Você está na página 1de 6

Fim de Mundo

(Benedito Monteiro)

Meu compadre Franquilino é que explica: fim de mundo, fim de mundo, sim senhor. E
para chegar lá, bote água, bote tempo, bote tempo e bote distância. Lá,ninguém chega com as
próprias pernas andando, nem com os próprios braços remando.Lá,os caminhos se
disfarçam.Os rios se estreitam e se alargam.Os lagos se abrem e se fecham.As águas se
repartem.As matas,perto,se afastam.E longe,formam o horizonte por traço.Um fio fininho nos
confins da vista.E bote tempo e bote tempo, e bote água .Bote caminhos
correntes,correntezas mansas e correntezas brabas.remansos e reminhos correntes de
margem a margem:Remoinho-sem-vento-n’água.Chegar lá é mesmo que caminhar ás
avessas.É não se chegar nunca.Lá parece que foi o lugar onde o Diabo perdeu as botas.Diz que
é paróquia ,cidade,comarca.Sede de município :Tem Prefeito,Vigário e Delegado de Polícia,mas
pra mim a modo que ainda é meio porto-de-lenha fora de rota.
Beira de rio não é como beira de estrada. O rio tomara o senhor, não para de correr
para baixo. E a correnteza agrava mais a distância das distâncias.Ninguém sabe por onde fica o
fim de mundo parece que.Lá,é o navio que sobe e o navio que desce.O regatão que
atraca.Coisa triste é ver navio passando ao largo.O mundo só chega lá embrulhado em
mercadorias de comércio.Quando passei por lá já não sabia pra onde ia e nem de onde vinha.O
rumo tinha ficado na curva de algum remanso.
Tive que parar nesse meio de viagem. O senhor diz que é o fim de mundo?Não sei. Só
sei que conheci a marca do homem logo no trapiche. Em cada cabeçote de viga estava ferrada
a dita marca.Marca de fogo.A dita cuja era selo municipal do Coronel dos Barrancos:Coronel
Laudemiro,Coronel Laudemiro Florêncio.
Nos blocos de balata, então, é que a marca adquiria os seus contextos próprio. na proa
da canoa,no balaustre da lancha,na jangada de toras, a madeira amortecia o ferro-em-brasa.A
marca aí não dilatava tanto a sua presença.Ao modo que era própria de marcar aquelas
posses.eram coisas que andavam,andavam como gado.Só que pelos rios.rios acima,rios
abaixo.mas marcar aquelas árvores –os arreios,as portas,os bancos,as mesas - já era
despropositado.homem não respeitava nem as coisas vivas,nem as coisas mortas.Tudo era
ferrado a ferro-e-fogo.era preciso que ficasse em todos os desenhos marca do ferro-em-
brasa..até num baú velho forrado de couro cru,entre taxas de cobre,a marca-de-fogo
guardava as coisa antigas.Era um “L” de ferro dentro de um coração fundido.para todos o “L”
significava LEALDADE.Lealdade também era o nome do maior seringal;lealdade era o nome da
lancha mais veloz.O “L” figurava na defesa da madeira pintada de preto na borda da lancha.e
na proa da montaria que servia de reboque, o “L” figurava florido de branco.lealdade era
também a vaca mais leiteira;a égua mais bonita;lealdade era o sítio da casa grande onde ficava
a sede da fazenda.só não tinha cavalo com o nome de lealdade porque parece que era nome
de fêmea.mas o garanhão que ele montava,era chamado REI LEAR,no masculino da palavra.
A marca era de ferro e o “L” ficava em brasa dentro de um coração em fogo. Marca-de-
fogo.Marca de fogo que se abrasava em sangue;que se desenhava em couro;que se
esquentava em suor e sebo;que se sefriava em cinzas;que fumaçava em água;que flamejava
em pele e pêlo;que explodia em carne viva.Marca de fogo que morria em resina de madeira
mas que queimava o âmago:que revivia na brasa;que chamuscava na chama;que incandescia
na labareda do fogueira.marca de fogo que marcava estradas,demarcava terras,separava
águas,fechava rios ,fechava lagoa,fechava estradas,fechava portas e porteiras.marca-de-
posses,marca-de-fogo,marca-de-guerra.também,só pela marca,eu conheci o homem.ele logo o
primeiro trato tinha me dado liberdade de escolhe a seringa,a lancha, o gado,a madeira,pra
qualquer um dos meus trabalhos.mas eu compreendi logo,que qualquer um que eu
escolhesse, o meu trabalho era de ser capanga.talvez por causa da força bruta,talvez por causa
de minha serventia no exército,talvez por causa de minha cara mesmo...
Mas antes de eu presenciar as coisas horríveis que ia ver com meus próprios olhos, tive
que assistir algumas coisas que não tinha testemunhas, nessas paragens- o senhor pensa-as
coisas precisam acontecer sem testemunhas. o Coronel dizia que isso era uma exigência de
eternidade.nunca entendi esse dizer do Coronel Lauromiro.tudo o que ele não sabia,não podia
ou não queria explicar,ele falava:isso é uma exigência de eternidade.era como o ferro-em-
brasa queimando a anca do animal;era como selo de escritura antiga;era como uma marca
cravada em terra virgem.O assunto ficava sempre encerrado na primeira pergunta.na minha
ignorância- essa palavra eternidade -é que fazia aquele lugar parece que,um fim de
mundo.será que era simples palavras ou era o homem?
Lá, todas as casas tinham uma porta e uma janela. e com medo,mais se uniam uma nas
outras.não minto:a única casa que tinha duas portas e cinco janelas era a casa-grande do
Coronel Laudemiro.mas também havia um “L” grande num portão de ferro e um enorme
retrato na parede.a única rua margeava o rio e findava numa praça onde ficava a igreja.e dessa
rua e dessa praça,pelas cinco janelas,se enxergava o grande retrato da parede.era o retrato de
um grande amigo.fiquei sabendo logo na chegada que aquele retrato tinha tomado o lugar da
imagem do Sagrado Coração de Jesus dado pelo povo da igreja.o pessoal do Apostolado da
Oração,já tinha escolhido há muito tempo aquele lugar por causa da situação da casa-grande.A
imagem tinha que ficar de frente para a única praça,pra única rua e para o rio que corria bem
em frente.foi por isso a primeira briga:briga em casa com mulher e na rua com todo o povo da
igreja.essa desavença de longos anos,ainda encontrei rendendo até o dia da minha
chegada.mesmo assim o retrato ficou firme na parede.a imagem do Sagrado Coração de Jesus
teve que se contentar com a parede da varanda em frente de uma Ceia do Senhor forrada de
veludo.meu contrato de capanga era também por causa daquele retrato grande na parede
.isso não foi me dito em palavras,mas pelas luta suja que medrava em todas as coisa.minha
maior fama era de ter servido o exército e de ter vindo de lugar bem distante daquele
mundo.pela aquelas bandas ,só mesmo era caboclo e reservista.o retrato tomava conta de
tudo.era o maior que tinha naquele lugarejo.nem na prefeitura,nem na igreja,tinha retrato
daquele tamanho e muito menos com aquela moldura.vigiava a cidade e o rio pelas cinco
janelas.contam,que no princípio,ninguém sabia do que se tratava.figurava um moço de paletó
preto com cara séria enforquilhando numa gravada-borboleta.cara nem feia, nem bonita,mas
ausente de tudo.ausente de tudo!Uma figura sem alma. mas o retrato,o retrato
mesmo,marcava toda a história do lugarejo.assim como a marca-de-fogo do Coronel
Laudemiro marcava fundo também os homens.
Dizem que foi na primeira eleição havia no município, que o retrato do amigo começou
a ser decifrado pelo povo. diz que era um retrato de bacharel,capitalista e carreirista de polícia
na capital do Estado há bote tempo.O coronel diz que tinha começado a vida com ele num
quarto de estudante.as estórias eram muitas.mas eram do retrato que avultavam as
coisas.também diziam que aquele retrato foi a causa das criaturas terem feitos os primeiros
pedidos.as zeladoras do Apostolado da Oração – só porque o retrato estava no lugar da
imagem do Coração de Jesus – afirmavam em cruz:que aquele retrato é que surgiram na
cidade todas as necessidades e prejuízos.eu mesmo,só posso dizer pelo que vi e pelo que não
vi,que aquele retrato devia ser a causa de muitos medos.muitos medos.agora,o que ninguém
ficou sabendo mesmo,era se o coronel guardava sonhos, sonhava recompensas,premeditava
vinganças,alimentava esperanças ou acenava com promessas.muitos achavam que ele só
guardava o retrato na parede só como ameaça.o retrato mesmo,parece que era um
enigma.embora nunca ninguém tivesse visto a pessoa própria - o dito quadro na parede -
sozinho,possuía o poder de dividir toda a cidade.conforme as pessoas olhavam o retrato –
tomara o senhor visse – podiam se tornar amigos ou inimigas.entre os amigos:podiam ser
sócios,protegidos,prepostos,fregueses,comparsas,parceiros,meeiros,capangas,lambaios ou
empregados.agora entre os inimigos: o máximo que se a pessoas podia ser era adversário
.também como adversário só se manifestava se conseguisse alguma autoridade.o resto era
pessoa avulsa:vivia oculta,sumia no rio,desaparecia na mata.pra esses,a rua virava caminho
estreito no aperto das casas de uma porta e uma janela.
Acho que cheguei naquele lugar nas vésperas de se realizarem as coisas que o Coronel
Laudemiro tanto tempo esperava. mas ainda tive tempo,tive tempo de escutar aquela
exigência da eternidade.nisso o Coronel Laudemiro era impávido.não,não fazia Por menos as
suas exigências.e por isso as marcas de ferro-e-fogo estavam em todos lugares.
Compadre Franquilino ,conforme já lhe disse,era reservista, mas não custo de
memória. por isso que o Coronel tinha contratado ele pra capanga.e com capanga ele apenas
cumpria ordens.não precisava entender caprichos,esperanças e vinganças.com essas coisas
mesmo ele não atinava.além de tudo era de fora e não conhecia bens os costumes da
cidade.pelo que eu ouvia e obedecia já há muito tempo esperava.mas o que o Coronel
Laudemiro tanto esperava?O senhor acha que era aquela exigência de eternidade?Pra mim a
modo que era aquela marca-de-fogo. a marca-de-fogo marcando toda-a-vida,marcava o
Coronel também até a alma.mas o que era mesmo que o Coronel tanto esperava?Tudo o que o
Coronel esperava, pro compadre Franquilino, pelos menos, estava por trás daquele retrato
grande na parede. o mundo começava e acabava na imagem daquele mudo amigo.o senhor
pensa que não?Pois ele mesmo dizia quando fazia as coisas. ele não era de dizer nem de
explicar os casos acontecidos.todos os seus atos eram definitivos.assim mesmo:de-fi-ni-ti-
vo.para o Coronel tudo era definitivo:marca,limite,eternidade,retrato grande na parede,e
amigos e inimigos.o resto do mundo girava em torno de suas ordens.Deus por exemplo não
era definitivo:comandava os rios nas enchentes e vazantes;comandava a chuva no princípio e
no fim do inverno;comandava o tempo de nascer e do cair dos frutos.e ás vezes comandava a
vida e a morte.mas não tocasse nas terras,nas posses e principalmente no querer e no dever
dos amigos.Deus não tinha o direito de meter o dedo em negócios.agora, a marca-de-
fogo,essa ,campeava solta.não sei como lhe dizer:a vivência do Coronel Laudemiro era parece
que ,o que fazia daquele burgo um fim de mundo.e o coronel tanto esperava daquele amigo
do retrato da parede ?Anos e anos, tempos e tempos tinham-se passado nessa espera, isso
todo mundo proclama. enquanto isso ,o coronel não consentia nem que outro nome ou outro
retrato entrasse nos seus domínios .mesmo sendo capanga,cabra de confiança,foi com muito
custo que compadre Franquilino descobriu as treitas do coronel com aquele amigo de muito
longe .bastava o retrato na parede e o voto na urna.nem o nome carecia que aquele povo
aprendesse.o retrato na mente e o voto na urna.a eleição era cinco em cinco anos e o
eleitorado de cabresto curto.se ele, o coronel pudesse botar a marca-de-fogo em vez do
nome ,bem que os votos iam para o tribunal com a marca-de-fogo.o “L” grande dentro de um
coração de brasas;ferro vivo feito voto.mas como a lei dizia que tinha de ser o nome na
cédula,precisava dessa votação na urna.cédula também é dinheiro ,não é marca,o que o
senhor acha?O coronel gastava de tudo para que todos os votos fossem desse se amigo. que
trato tinham?Eles tinham algum trato?Campanha, propaganda, promessa, compromissos, era
só retrato na parede. o gado pra matança,as lanchas pra transporte,o dinheiro pra roupa e o
sapato,o Coronel dava só na véspera.mas o povo só vivia mesmo desse trato,aquele enorme
retrato na parede.Compadre Franquilino conta que cavou no fundo pra saber o que o Coronel
esperava desse grande amigo.ficou desconfiado,pelos rabos de conversa que o homem queria
parece que mais prestígio.mando total ele tinha pra conta da terras e do dinheiro.e com o
dinheiro comprava tudo.mas por causa de briguinhas com o prefeito ás vezes ficava de opinião
contra o governo.coisa assim de política que compadre Franquilino não atinava.faltava
qualquer coisa no mando do Coronel,que o seu poder de mandar,parece que ainda não estava
completo.por isso ele queria tanto que o grande amigo do retrato da parede subisse na
política.quando o compadre Franquilino aportou lá por esse fim de mundo,o amigo do retrato
na parede já tinha subido um bom bocado.era Senador da República e candidato a governador
do Estado.O Coronel Lauremiro queria ganhar as eleições totalmente:sem nenhum voto
contra.compadre Franquilino tinha sido contratado para esse servicinho.ele sabia que para
ganhar a eleição precisava manejar a torto-e-a-direito a marca-de-ferro-e-fogo.ferrar
gado,ferrar os blocos de balata,ferrar os toros de madeira,já não era suficiente naquela
briga.haverá de encurralar também os eleitores.e não era só no dia da eleição,não senhor.se
assim fosse,já estava tudo resolvido.precisava encurralar os homens na roça,nos terreiros,nas
beiras de lago,nas beiras de rio,onde se maldasse a menor escapula.tinha que marcar cada
homem e cada coisa.
Tinha-se ferido as eleições. O coronel também dizia assim: tinha se ferido as eleições e
o grande amigo do retrato na parede já estava eleito. Era, parece que o Governador do Estado.
Mas tudo naquela hora dependia da amizade dos dois homens. O retrato na parede
testemunhava. Eu sei que até eu participava daquela ânsia com que toda a cidade esperava:
ninguém sabia o que esperava. O Coronel vigiava exclusivamente pra falar com o amigo do
retrato. O homem era governo e toda a cidade esperava. Com o coronel ausente a cidade se
sentia órfã. sem o Coronel até os inimigos estranhavam,tudo ficava diminuído.os inimigos
sentiam mais medo e os amigos não sabiam o que esperavam.O poder do Coronel mesmo sem
ser amigo do Governador já era enorme,que dirá ele chegando com a maior autoridade.Eu
mesmo que já era seu capanga farejava no ar uma porção de novidades.mas nunca que
conseguir descobrir no meio daquelas marcas e daqueles homens o que era promessa ou
esperança.todo mundo adivinhava o que era prestígio.e o prestígio do coronel com aquele
homem devia ser limitado.não que ele dissesse :o Coronel não dizia as coisas,as coisas ele
ferrava.a própria vida do Coronel servindo com lealdade aquele homem tanto tempo e de tão
longe não dava lugar pra nenhuma dúvida.inda mais que a imagem do retrato estava quebrado
agora no seu encante: o homem enforquilhando na gravata-borboleta tinha virado Governador
do Estado .na mente do povo,o que o coronel pedisse-era ordem.Cá comigo,a modo que o
Coronel ia dizer pro amigo feito Governador:isto é uma exigência de eternidade .o homem era
terrível nas suas exigências.seus ditames eram feitos de marcas,certezas e vinganças.por isso
ninguém duvidava que ele chegasse de repente com maior autoridade.mas as marcas,parece
que,ficavam até maiores:dividiam o tempo,as coisas,os animais e homens.principalmente os
homens .era como eu já lhe disse:marca-de-ferro-e-fogo também lealdade.será que era pra
isso que ele também chamava de exigência de eternidade.naqueles dias é que também o
nome avultava:o nome mesmo ganhava força de capangagem.o “L” da marca de fogo do nome
do seringal,da lancha,da fazenda,de tudo o que era chamado lealdade,era a maior prova
daquela política pirrônica.era um sentimento de mando nunca contrariado.farejava-se no ar
certezas longamente premeditadas.o orgulho e confiança de quem sempre teve posses
desmedidas.eu não lhe engano,no meio daquela ânsia.fiquei até mais perto do fim do mundo.
O povo, apenas sabia: o Coronel pedisse o que pedisse tinha que ser atendido.
os inimigos temiam e os amigos esperavam.eu como capanga,na minha condição de único
reservista,pensava logo cá comigo,que bem que o homem podia ter planos de me nomear
delegado.e até que imaginei Delegado nomeado.as horas e os dias de espera,só na minha
mente fiquei sendo o Delegado de Polícia .só que na cidade não havia soldado nem
cadeia.como eu podia então executar a minha condição de chefe?Em pensamento, passei uma
vista naquele povo pra saber como iam ficar de baixo de meu poder de polícia. eu sei que até
eu participava daquela ânsia com que toda a cidade esperava.ninguém sabia o que
esperava.mas logo vi que tudo dependia das marcas do Coronel Laudemiro;Meu serviço de
capanga ia ter maior força de autoridade .A marca-de-ferro-e-fogo, essa então ia ficar cada vez
mais legalizada.gado entrando em roça de vizinho,bloco de balata desviado da Lingala,
castanha roubado do paiol ,questão de terra,defloramento,sedução de menina-moça,festa
sem licença da polícia,cachaça da rapaziada,tudo dependia do homem.o poder de polícia
haverá de ser pra essas coisas.Dependia do Coronel chegar com a ordem do Governo.até as
zeladoras do Apostolado da Oração já achavam que a primeira medida era construir uma
cadeia pra porres e meretrizes.O Coronel não tinha colocado o retrato no lugar da Santa
Imagem?Construísse então a cadeia logo na frente da igreja.
Para os amigos, primeiro precisava de ser armado um coreto. necessitava de um
coreto para que quando o Coronel chegasse pudesse haver comício.eu como capanga é que
possuía as minhas experiências .mas como Delegado ,o que ia fazer num comício?Mas é como
eu lhe digo: lá, parece que, já era o fim do mundo.
Quando o Coronel chegou espalhou-se logo a notícia, mas ninguém podia
imaginar o acontecido. para os amigos- tomara o senhor visse – foi mesmo que água na
fervura.Para os inimigos,foi uma cochicharia de conversa ,mas então meio escondido corriam
os boatos mais desencontrados.eu cá comigo,só sabia que o homem tinha chegado
mudo,meio surumbático .O estranho foi que ele não deu a mínima ordem.ficou em frente ao
retrato grande na parede olhando pro seu amigo enforquilhado naquela gravata-borboleta.de
repente surgiu a notícia.Diz que ,diz que o Coronel não tinha sido atendido,uns diziam diz
que,outros diziam:impossível.eu lhe juro que era mesmo impossível .os amigos mesmo que
não acreditavam.O Coronel não ser atendido!- onde já se viu – o Coronel não ser atendido!
Mas atendido em quê meu Deus do Céu?Ninguém podia atinar ninguém podia atinar com o
que podia ter acontecido. Calcule então se os amigos tivessem construído o coreto?O caso
todo que se deu tinha dado no coreto?O caso tinha se dado em plena praça?Em frente á
igreja?O caso aconteceria em público, feito comício?Pra um comício necessitava reunir o povo.
não,primeiro os amigos. Amigos ou capangas?E o Prefeito, O delegado, o Vigário eram amigos
ou inimigos?Ninguém nunca sabia os desígnios do Coronel para com aquele amigo. só que o
retrato na parede era a única testemunha antiga.ele aparecia pela cinco janelas.podia ser
visto de qualquer lado da praça e até do rio de dentro da igreja.mas o retrato não falava pra
dizer em que os dois tinham se comprometido.só que para o povo que esperava, o retrato
grande de dentro da moldura,sendo o Governo,já era homem.Era o homem que mandava em
tudo.Era o homem que mandava em todo estado.todos lembravam,todos esperavam,mas o
Coronel estava triste e mudo.Naquele mesmo retrato,o povo tinha festejado todos os cargos
do amigo:deputado estadual,deputado federal,senador da República.naquelas horas o homem
do retrato era Governo. O amigo do retrato grande na parede do Coronel laudemiro era
Governador do Estado. É o que lhe digo:só mesmo num fim de mundo.mas o diacho é que
todos esperavam.Ninguém sabia o quê,mas todos esperavam. E eu com toda a minha
experiência de capanga e reservista, nunca que podia pensar que aquele Coronel tão sério, tão
cheio de mando, fosse capaz de tamanha atitude. e que atitude!Só muita vontade guardada no
peito anos e anos!As vontades, as ordens, as vinganças, as coragens, as promessas, as
ameaças- parece que estouravam no peito daquele homem. mesmo como capanga,pessoa-de-
perto-e-de-longe, eu não tive tempo de saber ao menos se ele sentia raiva.só olhar dele pro
retrato na parede me dava uma desconfiança de forte perigo.
Até hoje- o senhor pensa – não sei como foram dadas as ordens. Quando o pessoal da
casa grande já tinha saído todo pra fazenda, fui chamado pra fechar com sete chaves as duas
portas e as cinco janelas. lhe juro por Deus,que nunca vi um homem tão confiante,um tão
grande despropósito.parece que por eu era de fora,capanga e reservista, o Coronel não se
importou que eu presenciasse tudo.Pensei logo que fechado a sete chaves naquela casa,o
Coronel ia dar uma explicação que servisse pra todo mundo.eu era apenas um capanga,não
chegava a ser uma testemunha.Só que ele de paletó e gravata,sentado na cadeira,olhando pro
retrato grande na parede, ia ficando cada vez mais mudo.quando viu que estava tudo
fechado,pegou um machado e começou a quebrar todos os móveis.fez um monte com eles no
meio da sala e tocou fogo.Pegou a marca-de-fogo da fazenda e meteu na fogueira.quando o
“L” já estava vermelho,vermelho dentro do coração em brasa,desceu com uma vara o retrato
grande da parede.jogou no chão o quadro,pisou em cima,quebrou todo o vidro e tacou o
ferro-em-brasa na cara do amigo.depois – nem lhe conto –arriou as calças, e de palito –
gravata e tudo,cagou na cara do homem enforquilhado na gravata-borboleta.quando vi o
Coronel ficando vermelho,vermelho e os olhos querendo saltar da órbita,quis acudir com
algum remédio.Quis gritar por água,quis correr,quis gritar por socorro.mas tive
medo.Medo.tive medo – o senhor pensa – de enfrentar tamanha raiva.Foi só uma lasca de
tempo e o homem caiu roxo e todo vestido em cima daquele montão de merda.Estava
morto.Pra mim, é como eu lhe digo:o homem.o homem é que faz o fim de mundo.

Você também pode gostar