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Para dar uma noção do que falo, devo pontuar, por exemplo, que a Vara de
Juína possui jurisdição sobre 153.724 Km2, ou seja, sobre um território maior que
muitos estados brasileiros, como, por exemplo, Ceará, Acre, Amapá, Espírito Santo,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Sergipe, Santa Catarina e
Pernambuco. Demais disso, essas duas regiões, praticamente não servidas por
asfalto. Abro aqui um pequeno parêntese, para ilustrar o que falo, por via de
fotografias...
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vem se pautando em três eixos fundamentais, consistentes na aproximação entre o
Judiciário Laboral e a sociedade civil, na pactuação de acordos capazes de garantir
investimentos sociais nas regiões e na condenação judicial firme daqueles que utilizam
o trabalho escravo. É sobre esta experiência que doravante discorreremos.
Logo que chegamos a São Félix do Araguaia, percebemos que a sociedade civil
ainda não havia apreendido com exatidão o significado da vinda da Justiça do Trabalho.
Decidimos, então, que seria nossa tarefa dialogar francamente com a população, bem
como desenvolver projetos sociais na localidade, que fossem capazes de evidenciar a
verdadeira face do Judiciário Trabalhista, não só comprometida com julgamentos
formais e estatísticas, mas empenhada, sobretudo, na materialização da promessa
constitucional de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de
erradicar a pobreza, a miséria e a marginalização.
Foi então que com o decisivo apoio da Presidente do TRT da 23ª Região,
Desembargadora Maria Berenice Carvalho Castro Souza, tivemos a oportunidade de
instalar no município um projeto denominado de “Vara da Cidadania”, por via do qual
passamos a promover a inclusão digital de crianças e de adolescentes, que ainda
recebem noções de democracia, repassadas a partir do cultivo dos valores culturais
próprios da região.
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A Vara da Cidadania funda-se numa parceria estabelecida entre o Governo
Federal e o TRT da 23ª Região, que permite a este último estabelecer convênios com
municípios, por via dos quais são criados espaços onde os alunos carentes da rede
escolar pública são iniciados nas ferramentas essenciais da informática, as quais lhes
garantirão futuramente a inserção digna no mercado de trabalho, de modo a escaparem
do círculo vicioso de alienação e opressão que propicia, dentre outras violências, a
perpetuação do trabalho escravo. Atualmente a Vara da Cidadania de São Félix
funciona na própria sede da Vara, contanto com computadores, impressoras e
mobiliário cedidos pelo TRT, que ainda treinou o professor indicado pelo município para
atender as turmas que vêm sendo formadas. Do mesmo modo, em Juína estamos já
em via de instalar, em moldes iguais, a Vara da Cidadania.
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A partir daí formamos a primeira turma de monitores do projeto, composta
majoritariamente por lideranças sindicais, membros da Comissão Pastoral da Terra e
do Conselho Indigenista Missionário, militantes dos Direitos Humanos e professores da
rede pública de seis municípios da região. Como fruto dessa primeira etapa, os
monitores ligados ao Sindicato dos Rurícolas de São Félix promoveram um recente
encontro com aproximadamente cem trabalhadores rurais, no qual os seus direitos
laborais foram debatidos à exaustão. Quanto ao aludido evento, é de se destacar que
ministramos sua palestra de abertura, fazendo-o no quintal de chão batido do sindicato,
debaixo de árvores de floresta nativa, onde falamos aos presentes sobre o que é a
Justiça do Trabalho e como, por via dela, podem defender os seus interesses.
Em São Félix, por fim, criamos, contanto com o auxílio do Ministério Público do
Trabalho e do Ministério Público Estadual, a Escola da Cidadania, na qual as lideranças
comunitárias mais destacadas receberiam aulas básicas sobre direito (direitos
fundamentais, direitos sociais, defesa da mulher, defesa dos portadores de
necessidades especiais, etc...), para ao depois interagirem de forma mais qualificada
com a sociedade em que vivem, sempre na perspectiva da solução extrajudicial dos
conflitos de interesse. Infelizmente não cheguei a ver os resultados práticos desta
experiência, já que fui removido de SFA para Juína antes da efetiva implantação da
Escola.
Com essas atividades e mais outras que certamente virão, temos a convicção de
que estamos aproximando decisivamente o Judiciário Trabalhista da sociedade civil
local. Essa convivência fraterna e intensa possui um componente dialético muito
estimulante, permitindo-nos ensinar, aprender, e, sobretudo, conhecer melhor as
carências do povo oprimido, a fim de direcionarmos nossa atividade jurisdicional ao
encontro dos seus anseios.
Como é fácil intuir, não são poucas as ações civis públicas, civis coletivas e de
execução de termo de ajuste de conduta em curso nas Varas de São Félix e Juína, nas
quais se discute o tema do trabalho escravo. Nessas ações, além de pleitos
mandamentais de adequação ambiental, são postulados, dentre outros, pedidos de
indenização por dano moral coletivo.
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apenas um referencial. Um referencial muito importante; mas não mais do que um
referencial. Assim é que é que temos trabalhado, nos processos que se encontram sob
nossa reitoria, para que os montantes indenizatórios sejam revertidos às comunidades
diretamente lesadas, por via da realização de benfeitorias sociais, tais como a
construção de escolas, postos de saúde e áreas de lazer.
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normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, assegurado o atendimento em clínica
geral emergencial; b) a construção de uma escola de informática e de uma biblioteca; c)
a compra de um veículo modelo Van, com no mínimo oito lugares, para transportar as
crianças da fazenda à escola; d) a construção de um campo de futebol e de um parque
infantil para o lazer dos trabalhadores e seus filhos.
Mais recentemente, por fim, foram moldados três outros acordos similares. No
primeiro deles, uma usina assumiu a responsabilidade de doar 36 lotes ao município de
Confresa – MT, nos quais construirá duas escolas para atender a municipalidade. No
segundo, um seringal se obrigou à construção de duas creches, uma para atender os
seus trabalhadores e outra para as famílias carentes do município de Santa Terezinha –
MT. Nos dois últimos, dois executados destinaram, respectivamente, R$80.000,0 e
R$23.000,00, devidos em uma ação civil pública e uma ação de execução de título
extrajudicial (TAC), à realização de benefícios sociais diversos na região. No caso, o
numerário será gerido pelo Ministério Público do Trabalho, que lhe imprimirá destinação
adequada, com posterior prestação de contas ao juízo.
4 – CONDENAÇOES JUDICIAIS
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pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Sem titubear optamos pela segunda
alternativa e fixamos a indenização pelos danos morais coletivos em um milhão de
reais, fazendo-o com base em fundamentos jurídicos que agora não possuímos espaço
para detalhar. Demais disso, determinamos a inscrição do “empregador” na chamada
lista suja do trabalho escravo, de modo a impedi-lo de receber financiamento público
para a sua ilícita atividade produtiva privada, além de anteciparmos tutela na qual
impusemos ao infrator o cumprimento imediato de uma série de obrigações de fazer de
adequação ambiental trabalhista. Vale destacar que a aludida sentença foi confirmada à
unanimidade pela 2ª Turma do e. TRT da 23ª Região.
Até onde sabemos, tal fato é inédito no país, já que não temos outras notícias de
que trabalhadores, individualmente considerados, tenham vindo à Justiça do Trabalho
para pleitear que o Judiciário reconheça a condição de escravos a que foram reduzidos.
Creditamos esse fato alvissareiro ao diálogo franco que temos mantido com a
sociedade local, o qual tem contribuído decisivamente para que a informação sobre os
direitos trabalhistas básicos seja disseminada entre os trabalhadores da região. Vale
ressaltar, que no julgamento das mencionadas ações, condenamos o infrator ao
pagamento de verbas rescisórias, horas extras e indenização por danos morais
individuais, e, além disso, determinamos a sua inscrição na “lista suja” mantida pelo
Ministério do Trabalho e oficiamos o Ministério Público do Trabalho para a propositura
da correlata ação civil pública, na qual serão discutidos os possíveis danos
experimentados pela sociedade difusamente considerada.
Com tais atitudes, cremos que estamos construindo uma nova cultura na região,
arrimada na centralidade do mundo do trabalho e permeada pelo absoluto respeito aos
direitos sociais fundamentais.
5 – CONCLUSÃO
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Como já assentado no título do presente artigo, temos a firme convicção de que
o trabalho escravo é um velho problema, que deve ser resolvido à luz de uma nova
justiça. Precisamos, urgentemente, sem perder a essência daquilo que nos conduziu
até aqui, construir uma Justiça do Trabalho ainda mais ágil e despida de dogmas, na
qual a responsabilidade para com a construção da sociedade livre, justa e solidária
delineada na Constituição seja um compromisso inarredável. Em síntese, temos em
mãos o desafio de trabalhar pela definitiva abolição do trabalho escravo,
lamentavelmente renitente em nosso país, em pleno século XXI.
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Para que o microssoistema trabalhista fique todo a cargo da JT, falta o reconhecimento da competência
penal. Hoje a JT não é especializada; na verdade ela é subespecializada.