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O Haiti e o descaso mundial

JOAO BOSCO MONTE


Doutor em Educação
Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Oboé
Pesquisador CNPq

Foi necessário um terremoto para que finalmente o mundo percebesse que o Haiti
existe. O abalo sísmico flagelou impunemente o país mais pobre do continente
americano, abrindo novas feridas em uma nação física e moralmente devastada que
ninguém se atreve a reconhecer.

Golpes de Estado, corrupção, violência, fome e miséria, são características comuns que
marcaram o curso do Haiti ao longo de sua história. O país convive com um índice de
pobreza extrema onde 80% da população sobrevivem com menos de um dólar por dia,
uma expectativa de vida que não ultrapassa os 57 anos, e uma crise humanitária sem
comparação dentro da região. Um panorama próprio de nações como Uganda, Costa do
Marfim, Sudão ou Somália. O Haiti vive num isolamento que contribuiu a acentuar sua
fragilidade política e institucional, fazendo que a corrupção, as máfias e o crime
organizado estejam à ordem do dia.

O drama haitiano vai além das duras imagens que entram em nossas casas todos os dias
através dos meios de comunicação. Dessa forma, só uma tragédia de tamanha
envergadura sobre este pequeno país povoado por 10 milhões de pessoas, - três em cada
quatro pessoas vão todas as noites à cama sem comer-, faz que o mundo decida colocar,
o Haiti em sua agenda.

Sob os escombros deixados pelo terremoto se oculta a história de um país relegado à sua
sorte, sem desenvolvimento nem infra-estrutura, onde seus cidadãos na qualidade de
refugiados, procuram oportunidades de sobrevivência na vizinha República
Dominicana, Jamaica Cuba ou Belize. Mas é importante ressaltar que a condição de
vulnerabilidade do país às tragédias naturais é provocada em grande parte pela
devastação do meio ambiente, pela inexistência de infra-estrutura básica e pela
minguada capacidade de ação do estado.

Esta é a oportunidade para que os governos que fazem parte da MINUSTAH, as Nações
Unidas, a OEA e a comunidade internacional revejam suas políticas que caminham na
contramão das necessidades básicas da população haitiana. É o momento para que os
governos e organizações internacionais substituam a ocupação militar por uma
verdadeira missão de solidariedade, bem como a urgente anulação da impagável dívida
externa (US$ 1.9 bilhão até julho de 2009) que até o dia de hoje se cobra do Haiti.

A frágil economia do país sobrevive através dos empréstimos internacionais e mesmo


assim sofreu inúmeras vezes a suspensão de créditos, por parte dos países ricos e
instituições como o Banco Mundial, FMI, e BID. Por que hoje fazem tanta propaganda
de ajudas “humanitárias” se todos esses países e instituições mantiveram o Haiti sob um
estado de miséria e fome? Poderia ter maior cinismo e crueldade nesse sistema de
exploração?
O dinheiro e a ajuda internacional são indispensáveis, mas não suficientes. As toneladas
de medicamentos, alimentos e roupas que se acumulam no aeroporto de Porto Príncipe
não têm muita utilidade se não estão conectadas a uma rede de distribuição que as faça
chegar a tempo onde a necessidade é imperativa. As imagens geradas pelas emissoras de
televisão, nos mostram que simplesmente que essas redes não existem.

Tive a oportunidade de conversar com alguns haitianos sobre a situação atual no país. A
conclusão é que o terremoto foi o golpe fatal sobre um sistema devastado por décadas
de miséria, corrupção e desgoverno. Por isso mesmo, ajudar o governo do Haiti a ter a
capacidade de oferecer os serviços básicos a sua população -água, eletricidade, saúde,
polícia, escolas- é o verdadeiro desafio pós-terremoto. Não restam dúvidas que a
reconstrução da infra-estrutura será difícil e custosa.

É imprescindível que os recursos destinados para o auxílio e a reconstrução do Haiti não


gerem novo endividamento nem que se lhes imponham condições ou qualquer outra
forma de imposição externa que desvirtuem esse objetivo, como é a prática dos "países
doadores”, seus bancos e as empresas que eles beneficiam.

Será necessário mais do que esforços, vontade e milhões de dólares em ajudas


humanitárias para que os países ricos paguem sua dívida histórica e diplomata com o
Haiti. Desafortunadamente, outros casos apontam que com o passar do tempo, e o
esfriamento da comoção, naturalmente desaparece o interesse da comunidade
internacional em ajudar os países vitimados por catástrofes.

Devemos esperar diferente realidade para o Haiti?

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