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A Viagem
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“Não seja tolo!”, responde rapidamente seu vizinho. “Todos que já tomaram
aquele caminho se perderam... engolidos pelo deserto! Se você quiser Deus,
existem inúmeras igrejas nesta cidade. Você deve escolher uma e ficar”.
Depois de deixar o restaurante, parecendo estranho e confuso, o viajante
encontra um lugar embaixo de uma árvore e se senta. Um ancião se aproxima e
começa a implorar-lhe com tom urgente: “Se você ficar na Cidade Cristã, vai se
enfraquecer. Você precisa tomar aquele caminho. Eu pertenço ao deserto que
você viu antes. Fui enviado aqui para encorajá-lo a continuar. Você viajará por
muitos quilômetros. Ficará com calor e terá sede. Mas os anjos andarão com
você, e haverá fontes de água ao longo do caminho. E no final da sua jornada
você alcançará a Cidade de Deus! E você nunca viu tamanha beleza! Quando
chegar, os portões se abrirão para você, porque você é esperado”.
“O que você diz soa maravilhoso”, responde o viajante. “Mas tenho medo
de que eu não sobreviva naquele deserto. Provavelmente estou melhor aqui na
Cidade Cristã”.
O ancião sorri. “A Cidade Cristã é o lugar para aqueles que querem
religião, mas não querem perder suas vidas. O deserto é o território daqueles
cujos corações são tão sedentos por Deus que querem se perder nEle. Meu
amigo, quando Pedro trouxe seu barco para a terra, deixou tudo e seguiu a Jesus,
ele estava sendo engolido pelo deserto. Quando Mateus deixou de coletar
impostos e Paulo deixou seu farisaísmo, eles também estavam deixando uma
cidade muito parecida com esta, para alcançar Jesus sobre as dunas e se perder
em Deus. Então não tema. Muitos foram antes de você”.
Então eu vejo o viajante olhar para a movimentação da Cidade Cristã e se
afastar dos olhos ardentes do velho. Ele vê pessoas atarefadas correndo para lá e
para cá com suas bíblias de capas brilhantes, com a aparência de homens e
mulheres que conhecem seu destino. Mas está claro que falta alguma coisa, que
o ancião com olhos de profeta possui.
No meu sonho, imagino o viajante com as coisas se revirando na sua
mente. “Se eu sair, como posso ter certeza de que realmente vou me perder em
Deus? Na Idade Média, os cristãos tentaram se perder em Deus colocando o
mundo atrás deles e entrando num monastério. E como muitos deles se
desapontaram ao descobrir que o mundo ainda estava lá! E as pessoas aqui na
Cidade Cristã que estão se preparando para ir a alguma floresta ou favela
negligenciada, tal vez elas esteja se aproximando do que significa se perder em
Deus. Mas uma pessoa pode viajar aos confins da terra e não se perder”.
O viajante vira-se novamente para ver o ancião subindo a estrada até o
caminho estreito no limite do deserto. Subitamente, sua decisão o mobiliza e ele
salta atrás dele. Quando o alcança, eles não trocam palavras. O ancião dá uma
volta abrupta para a direita e o guia para cima até uma outra elevação que se
torna escarpada, porque se levanta na direção de um pico envolto numa nuvem
luminosa. A subida é muito difícil. O viajante parece ter tontura e começa a
cambalear. Seu guia faz uma pausa e oferece-lhe uma bebida de um frasco
dependurado nos seus ombros. Ofegante, ele toma grandes goles. “Nenhuma
água tem um sabor mais doce que esta”, ele diz com sentimento real. “Obrigado”.
“Agora olhe para lá”. O ancião mostra uma paisagem além deles, nem
perto de ser tão monótona e desoladora quanto tinha parecido anteriormente. O
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deserto abaixo toma muitas cores e matizes. Ao longe uma luz brilhante, está
pulsando e se mexendo na superfície do horizonte como uma coisa viva. “Lá está
a Cidade de Deus! Mas antes de você alcançá-la, terá que passar por quatro
desertos que você vê. Diretamente abaixo de nós está o Deserto do Perdão”. O
viajante observa umas figuras pequenas, difusas, abrindo caminho lentamente na
direção da cidade, separadas umas das outras por muitos quilômetros.
“Como elas sobrevivem à solidão?”, pergunta o viajante. “Não se
beneficiariam viajando juntas?”
“Bem, elas não estão realmente sozinhas, Cada uma delas está
acompanhada pelo perdão de Deus. Estão sendo engolidas pelo deserto da vasta
misericórdia do Senhor Deus. O Espírito Santo está lhes dizendo enquanto elas
viajam: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo!’ Elas são curadas
enquanto viajam”.
Bem além dali há um espaço azul. “É o mar?”, pergunta o viajante.
“Parece água, mas é um mar de areia. É o deserto da Adoração. Aqui, olhe
através destes óculos e você verá que aquelas pessoas estão andando lá,
também. Estão tendo o seu primeiro gosto pela alegria da Cidade – a adoração.
Estão descobrindo como elas foram feitas para adorar a Deus. Está se tornando a
vida delas, a fonte incandescente de tudo o que elas fazem”.
“Mas as pessoas também não adoram lá na Cidade Cristã? O que existe
de tão especial naquele deserto?”
“A adoração, isto é, a verdadeira adoração, pode começar apenas quando
uma vida se entregou definitivamente ao deserto da presença de Deus. Lá o
coração começa a adorar ao Pai em espírito e em verdade”.
Olhando além da vastidão azul para onde o deserto se eleva em
montanhas vermelhas e ardentes, o ancião explica ao viajante que entre aquelas
montanhas avermelhadas está o Deserto da Oração.
“Passando por aquele deserto, os viajantes descobrem que é necessário
afastar-se de toda a distração e se concentrar na oração. Eles aprendem
rapidamente que não existe caminho possível de sobrevivência a não ser
clamando a Deus continuamente. Quando atingem os limites externos daquele
deserto, a oração é a sua paixão consumidora e sua alegria suprema. Parece à
primeira vista que a Cidade de Deus está um pouco além do Deserto da Oração.
Porém, existe mais um deserto escondido naquelas montanhas, por onde você
passará antes de alcançar o seu destino. É chamado simplesmente de Colheita.
Você saberá quando o alcançar. E além da Colheita está a própria cidade. Seu
nome é conhecido lá. Sua chegada está sendo aguardada com expectativa.
Venha, vamos começar a nossa jornada”.
“A chegada da noite não parece um momento particularmente propício para
se começar uma viagem como esta”, diz ele.
“Não volte para a Cidade Cristã”, exorta o ancião, olhando para ele com
seriedade.
“Nem a essa hora? Desse jeito eu poderia ter uma boa noite de sono e a
primeira coisa da manhã será começar”, o viajante acrescenta, esperançoso.
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“Mas o seu descanso está lá, ele insta. “Caminhe agora para o deserto. O
Espírito Santo o ajudará. Não tema se perder em Deus. Você não encontrará a
sua vida em nenhum outro lugar”.
O Deserto do Perdão
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apreciar nada, esperar em nada, a não ser na cruz de Jesus”. Ela cita várias
passagens de Gálatas ao viajante:
Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para
mim, e eu, para o mundo. Pois nem a circuncisão é coisa
alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura. E, a
todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz
e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus...
Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive,
mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na
carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si
mesmo se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus;
pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo
em vão.
“Você acha que o apóstolo Paulo viajou por esse deserto?”, pergunta o
viajante.
“Sim, ele viajou. Durante anos, Paulo trabalhou muito na Cidade da
Religião, para ser um homem religioso. Mesmo assim ele não encontrou paz no
seu espírito. Então Paulo encontrou Jesus. E desde o princípio, Jesus quis dizer
uma coisa para Paulo: perdão. Foi tomado por ele. O perdão da cruz foi o tema da
sua vida a partir de então. Mas a primeira experiência de Paulo quanto ao reino
de Deus como uma realidade na sua vida foi bem neste deserto”.
“Então estou andando por onde os apóstolos andaram!”. A voz do viajante
está cheia de espanto.
“Lembra quando Paulo lançou a rede sob o comando de Jesus e a trouxe
cheia de peixes? Sua resposta imediata foi: ‘Deixa-me, Senhor, sou pecador!’
Jesus Respondeu: ‘Não tenhas medo, de agora em diante tu estarás pescando
homens’. Implícito na resposta de Jesus estava: ‘Eu cuido do teu pecado’. E
quando eles trouxeram seus barcos para a terra, deixaram tudo e seguiram a
Jesus – seguiram – nO neste Deserto do Perdão em busca da cruz. Depois que
Jesus morreu por causa dos pecados de Pedro, ressuscitou para sua justificação
e estava a ponto de encher Pedro com o Espírito Santo, Ele disse a esse homem
que o negara três vezes: ‘Simão, filho de João, tu me amas?... Apascenta as
minhas ovelhas’. E com essa pergunta e o comando repetidos três vezes, a vida
de Pedro foi curada com o perdão do seu Senhor”.
“Durante anos”, o viajante lhe conta, “tenho tentado ultrapassar o perdão
teórico, doutrinário, que é muito provavelmente ensinado na Cidade Cristã, para
conhecer o próprio perdão. Tenho ansiado por ser imerso, batizado, PERDIDO
nele. Tenho desejado ouvir Jesus me dizer pessoalmente: ‘Anima-te, irmão, teus
pecados estão perdoados’. Tenho desejado que o sangue da cruz flua no meu
coração e o purifique”.
“Você veio para o lugar certo. Antes de alcançar o outro lado do Deserto,
você experimentará o alívio de ter afastado aquele fardo de culpa que, de fato,
pesa sobre você como uma pedra. Começará a andar diante de Deus sem se
envergonhar. Assim como você ficou obcecado pela necessidade de se edificar,
logo ficará obcecado com o perdão de Deus”.
“Obcecado com o perdão de Deus?”
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“Você ficará tão obcecado com a misericórdia de Deus que estará livre,
pela primeira vez na vida, das opiniões de outras pessoas”.
“Ah! Não eu”. Sua resposta é imediata.
“A mulher que lavou os pés de Jesus com suas lágrimas estava obcecada
com o Seu perdão a ponto de não mais prestar atenção nas chacotas e opiniões
dos outros. Ou o leproso curado – ele alegremente caiu aos pés de Jesus dando
graças por algo mais do que a cura do seu corpo. Ele tinha recebido a cura
interna de perdão. Quando Zaqueu subiu na árvore para ver Jesus, ele estava
observando seu próprio perdão andando na direção dele na estrada. Tão
obcecado ele ficou com o perdão que visitou a sua vida naquele dia, que as
cadeias da cobiça se quebraram no seu coração. Você veio para um lugar onde
vai acontecer com você”.
O Viajante retoma sua jornada, com sua misteriosa companheira
silenciosamente lado a lado por uma hora ou duas e, então subitamente,
desaparecendo.
“Que alegria eu sinto!”, exclamou o viajante em voz alta. “Deve ser o que
os discípulos sentiram quando voltaram para Jerusalém depois da ascensão de
Jesus”.
Na luz em forma de cruz, o viajante viu a figura de uma outra mulher se
levantando no topo da próxima duna e descendo vagarosamente na sua direção.
Ele parece reconhecê-la. Da sua expressão deduzo que essa pessoa o havia
ofendido. Os olhos dela estão fixos no viajante à medida que ela se aproxima
dele.
“Você me perdoa?”, ela pergunta.
O viajante pára. A mulher se aproxima, perguntando uma segunda vez:
“Você me perdoa?” Estão face a face quando ela pergunta pela terceira vez:
“Você me perdoa?” A misteriosa companheira do viajante está novamente ao lado
dele, instruindo-o calmamente. “Este Deserto do Perdão não é só um lugar para
receber perdão, mas também para dá-lo. Esta mulher é apenas a primeira de uma
fila de pessoas do seu passado a quem você nunca perdoou realmente. O
domínio próprio sobrenatural que tem inundado o seu ser o dia inteiro está sendo
desafiado pela amargura enterrada na sua alma durante todos esses anos. Você
tem que fazer uma escolha. O perdão estéril, superficial, só de boca, da sua vida
passada, é incapaz até de deixá-lo ser gentil com esta mulher. Mas o perdão de
Deus que flui a ponto de se tornar uma obsessão pode fluir agora se você
permitir”.
O viajante estende a mão, toma a mulher pela mão, olha nos seus olhos
e responde: “Claro que eu a perdôo!”
Ela chora. E logo que ela forma as palavras: “Obrigada”, ela se vai.
Então o homem que chamara o viajante de tolo no restaurante da
Cidade Cristã vem correndo ofegante na sua direção. Enxugando o rosto com
seu lenço, o homem atormentado começa a pedir perdão.
“Claro, claro”, responde o viajante com sinceridade. “Não é nada. Nem
pense mais nisso”.
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“Por favor, não desconsidere esse assunto. Eu PRECISO do seu
perdão. Você REALMENTE me perdoa, do fundo do seu coração?”
“Mas já perdoei”, devolve o viajante.
Sua companheira lhe esclarece a situação: “Ele precisa do seu
PERDÃO. Não perdão de cortesia, mas um perdão ativo, genuíno. Ele precisa
do seu AMOR”.
“Meu amigo, você está perdoado”, o viajante lhe diz com sinceridade e
respeito na voz.
Com alívio visível, o homem suspira: “Obrigado!”, e desaparece no ar do
deserto. Sua companheira lhe recorda os versículos de Mateus 18:
Então Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até
quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe
perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo
que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
O Deserto da Adoração
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escravos. Os olhos deles se acendem só de pensar nele. Mas o amor ao
dinheiro é só um símbolo da minha realidade”.
“Você não está me alcançando com esse papo de dinheiro. Ele nunca
foi um problema na MINHA vida”, revida o viajante.
“Que tal o romance? O que pode ser mais lindo ou inocente do que estar
amando? Mas quando o estado de ter um amor começa a ser um alvo e
domina a mente, existe idolatria envolvida. E é verdadeiramente ‘seu problema’
andar atrás daquele ídolo”, ele diz triunfante. “Porém a adoração mais
satisfatória que eu recebo pessoalmente vem de homens e mulheres que estão
buscando sucesso religioso”.
“Bem”, o viajante encurta o papo, “se eu tiver que adorar você em troca
de uma viagem rápida através deste deserto, eu vou caminhar com alegria,
mesmo que leve uma eternidade!”
Diante disso, a criatura feiticeira desaparece em derrota.
Eu logo ouço o viajante raciocinando novamente: “Na Cidade Cristã, é
possível passar por todos os movimentos de fé em Deus apenas de modo
superficial, enquanto a adoração real, a coisa que deixa a mente obcecada dia
e noite, é idolatria. Agora que eu saí de lá, somente posso sobreviver se eu
estiver perdido na adoração a Deus. Disse em Isaías 43:
Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura,
não o percebeis? Eis que porei um caminho no deserto e rios
no ermo. Os animais do campo me glorificarão, os chacais e
os filhotes de avestruzes; porque porei águas no deserto e
rios, no ermo, para dar de beber ao meu povo, ao meu
escolhido, ao povo que formei para mim, para celebrar o meu
louvor.
Talvez tal adoração possa ser formada somente neste deserto, com sua
secura e calor esmagador, luz abrasadora e silêncio misterioso.
Essas reflexões são interrompidas por um crescendo de uma música
indescritível, um cântico de beleza não terrena. As vozes parecem estar em
todos os lugares. Contudo, ninguém é visível. Do topo de uma onda azul, o
viajante avista sete pessoas em pé em um vale com suas mãos levantadas
para o céu, dando louvores a Deus. Mas o cântico tem plenitude como uma
canção de milhões de vozes! Então o viajante abre sua boca e dela sai
apressadamente uma torrente de louvor a Deus. Em meio a essa música, sua
companheira misteriosa retorna. Cheio de alegria, o viajante lhe diz: “Você nota
como os sete adoradores estão realmente circuncidados de uma multidão de
seres magníficos cujas vozes misturam com as deles? Eu sinto que aqui no
deserto, em mistério, já entrei na periferia da Cidade de Deus”.
Sua companheira responde com uma passagem de Hebreus:
Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à
universal assembléia e igreja dos primogênitos arrolados nos
céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos
aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao
sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o
próprio Abel. Por isso, recebendo nós um reino inabalável,
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retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo
agradável, com reverência e santo temor;porque o nosso
Deus é fogo consumidor.
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O Deserto da Oração
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Sem mais palavras, o viajante dá meia volta e corre para o caminho de
onde viera. Com a Cidade Cristã fora da vista, ele retarda seu passo, mas não
pára até alcançar o outro arco, o final do caminho falso. Ele clama: “Só tenho um
desejo: encontrar a porta estreita e entrar por ela antes de descansar. Como pude
ser tão cego? Naturalmente que a porta larga levaria à Cidade Cristã, o lugar
onde se pode ter paz – nunca negando-se a si mesmo, nunca assumindo riscos,
nunca sofrendo alguma dor ou perdendo o sono”, ele acrescenta amargamente.
Finalmente, o viajante descobre a porta velha enferrujada. Tão estreita que
ele mal pode se espremer, a porta tinha sido quase que fechada por ervas
daninhas e videiras.
O amanhecer o encontra numa curva do caminho estreito entre pedras
escarlates. Há um sussurro no ar como de vento através das árvores, mas nem
vento nem as árvores se encontram ali. O sussurro fica mais alto e finalmente
pode ser distinguido como um canto de muitas vozes. Agora o viajante vê as
pessoas no caminho em frente. Torna-se parte de um cortejo de pessoas todas se
movendo na direção da Cidade de Deus. Enquanto caminham, cada uma está
conversando seriamente com alguém invisível. Algumas delas estão chorando.
Algumas parecem cheias de vida. Algumas estão mencionando os nomes de
pessoas e pedindo coisas boas para elas. Pedem ajuda aos seus vizinhos da
frente ou detrás, mas sua preocupação principal é com seu ouvinte invisível.
A misteriosa companheira do viajante retorna agora e dirige-se a ele: “Aqui
no Deserto da Oração o contraste com a Cidade Cristã é extremo, você sabe. Lá,
eles têm mesmo reuniões de oração e as pessoas oram antes de ir para a cama.
Quando a vida se torna difícil, sua oração torna-se intensa, até que a crise passe.
Mas no Deserto da Oração, a oração se torna um modo de vida – a fonte da
existência inteira de alguém. Chegou a hora de VOCÊ se perder numa vida de
oração. Medite nestas passagens do Evangelho de Lucas”, ela acrescenta,
passando às mãos dele uma folha de papel em que estava escrito:
E aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, também o foi
Jesus; e, estando ele a ORAR, o céu se abriu. E o espírito
Santo desceu sobre ele em forma corpórea como pomba; e
ouviu-se uma voz do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti me
comprazo. Lc.3:21-22
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nos a ORAR como também João ensinou aos seus discípulos.
Lc.11:1
“Uma vida de oração é algo em que nos engajamos sozinhos. Contudo, ela
nos leva à comunhão com Deus e com o homem de uma maneira que nada mais
consegue”, conta-lhe sua companheira, quando ele termina de ler. “A oração está
indo para Deus, para a porta do Pai, e nela você pede pão para que possa dar ao
irmão necessitado. Quando você bate na porta e continua a bater, ele sempre
abre. Sempre. Daquela comunhão com Deus sai algo para compartilhar com os
outros. E quando você compartilha o que Deus lhe dá, tem comunhão com eles.
Uma pessoa terá esta comunhão mesmo que seja tímida ou desajeitada. Porque
esta vida de oração liberta a pessoa do medo das opiniões dos outros e do medo
das suas próprias tolices”.
“Mas precisamos dessas montanhas assustadoras, desses penhascos,
desse perigo contínuo, para aprendermos a orar?”, pergunta o viajante.
“Bem, no passado você clamou a Deus em suas emergências ocasionais.
Aqui você está aprendendo a ver sua vida como uma crise contínua, que o impele
a clamar a Ele dia e noite. Oramos sem cessar, porque a crise na vida terrena
nunca termina”.
“Então é isso! Continuar. Estou ficando tão cansado”.
“É porque suas orações estão se tornando engajadas na Batalha Real. A
oração é o terreno no qual vencemos o mal com o bem. Nestas montanhas você
aprenderá a orar por seus inimigos. A vida de vencer o mal com o bem começa
pedindo que o bem venha para aqueles que nos prejudicaram”.
O caminho estreito leva a um ponto de vigia no qual o viajante e sua
companheira compartilham uma refeição. Depois eles caminham para o lado do
ponto de vigia onde ela aponta para um caminho sinuoso pelas montanhas, que
diminui de tamanho até findar no horizonte.
“Veja, lá começa a Colheita”, diz a companheira do viajante, apontando
para uma paisagem além. “Lembre-se das palavras que Jesus falou:
Não dizeis vós que ainda há quatro meses até a ceifa? Eu,
porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já
branquearam para a ceifa. O ceifeiro recebe desde já a
recompensa a entesoura o seu fruto para a vida eterna; e ,
dessarte, se alegram tanto o semeador como o ceifeiro. Pois,
no caso, é verdadeiro o ditado: um é o semeador, e o outro é
o ceifeiro. Eu vos enviei para ceifar o que não semeastes;
outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho.
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O viajante olha à distância enquanto sua companheira explica mais: “Na
Cidade Cristã, lembre-se, existe uma rua linda, larga, chamada Boulevard
Missionário, alinhada com edifícios bem conservados e adornados com fontes,
gramas e arbustos atraentes. Aqueles prédios abrigam todos os
empreendimentos missionários do mundo cristão. Há sedes para a área da
literatura, editoras para publicar revistas missionárias e instalações menores que
fornecem um serviço de oração por carta para obreiros menos conhecidos. Há
estúdios que produzem as maratonas mundiais de literatura pela TV, e vídeos
para apelos missionários. Existem instituições que oferecem cursos de
aperfeiçoamento para missionários que estejam em licença e em um serviço de
itinerário computadorizado para os missionários que precisarem ampliar sua base
financeira. Há centros de recrutamento, casas de repouso para missionários
aposentados e até uma gravadora de música que está florescendo. Mas
ultimamente o Boulevard Missionário entrou em pânico por causa de algumas
notícias perturbadoras. Receberam uma palavra de que grandes números de
missionários cometeram uma quebra imperdoável do protocolo missionário: “ao
invés de assumir como seu campo de missões o território aprovado do mundo
conhecido, os missionários se lançaram no deserto na direção da Cidade de
Deus”.
“Mas que espécie de campo missionário é este deserto?” pergunta o
viajante. Que alma você pode salvar no Deserto do Perdão exceto a sua própria?
E quando se chega ao Deserto da Adoração, todos lá já vivem com a glória de
Deus. No Deserto da Oração existe uma comunhão maravilhosa com os outros
viajantes, e eu estou aprendendo a interceder. Mas não existem almas
perdidas...”
A Colheita
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Depois de beber essa água, o viajante fica imediatamente fortalecido e leva
alguma água para a mulher. Quando ela termina de beber, sua saúde é
restaurada. Imediatamente ela pega a garrafa, corre para a fonte e começa
ajudar os seus vizinhos. Há homens com ferimentos profundos, crianças deitadas
com uma respiração débil, rápida, e pessoas idosas com ataduras sujas ao redor
dos seus rostos desgastados. Algumas vítimas estão gritando de dor e outras
choram silenciosamente para si mesmas. Algumas revivem com uma única
garrafa de água. Outras precisam de muito mais. Vejo outros viajantes engajados
nesse mesmo esforço. À medida que as vítimas são curadas, elas também
participam do trabalho de levantar outras pessoas. Enquanto carregam água da
fonte, o viajante compartilha essa passagem do Evangelho de João com outro
homem:
Nesse ínterim, os discípulos lhe rogavam, dizendo: Mestre,
come! Mas ele lhes disse: Uma comida tenho para comer, que
vós conheceis. Diziam então os discípulos uns aos outros:
ter-lhe-ia, por ventura, alguém trazido o que comer? Disse-
lhes Jesus: “A Minha comida consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou a realizar a sua obra”.
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“Mas eu vou ter força para continuar a trabalhar entre pessoas com
necessidades tão grandes?”
“Não foi o que Jesus fez?”
E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos
publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus
e seus discípulos. Ora, vendo isto, os fariseus perguntavam
aos discípulos: por que come o vosso Mestre com os
publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo disse: Os sãos
não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e
aprendei o que significa: Misericórdia quero e não
holocaustos; pois não vim a chamar justos, e sim pecadores
(ao arrependimento).
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“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará
também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do
Pai”. O desafio é permanecer.
A Visão
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Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do
CÉU, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para
seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do trono, dizendo:
Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará
com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará
com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte
não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque
as primeiras coisas passaram”.
Dois Avivamentos
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estavam quase no topo das listas dos cristãos mais vendidos, apenas em
segundo lugar com relação aos manuais de sexo cristão. Repórteres vinham de
todas as partes do mundo para preparar artigos sobre as condições florescentes
ali. Os habitantes da Cidade Cristã estavam alegando que, quando viesse o Fim,
eles seriam arrebatados para a Cidade de Deus antes que irrompesse o caos.
Ao mesmo tempo, vi através do deserto muito distante da Cidade Cristã
acontecer um avivamento bastante diferente, com nenhum dos equipamentos da
religião bem sucedida. Homens e mulheres agonizantes estavam sendo
levantados como os ossos secos que Ezequiel viu. Estavam sendo libertos da
suas doenças, seus pecados e suas prisões espirituais, meramente bebendo da
água viva de uma fonte sagrada. Aqueles que experimentavam a água doadora
de vida, compartilhavam com outros, levando-lhes a cura, como por um fogo que
se espalha ou uma enchente que se insurge, os doentes estavam sendo
arrastados. Obreiros lá, que tinham passado anos vendo resultados limitados,
descobriram que agora bastava uma única gota de água em uma língua seca
para ressuscitar os mortos. E a cada dia o processo estava se acelerando.
Finalmente, vi o último corpo deitado se levantar para a vida. O que antes
pareceu como um campo de batalha de derrota, tinha-se tornado o campo de um
exército poderoso. Subitamente, um terremoto abalou o chão embaixo dos meus
pés. O céu escureceu e um som de guerra se agitou do leste.
Então vi a Cidade Cristã sendo invadida e destruída. As magníficas
catedrais, a maior cruz do mundo, os centros de lazer e salas de seminário foram
despedaçados e aplainados por explosões ensurdecedoras. Os corpos mortos
dos habitantes que tinham pensado que escapariam desse holocausto enchiam
as ruas. Os exércitos da destruição agora pressionavam na direção do deserto,
para o cenário do segundo avivamento. Logo essa horda aparentemente
indestrutível estava engolfando o Deserto do Perdão, o Deserto da Adoração e o
Deserto da Oração. Quando a Cidade de Deus apareceu, um rugido único, como
de uma besta ferida, encheu o ar. A horda se dirigiu para esse alvo, parecendo
estar a ponto de fulminar a Cidade de Deus.
Mas, próximo das muralhas da Cidade, o exército de revividos esperava,
equilibrado e pronto. Quando o inimigo entrou na área, os portões da Cidade
explodiram se abrindo. Para fora marchou o Exército da Luz, conduzido por um
Rei de tamanho esplendor que a horda inimiga tinha que proteger os olhos. Os
revividos emergiram com o exército de luz e se ajuntaram à batalha contra o
inimigo. Três dias e meio mais tarde, a guerra terminou. O inimigo foi destruído, e
os triunfantes entraram na Cidade de Deus para o qual tinham sido escolhidos
desde a fundação do mundo.
Novamente fui transportado para ler uma outra inscrição gravada com as
seguintes palavras de Apocalipse:
Então, vi um anjo posto em pé no sol, e clamou com grande
voz, falando a todas as aves que voam pelo meio do céu:
Vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus, para que comais
carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos,
carnes de cavalos e seus cavaleiros, carnes de todos, quer
livres, quer escravos, tanto pequenos como grandes.
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montado no cavalo e contra o seu exército. Mas a besta foi
aprisionada, e com ela o falso profeta, que, com os sinais
feitos diante dela, seduziu aqueles que receberam a marca da
besta e eram os adoradores da sua imagem. Os dois foram
lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre.
Os restantes foram mortos com a espada que saía da boca
daquele que estava montado no cavalo. E todas as aves se
fartaram das suas carnes. Então, vi descer do céu um anjo;
tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele
segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e
o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs
selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se
completarem os mil anos.
Quando terminei de ler isso, de modo tão abrupto quanto meu sonho me
tinha vindo ele terminou, deixando-me com uma sensação de espanto, com uma
nova consciência dos processos ocultos da minha própria vida, e com um desejo
renovado de procurar conhecer a Deus em espírito e em verdade.
Nunca foi tão claro para mim que os dois avivamentos estão em curso na
terra. Um, é o avivamento do Espírito de Deus, pelo qual os homens e mulheres
mortos são libertos dos seus pecados pelo sangue do Cordeiro e levados à vida
que é a vida dos filhos de Deus, uma vida que traz a natureza de Deus, que
manifesta a misericórdia de Deus. O outro avivamento, é o avivamento da carne
religiosa, um avivamento que é tão atraente e reúne multidões e exerce tanto
poder neste mundo porque ele oferece todo o conforto da religião, enquanto deixa
que você mantenha o seu EU e todos os direitos sobre você mesmo.
Certamente cada um de nós tem que decidir qual avivamento vai abraçar.
Vou investir a minha vida em algum empreendimento da Cidade Cristã
florescente? Ou vou perder a minha vida na procura da vontade de Deus por
misericórdia? Vou me concentrar em edificar alguma coisa que faça com que os
cidadãos da Cidade Cristã se surpreendam e prestem atenção? Ou vou passar a
minha vida trazendo os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos até a mesa do
Mestre?
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