, nos termos aqui postos, 0 mundo denominado real, concreto. 0 mundo estaria, assim, também nesses termos, dividido em significados? Ha © mundo dos praticos da ciéncia moderna. 0 mundo dos teéricos seria ficcional? A separagao entre teoria e prética reproduz dicotomias. Focaliza-se, aqui, a j4 consagrada pela ciéncia convencionals entre quantitativo e qualitative. Os adjetivos nao fazem as distingSes, © os mundos das qualidacles e das quantidades se entrecortam, a despeito da insisténcia, explicita na universidade moderna, da reprodugio de infrutiferas e ideologizadas dicotomias. Nota 44 Parece ja consensual, no ambito da universidade e da pesquisa académica, a ideia que distingue as qualidades das quantidades. 0 exercicio da distincao se apega, de um lado, ao desejo de se desvencilhar das metodologias técnicas convencionais, intrinsecas 4 ciéncia moderna, através da manifestacdo de se levar adiante uma pes- quisa de cardter qualitativo.” De outro lado, a ideia da distingao procura fortalecer as praticas convencionais, fundamentadas na leitura das quantidades, na expecta- tiva de que, assim, se faz cléncia com rigor. Ao se refletir sobre a ideia, na pesquisa, que distingue quantidades de qualidades, nao se sabe bem qual é a propria natureza da ideia e, consequentemente, da distincao. Sobre esta, que se pode dizer é que ela assume certo desejo de desqualificagao de uma ou de outra alternativa, como se houvesse alguma substancia essencial em cada uma delas: pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa. Nao ha, tampouco, substancia na ideia de distingao. A pesquisa que se fundamenta na quantificagéo e que desqualifica as qualidades ignora que, nestas, ha quantidades de diversas origens. A qualidade primeira das quantidades reside na presenca interpretativa na coleta de dados. ‘As quantidades sao feitas de corpos subjetivos, ¢ isso ‘significa que a existéncla quantitativa a representar um. conjunto de objetos é wibutaria de signos a ele enca- minhados. Signos que indicam diversidades culturais histéricas. A quantificagdo é um processo de abstracao e, como qualquer outro, incorpora subjetividades. O que se pode distinguir sao as pesquisas. Flas podem ser de ma qualidade, em grande quantidade. Elas podem ser de ma qualidade quando se apoiam, dogmaticamente, em ideias de distincao - entre qualidades ¢ quantidades - sem qual- quer significado substantivo e, por tal motivo, banalizam tanto a qualidade como as quantidades. A selesio de dados quantitativos ja antecipa uma leitura epistemolégica do mundo. Mais adiante, a organizagao de dados ea subsequente leitura do mundo no mundo poderao parecer “independentes do tragado metodolégico, do antincio ideolégico da técnica, mas dependerao sempre do lugar politico de onde fala o sujeito, Intérprete € aquele que diz o mundo. O dado é também resultado da interpretacio do sujeito ou, em outros termos, tributdrio do seu modo de ver o mundo. Portanto, 0 dado existe em razo da existéncia do sujeito, que constr6i o seu modo de dizer 0 mundo. Sem o intérprete, o dado € silencio ow inexisténcia. Além de tudo, as quantidades devem ser recobertas de pensamento. £ falseada a auséncia do sujeito a anunciar que o dado diz ou contém a verdade do mundo. Aqui reside algo fortemente ideologizado. Ao transferir para 0 dado a condicéo de porta-voz do mundo, 0 pesquisador deseja dizer, implicita- mente, que é ele 0 proprio portador do conhecimento verdadeiro. ‘Avor do dado é a voz do sujeito, Os mimeros nao falam por si mesmos: € preciso fazé-los falar, dialogar.” Nota 45 Os dados nao poderdo ter a pretensdo ¢ autonomia que Thes concede o sujelto convencional do conhecimento. Os dados sio uma representagao do mundo ¢ uma interpretagao a partir da qual so selecionados pelo sujeito, Portanto, eles j4 carregam consigo os olhos do sujeito que se quer invisivel e a distancia do mundo. Distancia, recomendada pela ciéncia moderna, que concede aos sujeitos a sensacdo de que recolhem objetivamente os dados do mundo. De posse dos dados, diz o sujeito: nao sou eu quem diz, mas so os dados objetivos. f desse sujeito que se pode dizer: ele pretende proferir 0 seu discurso objetivo de lugar nenhum, desse espaco estranho ao mundo. Os dados sio recolhidos do mundo pelas suas mdos ¢ olhos de ver 0 mundo e sio recolhidos de certo mundo: aquele percebido pelo sujeito. © entendimento hist6rico da cigncia moderna dé-se com a compreensio das presengas de: Copérnico (1473-1543) e dda proposigdo da teoria beliocéntrica — que subverte a ordem contida no universo aristotélico; Galileu (1564-1642), que lecio- now nas universidades italianas de Pisa e de Padua e que marca, para muitos estudiosos da filosofia, 0 inicio da época moderna, com a revolucdo cientifica — para alguns, 0 proprio advento ao moderna de ciéncias Francis Bacon, que concede da concep! encaminhando uma sequéncia a tradigao do empirismo inglés, Ieitura do taciocinio da indugao que a aproxima da eferiva ideia do método da criagdo; John Locke, considerado 0 propositor jnicial de uma teoria do conhecimento moderno, desenvolvida, conforme o inglés, partir da experiéncia sensivel - empirismo— de modo a atingir, mais adiante, as ideias, o pensamento,a raz4o;, René Descartes, quase sempre considerado o primeiro fildsofo moderno, tomado como o fandador do racionalismo ~ a razio que opera por sis6, independentemente das sensagbes; Newton (1642-1727}, que desenvolve a teoria da gravitagao. universal. Auguste Comte (1798-1857), por sua vez, € organizador das referéncias positivistas que norteatiam a produgio do conhe- cimenfo durante importante momento da hist6ria das ciéncias sociais da passagem do século 19 para o 20. Auguste Comte atribui, curiosamente, a Galileu Galilei a0 racionalismo francés ¢ ao empirismo inglés a paternidade positivista eo desenvolvi- mento dos alicerces da filosofia positiva, objetiva, cientifica.” De todos os paradigmas da modernidade, o positivismo é o que expressa melhor os movimentos da ciéncia convencional, Com a radicalizagao do positivismo, com o advento histotico do mundo- “tempo das técnicas ¢ com a instaurag&o da hipermodernidade, 0 artificia limite entre as coisas parece prevalecer sobre os portais, as passagens, as fronteiras e sobre a imagem te6rica que procura nos dizer que tudo faz. um todo indivisivel. Nota 46 Se podemos, cada vez mais, dividir 0 todo em fatias, tal poder, contraditoriamente, nao nos permite afirmar a vida autOnoma das partes, Poderiamos compreender a existéncia de mundos diversos no mundo, Entretanto, nao somos teoricamente autorizados a afirmar a autonomia de todos os mundos que fazem um todo - ainda que o mundo inteiro seja uma abstragao." Isso significa que admitir a diversidade de mundos nao implica admitir 0 limite absoluto entre eles. Ha comunicabilidade entre o5 mundos, e é precisamente tal situaco dialégica que nos permite imaginar, de forma ut6pica, toda a inteireza e, mais adiante, o proceso de totalizacao. Ha comunicabili- dade entre os mundos, e, talvez, seja esta a condicao que hos permite desenhar, utopicamente, mundos diferentes melhores no interior da perversidade do mundo inteiro. Pritico e te6rico em um tinico sujeito: de ciéncia e de arte; de ciéncia-saber. Sujcito do saber e sujeito do mundo, em um Gnico sujeito. Prética e teoria em um iinico exercicio de ciéncia ou de arte — ou de arte-ciéncia. E possivel abstrair o pensamento de modo a compreender 0 significado de pratica e de tcoria, Entretanto, fazer com que a referida abstrago se torne limite—a bipartir mundos entre pratica ¢ teoria ~ é banalizar on obstruir todo 0 exercicio de fazer a arte da ciéncia. A pesquisa —na ciéncia €na arte, na ciéncia-saber — 4 é pratica, cla se faz através de diversas praticas que estimulam a reflexiio teérica. Fla sucede a diversas praticas e registros teéricos e, ainda, se desenvolve como pratica que nos conduz a varias outras, Nota 47 Na universidade moderno-ocidental, a prética se trans- forma em pragmatismo e a praxis, no mundo da técnica, 6 esvaziada de critica ¢ de reflexto tedrica. Praticar ¢ trabalhar algo, um pensamento, uma idela, Praticar € exercitar-se e aprender a partir da reflexdo. Praticar na pesquisa ¢ se exercitar: na escrita e na leitura; na interlo cugio. Praticar é desenvolver habilidades de leitura e de escrita, de articulagao de ideias, de estruturacao de argu- mentos. Praticar, nos exerciclos de campo, na pesquisa, é estabelecer relagdes com 0 outro e aprender, com ele, 0 exercicio do didlogo criativo. Praticar é estudar, conhecer © até mesmo ensinar enquanto se aprende, Praticar é cul- tivar. A pratica, sempre pedagogica, é compreendida como © exercicio da teoria. A modernidade, em todas as suas manifestagdes, nos obriga a aprender que a teoria se opde a pratica e, com isso, constréi uma quase norma cultural a dissolver a estética e a ética no exercicio da ciénciae da arte: na pratica, a teoria pode ser diferente, Nao poderia: a teoria é originaria do mundo ¢ da sua experimentacdo. A experimentagio do mundo como pratica antecede a pesquisa, mas, também, é incorporada por ela. Ha praticas de todas as espécies na pesquisa e, em todas elas, hé reflexao tedrica. ‘Toda pesquisa é tedrica e pratica, ¢ tais adjetivos formam um todo substantivo que faz 0 pesquisador, Entretanto, ha mais: 0 pesquisador que se faz critico, em sua praxis, no mundo, nao distingue teoria e pratica. A sua praxis € mobilidade no sentido da sua libertacao, da libertagao do outro e da utépica transfor- magio do mundo.

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