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1 – BREVE JUSTIFICATIVA
Salta aos olhos, pois, que embora o constituinte derivado continue a conceber a
existência do dissídio coletivo econômico, condicionou sua propositura à aquiescência
recíproca dos interessados, fato no mínimo inusitado, já que parece um tanto exótico
falar-se da existência de um “dissídio consensual”.
(*)
João Humberto Cesário é Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia - MT. Vice-
presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 23a Região – AMATRA XXIII.
Professor de Teoria Geral do Processo, Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na
Escola Judicial do TRT da 23ª Região.
Confesso que, num primeiro momento, fiquei tentado a enxergar o vício da
inconstitucionalidade no dispositivo em estudo, já que me atraia a tese de maltrato ao
direito fundamental de acesso à jurisdição, previsto no artigo 5o, XXXV, da Carta
Republicana.
Nada obstante, tenho por superado esse primeiro arroubo, por dois motivos
básicos.
Ora, não obstante a interpretação gramatical ser a mais pobre das modalidades
hermenêuticas, o fato é que a própria redação do § 2º do artigo 114 da CRFB repele a
tese da “arbitragem pública”, já que ali está escrito, com todas as letras, que
“recusando-se qualquer das partes (...) à arbitragem, é facultado às mesmas (sic), de
comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”.
Logo, parece verdadeira obviedade que o “dissídio coletivo” não pode ser
tomado como modalidade de “arbitragem”, ainda que pública1.
1
Aliás, não me parece adequado enxergar o Poder Judiciário como árbitro, já que magistrados julgam e,
portanto, não arbitram. Com efeito, a existência da arbitragem pública, embora plausível, encontra
morada mais adequada no Ministério Público, tanto é assim, que o artigo 83, XI, da Lei 75-93, estabelece
como função do parquet laboral a atuação como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios
de competência da Justiça do Trabalho.
2
Assim, acredito que o novo modelo melhor se amoldaria aos contornos de um
procedimento de jurisdição voluntária, onde não existiriam partes, mas meros
interessados, cabendo à Justiça do Trabalho a administração pública de interesses
privados.
Por outra vertente, já quanto à constatação, concluo que o poder normativo, tal
como era conhecido, está fadado ao desaparecimento, se é que já não eclipsou por
completo, consoante proclama parte da mais abalizada doutrina6.
2
Artigo 1.109 do CPC (tratando da jurisdição voluntária): O juiz decidirá o pedido no prazo de dez dias;
não é, porém, obrigado a observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a
solução que reputar mais conveniente ou oportuna.
3
Para a confirmação do asseverado, basta ver que ao contrário das outras modalidades decisórias, a
sentença normativa parte do vazio legislativo, buscando preenchê-lo por via da criação de fonte formal
heterônoma atípica, própria somente ao Direito do Trabalho.
4
Artigo 1.111 do CPC: A sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se
ocorrerem circunstâncias supervenientes.
5
Artigo 873 da CLT (tratando da revisão no dissídio coletivo): Decorrido mais de um ano de sua vigência,
caberá revisão das decisões que fixaram condições de trabalho, quando se tiverem modificado as
circunstâncias que as ditaram, de modo que tais condições se hajam tornado injustas ou inaplicáveis.
6
Aqui ouso timidamente dissentir da doutrina predominante, que tem anunciado o falecimento do poder
normativo. Ocorre que o § 3o do artigo 114 da CRFB de certa forma o preserva, minimamente é bem
verdade, pelo menos nos casos de greve em atividade essencial, quando o Ministério Público do
Trabalho possuirá legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo, cabendo à Justiça do Trabalho dirimir o
conflito.
3
Afinal, sempre foi cômodo às direções sindicais menos compromissadas,
aboletadas na sinecura da unicidade e do financiamento sindical não-espontâneo,
justificar perante as bases o fracasso de suas campanhas salariais naquilo em que já
se proclamou, não sem alguma razão, como sendo o “ranço conservador da Justiça do
Trabalho”.
Entrementes, ainda que gozando do aludido status, também é certo que o direito
de greve não é absoluto, estando o grevista obrigado a atender as necessidades
inadiáveis da comunidade, sujeitando-se às penas da lei quanto aos abusos cometidos
(artigo 9o, § § 1o e 2o da CRFB).
7
Direito Coletivo do Trabalho, 1a ed., São Paulo: LTr, 2001, pág. 149.
4
Enfim, há que se considerar que o tema relativo ao direito de greve não se
esgota em si próprio, situando-se na sua abrangência correlata o instituto conhecido por
lockout, definido por GODINHO DELGADO como “a paralisação provisória das
atividades da empresa, estabelecimento ou setor, realizada por determinação
empresarial, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando
negociação coletiva ou dificultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras”.8
Nada obstante, para o fiel desempenho da tarefa será de bom alvitre localizar e
estudar, primeiramente, o novel dispositivo constitucional que trata da competência da
Justiça do Trabalho quanto ao tema.
Pois bem. Estabelece o artigo 114, II, da CRFB, que “compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar as ações que envolvem o exercício do direito de greve”.
8
Op. cit., pág. 143.
5
Ora, se a Constituição dirige a competência da Justiça do Trabalho, sem
distinções, para a cognição e julgamento das ações oriundas do direito de greve, e se o
direito de greve nos termos de sua lei própria será analisado pelos primas trabalhista,
civil e penal, não se pode concluir de modo diverso, a não ser para se entender que a
atribuição especializada será ampla.
Por óbvio que nem de longe imbuído do intento de estabelecer um rol taxativo,
dou-me ao trabalho de trazer alguns exemplos de conflitos passíveis de serem
dirimidos pela Justiça do Trabalho, tanto sob o enfoque trabalhista típico, quanto do civil
e do penal.
Com base na mesma lição, são deveres dos grevistas: “assegurar a prestação
de serviços indispensáveis às necessidades inadiáveis da comunidade; organizar
equipes para manutenção de serviços cuja paralisação provoque prejuízos irreparáveis
ou que sejam essenciais à posterior retomada de atividades pela empresa; não
continuar a greve após a celebração de CCT ou ACT; respeitar direitos fundamentais
de outrem; não produzir atos de violência”.
9
Op. cit., págs. 163 e 164.
6
Em diapasão contraposto, poderão os empregadores intentar demandas
mandamentais que visem o cumprimento dos deveres dos grevistas.
Aqui várias hipóteses podem ser levantadas, como a possibilidade do Estado ser
condenado a reparar o prejuízo material e moral que causar tanto ao sindicato, bem
como ao cidadão trabalhador individualmente considerado, ao exceder, v.g., no uso de
aparato policial excessivo e desnecessário, com vistas à repressão do direito
fundamental de greve.
7
Como é palmar, embora o direito de greve se constitua em instrumento do mais
alto calibre democrático, necessário e útil ao fomento negocial coletivo, também é fato
que a sua iniludível zona de conflituosidade é campo fértil ao cometimento de excessos,
que por vezes resvalam na tipificação penal.
Assim é que vários artigos inseridos no Código Penal, como por exemplo, dentre
muitos que podem ser citados, o 197 (atentado contra a liberdade de trabalho), o 199
(atentado contra a liberdade de associação) ou o 203 (frustração de direito assegurado
por lei trabalhista), tratam de condutas criminais passíveis de serem praticadas no
curso das greves.
Em tais casos, nada obsta, antes tudo recomenda, que as ações respectivas
seja aforadas pelo Ministério Público do Trabalho perante a Justiça do Trabalho.
Não olvido aqui, obviamente, a previsão inserida no artigo 109, VI, da CRF, a
atribuir competência à Justiça Federal para processar e julgar as ações alusivas aos
crimes contra a organização do trabalho.
Contudo, tal fato, per se, não será capaz de desbancar as conclusões a que
chego. Colimando o fito de comprovar o asseverado, tenho por bem em reproduzir a
lição de JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR, que embora sem tratar
especificamente do direito de greve, calha justa para o deslinde da discussão em tela:
13
Nova Competência da Justiça do Trabalho, 1a ed., São Paulo: LTr, 2005, pág. 233.
8
ilícitos de cunho penal-trabalhista, cometidos em abuso ou em repressão ao exercício
do direito fundamental de greve, deverão ser processados e julgados perante a Justiça
do Trabalho.
Assim, por exemplo, o dirigente sindical que sofrer violência ou coação na sua
liberdade de locomoção, em função de eventual conduta praticada no desempenho de
atividade paredista, deverá ajuizar habeas corpus a fim de que o Juiz do Trabalho
restaure o seu direito de ir e vir.
Justamente por isso é que o inciso IV do atual artigo 114 da CRFB estabelece
competir ao Judiciário Trabalhista processar e julgar os mandados de segurança,
habeas corpus e habeas data, quando o ato praticado envolver matéria sujeita à sua
jurisdição.
6 – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
14
José Ajuricaba, apud Francisco Antônio de Oliveira, in, Comentários aos Enunciados do TST, 1a ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, págs. 469/470.
9
Superior, ao ditar, em síntese, que a Justiça do Trabalho dirimiria as questões
propostas, lavrando, de imediato, o competente “acórdão”.
Ora, ao estabelecer que nos dissídios de greve, uma vez dirimida a questão,
lavrar-se-ia o necessário “acórdão”, o legislador deixou transparecer, embora que de
modo enviesado, que estava a rechaçar a competência originária da primeira instância.
Ocorre que, a bem da verdade, o artigo 8o da Lei 7.783-89 diz que “a Justiça do
Trabalho (...) decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência “das
reivindicações” cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão”.
(sem destaque na redação legal).
Ao agido assim, deduzo que o legislador deixou clara a sua opção em destinar a
competência originária à primeira instância para conhecimento da matéria paredista,
aliás, como não poderia deixar de ser, já que a greve é instituto pelo qual se discutem
interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, cuja veiculação judicial deve se dar,
dentre outros meios, através do remédio jurídico das ações civis públicas, de atribuição
cognitiva do primeiro grau de jurisdição, como de há muito pacificado.
Deste modo, não será nada razoável redargüir-se tal conclusão a partir do tosco
argumento de que o caráter coletivo das aludidas ações destinaria a competência para
os Regionais.
15
À segunda instância no máximo se reservaria a competência para os casos de greve em atividade
essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, quando excepcionalmente o Ministério
Público do Trabalho estará legitimado a ajuizar dissídio coletivo típico (§ 3o do novel artigo 114 da CRFB)
10
Basta lembrar, como já ponderado anteriormente, que no caso análogo das
demais ações civis públicas, semelhante assertiva já se encontra de há muito
fulminada.
Já ao cabo de minha tarefa, desejo sugerir, por óbvio que sem pretensões
impositivas, um possível padrão comportamental dos magistrados no tratamento das
demandas paredistas que lhes serão postas à apreciação.
Para tanto, faz-se mister rememorar que a greve possui inquebrantável natureza
jurídica de direito fundamental, devendo ser encarada, portanto, como garantia
imprescindível ao direito coletivo de resistência dos trabalhadores (jus resistentiae).
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Ação Civil Pública. Competência Territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação
analógica do art. 93 do CDC. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública,
cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência
analógica do art. 93 do CDC. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional,
a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou
nacional, o foro é o do Distrito Federal.
17
No caso do TST a competência está prevista na Lei 7.701-88.
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sociedade a sua nova face, altamente comprometida com a construção do Estado
Democrático de Direito.
Ou
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