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Relacionamento com os Consumidores

Varejo sem politicagem

Décadas e décadas de mau uso dos recursos públicos e uma incrível aptidão para
esquecer o que foi dito anteriormente acabam por marcar a classe política brasileira
como o sinônimo do que deveria ser extirpado de nossa sociedade. Lei de Gerson,
toma-lá-dá-cá, negociatas escusas, negociatas que rendem uma cota de pecados
cuja penitência sequer pode ser calculada... Não é à toa que dizer que alguém
“parece político” está muito longe de ser um elogio.<br /><br />
Quem acompanha as palestras da NRF 2010, o maior evento de varejo do mundo,
que termina hoje em Nova York, tem a nítida sensação de que não há mais espaço
para “políticos” (do tipo mencionado no primeiro parágrafo) no mercado global. Nos
Estados Unidos, então, varejistas que se apoiam nesse sentido mais rasteiro de
“política” estão com os dias contados. Isso porque, ainda na ressaca da pior crise
econômica dos últimos quase 80 anos, os consumidores perceberam que não
querem mais ser enganados. Nem por eles, nem pelos outros.<br /><br />
Sim, porque eles caíram em um dos maiores contos-do-vigário da história, ao
acreditar que era possível viver em uma exuberância irracional, gastando dinheiro
sem medir consequências, acumulando bens sem achar que isso teria fim um dia e
contratando dívidas impagáveis para continuar em um ritmo acelerado de consumo.
Conto-do-vigário alimentado pela mídia, pelas empresas financeiras, pelos grandes
grupos de investimento e, por que não, pelo próprio varejo, que entrou na euforia e
acreditou que seria possível viver indefinidamente sem pagar a conta.<br /><br />
A consequência foi a crise financeira global.<br /><br />
O lado positivo da crise é o fato de que o consumidor americano tornou-se muito
mais racional e ponderado em seu comportamento, pensando muito mais antes de
sacar seu cartão de crédito. Em um mercado que já contava com lojas em excesso e
cuja economia vem tendo uma lenta recuperação, um comportamento que exige
imensas mudanças na abordagem dos clientes.<br /><br />
Em primeiro lugar, ganhou ainda mais espaço a excelência na execução. Mais vale
fazer o básico bem feito do que ter grandes ideias sem resultado. Pelo menos por
algum tempo, as inovações não virão dos Estados Unidos e da Europa, e sim dos
países emergentes, nos quais a crise significou apenas uma desaceleração do ritmo
de crescimento. Boa notícia para o Brasil: existe mais espaço atualmente para a
exportação de conceitos nacionais para o mercado global.<br /><br />
Com o aumento da importância da execução na estratégia dos negócios, torna-se
ainda mais relevante conhecer bem os clientes, para oferecer o produto que eles
desejam, quando desejam, em múltiplos canais, com serviços agregados, em uma
proposição de valor que seja atraente ao consumidor. Essa estratégia centrada no
cliente (<i>customer centricity</i>, para usar o termo da moda na NRF) passou a
fazer parte do mapa quando a Best Buy começou a segmentar suas lojas de acordo
com o tipo de cliente, há alguns anos; e hoje a expressão virou sinônimo de “colocar
o cliente em primeiro lugar”. Parece óbvio, não é? Sinal do quanto o mercado
americano tinha perdido o rumo durante os anos de fartura...<br /><br />
Como consequência da <i>customer centricity</i>, o varejo nem cogita não ser
multicanal. Ter loja e site, estar em várias redes sociais e esboçar ações de comércio
via celular é, hoje, o básico. Quem não tem isso está fora do jogo. O grande avanço
visto este ano na NRF é a integração dos canais, com soluções, sistemas e
estratégias de negócios que procuram enxergar loja, site, celular, catálogo, TV, redes
sociais, quiosques etc como o mesmo <i>business</i>. Assim, os produtos passam a
ter o mesmo preço online e <i>offline</i>, o <i>branding</i> é trabalhado
integralmente nos diversos canais e o cliente crescentemente passa a interagir com
várias mídias e fazer compras cruzadas.<br /><br />
Não é utopia imaginar que em breve será comum para o cliente entrar em uma loja,
ver o preço de um produto da mídia <i>indoor</i> da loja, conferir o produto <i>in
loco</i> no ponto de venda, escanear seu código de barras no celular, comparar
preços com a concorrência pelo celular, comparar esse produto com outros
semelhantes e fechar a compra em um quiosque com acesso à internet no chão de
loja. Com ou sem a ajuda de um vendedor. A tecnologia para isso já existe e está
ficando cada vez mais acessível.<br /><br />
Uma mudança significativa decorre do fato de que, pela primeira vez em muito
tempo, o foco está no consumidor, e não em tecnologia ou nos processos. O
mercado americano é reconhecidamente ruim no atendimento ao cliente (não à toa,
os líderes em bom atendimento nasceram como empresas de venda via catálogo ou
online), mas a crise parece ter despertado nos executivos do setor o entendimento
de que, se é preciso voltar ao básico, nada é mais básico do que atender sua
excelência, o cliente.<br /><br />
Com tudo isso, deixa de haver espaço para promessas não cumpridas. Um
consumidor muito mais exigente, mais cioso de seu dinheiro, mais cauteloso para
comprar, com armas para buscar a melhor oferta em qualquer lugar do mundo, deixa
de lado rapidamente uma empresa que não for consistente na entrega daquilo que
vendeu. Nesse novo cenário, mais vale ter um prazo de <i>delivery</i> mais longo
do que descumprir um prazo curto. Ou então, informar logo de início que não
conseguirá oferecer as mesmas condições de preço e financiamento online e
<i>offline</i>.<br /><br/>
Expectativa é tudo. No varejo pós-crise, não há mais espaço para promessas de
político em campanha eleitoral.

Renato Müller, gerente de Publicações da GS&MD

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