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COMPETÊNCIA PARA CONHECIMENTO DAS AÇÕES QUE ENVOLVEM O

EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE

João Humberto Cesário(*)

1 – BREVE JUSTIFICATIVA

Cumpre-me doravante o instigante desafio de traçar algumas reflexões acerca da


competência para conhecimento das ações que envolvem o exercício do direito de
greve.

Todavia, abordarei primeiramente as restrições que a Emenda Constitucional 45


criou ao poder normativo da Justiça do Trabalho, já que o seu enfraquecimento importa
na valorização do direito fundamental de greve no cenário jurídico brasileiro.

2 – A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 E A DETERIORAÇÃO DO PODER


NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Como é sabido, o constituinte originário de 1988 homenageou o poder normativo


do Judiciário Trabalhista, ao estatuir na redação original do § 2o do artigo 114 da CRFB
que, “recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos
respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho
estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais
mínimas de proteção ao trabalho”.

Diante da intimidade que os operadores juslaborais possuem com a matéria,


torna-se despiciendo discutir os contornos desta modalidade atípica de jurisdição,
sendo mais proveitoso adentrar, sem delongas, nas modificações que a E.C. 45
acarretou no assunto.

Ocorre que a novel redação do § 2o do artigo 114 da Magna Carta traz


substancial alteração quanto ao tema, estando a dizer, hodiernamente, que “recusando-
se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas (sic), de
comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do
Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Salta aos olhos, pois, que embora o constituinte derivado continue a conceber a
existência do dissídio coletivo econômico, condicionou sua propositura à aquiescência
recíproca dos interessados, fato no mínimo inusitado, já que parece um tanto exótico
falar-se da existência de um “dissídio consensual”.
(*)
João Humberto Cesário é Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia - MT. Vice-
presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 23a Região – AMATRA XXIII.
Professor de Teoria Geral do Processo, Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na
Escola Judicial do TRT da 23ª Região.
Confesso que, num primeiro momento, fiquei tentado a enxergar o vício da
inconstitucionalidade no dispositivo em estudo, já que me atraia a tese de maltrato ao
direito fundamental de acesso à jurisdição, previsto no artigo 5o, XXXV, da Carta
Republicana.

Nada obstante, tenho por superado esse primeiro arroubo, por dois motivos
básicos.

Em primeiro lugar, pelo motivo de que na jurisdição normativa os Juízes do


Trabalho partem do vazio legislativo, integrando-o com as regras oriundas da lavra
colegiada, não havendo que se falar, concretamente, em lesão ou ameaça a direito, já
que a norma sustentadora de eventual pretensão ainda estaria por ser construída.

Em segundo plano, pelo fato do poder normativo não passar de modalidade


jurisdicional anômala, cujo objeto, de viés claramente legiferante, traduz-se em
atividade judicial extravagante, passível de ser suplantada sem ofensa ao preceito
constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça de direito”.

Pois bem. Aceita a possibilidade, surgem-me uma tarefa e uma constatação.

A tarefa consiste em perquirir acerca da natureza jurídica do novo “dissídio


coletivo” (se é que o epíteto mantido pelo constituinte derivado continua
doutrinariamente pertinente).

Entrementes, tendo em vista os limites do presente estudo, centrados nas ações


que envolvem o exercício do direito de greve, debruçar-me-ei sobre o repto mais
detidamente em empreitada autônoma e futura, incumbindo-me, por enquanto,
meramente esclarecer que divirjo de parte significativa da doutrina, que se encontra a
defender a proposição de que o dissídio coletivo teria se transformado em modalidade
de arbitragem pública.

Ora, não obstante a interpretação gramatical ser a mais pobre das modalidades
hermenêuticas, o fato é que a própria redação do § 2º do artigo 114 da CRFB repele a
tese da “arbitragem pública”, já que ali está escrito, com todas as letras, que
“recusando-se qualquer das partes (...) à arbitragem, é facultado às mesmas (sic), de
comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”.

Logo, parece verdadeira obviedade que o “dissídio coletivo” não pode ser
tomado como modalidade de “arbitragem”, ainda que pública1.

1
Aliás, não me parece adequado enxergar o Poder Judiciário como árbitro, já que magistrados julgam e,
portanto, não arbitram. Com efeito, a existência da arbitragem pública, embora plausível, encontra
morada mais adequada no Ministério Público, tanto é assim, que o artigo 83, XI, da Lei 75-93, estabelece
como função do parquet laboral a atuação como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios
de competência da Justiça do Trabalho.

2
Assim, acredito que o novo modelo melhor se amoldaria aos contornos de um
procedimento de jurisdição voluntária, onde não existiriam partes, mas meros
interessados, cabendo à Justiça do Trabalho a administração pública de interesses
privados.

Nunca demais lembrar, que embora a nótula emblemática da jurisdição


voluntária seja a unilateralidade de causa, referido fato jamais obstou a existência de
dissenso de opiniões, certamente como ocorrerá no “novo dissídio coletivo consensual”.

Bem assim, na jurisdição graciosa o magistrado não se pauta pelo critério da


legalidade estrita, julgando o caso pelos ditames da equidade - artigo 1.109 do CPC 2 -,
portanto como no dissídio coletivo3.

Enfim, também é fato que a sentença de jurisdição administrativa pode ser


modificada sem prejuízo dos efeitos já produzidos se ocorrerem circunstâncias
supervenientes - artigo 1.111 do CPC 4 -, tal e qual o disposto no artigo 873 da CLT5.

Por outra vertente, já quanto à constatação, concluo que o poder normativo, tal
como era conhecido, está fadado ao desaparecimento, se é que já não eclipsou por
completo, consoante proclama parte da mais abalizada doutrina6.

Ao que me parece, todavia, tal acontecimento é deveras alvissareiro, merecendo


comemoração.

O fato é que o poder normativo não passa de malfazeja herança autoritária,


portanto sem paradigmas no mundo democrático, que sempre cumpriu o repugnante
papel de inibir a organização coletiva dos trabalhadores, impedindo a gestação de uma
consciência classista mais aguçada.

A bem da verdade, o aconchego da jurisdição normativa relegou o direito


fundamental de greve a um plano inferior, impedindo-o de cumprir sua função de
vigoroso instrumento democrático de negociação.

2
Artigo 1.109 do CPC (tratando da jurisdição voluntária): O juiz decidirá o pedido no prazo de dez dias;
não é, porém, obrigado a observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a
solução que reputar mais conveniente ou oportuna.
3
Para a confirmação do asseverado, basta ver que ao contrário das outras modalidades decisórias, a
sentença normativa parte do vazio legislativo, buscando preenchê-lo por via da criação de fonte formal
heterônoma atípica, própria somente ao Direito do Trabalho.
4
Artigo 1.111 do CPC: A sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se
ocorrerem circunstâncias supervenientes.
5
Artigo 873 da CLT (tratando da revisão no dissídio coletivo): Decorrido mais de um ano de sua vigência,
caberá revisão das decisões que fixaram condições de trabalho, quando se tiverem modificado as
circunstâncias que as ditaram, de modo que tais condições se hajam tornado injustas ou inaplicáveis.
6
Aqui ouso timidamente dissentir da doutrina predominante, que tem anunciado o falecimento do poder
normativo. Ocorre que o § 3o do artigo 114 da CRFB de certa forma o preserva, minimamente é bem
verdade, pelo menos nos casos de greve em atividade essencial, quando o Ministério Público do
Trabalho possuirá legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo, cabendo à Justiça do Trabalho dirimir o
conflito.

3
Afinal, sempre foi cômodo às direções sindicais menos compromissadas,
aboletadas na sinecura da unicidade e do financiamento sindical não-espontâneo,
justificar perante as bases o fracasso de suas campanhas salariais naquilo em que já
se proclamou, não sem alguma razão, como sendo o “ranço conservador da Justiça do
Trabalho”.

Será nesta nova perspectiva, de desaparecimento do poder normativo e


conseqüente fortalecimento do direito de greve, que tratarei do tema que me é dado
enfrentar.

3 – DIREITO DE GREVE: CONCEITUAÇÃO – NATUREZA JURÍDICA –


ABRANGÊNCIA

Para melhor abordagem do assunto proposto, conceituarei num primeiro


momento o direito de greve, para então me pronunciar sobre sua natureza jurídica,
procurando estabelecer, enfim, o alcance da sua abrangência correlata.

Numa miragem meramente positivista, estabelece o artigo 2o da Lei 7.783-89,


que “se considera legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva,
temporária e pacífica total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao
empregador”.

Todavia, em plano doutrinário mais abrangente, o professor MAURÍCIO


GODINHO DELGADO ensina que a greve deve ser compreendida como “a paralisação
coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus
empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão,
visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais
amplos”.7

Partindo para o patamar constitucional, imprescindível à compreensão da


natureza jurídica do instituto, é de se ver que o artigo 9 o da Lei Máxima diz ser
“assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

Assim, em perspectiva lógico-sistemática, é imperioso se destacar que o artigo 9 o


da CRFB está topologicamente inserido no título II da Magna Carta, sendo certo que a
greve deva ser tratada, portanto, como direito e garantia fundamental do cidadão
trabalhador.

Entrementes, ainda que gozando do aludido status, também é certo que o direito
de greve não é absoluto, estando o grevista obrigado a atender as necessidades
inadiáveis da comunidade, sujeitando-se às penas da lei quanto aos abusos cometidos
(artigo 9o, § § 1o e 2o da CRFB).

7
Direito Coletivo do Trabalho, 1a ed., São Paulo: LTr, 2001, pág. 149.

4
Enfim, há que se considerar que o tema relativo ao direito de greve não se
esgota em si próprio, situando-se na sua abrangência correlata o instituto conhecido por
lockout, definido por GODINHO DELGADO como “a paralisação provisória das
atividades da empresa, estabelecimento ou setor, realizada por determinação
empresarial, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando
negociação coletiva ou dificultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras”.8

Sobreleva salientar, que a prática do lockout constitui-se em conduta


marcadamente anti-sindical, atentatória aos fundamentos republicanos relativos aos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigos 1o, III; 5o XXIII e 170, caput, III e
VIII da CRFB), sendo peremptoriamente reprimida pelo artigo 17 da Lei de Greve (Lei
7.783-89), que diz ser “vedada a paralisação das atividades por iniciativa do
empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de
reivindicações dos respectivos empregados”.

4 – PREVISÃO CONSTITUCIONAL DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO


TRABALHO PARA CONHECIMENTO DAS AÇÕES QUE ENVOLVEM O DIREITO DE
GREVE – CONTORNO MATERIAL DOS CONFLITOS QUE SERÃO CONHECIDOS

Cumprido o itinerário traçado no tópico anterior, posso agora linear o contorno


dos conflitos que a Justiça do Trabalho encontrará no âmbito das greves.

Nada obstante, para o fiel desempenho da tarefa será de bom alvitre localizar e
estudar, primeiramente, o novel dispositivo constitucional que trata da competência da
Justiça do Trabalho quanto ao tema.

Pois bem. Estabelece o artigo 114, II, da CRFB, que “compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar as ações que envolvem o exercício do direito de greve”.

Sublinhe-se, pois, que a previsão de competência remete o operador


justrabalhista para as ações, sem distinção de natureza, que envolvam exercício do
direito de greve.

Portanto, não sem antes ressaltar o preceito comezinho de hermenêutica


constitucional, a ditar que a Constituição deva ser interpretada sob o enfoque da
máxima efetividade, com os olhos tão-somente voltados aos limites da concordância
prática, será paradoxalmente necessária a remessa do leitor, num primeiro momento, à
legislação infraconstitucional, a fim de se estabelecer a incomensurável abrangência do
preceito à balha.

Cumprindo tal desiderato, é necessário destacar que o artigo 15 da Lei 7.783-89


(Lei de Greve), apregoa que “a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou
crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a
legislação trabalhista, civil ou penal”.

8
Op. cit., pág. 143.

5
Ora, se a Constituição dirige a competência da Justiça do Trabalho, sem
distinções, para a cognição e julgamento das ações oriundas do direito de greve, e se o
direito de greve nos termos de sua lei própria será analisado pelos primas trabalhista,
civil e penal, não se pode concluir de modo diverso, a não ser para se entender que a
atribuição especializada será ampla.

Somente uma visão aferrada a dogmas do passado, incompatível com a atual


quadra competencial traçada pela EC 45, é que será capaz de restringir esta
possibilidade, pelo que me parece sensato proclamar que doravante estão reservadas à
competência do Judiciário Laboral todas as ações que envolvam o exercício do direito
de greve, independentemente do objeto trabalhista stricto, civil ou penal de que possam
estar impregnadas.

5 – BREVE EXEMPLIFICAÇÃO: ABORDAGEM TRABALHISTA, CIVIL E PENAL

Por óbvio que nem de longe imbuído do intento de estabelecer um rol taxativo,
dou-me ao trabalho de trazer alguns exemplos de conflitos passíveis de serem
dirimidos pela Justiça do Trabalho, tanto sob o enfoque trabalhista típico, quanto do civil
e do penal.

5.1 – Abordagem Trabalhista

Na dimensão estritamente trabalhista do tema, será necessário se elencar


previamente os direitos e deveres dos grevistas, para que se possa entender o objeto
das ações judiciais nesta seara.

Valendo-me mais uma vez do escólio do Professor GODINHO DELGADO9,


posso afirmar que “são direitos dos trabalhadores paredistas, entre outros: utilização de
meios pacíficos de persuasão; arrecadação de fundos por meios lícitos; livre divulgação
do movimento; proteção contra dispensa por parte do empregador; proteção contra a
contratação de substitutos pelo empregador”.

Com base na mesma lição, são deveres dos grevistas: “assegurar a prestação
de serviços indispensáveis às necessidades inadiáveis da comunidade; organizar
equipes para manutenção de serviços cuja paralisação provoque prejuízos irreparáveis
ou que sejam essenciais à posterior retomada de atividades pela empresa; não
continuar a greve após a celebração de CCT ou ACT; respeitar direitos fundamentais
de outrem; não produzir atos de violência”.

Dessarte, numa ótica essencialmente justrabalhista, poderão os empregados


ajuizar, por via dos órgãos a tanto legitimados (principalmente o sindicato), as ações
(coletivas por excelência) que sejam necessárias ao resguarde de seus direitos
paredistas.

9
Op. cit., págs. 163 e 164.

6
Em diapasão contraposto, poderão os empregadores intentar demandas
mandamentais que visem o cumprimento dos deveres dos grevistas.

5.2 – Abordagem Civil

É óbvio que o abuso de direito10, tanto no exercício quanto na repressão da


greve, poderá gerar prejuízo material e moral às partes diretamente envolvidas. Nasce
assim a imposição de reparação civil desses ilícitos.

Aqui várias hipóteses podem ser levantadas, como a possibilidade do Estado ser
condenado a reparar o prejuízo material e moral que causar tanto ao sindicato, bem
como ao cidadão trabalhador individualmente considerado, ao exceder, v.g., no uso de
aparato policial excessivo e desnecessário, com vistas à repressão do direito
fundamental de greve.

Também o sindicato poderá ser condenado a reparar as avarias experimentadas


pelo empregador, caso não tome as providências necessárias à manutenção de
serviços cuja paralisação seja hábil a provocar prejuízos irreparáveis ou que sejam
essenciais à posterior retomada de atividades pela empresa.

Pode ser vislumbrada, ainda, uma interessante possibilidade de condenação


solidária de empregadores e sindicatos de trabalhadores à reparação de dano moral
causado à coletividade, no caso dos últimos agirem como cúmplices dos primeiros em
lockout atípico de natureza política11, que vise, por exemplo, o aumento artificial das
tarifas praticadas nos transportes coletivos. No caso, obviamente, a legitimidade para a
propositura da ação pertencerá ao Ministério Público do Trabalho.

Enfim, há de se destacar a ação possessória conhecida pelo epíteto de “interdito


proibitório”, instrumento processual adequado à coibição da prática de lockin pelos
empregados, como no caso da ocupação dos locais de trabalho capaz de inibir o
acesso dos empregadores ou de terceiros interessados às instalações laborais12.

5.3 – Abordagem Penal


10
Figura tipificada no artigo 187 do Código Civil: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.
11
Adverte MAURÍCIO GODINHO DELGADO (op. cit., págs. 144 e 145), que enquadra-se no lockout certo
tipo de paralisação empresarial voltada a produzir uma pressão social ou política mais ampla (...) no
plano municipal, regional ou, até mesmo, federal. A esta observação, adiciono a notícia de que não são
raras as greves simuladas que buscam encobrir o lockout, tendo por escopo a busca de vantagens
econômicas extorquidas junto à sociedade pelo patronato, com a incompreensível e sórdida colaboração
de classes dos trabalhadores.
12
Na última greve dos bancários, ocorrida no ano de 2004, os chamados “piquetes”, que a princípio são
instrumentos de legítima defesa do movimento paredista (artigo 6 o, I, da Lei 7.783-89), acabaram por ser
usados de modo abusivo, com a vedação de acesso de correntistas às agências bancárias, de modo a
impedir a realização de serviços que independiam da participação direta dos trabalhadores, como a
retirada de extratos eletrônicos. No caso, os interditos proibitórios foram largamente utilizados, com
ajuizamento, entrementes, junto à Justiça Estadual, em virtude da zona competencial cinzenta existente
àquela altura.

7
Como é palmar, embora o direito de greve se constitua em instrumento do mais
alto calibre democrático, necessário e útil ao fomento negocial coletivo, também é fato
que a sua iniludível zona de conflituosidade é campo fértil ao cometimento de excessos,
que por vezes resvalam na tipificação penal.

Assim é que vários artigos inseridos no Código Penal, como por exemplo, dentre
muitos que podem ser citados, o 197 (atentado contra a liberdade de trabalho), o 199
(atentado contra a liberdade de associação) ou o 203 (frustração de direito assegurado
por lei trabalhista), tratam de condutas criminais passíveis de serem praticadas no
curso das greves.

Em tais casos, nada obsta, antes tudo recomenda, que as ações respectivas
seja aforadas pelo Ministério Público do Trabalho perante a Justiça do Trabalho.

Não olvido aqui, obviamente, a previsão inserida no artigo 109, VI, da CRF, a
atribuir competência à Justiça Federal para processar e julgar as ações alusivas aos
crimes contra a organização do trabalho.

Contudo, tal fato, per se, não será capaz de desbancar as conclusões a que
chego. Colimando o fito de comprovar o asseverado, tenho por bem em reproduzir a
lição de JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR, que embora sem tratar
especificamente do direito de greve, calha justa para o deslinde da discussão em tela:

“É importante sublinhar, ainda, que o disposto no art. 109, VI, da


Constituição da República, que dispõe expressamente a competência da
Justiça Federal para os crimes contra a organização do trabalho, não inibe
as conclusões ora expedidas, senão vejamos.
É que a despeito da literalidade de tal dispositivo, a jurisprudência,
consolidada na Súmula n. 115 do extinto Tribunal Federal de Recursos,
consagrou que a competência da Justiça Federal, para essas hipóteses,
somente se configura quando se trate de lesão penal de transcendência
coletiva e com repercussão geral na organização do trabalho, concebida
como sistema.
Em face disso, o que se sustenta aqui é que apenas os crimes
contra a organização do trabalho, de aspecto individualizado, é que se
deslocariam da competência da Justiça Estadual, para a Justiça do
Trabalho.
Em face, contudo, da própria “adequação legítima” já acenada, é
fundamental que o constituinte desloque ou revogue o mencionado inciso
VI do art. 109 da Constituição, a fim de que o fenômeno trabalho tenha um
tratamento penal holístico, inclusive do ponto de vista coletivo.”13

Com efeito, excetuadas as condutas criminais de transcendência coletiva e com


repercussão geral na organização do trabalho (concebida enquanto sistema), todos os

13
Nova Competência da Justiça do Trabalho, 1a ed., São Paulo: LTr, 2005, pág. 233.

8
ilícitos de cunho penal-trabalhista, cometidos em abuso ou em repressão ao exercício
do direito fundamental de greve, deverão ser processados e julgados perante a Justiça
do Trabalho.

Assim, por exemplo, o dirigente sindical que sofrer violência ou coação na sua
liberdade de locomoção, em função de eventual conduta praticada no desempenho de
atividade paredista, deverá ajuizar habeas corpus a fim de que o Juiz do Trabalho
restaure o seu direito de ir e vir.

Justamente por isso é que o inciso IV do atual artigo 114 da CRFB estabelece
competir ao Judiciário Trabalhista processar e julgar os mandados de segurança,
habeas corpus e habeas data, quando o ato praticado envolver matéria sujeita à sua
jurisdição.

6 – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA

Embora ao tempo da vetusta redação do artigo 114 da CRFB existissem


decisões que rejeitavam a competência do Judiciário Trabalhista para as ações
relativas ao direito de greve (principalmente quanto aos interditos proibitórios), o certo é
que, ex vi legis (artigo 8o da Lei 7.783-89), a competência material da Justiça do
Trabalho para cognição da questão sempre foi indissimulável, estando a jurisprudência
sumulada do Tribunal Superior do Trabalho assentada nesta diretriz (Súmula 189).

Também no concernente à competência originária, não havia maiores


controvérsias, já que sempre se entendeu que a ação deveria ser proposta perante um
Tribunal Regional do Trabalho ou junto ao Tribunal Superior do Trabalho (no caso da
instalação do conflito para além dos limites jurisdicionais de um só Regional).

A respeito do asseverado, colho as palavras do ex-presidente do TST, Ministro


JOSÉ AJURICABA:

“Sendo a greve um conflito ou dissídio coletivo entre empregados e


empregadores, não se pode deixar de ter como competente para apreciá-la
e decidir sobre o seu enquadramento como ato legítimo ou não, a Justiça
do Trabalho, face à norma do art. 114 da Constituição de 1988, segundo a
qual “compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre os trabalhadores e empregadores”. Em
conclusão, a Justiça do Trabalho continua a ser competente, por seus
Tribunais Regionais e Superior, pois a controvérsia exorbita a competência
das Juntas e Juízes de direito, para decidir sobre a legalidade ou
ilegalidade das greves.”14

Não bastasse a lição reproduzida, o próprio artigo 8o da Lei 7.783-89 trazia no


seu bojo evidente indicativo da competência originária dos Tribunais Regionais ou do

14
José Ajuricaba, apud Francisco Antônio de Oliveira, in, Comentários aos Enunciados do TST, 1a ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, págs. 469/470.

9
Superior, ao ditar, em síntese, que a Justiça do Trabalho dirimiria as questões
propostas, lavrando, de imediato, o competente “acórdão”.

Ora, ao estabelecer que nos dissídios de greve, uma vez dirimida a questão,
lavrar-se-ia o necessário “acórdão”, o legislador deixou transparecer, embora que de
modo enviesado, que estava a rechaçar a competência originária da primeira instância.

Todavia não me parece que tal entendimento se sustente atualmente. A questão,


embora ligeiramente intrincada, não chega a ser de difícil compreensão.

Ocorre que, a bem da verdade, o artigo 8o da Lei 7.783-89 diz que “a Justiça do
Trabalho (...) decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência “das
reivindicações” cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão”.
(sem destaque na redação legal).

Ora, ao falar no acolhimento “das reivindicações” o artigo 8o da Lei 7.783-89


deixou claro que a aludida decisão seria prolatada no bojo de “dissídio coletivo de
natureza econômica”, não sendo difícil compreender, portanto, os motivos que levaram
o legislador a discorrer sobre a lavratura de acórdão e não de sentença.

Todavia, como já visto alhures, o fato é que a E.C. 45 praticamente dizimou o


poder normativo da Justiça do Trabalho.

Dessarte é de se concluir que para o futuro a competência originária relativa ao


conhecimento, processamento e julgamento das ações que envolvam o exercício do
direito de greve pertence à primeira instância15, tanto quando se discuta a questão sob
enfoque estritamente trabalhista (como no caso da declaração da abusividade ou não
do movimento paredista), bem como quando a discussão permear a ótica civil ou
criminal.

Nesta perspectiva, parece-me intuitivo que o constituinte derivado tenha


apartado na atual redação do artigo 114 da CRFB as ações que envolvem o exercício
do direito de greve dos “dissídios coletivos consensuais”, prevendo-os separada e
respectivamente no inciso II e no parágrafo segundo.

Ao agido assim, deduzo que o legislador deixou clara a sua opção em destinar a
competência originária à primeira instância para conhecimento da matéria paredista,
aliás, como não poderia deixar de ser, já que a greve é instituto pelo qual se discutem
interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, cuja veiculação judicial deve se dar,
dentre outros meios, através do remédio jurídico das ações civis públicas, de atribuição
cognitiva do primeiro grau de jurisdição, como de há muito pacificado.
Deste modo, não será nada razoável redargüir-se tal conclusão a partir do tosco
argumento de que o caráter coletivo das aludidas ações destinaria a competência para
os Regionais.
15
À segunda instância no máximo se reservaria a competência para os casos de greve em atividade
essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, quando excepcionalmente o Ministério
Público do Trabalho estará legitimado a ajuizar dissídio coletivo típico (§ 3o do novel artigo 114 da CRFB)

10
Basta lembrar, como já ponderado anteriormente, que no caso análogo das
demais ações civis públicas, semelhante assertiva já se encontra de há muito
fulminada.

Com efeito, também no caso da greve haverá que se adotar, na fixação da


competência territorial, os critérios estabelecidos pelo artigo 93 do Código de Defesa do
Consumidor, expressamente encampados pela OJ 130 da SDI-II do TST16.

Como é de trivial inferência, os artigos 674 e seguintes da CLT estabelecem a


competência dos Tribunais Regionais17, sendo certo que todo o resíduo material
trabalhista insere-se no âmago funcional das Varas.

Logo, não havendo que se falar hodiernamente na importância dos dissídios


coletivos, a conjugação dos artigos 678, I, “a” da CLT e 8 o da Lei 7.783-89 não mais é
suficiente para atribuir competência originária grevista à instância ad quem, que assim
restou desviada ao órgão a quo da jurisdição trabalhista.

07 – O PAPEL DO MAGISTRADO TRABALHISTA NA CONDUÇÃO DAS


AÇÕES QUE ENVOLVAM O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE

Já ao cabo de minha tarefa, desejo sugerir, por óbvio que sem pretensões
impositivas, um possível padrão comportamental dos magistrados no tratamento das
demandas paredistas que lhes serão postas à apreciação.

Para tanto, faz-se mister rememorar que a greve possui inquebrantável natureza
jurídica de direito fundamental, devendo ser encarada, portanto, como garantia
imprescindível ao direito coletivo de resistência dos trabalhadores (jus resistentiae).

Dessarte, tratando-se a greve de um poderoso instrumento democrático,


absolutamente imprescindível ao fomento das negociações coletivas, acredito que o
magistrado trabalhista deverá se imbuir do férreo compromisso de não inviabilização do
seu exercício, principalmente quando vivenciamos o contexto histórico da extinção do
poder normativo da Justiça do Trabalho, instrumento que não raramente esteve a
serviço dos inconfessáveis interesses da nossa predatória elite econômica, impedindo a
gestação de uma consciência operário-classista mais avançada no país.

Ao agir assim, inibindo toda e qualquer sorte de conduta anti-sindical, o Juiz do


Trabalho demonstrará que não confunde imparcialidade com neutralidade, apontando à

16
Ação Civil Pública. Competência Territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação
analógica do art. 93 do CDC. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública,
cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência
analógica do art. 93 do CDC. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional,
a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou
nacional, o foro é o do Distrito Federal.
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No caso do TST a competência está prevista na Lei 7.701-88.

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sociedade a sua nova face, altamente comprometida com a construção do Estado
Democrático de Direito.

Afinal os magistrados não podem se esquecer que numa perspectiva mais


ampla, avançada e socialmente comprometida, possuem o notável papel de agentes
políticos, com responsabilidade para com a preservação dos fundamentos republicanos
da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (artigo
1o, II, III e IV da CRFB), devendo contribuir para o alcance dos objetivos fundamentais
de erradicação da pobreza, da miséria e da marginalização (artigo 3o, III, da CRFB).

Publicado em: “Competência da Justiça do Trabalho: Aspectos Materiais e


Processuais,1a ed., São Paulo: LTr, 2005, p.p. 83 a 95.”

Ou

CESÁRIO, João Humberto. Competência para conhecimento das ações que


envolvem o exercício do direito de greve. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1197, 11
out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9033>. Acesso
em: 13 jul. 2007.

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