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A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS

INTERNACIONAIS AO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO NA VISÃO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A questão da incorporação e vigência dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro


remete-nos a uma celeuma jurídica, visto "que a Constituição não possui normas claras sobre sua
incorporação, deixando à jurisprudência a tarefa de esclarecer esse momento e seus efeitos."(1)

Na Carta Rogatória n° 8.279 (2), o Supremo Tribunal Federal posicionou-se acerca do procedimento
que deve ser, obrigatoriamente, observado para a incorporação no direito interno dos tratados
internacionais.

1. Introdução

Os membros da comunidade internacional relacionam-se e firmam os mais diferentes compromissos


por meio de convenções ou tratados internacionais. Assim, torna-se vultosa a forma pela qual o
ordenamento jurídico interno de cada Estado disciplina a incorporação de tratados internacionais.

A presente pesquisa científica tem como escopo descrever, resumidamente, a forma pela qual os
tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.

2. Natureza jurídica dos tratados internacionais

Antes de iniciar a discussão acerca da internalização dos tratados, é preciso descrever a sua natureza
jurídica. A terminologia empregada para os tratados é bastante imprecisa na prática internacional.

Confirmam esta afirmação as expressões contidas nos artigos 49, I(3) e 84, VIII (4), ambos da
Constituição Federal(5).

Luiz Ivani de Amorim Araújo(6), faz referência a impropriedade na utilização de termos que
significam a mesma coisa: "convenção e tratado são para nós expressões sinônimas [...]" "Eis o
motivo de nossa crítica aos artigos supramencionados de nossa Carta Magna que utilizam as
expressões ´Tratados, Convenções e Atos Internacionais´ para exprimir o mesmo objetivo jurídico
[...]"

A definição mais utilizada pela doutrina encontra-se na Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados(7):

"Art. 2° - Expressões Empregadas

§ 1° - Para os fins da presente Convenção:

a) "tratado" significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo
Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos
conexos, qualquer que seja sua denominação específica;
(...)"
Assim, "tratado é todo acordo internacional escrito, abrangendo em sua essência um acordo de
vontades formal entre os Estados soberanos ou personalidades jurídicas de caráter público, regido
pelo direito internacional e destinado a produzir efeitos jurídicos."(8)

Nascimento e Silva e Accioly (9) ensinam que para a validade de um tratado são necessárias:
capacidade das partes contratantes, habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e
objeto lícito e possível. Deve-se, ainda serem respeitados os princípios gerais de direito,
reconhecidos e respeitados pela sociedade internacional.

Uma vez celebrados, os tratados estabelecem uma relação jurídica entre seus signatários, tendo
aplicabilidade e eficácia em todo o território nacional, desde que devidamente incorporado ao
ordenamento jurídico interno dos Estados que firmaram o pacto.

3. As teorias monista e dualista

Prefacialmente, cumpre questionar se existe a separação, de qualquer espécie, entre o ordenamento


jurídico nacional e internacional, no que diz respeito a vigência e o momento da incorporação dos
tratados ao ordenamento jurídico interno.

Nesta linha, destacamos a existência de duas correntes: a dualista e a monista. Pertinente os


ensinamentos de João Grandino Roda(10):

É corolário da teoria dualista a necessidade de através de alguma formalidade, transportar o


conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano
internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo,
não será necessária a realização de qualquer atos pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os
tratados já ratificados, incorporados à legislação interna através da promulgação ou publicação.
(grifei)

O Supremo Tribunal Federal posicionou-se acerca da controvérsia doutrinária em torno do monismo


e dualismo:

É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e


dualista - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos
internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. (11)

Mesmo assim, assevera-se, que ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria dualista,
condicionando a vigência dos tratados internacionais à promulgação de norma jurídica interna.

4. Incorporação dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro

"A forma como o tratado se integra ao ordenamento jurídico interno dos Estados e passa a ser fonte
de direito é regulada por trâmites e procedimentos especiais definidos nas respectivas Constituições"
(12)

Neste sentido, o Ministro Celso de Mello relatou o seu entendimento quanto as regras que devem ser
observadas na incorporação dos tratados ao direito interno:
"[...] É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter
internacional, que reside a definição do inter procedimental pertinente à incorporação, para o plano
do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos [...] concluídos pelo
Estado brasileiro." (13)

No Brasil, o artigo 84, VIII, da Constituição Federal(14) dispõe que: "Compete privativamente ao
Presidente da República celebrar Tratados, Convenções e Atos Internacionais sujeitos ao referendo
do Congresso Nacional".

Apesar da nossa Carta Magna prever que o ato de celebrar tratados, compete privativamente ao
Presidente da República, devemos frisar que conforme disposto no artigo 7° da Convenção de Viena,
também estão autorizados a praticar atos relativos a conclusão dos tratados, os Ministros das
Relações Exteriores e pessoas que possuam carta de poderes outorgada pelo Presidente da
República.

Após a celebração, o Presidente da República, respeitando o disposto no artigo 49, I(15), da


Constituição Federal, remete o tratado para apreciação e aprovação do Congresso Nacional. A
aprovação do Congresso Nacional ocorre mediante decreto legislativo, conforme disposto no art. 59,
VI, da Carta Magna, necessitando, para aprovação, da maioria simples de votos, conforme disposto
no artigo 47 da Constituição Federal.

Este procedimento foi confirmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Carta Rogatória n°
8.279:

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo
Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas:
a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados,
acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I), e a do Presidente da República, que, além de poder
celebrar esses atos do direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto chefe de
Estado que é - competência para promulgá-los mediante decreto.(16)

Ocorrida a aprovação do tratado internacional, pelo Congresso Nacional, mediante decreto


legislativo, volta o tratado para o Chefe de Estado (Presidente da República) para que ocorra a
ratificação(17).

"A ratificação é a manifestação, também de cunho discricionário, do Poder Executivo, no sentido de


que o propósito de pactuar o tratado continua firme, atendendo aos interesses superiores do Estado."
(18)Tal propósito confirmado e reiterado é transmitido aos demais signatários, através do depósito
do instrumento de ratificação, no intuito de formalizar, perante eles, o compromisso do país.

Finalmente, ressalta-se que "o sistema constitucional brasileiro não consagra o princípio do efeito
direto e nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais"(19),
devendo o Presidente da República promulgar um decreto para que o tratado internacional tenha
vigência no ordenamento jurídico brasileiro.

Apesar de Pontes de Miranda afirmar que "os decretos legislativos são leis a que a Constituição não
exige a remessa ao Presidente da República para sanção (promulgação ou veto)"(20), o Supremo
Tribunal Federal considerou que a promulgação é requisito essencial para a incorporação dos
tratados ao direito interno:
A recepção dos tratados internacionais em geral [...] depende, para efeito de sua ulterior execução no
plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico,
assim definidos: [...] (c) promulgação de tais acordos ou tratados pelo Presidente da República,
mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais a sua
vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito
público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito interno.(21)

Portanto, os tratado internacionais têm vigência no ordenamento jurídico, somente após a sua
promulgação mediante decreto presidencial.

Recepcionado o tratado internacional pelo Direito interno, face mister identificá-lo hierarquicamente
dentro do ordenamento jurídico brasileiro. "O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os tratados,
uma vez recepcionados, têm status de lei ordinária. Assim, a eles é vedado disciplinar matérias
reservada a lei complementar."(22)

Manter os tratados internacionais no mesmo patamar hierárquico das normas ordinárias internas
pode acarreta graves conseqüências, "entre elas, a possibilidade do tratado ser afrontado por
qualquer lei ordinária superveniente com ele incompatível (art. 2°, § 1°, da LICC)."(23)

A exceção a esta regra, está prevista no art. 98 do CTN (24): "Os tratados e as convenções
internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que
lhes sobrevenha." Conseqüentemente, apesar de não haver hierarquia entre os tratados em matéria
tributária recepcionados e a legislação ordinária brasileira, por força do art. 98 do CTN, tais tratados
devem ser respeitados pela legislação ordinária superveniente.

Em resumo, conclui-se que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a incorporação dos tratados
internacionais dá-se através de atos formais e complexos, revestidos de caráter político-jurídico,
compreendendo as seguintes fases: a) celebração pelo Presidente da República; b) aprovação pelo
Congresso Nacional, mediante decreto legislativo; c) ratificação pelo Presidente da República,
mediante depósito do referido instrumento; e d) promulgação, mediante decreto presidencial. Sendo
estes procedimentos, indispensáveis para a incorporação e vigência dos tratados internacionais no
ordenamento jurídico brasileiro.

Referências

AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Os tratados no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível
em
( http://geocites.yahoo.com.br/profpito/ostratadosamaraljunior.html). Acesso em: 04 jun. 2004.

Notas:

1. ARAÚJO, Nádia de. A internacionalização dos tratados internacionais no direito brasileiro e a


ausência de regulamentação constitucional. In: Juris Síntese Millennium. Sintese, jan-fev 2004.

2. STF. Carta Rogatória n° 8.279, Plenário, Rel. Min. Celso de Melo, DJU 29.06.1998.
(http://www.stf.gov.br). Acesso em: 04 jun. 2004.

3. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre


tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional.
4. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

5. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Senado


Federal. Disponível em ( http://www.senado.gov.br). Acesso em: 04 jun. 2004.

6. ARAÚJO, Luiz Ivani de Amorim. Direito internacional público: anotações a margem da


constituição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1990 . vol. 654. p.25-26.

7. BRASIL. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratado. Disponível em


( http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/textos/conv_viena.html ). Acesso em: 04 jun. 2004.

8. TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Tratados internacionais e a integração tributária no mercosul.


In: Juris Síntese Millennium. Síntese, jan-fev 2004.

9. NASCIMENTO E SILVA, G.E. e ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional


público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 27.

10. RODA, João Grandino. Tratados internacionais. RT: 1991, p. 17.

11. STF. ADIN n° 1.480/DF, STF, Rel. Min. Celso Mello, DJU 15.09.1997. (http://www.stf.gov.br).
Acesso em: 04 jun. 2004.

12. TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Op. cit.

13. STF. ADIN n° 1.480/DF. Op. cit.

14. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Senado


Federal. Disponível em (http://www.senado.gov.br). Acesso em: 04 jun. 2004.

15. Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...)

16. STF. Carta Rogatória n° 8.279. Op. cit.

17. Ratificação - momento em que ocorre a troca de notas diplomáticas ou o depósito do instrumento
de ratificação no local designado, nos casos de tratados multilaterais.

18. ARAÚJO, Nádia de. Op. cit.

19. STF. Carta Rogatória n° 8.279. Op. cit.

20. MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição brasileira de 1967, com a Emenda n° 1, de
1969. São Paulo: RT, 1970, p.142.

21. STF. Carta Precatória n° 8.279. Op. cit.

22. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Os tratados no ordenamento jurídico brasileiro.
Disponível em (http://geocites.yahoo.com.br/profpito/ostratadosamaraljunior.html). Acesso em: 04
jun. 2004.
23. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Op. cit.

24. BRASIL. Código Tributário Nacional. Senado Federal. Disponível em


(http://www.senado.gov.br). Acesso em: 04 jun. 2004.

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