RECURSO DE AGRAVO Nº 387085-1, DE CASCAVEL - VARA DE EXECUÇÕES PENAIS E
CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS. RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. RECORRIDO: OSNI ANTUNES BOMER. RELATOR: DES. JESUS SARRÃO.
RECURSO DE AGRAVO. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONCESSÃO DE
PROGRESSÃO DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO PARA O ABERTO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO PER SALTUM. ARTIGO 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO.
- Conforme disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal, a pena
privativa de liberdade será executada de forma progressiva, sendo inadmissível a progressão por salto.
- A decisão que concedeu ao sentenciado a progressão de regime per saltum
deve ser reformada para, mantendo-se a possibilidade de progressão, determinar a progressão do regime fechado de cumprimento da pena para o semi-aberto. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Agravo nº 387085-1, de Cascavel - Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios, em que é recorrente Ministério Público do Estado do Paraná e recorrido Osni Antunes Bomer.
O réu Osni Antunes Bomer, condenado à pena de 12 (doze) anos de reclusão,
pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, IV (homicídio qualificado), c/c art. 29, ambos do Código Penal, ingressou com pedido de livramento condicional, com fulcro no art. 83, do Código Penal e nos arts. 131 e seguintes, da Lei de Execução Penal, alegando que preenche os requisitos para obtenção do benefício.
À f. 06, encontra-se o Atestado de Permanência e Comportamento Carcerário
do requerente. O Ministério Público (fls. 10/11) opinou pelo indeferimento do pedido de livramento condicional, tendo em vista que o sentenciado "Resgatou 4 anos, 2 meses e 12 dias, apurado até 28/3/2006, o que não corresponde a mais de dois terços de pena cumpridos, não satisfazendo assim o requisito objetivo previsto no art. 83, caput, e inciso V, do Código Penal." (fls. 10/11).
Pela decisão recorrida (fls. 13/14), o magistrado acolheu em parte o
pedido do sentenciado, para conceder-lhe, ex officio, a progressão por salto, transferindo-o do regime fechado para o aberto, entendendo estar cumprido o requisito objetivo e por ter o réu bom comportamento carcerário.
Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso de
agravo (f. 24), sustentando nas razões de recurso (fls. 25/27) que: "Condenado por crime hediondo ou equiparado, em regime inicialmente fechado, admite-se a progressão do regime, mas não pode passar do mais rigoroso para o mais brando, pulando o regime intermediário, sob pena de negar vigência ao princípio da legalidade e da individualização da pena (CF, art. 5º, inciso XLVI), ao artigo 112 da Lei de Execuções Penais e ao artigo 33, § 2º, do Código Penal. ... Diante disto, é inconstitucional e ilegal a concessão de progressão de regime fechado para aberto, sem passagem pelo intermediário, vale dizer: semi-aberto." (fls. 25/26)
Ao final, pugna pelo provimento do recurso para ser restabelecido o
regime semi-aberto de cumprimento de pena, tendo em vista a proibição da progressão por salto.
O sentenciado apresentou contra-razões ao agravo (fls. 30/34), pugnando
pela manutenção da decisão que concedeu a progressão do regime fechado para o aberto.
A decisão foi mantida pelo magistrado à f. 36.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo ilustre
Procurador de Justiça, Dr. Gilberto Giacoia, manifestou-se pelo provimento do recurso, para cassar a decisão que concedeu a progressão ao regime aberto, sem prejuízo de eventual concessão de progressão ao regime semi-aberto, a critério do juízo da execução. (fls. 45/55)
É o relatório.
Voto.
Alega o Ministério Público de primeiro grau que é inconstitucional e
ilegal a concessão de progressão per saltum, ou seja, do regime fechado diretamente para o aberto. (fls. 25/27)
- Da impossibilidade da progressão per saltum.
Dispõe a art. 112 da Lei de Execução Penal, que:
"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão"
Desse modo, o sistema brasileiro é progressivo, sendo vedada a progressão
por salto, devendo o sentenciado progredir para o regime imediatamente menos rigoroso.
Nesse sentido é o seguinte julgado do egrégio Superior Tribunal de
Justiça, assim ementado, verbis:
"RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PER
SALTUM (DO FECHADO PARA O ABERTO). IMPOSSIBILIDADE. ART. 112 DA LEP. De acordo com o sistema progressivo de execução das penas privativas de liberdade (art. 112, da LEP), o condenado que se encontra em regime fechado deverá galgar o regime imediatamente menos severo (semi-aberto), para só então alcançar o regime aberto. A progressão prisional per saltum carece de amparo jurídico no nosso sistema jurídico-penal. Precedentes da Corte e do STF. Recurso conhecido e provido." (Rec. Especial 223162/SP, 5ª T, Min. José Arnaldo da Fonseca, julg. em 21/06/2001) No mesmo sentido são os julgados deste egrégio Tribunal de Justiça, assim ementados, verbis: "RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO. RÉU CONDENADO PELO CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CRIME HEDIONDO. PRETENDIDA REGRESSÃO DE REGIME PARA O INTEGRALMENTE FECHADO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º, DO ART. 2º DA LEI 8.072/90 DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROGRESSÃO CONCEDIDA POR SALTO PARA O REGIME ABERTO. PRISÃO DOMICILIAR. INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE." (Recurso de Agravo nº 329263-5, 4ª Câm. Criminal, Des. Luiz Zarpelon, julg. em 14/09/2006)
"1) RECURSO DE AGRAVO. CONCESSÃO DE PROGRESSÃO DO REGIME INTEGRALMENTE
FECHADO PARA O ABERTO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO NOS CRIMES HEDIONDOS. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º, DA LEI 8.072/90. PROGRESSÃO ADMITIDA. PROIBIÇÃO DE PROGRESSÃO PER SALTUM. ARTIGO 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Mesmo tendo sido a decisão que julgou a inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime aos crimes hediondos proferida em controle difuso de constitucionalidade é de ser acatada a nova orientação do egrégio Supremo Tribunal Federal para beneficiar o sentenciado. - Conforme disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal, a pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, sendo inadmissível a progressão por salto. 2) PARECER DA COMISSÃO TÉCNICA, FUNDAMENTADO EM PARECERES PSIQUIÁTRICO, PSICOLÓGICO E DISCIPLINAR, FAVORÁVEL À PROGRESSÃO DO REGIME FECHADO PARA O SEMI-ABERTO. REFORMA DA DECISÃO MONOCRÁTICA PARA ESTABELECER O REGIME SEMI-ABERTO DE CUMPRIMENTO DA PENA. - As avaliações técnicas a que foi o recorrido submetido revelam a viabilidade da progressão do regime de cumprimento da pena do fechado para o semi-aberto, reformando-se a decisão de primeiro grau para determinar a imediata progressão ao regime semi-aberto." (Recurso de Agravo nº 368334-7, 1ª Câm. Criminal, Des. Jesus Sarrão, julg. em 18/01/2007)
Diante do exposto, com razão o ilustre representante do Ministério
Público de primeiro grau, tendo em vista a expressa vedação legal da progressão de regime per saltum, sem a passagem pelo regime intermediário (semi-aberto), já que no sistema brasileiro deve haver uma evolução gradativa de um regime mais rigoroso para o imediatamente menos rigoroso.
- Dos requisitos exigidos para a progressão de regime.
Reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo legal que vedava a progressão de regime de cumprimento de pena, nos crimes considerados hediondos, é necessário fazer uma breve análise dos requisitos exigidos para a progressão ao regime semi-aberto. O MM. Juiz ao fundamentar a decisão que concedeu ao sentenciado a progressão ao regime aberto, disse que, verbis: "Com o advento da Lei nº 10.792/2003, restaram limitados os então requisitos (antecedentes/mérito - parecer da comissão técnica de classificação e exame criminológico, e emprego honesto) da progressão de regime prisional àqueles (1) do tempo mínimo de 1/6 de pena cumprida, e (2) do atestado de bom comportamento carcerário. ... Favorável ao postulante aquele último requisito legal, do art. 112, caput, da Lei nº 7.210/84 (nova redação), quanto à sua circunstância pessoal: bom comportamento carcerário. Fls. 06." (fls. 13/14) A exigência de exame criminológico e de parecer da Comissão Técnica de Classificação era prevista no parágrafo único do art. 112 da Lei 7.210/84, nos seguintes termos, verbis: "Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para o regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão. Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário." O art. 112, caput, da Lei de Execução Penal, com a redação determinada pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, não mais exige o exame criminológico e parecer da Comissão Técnica de Classificação, verbis: "Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (...) § 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes." Com efeito, a realização de exame criminológico e de parecer da Comissão Técnica de Classificação a fim de se decidir o pedido de progressão para o regime semi-aberto não mais estão previstos no supracitado art. 112, da LEP. Não obstante o artigo 112 da Lei de Execução Penal, na redação atual, não mais faça referência ao exame criminológico, nada impede que o magistrado se fundamente em laudos psiquiátrico e psicológico, elaborados por profissionais especializados da comissão técnica de classificação, para analisar a capacidade do réu em obter a progressão de regime, como se vê dos seguintes julgados do egrégio Superior Tribunal de Justiça, verbis: "HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.792/2003. (...). EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO QUANDO AS PECULIARIDADES DA CAUSA ASSIM O RECOMENDAREM. (...) 2. Contudo, a realização do referido exame pode perfeitamente ser solicitado pelo Juízo das Execuções, quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem, atendendo-se, assim, ao princípio da individualização da pena, prevista no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. 3. Ordem denegada." (HC 42513/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 29.08.2005, pág. 00386).
"HABEAS CORPUS. PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. EXIGÊNCIA DE EXAME
CRIMINOLÓGICO. LEI 10.792/03. DESNECESSIDADE. (...). 1. Após o advento da Lei 10.792/03, dando nova redação ao art. 112, da LEP, deixou-se de exigir a realização dos exames periciais, antes imprescindíveis, não importando, porém, em qualquer vedação à sua realização sempre que o juízo de execução considerar necessária. 2. (...)." (HC 38719/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU 05.09.2005, pág. 00493). Desse modo, apesar de o art. 112, da Lei de Execução Penal, na redação atual, não mais fazer referência à realização do exame criminológico, isso não importa na inadmissibilidade de sua realização. Não há mais a obrigatoriedade, mas pode ser realizado para auxiliar o juiz na verificação do preenchimento dos pressupostos subjetivos previstos no art. 83 do Código Penal. Apesar de a nova Lei não mais se referir ao exame criminológico para a concessão da progressão ao regime menos gravoso, no presente caso, tudo estava a indicar a necessidade de realização de exame criminológico, diante da gravidade do crime cometido pelo sentenciado (homicídio qualificado) e do período em que encontra-se preso (desde 07/12/1997, f. 08). Ocorre, no entanto, que o Magistrado entendeu que, atendido o pressuposto objetivo de cumprimento de 1/6 da pena, é suficiente para comprovação do requisito subjetivo o atestado de bom comportamento carcerário do recorrido expedido pelo departamento penitenciário do Estado do Paraná (DEPEN), mesmo porque sua excelência ao conceder a progressão por salto do regime fechado para o aberto decidiu expressamente ser dispensável o exame criminológico, nos termos da Lei 10.792/03, que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal. Como o recurso do Ministério Público não impugna a decisão nesse tópico, não é possível dar provimento ao agravo para o efeito de ser realizado o exame criminológico, como sugeriu o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça. Desse modo, a decisão que concedeu ao sentenciado a progressão de regime per saltum deve ser reformada para, mantendo-se a possibilidade de progressão, determinar a progressão do regime fechado de cumprimento da pena para o semi-aberto. Diante do exposto, ACORDAM os Integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso de agravo para determinar a progressão do regime fechado de cumprimento da pena para o semi-aberto. Participaram do julgamento, votando com o relator, o senhor Desembargador Oto Luiz Sponholz (Presidente) e o Juiz Convocado Francisco Cardozo Oliveira. Curitiba, 03 de maio de 2007.